Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:659/12.6 BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:01/24/2024
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IMPOSTO SOBRE O TABACO.
EXTRAVIO DE ESTAMPILHAS FISCAIS.
Sumário:A falta não justificada de estampilhas fiscais, requisitadas com vista à introdução regular de tabaco no consumo, justifica a determinação administrativa da matéria colectável. Tal regime, na medida em que sujeito às garantias de contraditório e defesa, seja na fase administrativa, seja na fase judicial, não contende com os princípios de Direito Europeu do mercado interno, nem com os princípios constitucionais relativos aos direitos fundamentais.
Votação: Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃO
I- Relatório
S……….. M……. – F……….. Portugal, S.A., deduziu impugnação judicial contra decisão do Director da Alfândega do Jardim do Tabaco que indeferiu parcialmente a reclamação graciosa apresentada contra os atos de liquidação de Imposto Especial sobre o Consumo do Tabaco, identificados com o nº ……..857 no valor de €1.151.599,76 e o n.º …….588, no montante de €213.557,03, referentes, respectivamente, aos anos de 2008 e de 2009, pedindo a sua anulação, tal como o pagamento de juros indemnizatórios, a calcular deste a data do efectivo pagamento, até à emissão das respectivas guias.
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, por sentença com data de 12/04/2021, inserta a fls.959 e ss. (numeração do processo em formato digital-sitaf), julgou a presente impugnação judicial improcedente. Desta sentença apelou a Sociedade Impugnante para Tribunal Central Administrativo Sul, tendo na sua alegação de fls.996 e ss. - sitaf, formulado as conclusões seguintes:
A) A questão decidenda do presente recurso reconduz-se essencialmente a aferir se a decisão do Douto Tribunal a quo, conducente à manutenção na ordem jurídica das liquidações n.os ……875, de 21 de Julho de 2011, relativa ao ano de 2008, no montante global de EUR 1.151.599,76, e ……..883, de 22 de Julho de 2011, relativa ao ano de 2009, no montante global de EUR 213.557,03, padece de erro de julgamento e, em caso afirmativo, como convictamente entende a Recorrente, os fundamentos que o alicerçam exigem a prolação de pronúncia jurisdicional distinta quanto à legalidade do referido acto tributário;
B) Delimita-se o objecto do presente recurso à análise das seguintes questões e aos concomitantes erros de julgamento do Douto Tribunal a quo:
i.) Existência de um erro de julgamento na fixação da matéria de facto quanto à indevida inclusão de 10 estampilhas especiais de tabaco tipo 03 do ano de 2008 na conta-corrente da Recorrente;
ii.) Se, como considerou o Douto Tribunal a quo, não tem aplicação à situação subjacente aos presentes autos o procedimento de justificação automática dos n.os 23 e 24 da Portaria n.º 1295/2007, de 1 de Outubro;
iii.) Se, como considerou o Douto Tribunal a quo, não houve uma incorrecta transposição pelo artigo 110.º, n.os 4 e 6, do CIEC do regime previsto na Directiva n.º 2008/118/CEE, inexistindo, por isso, uma violação do princípio do primado do Direito Comunitário previsto no artigo 8.º, n.º 4, da CRP;
iv.) Se, como considerou o Douto Tribunal a quo, o artigo 110.º, n.os 4 e 6, do CIEC não padece de inconstitucionalidade orgânica, resultante da violação do princípio da reserva relativa de competência legislativa previsto no artigo 165.º, n.os 1, alínea i), 2 e 5, da CRP;
v.) Se, como considerou o Douto Tribunal a quo, o artigo 110.º, n.os 4 e 6, do CIEC, não viola o princípio da presunção de inocência previsto no artigo 6.º, n.º 2, da CDHLF, aplicável por força do artigo 8.º, n.º 2, da CRP, e os fins do sistema fiscal consagrados no artigo 103.º da CRP;
vi.) Se, como considerou o Douto Tribunal a quo, o regime do artigo 110.º, n.os 4 e 6, do CIEC não é manifestamente desproporcional atento o disposto no artigo 18.º, n.º 2, da CRP e o princípio da protecção da propriedade privada previsto no artigo 1.º do Protocolo Adicional à CDHLF;
vii.) A existência de erro dos Serviços da Administração Tributária na prolação da liquidação impugnada e consequente direito da Recorrente à percepção de juros indemnizatórios computados sobre o montante global a restituir e contabilizados desde as datas dos respectivos pagamentos indevidos até à emissão das correspectivas notas de crédito;
C) O Douto Tribunal a quo não deveria ter dado como expressamente provada a seguinte matéria de facto:
«Em 12/04/2011 a Impugnante enviou email à Alfândega a dar conhecimento que a INCM havia fornecido à mesma, 10 estampilhas especiais do tipo 03 do ano de 2008»;
D) Ao invés, deveria o Douto Tribunal a quo ter antes expressamente indicado o seguinte como matéria de facto não provada:
«Não foi provado que a Impugnante [ora Recorrente] requisitou junto da INCM, as 10 estampilhas especiais do tipo 03 do ano de 2008 referidas no e-mail de 12 de Abril de 2011 para introdução no consumo»;
E) Resulta da matéria de facto provada que, no ano de 2008, a Recorrente comercializou tabaco correspondente a 1.697.271 introduções no consumo – para o que consumiu idêntico número de estampilhas especiais –, representando as 32.442 estampilhas especiais cuja apresentação foi solicitada pela Administração Tributária 1,91% do total de estampilhas consumidas no ano em referência no decurso do processo produtivo;
F) Resulta igualmente da matéria de facto provada que, no ano de 2009, a Recorrente comercializou tabaco correspondente a 2.204.301 introduções no consumo – para o que consumiu idêntico número de estampilhas especiais –, representando pois as 19.816 estampilhas especiais cuja apresentação foi solicitada pela Administração Tributária 0,90% do total de estampilhas consumidas no ano em referência no decurso do processo produtivo;
G) Relativamente às inutilizações ocorridas no processo de fabrico, atenta a sua recorrência e normalidade, a referida Portaria n.º1295/2007, de 1 de Outubro, estabelece um regime especial, denominado de «procedimento simplificado de justificação», aplicável sempre e quando o número de estampilhas especiais inutilizadas na produção não exceda 2% do volume total de estampilhas introduzidas no consumo;
H) De acordo com a letra do n.º 23 da Portaria n.º 1295/2007, de 1 de Outubro, o regime de justificação automática em referência apenas é aplicável relativamente a inutilizações de estampilhas ocorridas durante o processo de fabrico «nos entrepostos de produção situados no território nacional»;
I) Ao contrário do decidido pelo Douto Tribunal a quo, entende a Recorrente que o facto de ter recorrido a fábricas situadas noutros Estados Membros da União Europeia e não em Portugal não pode impedir a aplicação do regime de justificação automática em referência, sob pena de inadmissível discriminação em violação do princípio da livre circulação de mercadorias previsto nos artigos 28.º e seguintes do TFUE e, bem assim, do princípio da livre prestação de serviços previsto nos artigos 56.º e seguintes do TFUE;
J) Defender a posição assumida pelo Douto Tribunal a quo em recusar essa aplicação significa admitir que, no que respeita à inutilização de estampilhas, a Portaria n.º 1295/2007, de 1 de Outubro, estabelece dois regimes jurídicos diferentes cujo factor distintivo assenta apenas na localização geográfica dos entrepostos de produção, a saber:
i.) Se tais entrepostos se situam em Portugal, as estampilhas inutilizadas durante o processo de fabrico, quando não ultrapassem 2% do total das estampilhas consumidas anualmente, consideram-se automaticamente justificadas;
ii.) Diferentemente, se os entrepostos se situam fora do território nacional, nomeadamente noutro Estado Membro da União Europeia, qualquer inutilização de estampilhas só se considera justificada mediante declaração oficial das Autoridade Fiscais do respectivo Estado que identifique o número concreto de estampilhas inutilizadas, o tipo de produto e o ano económico a que as mesmas respeitam;
K) Entende a Recorrente constituir o procedimento previsto no n.º 22 da Portaria n.º1295/2007, de 1 de Outubro – quando aplicável às inutilizações de estampilhas ocorridas em fábrica situada em Estado Membro da União Europeia que não Portugal e não excedam 2% do total consumido anualmente –, um encargo de efeito equivalente na acepção dos artigos 28.º e 30.º do TFUE, na medida em que impõe aos operadores económicos cuja produção de tabaco tenha lugar fora do território nacional (e tão-somente por esse motivo) a apresentação de declarações oficiais que atestem o número de estampilhas inutilizadas, especificando o tipo de produto e o ano a que respeitam, sob pena de ser ficcionada a sua introdução no consumo e, por conseguinte, de haver lugar à liquidação de imposto nos termos do artigo 110.º do CIEC;
L) A medida em apreço é assim susceptível de coarctar a liberdade de circulação de mercadorias – no presente caso, de tabaco manufacturado – no espaço europeu por a sua produção estar sujeita a regras mais gravosas no seio da União Europeia, no que concerne à inutilização de estampilhas, do que as implementadas no território nacional, o que desencoraja a localização das fábricas de operadores nacionais em países da União Europeia que não Portugal e necessariamente desincentiva a circulação do tabaco no seio da União Europeia;
M) Deste modo, a aplicação conjunta dos n.os 22, 23 e 24 da Portaria n.º 1295/2007, relativamente a inutilizações de estampilhas que não excedam o referido limite quantitativo de 2%, afigura-se desconforme ao princípio da livre circulação de mercadorias previsto nos artigos 28.º e seguintes do TFUE, proibindo tais preceitos comunitários – aplicáveis na ordem jurídica portuguesa por força do primado do Direito Comunitário sobre o Direito interno previsto no artigo 8.º, n.º 4, da CRP – a aplicação de semelhante regime restritivo.
N) Mesmo que assim não se entendesse, o que apenas por hipótese se admite, a não aplicação do procedimento de justificação automática dos n.os 23 e 24 da Portaria n.º 1295/2007, de 1 de Outubro, no caso de fábricas localizadas em outros Estados Membros da União Europeia que não Portugal é igualmente desconforme com o princípio da livre prestação de serviços previsto nos artigos 56.º e seguintes do TFUE, na medida em que constitui uma restrição à aquisição, por operadores estabelecidos em Portugal, de serviços de fabrico de tabaco situados em outros Estados Membros da União Europeia;
O) A discriminação resultante do regime da Portaria n.º 1295/2007, de 1 de Outubro – tratando de modo distinto, em razão da localização geográfica da fábrica, situações totalmente idênticas – não é passível de ser justificada por quaisquer razões imperiosas de interesse geral (a denominada “rule of reason” ou regra da razoabilidade) – sejam elas a necessidade de salvaguardar a coerência do regime fiscal ou de evitar a diminuição de receitas fiscais – que se afigurem aptas a legitimar as restrições impostas às liberdades fundamentais, desde logo, porque ao abrigo do Regulamento (CE) n.º 2073/2004, de 16 de Novembro de 2004, a Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo tem a possibilidade de obter a cooperação das autoridades competentes dos outros Estados Membros da União Europeia de modo a comprovar o normal funcionamento das fábricas aí situadas no que respeita a inutilizações de estampilhas especiais ocorridas no processo de manufactura de tabaco;
P) Assim, contrariamente ao decidido pelo Douto Tribunal a quo, o respeito pelos princípios comunitários acima enunciados impunha a aplicação do regime dos n.os 23 e 24 da Portaria n.º 1295/2007, de 1 de Outubro, às inutilizações de estampilhas que não excedam 2% das anualmente consumidas, independentemente da localização geográfica das respectivas fábricas de tabaco – seja em Portugal, seja em outro Estado Membro da União Europeia.
Q) É irrelevante a conclusão do Tribunal a quo quando afirma que «as declarações apresentadas pela Impugnante emitidas, alegadamente, pela fábrica A ………….. e H ……………. por não se saber a relação de quem assina com a fábrica e não foram emitidos em papel timbrado, não se enquadram no conceito de “Declaração adequada”», na medida em que, no presente caso, não ultrapassando as estampilhas reflectidas nos saldos finais das contas-correntes de 2008 e 2009 2% das anualmente consumidas nesses anos, impunha-se ao Douto Tribunal a quo que, aplicando o disposto nos n.os 23 e 24 da Portaria n.º 1295/2007, de 1 de Outubro, considerasse as estampilhas reflectidas nos referidos saldos como inutilizações automaticamente justificadas e, em consequência, determinasse a anulação das liquidações de IT dos anos de 2008 e 2009;
R) Face ao exposto, entende a Recorrente padecer a sentença recorrida de erro de julgamento, requerendo-se por isso a esse Douto Tribunal ad quem que julgue totalmente procedente o presente recurso, revogando a referida pronúncia jurisdicional, tudo com as demais consequências legais;
S) De todo o modo, caso esse Douto Tribunal ad quem mantenha dúvidas de que as disposições nacionais acima mencionadas são incompatíveis com os artigos 28.º e 56.º do TFUE, estando em causa uma questão de interpretação de Direito Comunitário que assume decisiva relevância para a questão sub judice, deverá suspender-se a presente instância e submeter-se a respectiva interpretação ao Tribunal de Justiça da União Europeia, competente para decidir a título prejudicial sobre a interpretação do Direito Comunitário, ao abrigo do disposto no artigo 267.º do TFUE, nos seguintes termos: “A liberdade de circulação de mercadorias prevista nos artigos 28.º e seguintes do TFUE e a liberdade de prestação de serviços prevista nos artigos 56.º e seguintes do TFUE opõem-se a um regime como o que resulta dos n.os 22, 23 e 24 da Portaria n.º 1295/2007, de 1 de Outubro, segundo o qual a justificação forfetária automática de 2% de estampilhas inutilizadas durante o processo de fabrico é apenas aplicável caso a manufactura do tabaco ocorra em território nacional português, não existindo quando a manufactura tem lugar em qualquer outro Estado-Membro da União Europeia?”;
T) A Directiva n.º 2008/118/CEE não prevê que os factos constantes do artigo 110.º, n.º 4, do CIEC consubstanciem introduções no consumo ou que possam de alguma forma determinar a exigibilidade de IT;
U) Ao contrário do regime fiscal holandês em análise no Caso Heintz van Landewijck SARL (processo C-494/04), o regime previsto no artigo 110.º, n.os 4 e 6, do CIEC não determina como consequência da eventual perda de estampilhas fiscais a mera não restituição de um valor de imposto voluntariamente pago de antemão pelo operador económico em função da sua expectativa de introdução de tabaco no consumo mas sim a ficção de um facto tributário cuja prática imputa ao operador económico, para mais ao PVP mais elevado por si praticado, assumindo por isso uma distinta natureza, de matriz sancionatória, que desloca o regime para um escopo de punição e não apenas de responsabilidade financeira;
V) O artigo 110.º, n.º 4, do CIEC, ao arrepio do regime previsto na Directiva n.º 2008/118/CEE, ficciona um facto tributário de matriz sancionatória que se afasta por completo dos pressupostos de exigibilidade de imposto previstos no artigo 7.º da referida Directiva, os quais se centram exclusivamente na movimentação física de tabaco manufacturado;
W) A possibilidade conferida aos Estados-Membros de condicionarem a circulação de tabaco manufacturado à ostentação de marcas fiscais não implica que a eventual utilização indevida ou o extravio de tais marcas seja assimilada à introdução no consumo do tabaco correspondente, sendo certo que a sede própria para punir o eventual incumprimento das obrigações decorrentes da utilização de estampilhas especiais é a contra-ordenacional (ou criminal) e não a fiscal, condicionando uma eventual punição à determinação da medida da culpa e a correspondente adequação da sanção à conduta concretamente praticada pelo infractor;
X) A sentença recorrida padece de erro de julgamento, na medida em que não determinou, como se lhe impunha, a inaplicabilidade do artigo 110.º, n.os 4 e 6, do CIEC, por força da sua incompatibilidade com o regime previsto na Directiva n.º 2008/118/CEE e, por via disso, com o princípio do primado do Direito Comunitário previsto no artigo 8.º, n.º 4, da CRP;
Y) De todo o modo, caso esse Douto Tribunal ad quem mantenha dúvidas de que as disposições nacionais acima mencionadas são incompatíveis com a Directiva n.º 2008/118/CEE e traduzem, por via disso, uma violação da mesma, estando em causa uma questão de interpretação de Direito Comunitário derivado que assume decisiva relevância para a questão sub judice, deverá suspender-se a presente instância e submeter-se a respectiva interpretação ao Tribunal de Justiça da União Europeia, competente para decidir a título prejudicial sobre a interpretação do Direito Comunitário, ao abrigo do disposto no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, nos seguintes termos: “A Directiva n.º 2008/118/CE, do Conselho, de 16 de Dezembro de 2008 opõe-se à legislação de um Estado-membro, como a do artigo 110.º, n.os 4 e 6, do CIEC, que, no contexto da perda de estampilhas fiscais confiadas a um operador económico, ficciona a ocorrência de uma introdução no consumo de tabaco e exige do referido operador o pagamento do IT tendo como base tributável em qualquer caso o PVP mais elevado praticado pelo operador económico em causa, sem possibilidade de um juízo de razoabilidade e proporcionalidade do caso concreto nomeadamente quanto ao valor do IT assim liquidado?”;
Z) Tendo o Douto Tribunal a quo decidido que permanece na disponibilidade legislativa dos Estados-Membros extrair a consequência do desaparecimento de estampilhas fiscais porquanto tal matéria não é abrangida pelo escopo da Directiva n.º 2008/118/CEE, necessariamente terá de se concluir que o Governo legislou sobre matéria que lhe estava vedada – norma de incidência tributária – sem lhe ter sido concedida a respectiva autorização pela Assembleia da República;
AA) O facto gerador e a matéria de exigibilidade do IT não podem ser disciplinados por meio de decreto-lei senão mediante autorização legislativa da Assembleia da República e dentro dos limites dessa autorização, por isso uma medida legislativa que vá para além de uma transposição daquela para a ordem jurídica interna (in casu, pelo CIEC) implica necessariamente a violação da referida lei de autorização e, por conseguinte, a inconstitucionalidade orgânica do artigo 110.º, n.os 4 e 6, do CIEC, com fundamento no princípio da reserva relativa de competência legislativa previsto no artigo 165.º, n.os 1, alínea i), 2 e 5, da CRP;
BB) O artigo 110.º, n.º 4, do CIEC assimila à introdução no consumo situações em que estampilhas especiais não sejam apresentadas à Administração Tributária a solicitação desta, procedendo à liquidação de IT tendo por base o PVP mais elevado praticado pelo operador económico – isto é, como se as estampilhas especiais em causa tivessem sido utilizadas pelo próprio operador económico para introduzir fraudulentamente no consumo o produto mais caro por si comercializado;
CC) A liquidação de IT prevista no artigo 110.º, n.os 4 e 6, do CIEC possui assim uma vertente preventiva – dissuadindo os operadores económicos do uso indevido de estampilhas especiais –, mas também um marcado carácter punitivo, fazendo surgir na esfera dos operadores económicos que não cumpram adequadamente a sua obrigação acessória de guarda das estampilhas especiais adquiridas uma obrigação de pagamento de IT assente no PVP mais elevado por si praticado;
DD) Mesmo admitindo que a tributação possa visar fins extrafiscais, a punição do incumprimento de obrigações acessórias – no caso de guarda de estampilhas especiais – não pode operar-se mediante a ficção de factos tributários conducentes a tributação, devendo antes ocorrer mediante a aplicação de sanções em sede de processos de infracção tributária, no âmbito dos quais efectivamente se demonstre o preenchimento dos pressupostos da responsabilidade contra-ordenacional ou criminal, nomeadamente o grau de culpa e a ilicitude;
EE) O facto de a base tributável de referência para a liquidação de IT de acordo com o artigo 110.º, n.º 6, do CIEC ser o PVP mais elevado dos produtos comercializados pelo operador em concreto (e não o PVP médio praticado a nível nacional pelo conjunto dos operadores) – indicia claramente, por um lado, que o regime em causa traduz um juízo de imputação sobre o operador económico em concreto da prática de uma introdução fraudulenta no consumo de tabaco manufacturado, uma vez que ficciona a introdução no consumo especificamente dos produtos comercializados por aquele e não de quaisquer outros (seja com PVP mais elevado ou com PVP mais baixo) e, por outro, que o regime em causa assenta na imputação ao operador económico daquela introdução fraudulenta no consumo a título doloso, não negligente, uma vez que assume uma introdução no consumo dos produtos com PVP mais elevado de entre aqueles comercializados pelo operador, em resultado de uma suposta decisão racional de introdução fraudulenta no consumo dos produtos de maior valor;
FF) Invoca-se pois, para os devidos efeitos legais, que o regime decorrente do artigo 110.º, n.os 4 e 6, do CIEC é inconstitucional por violação dos fins do sistema fiscal ínsitos no artigo 103.º da CRP, na interpretação normativa de que, perante a constatação da falta de estampilhas fiscais requisitadas por um operador económico, é devido pelo operador económico em causa o pagamento do IT que seria devido caso a totalidade de tais estampilhas tivesse sido utilizada na introdução no consumo de tabaco manufacturado ao PVP mais elevado por aquele praticado, independentemente de qualquer apuramento factual ou juízo de probabilidade quanto à efectiva ocorrência de tal facto tributário, visando na prática tal regime punir o incumprimento de uma obrigação fiscal acessória e não a satisfação das necessidades financeiras do Estado ou a repartição justa dos rendimentos e da riqueza;
GG) O artigo 18.º, n.º 2, da CRP consagra um princípio geral de proporcionalidade na restrição de direitos, liberdades e garantias, determinando que a lei só pode operar essa restrição nos casos expressamente previstos na CRP, não podendo as restrições exceder o necessário para a salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos;
HH) A cominação associada ao uso indevido ou à não apresentação de estampilhas especiais – a obrigação de pagamento de IT assente numa ficção de introdução no consumo do produto comercializado ao PVP mais elevado –, colide frontalmente com o princípio da proporcionalidade das normas restritivas dos direitos, liberdades e garantias – consagrado no artigo 18.º, n.º 2, da CRP e cujo escopo protector abrange, atento o disposto no artigo 17.º da CRP, o direito à propriedade privada, consagrado no artigo 62.º, n.º 1, da CRP –, bem como directamente com o direito à propriedade privada consagrado no artigo 1.º do Protocolo adicional à CDHLF;
II) O regime constante do artigo 110.º, n.os 4 e 6, do CIEC, não se mostra necessário à satisfação do interesse público de controlo das estampilhas especiais, correspondendo a exigência de pagamento do IT correspondente ao valor que seria devido caso houvesse ocorrido uma efectiva introdução no consumo de tabaco ao PVP mais elevado praticado pelo operador a uma cominação manifestamente desproporcionada e arbitrária;
JJ) O contraste entre o valor médio de IT arrecadado em 2008 e 2009 no mercado nacional por cada estampilha especial e o valor cobrado por estampilha subjacente às liquidações impugnadas demonstra claramente a desproporcionalidade da aplicação do PVP ditado pelo artigo 110.º, n.º 6, do CIEC e a sua falta de aderência à realidade – quer da Recorrente quer do mercado nacional –, nem quaisquer eventuais danos abstractamente causados pela Recorrente ao erário público são adequadamente ressarcidos com base no PVP resultante daquele regime legal, dado o desfasamento entre a receita média por estampilha cobrada pelo Estado no período em referência e a receita pretendida cobrar por cada uma das estampilhas fiscais alegadamente em falta;
KK) Invoca-se pois, para os devidos efeitos legais, que o regime decorrente do artigo 110.º, n.os 4 e 6, do CIEC é inconstitucional por violação dos princípios da proporcionalidade e da propriedade privada, ínsitos, respectivamente, nos artigos 18.º, n.º 2, e 62.º, n.º 1, da CRP, na interpretação normativa de que, perante a constatação da falta de estampilhas fiscais requisitadas por um operador económico, é devido pelo operador económico em causa o pagamento do IT que seria devido caso a totalidade de tais estampilhas tivesse sido utilizada na introdução no consumo de tabaco manufacturado ao PVP mais elevado por aquele praticado, independentemente de qualquer apuramento factual ou juízo de probabilidade quanto à efectiva ocorrência de tal facto tributário, visando na prática tal regime em primeira linha punir o incumprimento de uma obrigação fiscal acessória através da determinação quantitativa de uma tributação que não é necessária, adequada e proporcional ao propósito de acautelar quaisquer eventuais danos ao erário público;
LL) Em clara oposição com o facto provado na alínea g) da sentença recorrida, o Douto Tribunal a quo decidiu ser correcta a recusa da Administração Tributária em corrigir aquela contabilização com fundamento no facto de tais estampilhas terem sido introduzidas pela Administração Tributária na conta-corrente na sequência de alegadamente a ora Recorrente ter confirmado a requisição e fornecimento de tais estampilhas especiais mediante mensagem de correio electrónico;
MM) Entende a Recorrente padecer a sentença recorrida de erro de julgamento, na medida em que não concluiu pela errada contabilização de 10 estampilhas especiais de tabaco 03 do ano 2008 não requisitadas pela Recorrente, o qual não poderá deixar de ser reconhecido por esse Douto Tribunal ad quem;
NN) Sendo ilegais as liquidações de imposto em referência, e tendo em consideração que enquanto não forem anuladas continuarão a produzir efeitos na ordem jurídica, a Recorrente tem direito ao pagamento de indemnização com fundamento em erro imputável aos serviços da Administração Tributária;
OO) Subsidiariamente, na medida em que se considere inexistir nos referidos termos erro imputável aos Serviços para efeitos do referido artigo 43.º, n.º 1, da LGT – hipótese que sem conceder se admite por mero dever de patrocínio –, sempre se dirá que tais juros serão em todo o caso devidos à luz do artigo 43.º, n.º 3, alínea d), da LGT – na redacção actualmente em vigor mas que tem aplicação retroactiva ao caso dos presentes autos –, sendo de assinalar que a tutela em matéria de juros indemnizatórios concedida por este normativo legal para as situações de inconstitucionalidade ou de ilegalidade regulamentar terá forçosamente que ser igualmente aplicável aos casos, como o dos presentes autos, de violação do Direito Comunitário, e do primado deste último, sob pena de incompatibilidade de tal regime com o Direito da União Europeia e, bem assim, com o artigo 8.º, n.º 4, da CRP, o que se invoca para os devidos efeitos legais.»

As conclusões terminam com o pedido de que o recurso seja julgado «totalmente procedente, revogando-se, por enfermar de erro de julgamento, a sentença recorrida, nos termos e com os fundamentos acima expostos, tudo com as demais consequências legais, nomeadamente substituindo[-se] a pronúncia jurisdicional recorrida por outra julgando totalmente procedente a impugnação judicial apresentada.»
Mais se requer, com fundamento na existência de «dúvidas de que as disposições nacionais acima mencionadas são incompatíveis com os artigos 28.º e 56.º do TFUE e, bem assim, com a Directiva n.º 2008/118/CEE e que traduzem, por via disso, uma violação da mesma», que o Tribunal «proceda ao reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia das questões acima formuladas, em conformidade com o disposto no artigo 267.º do TFUE».
Requer-se, ainda, «na exacta medida da procedência do presente recurso, a condenação da Fazenda Pública no pagamento das custas de parte, nos termos do artigo 26.º do RCP, tudo com as demais consequências legais».

X
Não há registo de contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal notificado para o efeito, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento do recurso.
X
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
X
II- Fundamentação
2.1. De Facto.
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:”
A) A Impugnante, S…………. M…….. – F………… PORTUGAL, S.A., com o NIF n.º ……………., tem por objecto a produção e comercialização de tabaco manufacturado, fósforos e isqueiros (cfr. acordo das partes - 2º da contestação);
B) Nessa qualidade, a Impugnante requisita à IMPRENSA NACIONAL – CASA DA MOEDA, S.A. (doravante "INCM"), por transmissão eletrónica de dados e através do portal "Declarações Electrónicas" da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, as estampilhas especiais que necessita, enviando-as em seguida para fábricas localizadas noutros Estados Membros da União Europeia, nomeadamente na Holanda, Bélgica, Luxemburgo, Dinamarca e Alemanha, responsáveis pela produção e embalagem do tabaco manufacturado e que procedem à aposição das respectivas estampilhas especiais nas embalagens de produto - ou "módulos de venda" - que a Impugnante posteriormente introduz no consumo (cfr. acordo das partes - 2º da contestação);
C) Em concreto, durante os anos de 2008 e 2009, a Impugnante recorreu às seguintes fábricas:
«Quadro no original»

(cfr. acordo das partes - 2º da contestação);
D) Com o objetivo de controlar o número das estampilhas especiais que requisita, a Impugnante mantém contas-correntes que discriminam, por ano e tipo de tabaco (tipo 01: "cigarros"; tipo 02: "charutos e cigarrilhas"; e tipo 03: "tabaco de corte fino e outro tabaco de fumar"), o número de estampilhas fornecidas pela INCM, bem como as inutilizadas e as apostas no tabaco introduzido no consumo. Essas contas correntes são elaboradas através do cruzamento da informação contida nas guias de fornecimento de estampilhas, nos autos de inutilização e nas declarações de introdução no consumo (cfr. acordo das partes – art. 2º da contestação);
E) No que respeita ao ano de 2008, a conta-corrente de estampilhas especiais relativas a "charutos e cigarrilhas" (tipo 02) apresenta um saldo final de 15.877 estampilhas especiais (cfr. doc. 1 junto com a p.i.);
F) Ainda em relação a 2008, a conta-corrente relativa a "tabaco de corte fino e outro tabaco de fumar" (tipo 03) - no caso da Impugnante, correspondente a tabaco para cachimbo e tabaco de enrolar - apresenta um saldo final de 16.565 estampilhas especiais (cfr. doc. 2 junto com a p.i.);
G) Detectou a Impugnante encontrarem-se reflectidas na primeira linha da conta-corrente de tabaco tipo 03 do ano de 2008, sob o número de documento "………….", 10 estampilhas especiais que efectivamente não foram requisitadas pela ora Impugnante, tendo nessa data sido, ao invés, solicitadas 10.000 estampilhas especiais mas que se encontram reflectidas na segunda linha da respectiva conta-corrente sob a referência "2008-7" (cfr. doc. 2 junto com a p.i.);
H) No que respeita ao ano de 2009, a conta-corrente de estampilhas especiais relativa a "tabaco de corte fino e outro tabaco de fumar" (tipo 03) - no caso da Impugnante, correspondente a tabaco para cachimbo e tabaco de enrolar - apresenta um saldo final de 19.816 estampilhas especiais (cfr. doc. 3 junto com a p.i.);
I) Durante o ano de 2011, a Impugnante foi notificada pela Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo para apresentar as estampilhas especiais constantes dos saldos finais referentes aos anos de 2008 e 2009 acima referidos - ou seja: 32.442 estampilhas especiais de 2008 e 19.816 estampilhas especiais de 2009 (cfr. acordo das partes - 2º da contestação);
J) Confrontada com essa notificação, a Impugnante solicitou a devolução de todas as estampilhas que estivessem nas fábricas, tendo de um modo geral obtido daquelas a indicação de que inexistiam estampilhas especiais na respectiva posse referentes aos anos de 2008 ou 2009 (cfr. acordo das partes - 2º da contestação);
K) No dia 5 de Julho de 2011, a Impugnante foi notificada pelo Director da Alfândega do Jardim do Tabaco de projecto de liquidação de IT relativo ao ano de 2008, no montante de EUR 1.151.599,76, do qual consta:
«No âmbito do processo de encerramento da conta corrente de estampilhas especiais de tabaco manufacturado para o ano económico de 2008 foi apurado um saldo de 32.452 estampilhas especiais [...]. Em face do exposto ficam V. Ex.as notificadas para no prazo de 15 dias se pronunciarem nos termos do artigo 60.º da Lei Geral Tributária sobre a intenção de proceder à liquidação do montante de 1.151.599,76 € em sede de Imposto Especial sobre o Consumo de Tabaco Manufacturado, uma vez que, nos termos do n.º 4 do artigo 110.º do Decreto-Lei n.º 73/2010 que estabelece o CIEC, se considera introduzido no consumo o tabaco manufacturado correspondente às estampilhas especiais que não se mostrem utilizadas regularmente ou que não sejam apresentadas à autoridade aduaneira a solicitação desta” (cfr. doc. 4 junto com a p.i.);
L) No dia 5 de Julho de 2011, a Impugnante foi igualmente notificada, também pelo Director da Alfândega do Jardim do Tabaco, de projecto de liquidação de IT relativo ao ano de 2009, no montante de EUR 213.557,03, fundamentado da seguinte forma:
“No âmbito do processo de encerramento da conta corrente de estampilhas especiais de tabaco manufacturado para o ano económico de 2009 foi apurado um saldo [...] de 19.816 estampilhas do tipo 03 – Tabaco de corte fino e outro tabaco de fumar [...]. Em face do exposto ficam V. Ex.as notificadas para no prazo de 15 dias se pronunciarem nos termos do artigo 60.º da Lei Geral Tributária sobre a intenção de proceder à liquidação do montante de 213.557,03 € em sede de Imposto Especial sobre o Consumo de Tabaco Manufacturado, uma vez que, nos termos do n.º 4 do artigo 110.º do Decreto-Lei n.º 73/2010 que estabelece o CIEC, se considera introduzido no consumo o tabaco manufacturado correspondente às estampilhas especiais que não se mostrem utilizadas regularmente ou que não sejam apresentadas à autoridade aduaneira a solicitação desta” (cfr. doc. 5 junto com a p.i.);
M) No dia 20 de Julho de 2011, a Impugnante exerceu o seu direito de participação na decisão administrativa relativamente a ambos os projectos de decisão, tendo, de acordo com informação entretanto obtida, informado o Director da Alfândega do Jardim do Tabaco de que 79 estampilhas especiais (19 relativas a charutos e cigarrilhas; 60 relativas a tabaco de corte fino e outro tabaco de fumar), respeitantes ao ano de 2008, e 5.310 estampilhas especiais (27 relativas a charutos e cigarrilhas; 5.283 relativas a tabaco de corte fino e outro tabaco de fumar), respeitantes ao ano de 2009, foram inutilizadas durante o processo de produção do tabaco manufacturado nas fábricas A ………… & CO. KG e M ………………….., respectivamente situadas na Alemanha e no Luxemburgo (cfr. docs. 6 e 7 junto com a p.i.);
N) No dia 21 de Julho 2011 o Director da Alfândega do Jardim do Tabaco produziu despacho “a liquidar o registo de liquidação nº ……..875, no montante de €1.151.599,76 em sede de Imposto sobre o consumo de tabaco manufacturado, relativo ao apuramento da conta-corrente de estampilhas especiais referente ao ano de 2008, onde se verificou um saldo de 32.452 estampilhas especiais, das quais 15.887 se referem ao tipo 02 - Charutos e Cigarrilhas (conta- corrente - Anexo I) e 16.565 estampilhas ao tipo 03 - Tabaco de corte fino e outro tabaco de fumar (conta-corrente - Anexo II). O saldo apurado resulta da diferença entre o número de estampilhas especiais requisitadas por V. Ex. as junto da INCM e o número de utilizações justificadas das mesmas, incluindo nestas as inutilizações quer de estampilhas especiais quer de produtos de tabaco manufacturado com estampilha aposta. Representa assim o número de estampilhas especiais fornecidas [...] que não se encontram regularmente utilizadas através da aposição em embalagens de venda ao público saídas do entreposto fiscal de que são titulares, não tendo as mesmas sido apresentadas à autoridade aduaneira conforme solicitado [...]. Os argumentos apresentados [...] em sede de audição prévia [...] não podem ser aceites [...]. Os documentos apresentados não estão emitidos em papel timbrado das alegadas fábricas, nem tão-pouco assinados por alguém responsável pelas mesmas [...] tal como dispõe o n.º 22 da Portaria 1295/2007 [...]. O montante apurado em sede de IT foi calculado com base no n.º 6 do artigo 110.º do Decreto-Lei n.º 73/2010 que estabelece o Código dos Impostos Especiais sobre o Consumo (CIEC), ou seja, com base no Preço de Venda ao Público (PVP) mais elevado praticado por V. Ex. as em 2008, que corresponde para as estampilhas do tipo 02 ao PVP dos produtos do TABH 439070C0 (500,00 € por módulo de venda ao público) e para as estampilhas do tipo 03 ao PVP dos produtos do TABH 707350C0 (26 € por módulo de venda ao público)” (cfr. doc. 8 junto com a p.i.);
O) No dia 26 de Julho de 2011, a Impugnante foi notificada da liquidação de IT n.º ………875, de 21 de Julho de 2011, relativa ao ano de 2008, no montante global de EUR 1.151.599,76 (cfr. doc. 8 junto com a p.i.);
P) No dia 26 de Julho de 2011, a Impugnante foi notificada da liquidação de IT n.º …………883, de 22 de Julho de 2011, relativa ao ano de 2009, no montante global de EUR 213.557,03, por não ter apresentado junto dos serviços alfandegários as 19.816 estampilhas especiais reflectidas no saldo final da sua conta-corrente de tabaco tipo 03, nem ter justificado perante tais serviços o seu paradeiro (cfr. doc. 9 junto com a p.i.);
Q) No dia 22 de Julho 2011 o Director da Alfândega do Jardim do Tabaco produziu despacho “a liquidar o registo de liquidação (RL) n.º ……….883, o montante de 213.557,03 € em sede de Imposto sobre o consumo de tabaco manufacturado, relativo ao apuramento da conta-corrente de estampilhas especiais referente ao ano de 2009, onde se verificou um saldo de 19.816 estampilhas especiais na conta-corrente de estampilhas do tipo 03 - Tabaco de corte fino e outro tabaco de fumar (conta-corrente - Anexo I). O saldo apurado resulta da diferença entre o número de estampilhas especiais requisitadas por V. Ex.as junto da INCM e o número de utilizações justificadas das mesmas, incluindo nestas as inutilizações quer de estampilhas especiais quer de produtos de tabaco manufacturado com estampilha aposta. Representa assim o número de estampilhas especiais fornecidas [...] que não se encontram regularmente utilizadas através da aposição em embalagens de venda ao público saídas do entreposto fiscal de que são titulares, não tendo as mesmas sido apresentadas à autoridade aduaneira conforme solicitado [...]. Os argumentos apresentados [...] em sede de audição prévia [...] não podem ser aceites [...]. Os documentos apresentados não estão emitidos em papei timbrado das alegadas fábricas, nem tão-pouco assinados por alguém responsável pelas mesmas tal como dispõe o n.º 22 da Portaria 1295/2007 [...]. O montante apurado em sede de IT foi calculado com base no n.º 6 do artigo 110.º do Decreto-Lei n.º 73/2010 que estabelece o Código dos Impostos Especiais sobre o Consumo (CIEC), ou seja, com base no Preço de Venda ao Público (PVP) mais elevado praticado por V. Ex. as em 2009, que para as estampilhas do tipo 03 corresponde ao PVP dos produtos do TABH 707350C0 (26 € por módulo de venda ao público)” (cfr. doc. 9 junto com a p.i.);
R) No ano de 2008, por referência à totalidade de estampilhas especiais apostas no tabaco manufacturado que introduziu no consumo e tal como resulta das declarações de introdução no consumo apresentadas junto da Administração Tributária, a Impugnante introduziu no consumo, por tipo de produto, as seguintes quantidades de tabaco manufacturado:
«Quadro no original»

(cfr. doc. 10 junto com a p.i.);
S) As quantidades de tabaco acima referidas, introduzidas no consumo, representaram para a Impugnante os seguintes valores de vendas:

«Quadro no original»

(cfr. doc. 10 junto com a p.i.);
T) Do total de 1.230.965 introduções no consumo feitas pela Impugnante no ano de 2008 referentes a charutos e cigarrilhas - i.e. 81.385 + 1.149.580 1.040.659 reportaram-se a vendas com preços não superiores a EUR 5,00 (cfr. doc. 11junto com a p.i.);
U) Do total de 466.306 introduções no consumo feitas pela Impugnante no ano de 2008 referentes a tabaco para cachimbo e tabaco de enrolar - i.e. 79.981 + 386.325 -, 381.925 reportaram-se a vendas com preços não superiores a EUR 5,00 (cfr. doc. 11 junto com a p.i.);
V) Os PVP mais elevados praticados pela Impugnante no ano de 2008, por tipo de tabaco manufacturado, foram os seguintes:

«Quadro no original»

(cfr. doc. 10 junto com a p.i.);
W) No que respeita às marcas referidas na alínea precedente, a Impugnante introduziu no consumo no ano de 2008 apenas as seguintes quantidades:
«Quadro no original»

(cfr. doc. 10 junto com a p.i.);
X) Tomando por referência o mercado nacional e considerando o total de IT arrecadado pelo Estado no ano de 2008, o valor médio de IT cobrado por cada estampilha especial de tipo 02 foi de EUR 0,54 e de EUR 2,11 por cada estampilha especial de tipo 03, nos seguintes termos:

«Quadro no original»
(cfr. doc. 12 junto com a p.i.);
Y) No ano de 2009, por referência à totalidade de estampilhas especiais apostas no tabaco manufacturado que introduziu no consumo e tal como resulta das declarações de introdução no consumo apresentadas junto da Administração Tributária, a Impugnante introduziu no consumo, por tipo de produto, as seguintes quantidades de tabaco manufacturado:

«Quadro no original»

(cfr. doc. 13 junto com a p.i.);
Z) As quantidades de tabaco acima referidas, introduzidas no consumo, representaram para a Impugnante os seguintes valores de vendas:
«Quadro no original»
(cfr. doc. 13 junto com a p.i);
AA) Do total de 1.486.368 introduções no consumo feitas pela Impugnante no ano de 2008 referentes a charutos e cigarrilhas - i.e. 132.047 + 1.354.321 1.242.005 reportaram-se a vendas com preços não superiores a EUR 5,00 e do mesmo modo, do total de 717.933 introduções no consumo feitas pela Impugnante no ano de 2009 referentes a tabaco para cachimbo e tabaco de enrolar - i.e. 82.033 + 635.900 -, 660.060 reportaram-se a vendas com preços não superiores a EUR 5,00 (cfr. doc. 14 junto com a p.i.);
BB) Por seu turno, os PVP mais elevados praticados pela Impugnante no ano de 2009, por tipo de tabaco manufacturado, foram os seguintes:
«Quadro no original»

(cfr. doc. 13 junto com a p.i.);
CC) No que respeita às marcas referidas na alínea precedente, a Impugnante introduziu no consumo no ano de 2009 apenas as seguintes quantidades:
« Quadro do no original»

(cfr. doc. 13 junto com a p.i.);
DD) Considerando o total de IT arrecadado pelo Estado no ano de 2009, o valor médio de IT cobrado por cada estampilha especial de tipo 03 foi de EUR 2,06, como se passa a evidenciar:
«Quadro no original»

(cfr. doc. 12 junto com a p.i.);
EE) No dia 14 de Março de 2011 a Impugnante solicitou a revogação do Estatuto de Depositário Autorizado e consequente encerramento do entreposto Fiscal de que era titular por motivo de encerramento de actividade (cfr. p.a.);
FF) Em 4 de Abril de 2011, por solicitação da impugnante a AT procedeu à inutilização com assistência aduaneira de todos os produtos que se encontravam em regime de suspensão com estampilha aposta, que não se encontravam conformes com as regras de comercialização em vigor e de todas as estampilhas que não se encontravam apostas em embalagens de venda ao público e que se encontravam no entreposto fiscal (cfr. p.a.);
GG) Em 12/04/2011 a Impugnante enviou email à Alfândega a dar conhecimento que a INCM havia fornecido à mesma, 10 estampilhas especiais do tipo 03 do ano de 2008 (cfr. fls. 175 do processo de reclamação graciosa);
HH) Foram efectuadas a regularizações na conta corrente de estampilhas especiais no sistema SIC-ES da ex-DGAIEC, decorrentes da acção de inutilização de produtos e /ou estampilhas especiais de 04/04/2011, tendo sido apurado, em relação a 2008, um saldo de 32452 estampilhas especiais, das quais, 15887 do tipo 02-Charutos e Cigarrilhas e 16761 estampilhas do tipo 03, tabaco de corte fino e outro tabaco de fumar (cfr. p.a.);
II) Foram efectuadas a regularizações na conta corrente de estampilhas especiais no sistema SIC-ES da ex-DGAIEC, decorrentes da acção de inutilização de produtos e /ou estampilhas especiais de 04/04/2011, tendo sido apurado, em relação a 2009, um saldo inicial de 131.911estampilhas especiais, das quais, 112.095 do tipo 02-Charutos e Cigarrilhas e 19.816 estampilhas do tipo 03. tabaco de corte fino e outro tabaco de fumar (cfr. p.a.);
JJ) Foi concedido o prazo de 30 dias à Impugnante para apresentar na Alfândega as estampilhas em falta para posterior inutilização, dando-se cumprimento à formalidade necessária de solicitação de apresentação das estampilhas, findo o qual se não houvesse entrega, os módulos de venda ao público relativos às estampilhas em falta seriam considerados como introduzidos no consumo (cfr. p.a.);
KK) A Impugnante justificou em relação a 2008, a utilização de 196 estampilhas de tipo 03. referente a parte da regularização que não se mostrava correctamente efectuada o que originou que o saldo da conta corrente de estampilhas passasse a ser de 16.565 estampilhas (cfr. p.a.);
LL) Por ofício nº 1162/IEC emitido pela Alfândega do Jardim do Tabaco, a Impugnante foi notificada da intenção de proceder à liquidação de €1.151.599,76 em sede de Imposto sobre o Tabaco em relação a 2008 (cfr. p.a.);
MM) Em resposta ao ofício referido na alínea anterior, a Impugnante apresentou duas declarações emitidas por duas fábricas de tabaco situadas no espaço europeu, atestando terem sido inutilizadas 19 estampilhas especiais do tipo 02 e 60 estampilhas especiais do tipo 03 (cfr. p.a.);
NN) A AT não aceitou estas declarações por considerar “não estarem emitidas em papel timbrado das respectivas empresas, nem se encontrarem devidamente assinadas por alguém responsável pelas mesmas (cfr. p.a.);
OO) Em 21/07/2011 foi emitida a liquidação de €1.151.599,76 e enviada à Impugnante através do ofício nº 1232IEC da Alfândega do Jardim do Tabaco (cfr. p.a.);
PP) A Impugnante foi também notificada da intenção de liquidação no montante de €213.557,03 referente a Imposto sobre o Tabaco relativo ao ano de 2009 (cfr. p.a.);
QQ) Em resposta, a Impugnante solicitou que fossem consideradas as quantidades referida no auto de inutilização nº197 de 17/12/2007 e apresentou uma declaração emitida por uma fábrica de tabaco situada no espaço europeu onde atestava terem sido inutilizadas 5.283 estampilhas especiais do tipo 03 (cfr. p.a.);
RR) A Alfândega não aceitou porque o auto de inutilização nº 197 já se encontrava refletido na conta corrente e em relação à declaração apresentada, porque não estava emitida em papel timbrado pela respectiva empresa, nem se encontrava devidamente assinada pelo responsável da mesma (cfr. p.a.);
SS) A LIEC emitiu em 22/07/2011 a liquidação no valor de €213.557,03 referente ao ano de 2009 e enviou à Impugnante mediante ofício nº 1234 IEC (cfr. p.a.)
TT) No dia 9 de Agosto de 2011, a Impugnante procedeu ao pagamento voluntário das liquidações (cfr. doc. 15 e 16 junto com a p.i);
UU) Em 28/11/2011, já após pagamento das liquidações, a Impugnante requereu à Alfândega do Jardim do Tabaco, a destruição de 472 estampilhas especiais de tabaco tipo 03 referentes ao ano de 2008, por uma das fábricas ter procedido à sua devolução (cfr. acordo entre as partes – art. 2º da contestação – e doc. 17 junto com a p.i.);
VV) No dia 7 de Dezembro de 2011, a ora Impugnante apresentou reclamação graciosa das liquidações de IT n.º ……….875 e n.º ………883 (cfr. doc. 18 junto com a p.i.);
WW) No dia 24 de Fevereiro de 2012, através do ofício n.º DIT/0177/2012, de 22 de Fevereiro de 2012, a ora Impugnante foi notificada do projecto de decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa (cfr. doc. 19 junto com a p.i.);
XX) No dia 6 de Março de 2012, a Impugnante exerceu o seu direito de participação na formação da decisão da reclamação graciosa (cfr. doc. nº 20 junto com a p.i.);
YY) No dia 22 de Maio de 2012, através do ofício n.º NJ/2533/12, de 17 de Maio de 2012, da Alfândega do Jardim do Tabaco, a Impugnante foi notificada da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa, proferida em 27/04/2021, pelo Director-Geral, determinando a anulação do valor de € 5.699,24 da liquidação de IT do ano de 2008, por referência às 472 estampilhas especiais (tipo 03) devolvidas pela fábrica M ……………………….. EXPORT A/S e ao erro de 10 estampilhas no número total de estampilhas especiais relevado como saldo final para liquidação de IT (cfr. doc. 21 junto com a p.i.);
ZZ) No dia 08/06/2012 deu entrada neste Tribunal, a apresente impugnação (cfr. carimbo aposto na fls. 1 da p.i.).
X
“Fundamentação do julgamento/ Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se se na documentação junta com os articulados, no processo administrativo e processo de reclamação graciosa junto aos autos.”
X
“Factualidade não provada//Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.”
X
Em sede de impugnação da matéria de facto, a recorrente alega que o Tribunal «a quo não deveria ter dado como expressamente provada a seguinte matéria de facto: // «Em 12/04/2011 a Impugnante enviou email à Alfândega a dar conhecimento que a INCM havia fornecido à mesma, 10 estampilhas especiais do tipo 03 do ano de 2008»;// «Ao invés, deveria o Douto Tribunal a quo ter antes expressamente indicado o seguinte como matéria de facto não provada: // «Não foi provado que a Impugnante [ora Recorrente] requisitou junto da INCM, as 10 estampilhas especiais do tipo 03 do ano de 2008 referidas no e-mail de 12 de Abril de 2011 para introdução no consumo».
Apreciação. Compulsados os autos, impõe-se referir que a recorrente não observa o ónus da impugnação especificada da matéria de facto (artigo 640.º do CPC), dado que não indica os concretos meios de prova que permitiriam deferir a sua pretensão.
Motivo porque se rejeita a presente imputação.
X
2.2. De Direito.
2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre os alegados erros de julgamento seguintes:
i) Erro de julgamento na determinação da matéria de facto [conclusões C) e D), apreciado supra].
ii) Erro de julgamento quanto ao direito aplicável, porquanto tem aplicação à situação em exame o procedimento de justificação automática dos n.ºs 23 e 24 da Portaria n.º 1295/2007, de 01.10 [conclusões E) a R)]
iii) Erro de julgamento quanto ao direito aplicável, porquanto ocorreu a incorrecta transposição do regime previsto na Directiva n.º 2008/118/CEE pelo artigo 110.º, n.ºs 4 e 6, do CIEC, [conclusões S) a X)].
iv) Erro de julgamento quanto ao direito aplicável, porquanto o artigo 110.º, n.ºs 4 e 6, do CIEC, padece de inconstitucionalidade orgânica, por violação da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, prevista no artigo 165.º, n.ºs 1, alínea i), 2 e 5, da CRP [conclusões Z) e W)]
v) Erro de julgamento quanto ao direito aplicável, porquanto o artigo 110.º, n.ºs 4 e 6, do CIEC, viola o princípio da presunção da inocência, previsto no artigo 6.º/2, a CEDH [conclusões
vi) Erro de julgamento quanto ao direito aplicável, porquanto o artigo 110.º, n.ºs 4 e 6, do CIEC, viola o princípio da proporcionalidade das restrições dos direitos fundamentais e o direito da propriedade privada, consagrado no artigo 1.º do Protocolo Adicional n.º 1 à CEDH [conclusões AA) a EE)].
vii) Do reenvio prejudicial [demais conclusões do recurso]
2.2.2. Antes de entrarmos na apreciação do objecto do recurso, cumpre proceder ao enquadramento seguinte.
Determina o artigo 101.º (“Incidência objectiva”) do CIEC (1) que o imposto em causa incide sobre o tabaco manufacturado. «Constitui facto gerador do imposto a produção ou a importação em território nacional dos produtos referidos no artigo 5.º, bem como a sua entrada no referido território quando provenientes de outro Estado membro» (artigo 7.º/1, do CIEC – “facto gerador” (2)). A produção é «qualquer processo de fabrico, incluindo, se aplicável, de extracção, através do qual se obtenham produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, bem como as operações de desnaturação e as de adição de marcadores e de corantes, e ainda a envolumação de tabaco manufacturado, desde que se integrem no referido processo de fabrico» (artigo 7.º/3, do CIEC). «O imposto é exigível em território nacional no momento da introdução no consumo dos produtos referidos no artigo 5.º ou da constatação de perdas que devam ser tributadas em conformidade com o presente Código» (artigo 8.º do CIEC (3)). Nos termos do artigo 110.º do CIEC (4) (“Sistema de selagem”), «[a]s embalagens de venda ao público de tabaco manufaturado para consumo no território nacional devem ter aposta, antes da sua introdução no consumo, uma estampilha especial, cujo período de comercialização, modelo, forma de aposição e controlo são regulamentados por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, a qual é utilizada como elemento de segurança, sendo complementada por um identificador único, sempre que exigível, nos termos da legislação aplicável» (n.º 1). «As formalidades a observar para a requisição e o fornecimento das estampilhas especiais e do identificador único, bem como os correspondentes preços unitários, são determinados por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças.» (n.º 2). «As embalagens de tabaco manufaturado para venda ao público devem ostentar a estampilha especial com as características definidas para o período da respetiva comercialização, sendo proibida a comercialização de produtos que ostentem estampilhas diferentes, salvo nas situações e nos períodos consagrados na portaria prevista no número anterior.» (n.º 3). Considera-se «ter sido introduzido no consumo o tabaco manufacturado correspondente às estampilhas especiais fornecidas aos agentes económicos e que não se mostrem utilizadas regularmente através da aposição em embalagens de venda ao público saídas dos entrepostos fiscais, ou regularmente introduzidas no consumo, ou que não sejam apresentadas à autoridade aduaneira a solicitação desta» (n.º 4). Nos termos do n.º 5 do mesmo artigo, tem-se por «justificada a falta de apresentação das estampilhas especiais à autoridade aduaneira caso seja entregue declaração adequada, emitida pelos serviços competentes do país para onde as estampilhas foram remetidas, ou em face de prova admitida pelo director-geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo». «Para efeitos do n.º 4, a liquidação do imposto é feita com base no preço de venda ao público mais elevado praticado pelo operador económico, na data em que se torna exigível o imposto» (n.º 6); e quando «não haja preço de venda ao público homologado, a liquidação do imposto é feita com base no preço de venda ao público de marcas equiparáveis já comercializadas no mercado nacional» (n.º 7). Os impostos especiais do consumo harmonizados são «impostos monofásicos e assentes num regime suspensivo inspirado no direito aduaneiro, através do qual se permite que os produtos tributáveis circulem ao longo de todo o território comunitário e que sejam armazenados em entrepostos fiscais sem pagamento imediato do imposto pelos operadores económicos», sendo o imposto apenas «exigível a partir do momento em que os produtos tributáveis são introduzidos no consumo, sendo então devido o imposto do Estado-membro em que se verifique a introdução no consumo e aplicável este à taxa que neste momento se encontre em vigor» (5).
Feito o presente enquadramento, importa aquilatar do bem fundado da presente intenção rescisória.
2.2.3. No que respeita ao fundamento do recurso referido em ii) a recorrente sustenta que devia ter sido aplicado ao caso «o procedimento simplificado de justificação», previsto na Portaria n.º 1295/2007, de 1 de Outubro. De outro modo, a observância do Direito Europeu não está assegurada, sustenta. Por seu turno, a sentença considerou que, não tendo sido feita prova do extravio das estampilhas, não há lugar à aplicação da justificação automática da sua falta, presumindo-se a introdução no consumo do tabaco, associado. Mais considera que tal regime não viola o Direito da União Europeia.

Apreciação. A fundamentação das liquidações em exame consta das alíneas N) e Q), do probatório. As mesmas assentam na falta de justificação do saldo negativo de estampilhas requisitadas e que não foram usadas nos exercícios de 2008 e 2009, de acordo com a conta-corrente existente em relação ao contribuinte em causa. Ou seja, existe extravio não justificado pelo contribuinte de estampilhas nos exercícios em causa.
Os preceitos dos artigos 86.º e 93.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC), aprovado pelo Decreto-lei n.º 566/99, de 22 de Dezembro (6), determinavam o seguinte:
Quanto ao artigo 86.º, relativo às regras especiais de introdução no consumo e de liquidação, estabelece que, para além do constante do artigo 8.º, se considera «ter sido introduzido no consumo o tabaco manufacturado correspondente às estampilhas especiais a que se refere o artigo 93.º, fornecidas aos agentes económicos e que não se mostrem utilizadas regularmente através da aposição em embalagens de venda ao público saídas dos entrepostos fiscais, ou regularmente introduzidas no consumo, ou que não sejam apresentadas ao serviço fiscalizador a solicitação deste» (n.º 1). O artigo 93.º (Sistema de selagem) refere que as embalagens de venda ao público de tabaco manufacturado para consumo no território nacional «devem ter aposta antes da sua introdução no consumo, de modo a não permitir a sua reutilização, uma estampilha especial cujo modelo e forma de aposição são regulamentados por portaria do Ministro das Finanças». No que se refere às formalidades a observar para a requisição, fornecimento e controlo das estampilhas especiais, elas são regulamentadas por portaria ministerial (n.º 6). «As embalagens de tabaco manufacturado para venda ao público devem ostentar a estampilha especial com as características definidas para o ano da respectiva comercialização, sendo proibida a comercialização de produtos que ostentem estampilhas diferentes, salvo nas situações e nos períodos consagrados na portaria prevista no número anterior» (n.º 7). Considera-se, ainda, que, para além do disposto no artigo 7.º, é «introduzido no consumo o tabaco manufacturado correspondente às estampilhas especiais fornecidas aos agentes económicos e que não se mostrem utilizadas regularmente através da aposição em embalagens de venda ao público saídos dos entrepostos fiscais, ou regularmente introduzidos no consumo, ou que não sejam apresentadas ao serviço fiscalizador a solicitação deste» (n.º 8). «Considera-se justificada a falta de apresentação das estampilhas fiscais ao serviço fiscalizador caso seja entregue declaração adequada, emitida pelos serviços aduaneiros competentes do país para onde as estampilhas foram remetidas ou em face de prova reconhecida em despacho ministerial proferido em processo administrativo.» (n.º 9) «Para efeitos do n.º 7, a liquidação do imposto é feita com base no preço de venda ao público mais elevado praticado pelo operador económico, na data em que tal facto se verificar ou, na impossibilidade da sua determinação, na data em que a administração aduaneira dele tomar conhecimento» (n.º 10).
A obrigatoriedade do uso da estampilha fiscal no invólucro do tabaco tem como fim «permitir reconhecer facilmente se os produtos que estão à venda no mercado nacional liquidaram o respectivo imposto»; e, bem assim, «assegurar através do sistema de requisição, fornecimento, utilização e controlo dessas estampilhas, a liquidação e cobrança do imposto especial sobre o consumo de tabacos manufacturados» (7). O «sistema consiste no seguinte: // Os fabricantes, os depositários autorizados e os importadores de tabaco apresentam na DGAIEC (serviços fiscalizadores) a requisição de estampilhas modelo n.º 1, inserto na referida Portaria, composta por três vias, a fim de ser visado o seu fornecimento pela IN-CM. // A DGAIEC fica com o triplicado da requisição, devendo o original, já devidamente visado, ser entregue à IN-CM, que, por seu turno, averba no duplicado, pertencente à entidade requisitante, o fornecimento efectuado. (…) // Os serviços fiscalizadores dispõem, por cada requisitante, de uma conta-corrente das estampilhas especiais fornecidas, a qual é confrontada com o mapa declaração de utilização de estampilhas a apresentar, mensalmente, até ao dia 8, pelo requisitante. Por seu turno, no continente, as Alfândegas enviam mensalmente ao serviço fiscalizador cópias das declarações de introdução no consumo de tabaco manufacturado por elas aceite» (8).
A Portaria n.º 1295/2007, de 01/10, veio regulamentar a introdução no consumo do tabaco manufacturado, «devidamente acondicionado em embalagens de venda ao público, nos termos e nas condições de comercialização estabelecidos pelo Código dos Impostos Especiais de Consumo e restante legislação aplicável» (1.º). «As estampilhas especiais são vendidas pela Imprensa Nacional-Casa da Moeda, S.A. (INCM), pelo montante correspondente ao preço unitário, fixado anualmente até ao final do mês de Junho do ano precedente, por despacho do Ministro de Estado e das Finanças, sendo o mesmo fixado, para o ano de 2008, em (euro) 0,0032.» (4.º) «Sem prejuízo do disposto no número anterior, as estampilhas para o ano económico a que respeitem, requisitadas após 15 de Outubro do mesmo ano, e que ultrapassem o limite de 5 % da quantidade constante da última requisição efectuada antes daquela data sofrerão um acréscimo de 20 % no respectivo preço unitário» (5.º). «As estampilhas especiais são obrigatoriamente apostas nas embalagens de produtos de tabaco manufacturado antes de serem declarados para introdução no consumo, nos entrepostos fiscais de produção, nos entrepostos fiscais de armazenagem, nos entrepostos aduaneiros e nas estâncias aduaneiras onde aqueles produtos forem declarados para introdução em livre prática e consumo» (14.º). «Os requisitantes de estampilhas especiais devem declarar, até ao dia 8 de cada mês, por transmissão electrónica de dados, as quantidades consumidas e inutilizadas no decurso do processo produtivo referido no n.º 23.º, discriminadas por tipo de produto e reportadas ao mês anterior» (19.º). «A falta de cumprimento das obrigações previstas na presente portaria implica a suspensão de novos fornecimentos até regularização da situação, sem prejuízo de outras sanções previstas na lei» (20.º). «A inutilização de estampilhas deve ser solicitada às autoridades aduaneiras, com indicação do local, data e motivos justificativos, sendo obrigatoriamente efectuada sob controlo presencial daquelas, lavrando -se o respectivo auto, que identificará, designadamente, o tipo de produto, o espaço fiscal e o ano económico a que respeitam as estampilhas, procedendo -se, ainda, ao registo na conta corrente» (21.º). «No caso de a inutilização ocorrer fora do território nacional, a falta de apresentação das estampilhas especiais deve ser justificada mediante declaração adequada, emitida pelas autoridades competentes do país para onde as estampilhas foram remetidas, que identificará o tipo de produto e o ano económico a que respeitam as estampilhas» (22.º). As inutilizações de estampilhas, ocorridas durante o processo de fabrico nos entrepostos de produção situados no território nacional, podem ser objecto de procedimento simplificado de justificação» (23.º). «Para efeitos do número anterior, consideram -se automaticamente justificadas as inutilizações de estampilhas até ao limite de 2 % das estampilhas consumidas anualmente, no decorrer do processo produtivo» (24.º).
Está em causa o extravio de estampilhas fiscais de tabaco que a recorrente não logra justificar, conforme resulta das alíneas N) e Q), do probatório. Ou seja, nos exercícios de 2008 e de 2009, a recorrente não junta prova que logre justificar o saldo negativo de estampilhas extraviadas, respetivamente, na ordem de 32.452 e de 19.816 estampilhas. Estas últimas ter-se-ão extraviado juntos dos fabricantes, sedeados no território de Estados da União Europeia. A aplicação de um procedimento de justificação exige o cumprimento das obrigações declarativas e de prova sobre o alegado extravio por parte do contribuinte. O que no caso não sucedeu. Não existe prova cabal dos factos alegados. Não se sabe como, quando, onde e em que circunstâncias terão sido extraviadas a estampilhas em causa (9). Pelo que a impossibilidade de aplicação dos procedimentos de justificação do extravio, previstos na Portaria n.º 1295/2007, citada, deve-se a conduta da própria impugnante.
As liquidações em causa assentam na determinação do imposto por métodos indirectos, dado que a falta não justificada de estampilhas especiais corresponde, por força da lei, à introdução no consumo, com a consequente liquidação e cobrança do imposto devido (artigo 110.º/4, do CIEC). Suscita-se a questão de saber se a solução assim obtida contende ou não com as liberdades fundamentais do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia [TFUE] (10).
A recorrente invoca a preterição dos preceitos do artigo 28.º do TFUE (“Livre circulação de mercadorias”) e do artigo 56.º do TFUE (“Livre prestação de serviços”). Nos termos do primeiro, «[a] União compreende uma união aduaneira que abrange a totalidade do comércio de mercadorias e implica a proibição, entre os Estados-Membros, de direitos aduaneiros de importação e de exportação e de quaisquer encargos de efeito equivalente, bem como a adoção de uma pauta aduaneira comum nas suas relações com países terceiros». Nos termos do segundo, «[n]o âmbito das disposições seguintes, as restrições à livre prestação de serviços na União serão proibidas em relação aos nacionais dos Estados-Membros estabelecidos num Estado-Membro que não seja o do destinatário da prestação».
No que respeita ao preceito referido em primeiro lugar, a recorrente afirma que (i) «o procedimento previsto no n.º 22 da Portaria n.º1295/2007, de 1 de Outubro – quando aplicável às inutilizações de estampilhas ocorridas em fábrica situada em Estado Membro da União Europeia que não Portugal e não excedam 2% do total consumido anualmente –constitui um encargo de efeito equivalente na acepção dos artigos 28.º e 30.º do TFUE, na medida em que impõe aos operadores económicos cuja produção de tabaco tenha lugar fora do território nacional (e tão-somente por esse motivo) a apresentação de declarações oficiais que atestem o número de estampilhas inutilizadas, especificando o tipo de produto e o ano a que respeitam, sob pena de ser ficcionada a sua introdução no consumo e, por conseguinte, de haver lugar à liquidação de imposto nos termos do artigo 110.º do CIEC»; (ii) «A medida em apreço é assim susceptível de coarctar a liberdade de circulação de mercadorias – no presente caso, de tabaco manufacturado – no espaço europeu, por a sua produção estar sujeita a regras mais gravosas no seio da União Europeia, no que concerne à inutilização de estampilhas, do que as implementadas no território nacional, o que desencoraja a localização das fábricas de operadores nacionais em países da União Europeia que não Portugal e necessariamente desincentiva a circulação do tabaco no seio da União Europeia».
Vejamos.
Nos termos do artigo 35.º do TFUE, «[s]ão proibidas, entre os Estados-Membros, as restrições quantitativas à exportação, bem como todas as medidas de efeito equivalente». «As disposições dos artigos 34.o e 35.o são aplicáveis sem prejuízo das proibições ou restrições à importação, exportação ou trânsito justificadas por razões de moralidade pública, ordem pública e segurança pública; de protecção da saúde e da vida das pessoas e animais ou de preservação das plantas; de protecção do património nacional de valor artístico, histórico ou arqueológico; ou de protecção da propriedade industrial e comercial» (artigo 36.º do TFUE).
No Acórdão Dassonville, o TJUE afirmou que «todas as medidas comerciais aprovadas pelos Estados-membros que sejam susceptíveis de afectar, directa ou indirectamente, actual ou potencialmente, o comércio intracomunitário constituem medidas de efeito equivalente a restrições quantitativas» (11). «Em Dassonville, apesar de reconhecer a competência dos Estados-membros para adoptar medidas que prevenissem as práticas comerciais desleais, o TJUE afirmou ainda que estas medidas têm de ser razoáveis e acessíveis a todos os nacionais dos Estados, não podendo constituir uma forma de discriminação arbitrária ou uma restrição dissimulada ao comércio intracomunitário» (12).
No Acórdão Cassis Dijon, de 20/02/1979, P. 120/78, o TJUE deu um passo importante no sentido da associação da sua jurisprudência Dassonville a um princípio fundamental do mercado interno – o princípio do reconhecimento mútuo. O TJUE afirmou que «[o] efeito prático de disposições [que estabelecem níveis mínimos de álcool para certas bebidas] consiste essencialmente em conceder vantagens às bebidas alcoólicas de forte teor em álcool, afastando do mercado nacional produtos de outros Estados-membros que não correspondam a tal especificação. Conclui-se, assim, que a exigência unilateral, imposta pela regulamentação de um Estado-membro, de um teor em álcool mínimo para a comercialização de bebidas alcoólicas constitui um obstáculo às trocas comerciais incompatível com as disposições do artigo 30.º do Tratado» (13). Por seu turno, no Acórdão proferido nos Processos apensos C-267/91 e C-268/91, de 24/11/1993 (Keck e Mithouard), o TJUE teve ocasião de sublinhar que «É verdade que [a legislação que proíbe a revenda com prejuízo] é susceptível de restringir o volume das vendas e, por conseguinte, o volume das vendas de produtos importados de outros Estados-membros, na medida em que priva os operadores de um método de promoção. Convém, no entanto, questionarmo-nos sobre se essa eventualidade basta para qualificar a legislação em causa de medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa à importação» (14).
Mais referiu o Tribunal que «[se]impõe considerar que, contrariamente ao que até agora foi decidido, a aplicação de disposições nacionais que limitam ou proíbem determinadas modalidades de venda a produtos provenientes de outros Estados-membros não é susceptível de entravar directa ou indirectamente, actual ou potencialmente, o comércio intracomunitário na acepção da jurisprudência Dassonville (…), desde que se apliquem a todos os operadores interessados que exerçam a sua actividade no território nacional e desde que afectem da mesma forma, tanto juridicamente como de facto, a comercialização dos produtos nacionais e dos provenientes de outros Estados-membros» (15). Verificadas tais condições, as normas em apreço não são susceptíveis de dificultar o acesso ao mercado nacional de produtos produzidos noutros Estados-membros, pelo que não contendem com o princípio da livre circulação de mercadorias.
No caso em exame nos autos, o regime fiscal em apreço (artigo 110.º/4, 5, 6 do CIEC), ao impor a prova da inutilização das estampilhas no quadro de um procedimento administrativo prévio, a realizar junto das instâncias de controlo alfandegário do estado da origem da mercadoria em causa ou junto das instâncias de controlo alfandegário do estado de destino das mesmas, não contende com os princípios de direito europeu em referência, dado que não afecta o livre comércio do tabaco no território da União. A necessidade de registos fidedignos, de declarações fiscais que correspondam, comprovadamente, à realidade e do controlo cruzado do uso das estampilhas, no quadro da introdução no consumo do tabaco, é uma condição aplicável indiferenciadamente ao tabaco comercializado por qualquer agente económico no território nacional, independentemente da sua origem ou da entidade que o comercializa. Pelo que não existe qualquer tratamento discriminatório ou restrição quantitativa à livre circulação do tabaco em Portugal.
No que respeita à invocada preterição da liberdade de prestação de serviços, a recorrente alega que o regime fiscal em apreço viola a liberdade de prestação de serviços, consagrado no TFUE.
Vejamos.
«[A]s restrições à livre prestação de serviços na União serão proibidas em relação aos nacionais dos Estados-Membros estabelecidos num Estado-Membro que não seja o do destinatário da prestação» (artigo 56.º do TFUE). «Para efeitos do disposto nos Tratados, consideram-se «serviços» as prestações realizadas normalmente mediante remuneração, na medida em que não sejam reguladas pelas disposições relativas à livre circulação de mercadorias, de capitais e de pessoas. (…)» (artigo 57.º do TFUE).
A exigência de registos e de declarações fiscais associadas ao uso de estampilhas e que possibilita o controlo alfandegário, no território da União, da introdução no consumo de tabaco, tendo em vista a sua tributação pelo Estado de destino, na medida em que constitui uma medida indistintamente aplicável a todos os agentes económicos do sector, independentemente da origem dos mesmos ou da origem dos produtos que comercializam não consubstancia medida restritiva da livre prestação de serviços no seio da União, dado que o acesso e o exercício da actividade de comércio de tabaco em Portugal está sujeita às mesmas condições, do ponto de vista do regime da tributação da introdução no consumo, para todos os operadores económicos em causa.
Como refere o TJUE, no Acórdão de 15/06/2006, P. C-494/04, «essas regras nacionais não excedem o que é necessário para prosseguir este objectivo, visto que não excluem, por outro lado, toda e qualquer possibilidade de reembolso ou de compensação noutras hipóteses, como a da perda das estampilhas por acidente ou em caso de força maior. // Além disso, as estampilhas especiais propriamente ditas não constituem a dívida fiscal do seu adquirente, mas têm um valor intrínseco. Por conseguinte, justifica-se que o adquirente destas estampilhas se previna contra o risco do seu desaparecimento e, sendo esse o caso, suporte as consequências financeiras deste desaparecimento (…) // Ora, o desaparecimento de estampilhas especiais, contrariamente ao furto de mercadorias, não tem qualquer incidência sobre a matéria colectável em si mesma. Os tabacos manufacturados para os quais as estampilhas foram adquiridas podem ainda ser comercializados e a dívida de IVA e de imposto especial de consumo pode ainda ser constituída. Além disso, é justificado, como já foi atrás assinalado, incitar o adquirente de estampilhas especiais a prevenir-se contra o risco do seu desaparecimento, ao passo que não é aparentemente necessário incitar um proprietário de bens a supervisioná-los e a prevenir-se contra o risco de furto». (16)
No caso em exame nos autos, não se comprova a ocorrência de tratamento discriminatório da recorrente ou dos seus fornecedores. O que está em causa é a exigência legal, aplicável a todos os operadores económicos, da prova consistente do extravio das estampilhas na posse da recorrente e cujo paradeiro se desconhece, possibilitando, por esta via, na falta de prova, a introdução irregular de tabaco no consumo.
Em face do exposto, impõe-se julgar improcedentes as presentes conclusões de recurso.
2.2.4. No que respeita ao fundamento do recurso referido em ii), a recorrente invoca que ocorreu a «incorrecta transposição pelo Estado Português da Directiva nº 2008/118/CE. Afirma que, «[a]o contrário do regime fiscal holandês em análise no Caso Heintz van Landewijck SARL (processo C-494/04), o regime previsto no artigo 110.º, n.os 4 e 6, do CIEC não determina como consequência da eventual perda de estampilhas fiscais a mera não restituição de um valor de imposto voluntariamente pago de antemão pelo operador económico em função da sua expectativa de introdução de tabaco no consumo mas sim a ficção de um facto tributário cuja prática imputa ao operador económico, para mais ao PVP mais elevado por si praticado, assumindo por isso uma distinta natureza, de matriz sancionatória, que desloca o regime para um escopo de punição e não apenas de responsabilidade financeira». Por seu turno, a sentença recorrida invoca o Acórdão do TJUE, de 15/06/2006, P. C-494/04, para desatender à presente linha de argumentação.
Apreciação. No §31 do preâmbulo da Directiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de Dezembro de 2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo e que revoga a Directiva 92/12/CEE, declara-se que «[o]s Estados-Membros deverão poder prever que os produtos introduzidos no consumo ostentem marcas fiscais ou marcas nacionais de identificação. A utilização de tais marcas não pode acarretar quaisquer entraves às trocas comerciais intracomunitárias. // Dado que essa utilização não deverá conduzir a uma dupla tributação, deverá estabelecer-se inequivocamente que qualquer montante pago, inclusive a título de garantia, para a obtenção das marcas em causa deverá ser reembolsado, objecto de dispensa de pagamento ou liberado pelo Estado-Membro que emitiu as marcas, caso o imposto especial de consumo se tenha tornado exigível e tenha sido cobrado noutro Estado-Membro. // Todavia, a fim de evitar abusos, os Estados-Membros que tenham emitido as marcas em causa deverão poder sujeitar o reembolso, a dispensa ou a liberação à apresentação de um comprovativo da retirada ou destruição das mesmas».
Nos termos do artigo 39.º (“Marcas”), da Directiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de Dezembro de 2008 citada, «(…) os Estados-Membros podem exigir que os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo ostentem marcas fiscais ou marcas nacionais de identificação utilizadas para fins fiscais, no momento da introdução no consumo no seu território ou, nos casos previstos no primeiro parágrafo do n.o 1 do artigo 33.o e no n.o 1 do artigo 36.o, no momento da entrada no seu território» (n.º 1). «Sem prejuízo de disposições que possam vir a estabelecer, com vista a garantir a correcta aplicação do presente artigo e prevenir qualquer fraude, evasão ou abuso, os Estados-Membros devem providenciar para que as marcas fiscais ou marcas nacionais de identificação a que se refere o n.º1 não criem obstáculos à livre circulação dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo.» (n.º 3, § 1). Acresce referir que quando «que essas marcas sejam apostas em produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, qualquer montante pago, inclusive a título de garantia, para a obtenção das mesmas, com excepção das respectivas despesas de emissão, deve ser reembolsado, objecto de dispensa de pagamento ou liberado pelo Estado-Membro que as emitiu, caso o imposto especial de consumo se tenha tornado exigível e tenha sido cobrado noutro Estado-Membro» (n.º 3, § 2). O Estado-Membro que emitiu as marcas pode, sem prejuízo, sujeitar o reembolso «a dispensa ou a liberação do montante pago ou garantido à apresentação de um comprovativo, a contento das autoridades competentes, da retirada ou destruição das mesmas» (n.º 3, § 3).
«De acordo com o artigo 110.º, n.º 4, do Código do IEC, considera-se introduzido no consumo o tabaco manufacturado correspondente às estampilhas especiais fornecidas aos agentes económicos que não se mostrem utilizadas regularmente ou que não sejam apresentadas às autoridades aduaneiras à sua solicitação. Quando não seja produzida prova suficiente que justifique a sua não apresentação, a lei considera haver introdução no consumo, isto é, presume que as estampilhas extraviadas são empregues na introdução irregular de tabaco no mercado nacional. // Nos termos do n.º 5 do artigo 110.º, “considera-se justificada a falta de apresentação das estampilhas especiais à autoridade aduaneira caso seja entregue declaração adequada, emitida pelos serviços competentes do país para onde as estampilhas foram remetidas, ou em face da prova admitida pelo director-geral da AT» (17).
Do exposto ressalta que a Directiva n.º 2008/118/CE concede aos Estados membros a faculdade de imputarem aos detentores das marcas fiscais a responsabilidade fiscal pelas mesmas, condicionando a dispensa do pagamento ou do reembolso do imposto à prova cabal do extravio das mesmas. (18)
Mais se refere que a determinação da introdução no consumo como consequência do extravio injustificado das estampilhas tem arrimo no Direito Europeu, na medida em que sejam garantidas ao contribuinte todas as possibilidades de prova da ocorrência de extravio por motivo que lhe não seja imputável. Asseguradas as garantias de defesa do contribuinte, a solução encontrada decorre da necessidade de prevenir a fraude fiscal associada à possibilidade de utilização de estampilhas em tabaco comercializado, mas não declarado perante as estâncias alfandegárias.
Tal como resulta do Acórdão do TJUE de 15/06/2006, P. C-494/04 (19), o regime constante da Directiva n.º 2008/118/CE concede aos Estados-Membros a possibilidade de imputação aos operadores económicos que não realizem a prova necessária do descaminho das estampilhas fiscais da introdução no consumo do tabaco e da sua consequente tributação segundo o preço de venda ao público do mesmo. Trata-se de garantir o controlo cruzado da introdução de consumo de tabaco, associado ao uso das estampilhas, através das instâncias de controlo alfandegário, que por omissão do contribuinte, no plano dos registos, das declarações, e da prova do alegado extravio, obvia ao referido controlo e impede a liquidação e cobrança do imposto sobre o consumo devido.
Pelo que se deve afirmar que o preceito do artigo 110.º/4, que prevê a determinação do imposto por métodos indiciários ou indirectos, mostra-se conforme com o Direito da União Europeia concretizando o disposto na Directiva n.º 2008/118/CE, citada, dado que se funda nos imperativos de controlo contra a fraude e o abuso fiscais. É que, nos termos do artigo 110.º/5, do CIEC, o contribuinte, em sede de procedimento administrativo e, depois, em sede de impugnação judicial, tem a possibilidade de demonstrar, através dos meios de prova adequados ao caso, que ocorreu o extravio ou a inutilização das referidas estampilhas. Mais se refere que a aplicação do preço mais elevado de venda ao público do tabaco resulta do mecanismo presuntivo. Havendo introdução irregular no consumo, a mesma deve ser tributada ao preço de mercado mais elevado, porquanto existe distorção da concorrência, em face dos operadores que vendem tabaco, introduzido no consumo, após liquidação e cobrança do imposto devido. Não existe, pois, qualquer intuito sancionatório ou qualquer preclusão das garantias de defesa do contribuinte perante a determinação da matéria colectável do imposto por métodos indirectos, em caso de extravio não justificado das estampilhas fiscais.
Termos em que se julga improcedente a presente imputação.
2.2.5. No que respeita ao fundamento do recurso referido em iii), a recorrente invoca o erro julgamento decorrente da desconsideração da alegada violação da reserva relativa de competência da Assembleia da República prevista no artigo 165.º da CRP. Argumenta que, tendo o «Tribunal a quo decidido que permanece na disponibilidade legislativa dos Estados-Membros extrair a consequência do desaparecimento de estampilhas fiscais porquanto tal matéria não é abrangida pelo escopo da Directiva n.º 2008/118/CEE, necessariamente ter[ia] de se concluir que o Governo legislou sobre matéria que lhe estava vedada – norma de incidência tributária – sem lhe ter sido concedida a respectiva autorização pela Assembleia da República».
Apreciação. Determina o artigo 165.º/1/i), da CRP, que constitui reserva de lei da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, a aprovação de leis sobre a «[c]riação de impostos e sistema fiscal». Nos termos do artigo 165.º, n.º 2, «[a]s leis de autorização legislativa devem definir o objecto, o sentido, a extensão e a duração da autorização, a qual pode ser prorrogada. // «As autorizações legislativas não podem ser utilizadas mais de uma vez, sem prejuízo da sua execução parcelada» (3). // (…) // «As autorizações concedidas ao Governo na lei do Orçamento observam o disposto no presente artigo e, quando incidam sobre matéria fiscal, só caducam no termo do ano económico a que respeitam» (5).
O Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21/06, aprovou o Código dos Impostos Especiais sobre o Consumo, tendo sido emitido com base na autorização legislativa concedida pelo artigo 130.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28/04 (Lei do Orçamento do Estado para 2010). Nos termos deste artigo (“Autorização legislativa no âmbito dos impostos especiais de consumo”, «[f]ica o Governo autorizado a aprovar o novo Código dos Impostos Especiais de Consumo, revogando o actual regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 566/99, de 22 de Dezembro» (n.º 1). «A autorização referida no número anterior tem o sentido de transpor para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2008/118/CE, do Conselho, de 16 de Dezembro, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo, a qual revoga a Directiva n.º 92/12/CEE, do Conselho, de 25 de Fevereiro» (n.º 2). «A autorização referida no n.º 1 tem a seguinte extensão: // a) Regular os procedimentos relativos à aquisição, à manutenção e à revogação dos estatutos de depositário autorizado, destinatário registado, destinatário registado temporário e expedidor registado, bem como a constituição e a revogação dos entrepostos fiscais e das respectivas regras gerais de funcionamento; // b) Estabelecer as regras e as condições para a determinação das perdas e da inutilização dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo; // c) Estabelecer as regras de reembolso do imposto pago, nos casos devidamente comprovados de erro na liquidação, de expedição ou de exportação dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, a retirada dos mesmos do mercado, bem como de inutilização e de perda irreparável desses produtos; // d) Regular a constituição de garantias destinadas a cobrir os riscos inerentes à armazenagem e circulação de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo; // (…) // g) Prever que, até 31 de Dezembro de 2010, a circulação de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, em regime de suspensão do imposto, se possa efectuar nos termos previstos na Directiva n.º 92/12/CEE, do Conselho, de 25 de Fevereiro, relativa ao regime geral, à detenção, à circulação e aos controlos dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo e no Código dos Impostos Especiais de Consumo aprovado pelo Decreto-Lei n.º 566/99, de 22 de Dezembro» (n.º 3).
O regime do Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21/06, em apreço, observa o disposto no artigo 130.º/3/b) e c), da Lei n.º 3-B/2010, citada, pelo que não ocorre preterição da autorização legislativa em causa, não se demonstrando a violação da norma de reserva de competência da Assembleia da República do artigo 165.º/1/i), da CRP. O regime da tributação com base no extravio não justificado das estampilhas fiscais, assente na presunção da introdução no consumo do tabaco associado, consubstancia uma medida legislativa de prevenção da fraude, a qual consiste na utilização das estampilhas para introduzir no mercado tabaco não declarado, pelo que não sujeito a tributação. O regime assegura ao contribuinte mecanismos de defesa e de prova no sentido da ilisão da presunção da introdução irregular de tabaco no consumo. Deste modo, tal regime é conforme com os parâmetros europeus e nacionais aplicáveis. Pelo que alegada inconstitucionalidade orgânica não se comprova no caso.
Termos em que se julga improcedente a presente imputação.
2.2.6. No que respeita ao fundamento do recurso referido em iv), a recorrente invoca «[a] violação do princípio da presunção de inocência previsto no art. 6º nº 2 da CDHLF e dos fins do sistema estabelecidos no art. 103º da CRP.» Alega que «[a] liquidação de IT prevista no artigo 110.º, n.os 4 e 6, do CIEC possui assim uma vertente preventiva – dissuadindo os operadores económicos do uso indevido de estampilhas especiais –, mas também um marcado carácter punitivo, fazendo surgir na esfera dos operadores económicos que não cumpram adequadamente a sua obrigação acessória de guarda das estampilhas especiais adquiridas uma obrigação de pagamento de IT assente no PVP mais elevado por si praticado». Mais alega que o «facto de a base tributável de referência para a liquidação de IT de acordo com o artigo 110.º, n.º 6, do CIEC ser o PVP mais elevado dos produtos comercializados pelo operador em concreto (e não o PVP médio praticado a nível nacional pelo conjunto dos operadores) – indicia claramente… que o regime em causa traduz um juízo de imputação sobre o operador económico em concreto da prática de uma introdução fraudulenta no consumo de tabaco manufacturado (…)».
Por seu turno, a sentença rejeitou a presente linha de argumentação, sublinhando que está em causa a introdução irregular de tabaco no consumo e que a falta de prevenção da evasão fiscal em causa constitui ofensa ao princípio da igualdade de tratamento dos operadores económicos do sector.
Apreciação. O assim decidido deve ser confirmado, dado que não enferma do erro de julgamento que lhe é apontado.
Na presença de um regime jurídico semelhante ao estabelecido no artigo 110.º/4/5 e 6, do CIEC, Margarida Moreno (20) afirma que «[s]erá considerada justificada a (in)utilização das estampilhas especiais que sejam apresentadas ao serviço fiscalizador ou que tenham sido objecto de inutilização sob controlo aduaneiro, devidamente comprovada por declaração dos serviços aduaneiros, nacionais ou estrangeiros, que tenham presenciado a sua destruição. // Quanto à falta de apresentação das estampilhas especiais ao serviço fiscalizador (…), a mesma poderá considerar-se justificada, caso seja entregue declaração adequada, emitida pelos serviços aduaneiros competentes do país para onde a estampilhas foram remetidas ou em face de prova cabal reconhecida em despacho ministerial proferido em processo administrativo (…)».
O recurso ao preço de venda ao público do tabaco cujas estampilhas foram objecto de extravio não justificado corresponde a solução imposta pelo regime de cobrança de imposto em situações em que a falta de registos contabilísticos e a falta de prova das circunstâncias alegadas não permite a adopção de medida alternativa, no que respeita ao apuramento do imposto devido. A experiência mostra que as estampilhas extraviadas estão associadas à introdução irregular no consumo de tabaco em causa (21). Perante tais factos, a lei criou mecanismos de apuramento indirecto do base tributável do imposto, a qual se procura aproximar, o mais possível, da realidade do facto tributário presumido, é certo, mas não contrariado, nem socavado nos seus pressupostos, por parte do contribuinte, através dos mecanismos legais de contraditório e de defesa que a lei colocou à sua disposição (artigo 110.º/5, do CIEC e §§19.º a 22.º da Portaria n.º 1295/2007, de 01/10). Não se comprova, assim, a alegada violação dos princípios da presunção da inocência ou da estruturação constitucional do sistema fiscal.
Motivo porque se rejeita a presente linha de argumentação.
2.2.7. No que respeita ao esteio de recurso referido em vi), a recorrente alega que «[a] cominação associada ao uso indevido ou à não apresentação de estampilhas especiais – a obrigação de pagamento de IT assente numa ficção de introdução no consumo do produto comercializado ao PVP mais elevado –, colide frontalmente com o princípio da proporcionalidade das normas restritivas dos direitos, liberdades e garantias – consagrado no artigo 18.º, n.º 2, da CRP e cujo escopo protector abrange, atento o disposto no artigo 17.º da CRP, o direito à propriedade privada, consagrado no artigo 62.º, n.º 1, da CRP –, bem como directamente com o direito à propriedade privada consagrado no artigo 1.º do Protocolo adicional à CDHLF».
Por seu turno, a sentença julgou improcedente a presente argumentação, com base na asserção de que a medida legislativa de determinação da liquidação e cobrança do imposto em caso de extravio não justificado das estampilhas tem subjacente o interesse da prevenção da fraude e da correcção da erosão da base tributável, associada à introdução irregular de tabaco no consumo.
Apreciação. Cumpre ter presente os deveres de registo, de declaração e prova a cargo do contribuinte sobre as quantidades de tabaco adquiridas e vendidas e sobre as contas-correntes das estampilhas associadas à introdução do tabaco no consumo. Nesta medida, a presunção de introdução no mercado do tabaco cujas estampilhas se extraviaram sem justificação aparente, ao preço mais elevado de venda do mesmo ao público, não se oferece como medida inidónea, desnecessária e desproporcionada. Não se trata de presumir um comportamento fraudulento do contribuinte, mas antes de distribuir entre as partes o risco pelo incumprimento de deveres declarativos e de registo, que, na prática, tornam impossível a realização do controlo alfandegário da introdução do tabaco, através do uso de estampilhas em tabaco posto a circular, mas não declarado ao Fisco. Mais se refere que a forte concorrência no sector dos tabacos torna a oposição de selos fiscais de garantia da introdução regular do mesmo no consumo uma mais-valia da mercadoria em causa, pelo que a necessidade de adoção de medidas legislativas que, de forma rigorosa, combatam e previnam usos indevidos das estampilhas, mostra-se evidente, à luz dos princípios da plena concorrência e da igualdade de tratamento dos operadores económicos.
Em face do exposto, a alegada inconstitucionalidade material não se confirma nos autos.
Motivo porque se julga improcedentes as presentes conclusões de recurso.

2.2.7. No que respeita ao fundamento de recurso referido em vii), a recorrente suscita a questão do reenvio prejudicial ao TJUE com vista à correcta aplicação do Direito da UE.
O artigo 267.º do TFUE estabelece que «[s]empre que uma questão [sobre a interpretação do Direito Europeu] seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal» (22).
O presente acórdão é passível de recurso. Mais se refere que a orientação que resulta da jurisprudência do TJUE não é passível de dúvida quanto à necessidade de justificação do extravio de estampilhas fiscais, por parte dos comerciantes de tabaco, no território da União, com vista a prevenir eventuais fraudes associadas à introdução irregular no consumo de tabaco (23). Não estão, assim, reunidos os pressupostos de aplicação da obrigação de reenvio prejudicial em referência.
Motivo porque se rejeita a presente alegação.
Em consequência do quanto exposto fica prejudicada a outorga de qualquer indemnização à recorrente.

Dispositivo
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da subsecção do juízo comum da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe.
Notifique.
(Jorge Cortês - Relator)

(1ª. Adjunta- Patrícia Manuel Pires)

(2ª. Adjunta – Tânia Meireles da Cunha)

(1) Versão do Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21.06 (semelhante ao artigo 81.º do CIEC, versão de 2002).
(2) Semelhante ao artigo 6.º do CIEC/99 – aprovado pelo Decreto-Lei n.º 566/99, de 22/12.
(3) Semelhante ao artigo 7.º do CIEC/99.
(4) Semelhante aos artigos 86.º/1 a 5 e 93.º do CIEC/99 (versão 2006).
(5) Sérgio Vasquez e António Moura Portugal, As restrições fiscais à introdução no consumo dos tabacos, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano 2, Número 4 pp. 123/145, maxime, p. 126.
(6) Redacção do Decreto-lei n.º 307-A/2007, de 31 de Agosto,
(7) Margarida Moreno, Alfândega, Revista Aduaneira, n.º 50, pp. 18/23.
(8) Margarida Moreno, Alfândega, Revista Aduaneira, n.º 50, pp. 18/23.
(9) Alíneas L) a Q), do probatório.
(10) https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:12016E/TXT.
(11) § 5, da fundamentação de direito do Acórdão do TJUE, de 11/01/1974, P. 8/74.
(12) Patrícia Fragoso Martins, Direito Constitucional Europeu, Universidade Católica Editora, 2022, p. 362.
(13) §14 do Acórdão do TJUE, de 20/02/1979, P. 120/78.
(14) §§12 e 13 do Acórdão do TJUE, de 24/11/1993, P. C-267/91 e C-268/91.
(15) §§15 e 16 do Acórdão do TJUE, de 24/11/1993, P. C-267/91 e C-268/91.
(16) Acórdão do TJUE, de 15/06/2006, P. C-494/04, §§62 a 65.
(17) Sérgio Vasques e Tânia Carvalhais Pereira, Os impostos especiais de consumo, Almedina, 2020, p. 305.
(18) “caso seja entregue declaração adequada emitida pelos serviços competentes do país para onde as estampilhas foram remetidas, ou em face da prova admitida pelo director-geral da AT”.
(19) Ponto 1), do Sumário do Acórdão do TJUE, de 15/06/2006, P. C-494/04.
(20) Margarida Moreno, Alfândega, Revista Aduaneira, n.º 50, pp. 18/23.
(21) V. §§42 a 44 do Acórdão do TJUE, de 15/06/2006, P. C-494/04.
(22) JOUE, 26.10.2012, https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=celex%3A12012E%2FTXT.
(23) V.g., Acórdão do TJUE, de 15/06/2006, P. C-494/04.