Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2263/04.3BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:06/09/2021
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL;
IVA;
REEMBOLSO;
LIQUIDAÇÃO ADICIONAL.
Sumário:Na sequência do indeferimento do pedido de reembolso, será efectuada a liquidação nos termos do art. 82º do CIVA.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO

A Fazenda Pública, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial apresentada por C............., Lda. (anteriormente denominada S...., Lda.), com referência à liquidação adicional de IVA nº .......... relativa ao exercício de 2002 no valor de € 40.000,00.

A Recorrente, nas suas alegações, formulou conclusões nos seguintes termos:

“A) In casu, salvaguardado o elevado respeito, deveria ter sido dada uma maior acuidade ao vertido nos arts. 9.º, n.º 30 e 31, art. 12.º, n.º 6 e art. 82.º, todos do CIVA; ao DL n.º 241/86 de 20/08; ao art. 53.º da LGT e ao art. 171.º do CPPT, assim como deveria ter sido devidamente considerado e valorado pelo respeitoso Tribunal a quo o consignado no acervo documental constante dos autos, maxime,

B) no escopo do Relatório dos Serviços de Inspecção Tributária, à nota de apuramento Mod. 382 (cfr. certidão junta aos autos de fls. 12 a 26), assim como ao teor da factualidade dada como assente nos itens A), B), E) e F) do probatório elencado no douto aresto recorrido.

C) Tudo devidamente condimentado e com arrimo no respeito pelo Princípio da legalidade, da Auto-responsabilidade das Partes e das Regras da lógica e da Ordem natural das coisas.

D) Tudo devidamente condimentado e com arrimo no respeito pelo Princípio da legalidade, da Auto-responsabilidade das Partes e das Regras da lógica e da Ordem natural das coisas.
E) Para que, se pudesse aquilatar pela IMPROCEDÊNCIA in totum, da Impugnação aduzida pela Recorrida.

F) Decidindo como decidiu, o respeitoso Areópago a quo lavrou em erro de interpretação e aplicação do direito e dos factos, nos termos supra explanados.

G) Aliás, tudo assim, conforme melhor é explanado, vertido e fundamentado nos itens 14.º ao 47.º das Alegações que supra se aduziram, e das quais, as presentes Conclusões são parte integrante.

H) Por conseguinte, salvo o devido respeito, que é muito, o Tribunal a quo lavrou em erro de julgamento.
NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido total provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a sentença proferida com as devidas consequências legais.
CONCOMITANTEMENTE, Apela-se desde já à vossa sensibilidade e profundo saber, pois, se aplicar o Direito é um rotineiro acto da administração pública, fazer justiça é um acto místico de transcendente significado, o qual, poderá desde já, de uma forma digna ser preconizado por V. as Ex.as, assim se fazendo a mais sã, serena, objectiva e acostumada JUSTIÇA!”
* * *
O Recorrido apresentou contra-alegações, tendo formulado conclusões nos seguintes termos:

“I- Inconformada com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a Impugnação judicial, determinando, por conseguinte, a anulação da liquidação adicional de IVA n.°.......... relativa ao ano de 2002, e mais condenou a Administração Tributária a pagar à Impugnante indemnização por prestação indevida de garantia, veio a FP apresentar o presente recurso, com fundamento em “erro na interpretação e aplicação do direito aos factos”.

II- No que concerne à liquidação adicional de IVA que o Tribunal a quo determinou a sua anulação, importa referir que a mesma, como melhor explanado nas precedentes alegações, é sequente a um pedido de reembolso de IVA, no montante de 40.000,00€ que a Recorrida requereu, mas que lhe foi indeferido, por não possuir certificado de renúncia a isenção. Indeferimento este, com o indicado fundamento, que mereceu a conformação da Requerida.

III- Consequentemente, a Impugnante, aqui Recorrida não foi reembolsada de qualquer imposto, dado que, uma vez solicitado tal reembolso, foi aberta a ordem de serviço que culminou com o relatório a que se refere o ponto F) da matéria dada como assente, que indeferiu tal pedido.

IV- Factualidade assente, como não provada, que a Recorrente não coloca em crise no recurso do “aeropágo”; com efeito, na decisão recorrida, foi necessariamente dado como NÃO provado - facto K) - que: “A impugnante recebeu o reembolso, relativo ao ano de 2002, no valor de €40.000,00. ”

V- Não obstante, partindo do errado (falso) pressuposto que a Recorrida havia sido reembolsada de tal montante, a AT ao abrigo do artigo 82.° do CIVA determinou a liquidação adicional do referido valor de 40.000,00€, que é objecto da impugnação judicial sub judice.

VI- Refira-se que o valor de IVA - 40.000,00€ - que a Recorrida pediu o reembolso, corresponde a IVA que pagou em operações de conservação e reparação de instalações locadas; pelo que, tendo tal pedido de reembolso sido indeferido, e nunca tal montante ter sido pago à Recorrida, a liquidação adicional de tal valor, corresponde, ademais a uma dupla tributação das mesmas operações, sem qualquer título legal que o justifique.

VII- Pelo que, não só a liquidação adicional criticada padece de ilegalidade, sendo manifesto que resulta de um ostensivo erro da AT na subsunção dos factos ao direito, como o inconformismo da recorrente FP na assunção de um erro, que fere de ilegalidade a liquidação adicional de IVA cuja anulação se requer, denuncia uma actividade revel aos mais basilares princípios da legalidade, proporcionalidade e justiça a que a AT está inelutavelmente vinculada (artigos 8º e 55.° da Lei Geral Tributária)

VIII- Impondo-se, em preito à legalidade e justiça, a confirmação da sentença recorrida que julgou, e bem, “que a liquidação ora impugnada na ordem jurídica, devendo ser anulada”.

IX- No que concerne à condenação da Recorrente no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, aquela centra a sua discordância numa alegada extemporaneidade do pedido, nos termos do artigo 171º do CPPT.

X- Acontece porém que, como é hoje entendimento pacífico, a anulação de acto de liquidação ilegal de tributos, com fundamento em erro da AT, como sucedeu nos presentes autos, determina, por imperativo legal, que a FP venha a ressarcir a Recorrida dos danos emergentes da sua actividade ilegal, designadamente por força da prestação de garantia para suster a execução coerciva de dívida ilegalmente apurada.

XI- De acordo com os efeitos anulatórios dos actos, e nos termos expressamente consagrados no artigo 100.° da Lei Geral Tributária, a AT está obrigada a reconstituir a situação legal que hipoteticamente existiria se não houvera sido objecto de um acto lesivo ou de uma ofensa por si cometida contra os direitos e interesses protegidos dos administrados, ressarcindo-os pelos prejuízos que tenha incorrido, designadamente, como consagrado no artigo 53.° do mesmo Diploma Legal, com garantia bancária para sustar a execução coerciva do montante ilegalmente liquidado.

XII- No caso, a Recorrida requereu a condenação da FP em indemnização por prestação de garantia indevida, estando reunidos os pressupostos do seu direito substantivo, a saber: a dívida garantida resultar de acto tributário emergente de erro da AT, e ter prestado garantia bancária para suspender a execução fiscal atinente a tal dívida. 

XIII- Em resposta, a FP defendeu a extemporaneidade do pedido, não tendo, contudo suscitado, a excepção do meio judicial impróprio, sanando, por conseguinte, esse eventual vício, nem assim colocou em crise o direito substantivo e existente da recorrida ser ressarcida dos danos provocados pelo acto ilegal da AT, objecto da impugnação judicial, julgada procedente pelo Tribunal a quo.

XIV- Olvida-se a FP de assumir, como a boa-fé lhe impunha, que o direito da recorrente a ser indemnizada existe plenamente na esfera jurídica desta, a que corresponde o dever da AT responder como o artigo 22° da Constituição da República Portuguesa soberanamente consagra.

XV- Clamando-se, por tudo quanto se deixa supra alegado, pela sindicância da bondade da decisão recorrida, confirmando-se a mesma na sua plenitude.
TERMOS EM QUE V. EX.AS SUPERIORMENTE SUPRIRÃO, DEVERÁ O RECURSO INTERPOSTO PELA FP SER JULGADO INTEGRALMENTE IMPROCEDENTE, CONFIRMANDO-SE, NOS SEUS EXACTOS TERMOS, A SENTENÇA RECORRIDA, E CONSEQUENTEMENTE ORDENANDO A ANULAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO ADICIONAL DE IVA OBJECTO DOS AUTOS DE IMPUGNAÇÃO, E A CONDENAÇÃO DA AT NO PAGAMENTO DE INDEMNIZAÇÃO POR PRESTAÇÃO DE GARANTIA INDEVIDA.”
* *
O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

* *
Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, a questão controvertida consiste em aferir se a sentença enferma de erro de julgamento ao ter considerado procedente a impugnação judicial referente ao IVA de 2002 e no reconhecimento à Recorrida do direito a indemnização por prestação de garantia indevida.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“Factos provados
A) A Impugnante apresentou declaração de IVA referente ao ano de 2002, período 02-09T (de 01/07/2002 a 20/09/2002), no qual apurou imposto a favor do Estado, no valor de € 3 800,00 e imposto a favor do sujeito passivo, no valor de € 56 351,75 – cfr. fls. 25 e 26 dos autos;

B) Em 14/11/2002, a Impugnante solicitou o reembolso da quantia de € 40.000,00 referente ao período de 02-09T – cfr. teor do Relatório a fls. 18 e fls. 20 a 22 dos autos;

C) A Impugnante foi notificada da liquidação adicional de IVA, referente ao ano de 2002, (liquidação n.º 0..........) no valor de € 40 000,00, com data limite de pagamento: 31/05/2004 – cfr. fls. 10 dos autos;

D) Em 07/05/2004, a Impugnante solicitou a fundamentação da liquidação referida em C – cfr. fls. 11 dos autos;

E) Em 09/06/2004 foi emitida a certidão contendo os seguintes elementos: Relatório dos Serviços de Inspeção, acompanhado do Parecer e Despacho do Chefe de Divisão, cópia da ordem de serviço n.º 86 332/2003 relativa a pedido de reembolso efetuado pela Impugnante e nota de apuramento Mod. 382 – cfr. certidão a fls. 12 a 26 cujo teor integral dou aqui por reproduzido;

F) Do Relatório constam os seguintes fundamentos para a liquidação ora impugnada:
“(…) O contribuinte solicitou em 14/11/2002, um reembolso de IVA com o n.º 02 0487990, no valor de € 40 000,00 e referente ao período de 02-09 T, tendo sido aberta a Ordem de Serviço n.º 86 332 de 06/08/2003, para se proceder internamente à sua análise.
1. O sujeito passivo iniciou a sua actividade em 20/11/2001, dedicando-se ao exercício de compra e venda de bens imobiliários, CAE 070120.
2. Desde essa data, enquadrou-se no regime normal de periodicidade trimestral, conforme consta do Cadastro do Sistema Informático da DGCI, porque era sua intenção sujeitar esta actividade a Imposto sobre o Valor Acrescentado, actividade inicialmente isenta nos termos dos n.ºs 30 e 31 do art. 9.º do CIVA.
3. Celebrou um contrato de arrendamento com a empresa «C……… SA», com início em julho de 2002, para as suas instalações sitas na Av. ………..em Vila Nova de Gaia.
O local arrendado tem como fim a actividade comercial do inquilino.
Na facturação emitida, ao valor da renda passou a adicionar o imposto à taxa normal.
4. O sujeito passivo passou a liquidar IVA nas rendas debitadas à C……….SA, e a exercer o direito à dedução do imposto suportado para a realização das operações de locação.
5. Assim, no período 02-09T, o sujeito passivo apurou um crédito de imposto no valor de € 52 551,75, tendo solicitado, na Declaração Periódica deste período, um reembolso de € 40 000.
6. O sujeito passivo, não podia exercer o direito à dedução, sem estar na posse do certificado da renúncia à isenção (a que se refere o n.º 6 do art. 12.º) relativa à locação do imóvel ou parte dele. É que embora o sujeito passivo tenha enquadrado a sua actividade como sujeita a IVA desde o início, a opção pela sujeição a IVA só é válida, por um lado, prédio a prédio ou fração a fração, e por outro lado, após a emissão do certificado passado pela Administração Fiscal, correspondente à opção pela sujeição do IVA.
7. O sujeito passivo deve declarar aos Serviços de Finanças da sua área que, nos termos do n.º 4 do art. 12.º do CIVA, pretende renunciar à isenção do IVA, relativamente às operações de locação; e os Serviços de Finanças emitirão um certificado de renúncia à isenção, ou o mesmo será dizer, sujeição a imposto das operações de locação, nos termos do n.º 6 do art.º 12.º do CIVA, tendo em consideração o Decreto Lei n.º 241/86 de 20/08.
8. Pelo facto de não ter na sua posse o certificado de renúncia à isenção a que se refere o n.º 2 do art. 1.º do Decreto Lei 241/86 de 20/08, o sujeito passivo não pode deduzir o imposto suportado na conservação e reparação das instalações locadas.
9. Assim, propomos o indeferimento do presente pedido de reembolso no valor € 40 000,00 referente ao período 02-09T”. – cfr. Relatório a fls. 13 a 19 dos autos;

G) Os Serviços de Inspeção preencheram Nota de Apuramento Mod. 382, Quadro 13 (Apuramento do montante da liquidação adicional – art. 82.º (Correção do Imposto), Linha 04 Dedução indevida de IVA (art. 21.º) com o valor de € 40 000,00 relativo ao período 02 09T – cfr. fls. 23 e 24 dos autos;

H) O certificado de renúncia à isenção foi obtido pela Impugnante, em dezembro de 2003 – cfr. fls. 27 a 29 dos autos;

I) Em 15/09/2004, foram apresentados os presentes autos de impugnação no qual pedem a anulação da liquidação adicional de IVA, do ano de 2002, no valor de € 40 000,00 – cfr. carimbo a fls. 3;

J) Em 13/06/2007, o B........., SA emitiu a garantia bancária n.º…….., “a pedido e em nome de S………, LDA, NIF ……… (…) pelo presente instrumento declara prestar a favor da DIREÇÃO GERAL DOS IMPOSTOS – SERVIÇO DE FINANÇAS DE LISBOA 2, uma garantia bancária até ao limite de EUR 71 731,62 (…) como caução no Processo de Execução Fiscal n.º……….., que corre termos no Serviço de Finanças de Lisboa 2, nos termos do disposto no artigo 199.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
O valor garantido é, pois, de EUR 71 731,62(…)” – cfr. fls. 103 e 104 dos autos cujo teor integral dou aqui por reproduzido.

Facto não provado
K) A Impugnante recebeu o reembolso, relativo ao ano de 2002, no valor de € 40 000,00.
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Inexistem outros factos não provados com relevância para a decisão da causa.
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Considero os factos provados atendendo ao teor dos documentos juntos aos autos e identificados nas diversas alíneas do probatório, não impugnados.
Considero o facto K como não provado por a Impugnante afirmar que não recebeu reembolso de € 40 000,00 e dos autos não consta nada sobre o pagamento pela Autoridade Tributária, daquele montante.”


IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Com base na matéria de facto acima transcrita o Tribunal Tributário de Lisboa julgou a presente impugnação judicial procedente tendo anulado a liquidação adicional de IVA de 2002 no montante de € 40.000,00, com a seguinte fundamentação: “(…) A Impugnante aceita o indeferimento do pedido de reembolso efetuado impugnando a liquidação adicional de IVA, referente ao ano de 2002 (Liquidação n.º ..........), no valor de € 40 000,00, por não ter fundamento legal, pois o reembolso solicitado não foi pago à Impugnante.
Assiste razão à Impugnante. O montante a pagar não é de € 40 000,00, o valor do pedido de reembolso, pois, o valor a pagar será a diferença entre o IVA liquidado e o IVA dedutível. E, dessa diferença não resulta o montante a pagar de € 40 000,00 face à declaração apresentada pela Impugnante e referida no facto A e a retificação a efetuar de conformidade com o indeferimento do pedido de reembolso, nos termos do artigo 82.º, n.º 1 do CIVA, a que acresce o facto de não ter sido pago reembolso à Impugnante.
Assim sendo, a liquidação ora impugnada não se pode manter na ordem jurídica, devendo ser anulada (…)” tendo ainda reconhecido à impugnante o direito a indemnização por prestação de garantia indevida.

A Recorrente não se conforma com o decidido invocando, também em síntese, que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito dado que o impugnante passou a liquidar IVA nas rendas debitadas à C…, SA., e a exercer o direito à dedução do imposto suportado para a realização das operações de locação, tendo apurado no período de 02-09T, um crédito de imposto no valor de € 52.551,75, e solicitado, na Declaração Periódica deste período, um reembolso de € 40.000,00 euros. No entanto o sujeito passivo, não podia exercer o direito à dedução, sem estar na posse do certificado de renúncia à isenção prevista no n.º 6 do art. 12.º do CIVA, relativa à locação do imóvel ou parte dele. E conclui que, uma vez que o recorrido não tinha na sua posse o Certificado de Renúncia à Isenção, a que se refere o n.º 2 do art. 1º do DL 241/86 de 20/08, não podia deduzir o imposto suportado na conservação e reparação das instalações locadas.

Alega ainda que, “(…) deveria ter sido devidamente considerado e valorado pelo respeitoso Tribunal a quo o consignado no acervo documental constante dos autos, maxime,
B) no escopo do Relatório dos Serviços de Inspecção Tributária, à nota de apuramento Mod. 382 (cfr. certidão junta aos autos de fls. 12 a 26), assim como ao teor da factualidade dada como assente nos itens A), B), E) e F) do probatório elencado no douto aresto recorrido” (cfr. conclusões A) e B) do recurso).
Ora, considerando o disposto no art.° 640.° do CPC, aplicável ex vi do art. 281º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo da Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de discordância com tal decisão.

O art. 640º do CPC, sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, consagra que:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos nºs 1 e 2 aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.° 2 do artigo 636°."

Assim, a Recorrente não indicou, concretamente os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, o que exige o disposto no art. 640.º do CPC, limitando-se a alegar e concluir, genericamente, pelo erro de julgamento da matéria de facto, pelo que, no caso em apreço, face ao incumprimento daquela disposição legal, rejeita-se o recurso nesta parte, nos termos do disposto no n.º 1, alínea a) daquele preceito legal.

Assim, estabilizada que está a matéria de facto dos autos, importa, então, aferir se a decisão recorrida padece de erro de julgamento de direito por errada interpretação dos pressupostos de facto e de direito.

A Recorrente manifesta a sua discordância com o decidido alegando que, uma vez que a Recorrida não tinha na sua posse o certificado de renúncia à isenção, a que se refere o n.º 2 do art. 1º do DL 241/86 de 20/08, não podia deduzir o imposto suportado na conservação e reparação das instalações locadas.

Na verdade, o exercício da renúncia à isenção de IVA pelos sujeitos passivos que se dediquem à locação e transmissão de imóveis depende da obtenção de declaração de modelo oficial e da emissão de certificado pela AT, que será exibido aquando da celebração do contrato de arrendamento ou da escritura de transmissão (cfr. arts. 1.º e 4.º do Decreto-Lei n.º 241/86 e art. 12.º, n.ºs 4 a 6, do CIVA).

Importa no entanto ressalvar que na impugnação judicial a impugnante reconhece que não dispunha de tal certificado, concordando assim com o indeferimento do reembolso, sendo tal reconhecimento vertido na sentença recorrida e reiterado pela Recorrida nas suas contra-alegações. A impugnação judicial centrou-se assim no quantum da liquidação adicional e no seu apuramento invocando a impugnante que, não tendo sido efectuado o pagamento do reembolso no montante de € 40.000,00, o valor da liquidação decorrente do indeferimento não poderia ser nesse montante.

Concretizando;

Tal como mencionado na sentença recorrida, o indeferimento do pedido de reembolso implica que foram consideradas indevidas as deduções de IVA conduzindo assim à rectificação das declarações nos termos do art. 82º, nº 1 do CIVA. Ora de acordo com este normativo sempre que nas declarações constar um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos será liquidada a diferença.

Considerando que a impugnante aceitou o indeferimento do reembolso e que o valor do reembolso não foi recebido pela impugnante, o montante da liquidação adicional efectuada ao abrigo do nº 1 do art. 82º do CIVA deveria resultar da diferença entre a correcção ao IVA liquidado e ao IVA dedutível e, atenta a declaração apresentada e mencionada na alínea A) do probatório, dessa diferença não resulta o valor a pagar de € 40.000,00 pelo que, se conclui que a liquidação padece de vício de violação de lei e como tal deve ser anulada.

Importa ainda referir que a Recorrente nas suas alegações de recurso manifesta ainda a sua discordância com a sentença recorrida quanto ao reconhecimento do direito a indemnização por prestação de garantia indevida, defendendo a extemporaneidade desse pedido.

Vejamos, então.

Sobre a questão da tempestividade do pedido de indemnização por prestação de garantia indevida e sobre o meio processual adequado à sua obtenção, versou o Acórdão do STA, de 15/11/17, proferido no processo nº 1154/17, que de seguida se reproduz na parte que aqui se considera pertinente:
“(…)
Sob a epígrafe «Garantia em caso de prestação indevida», o art. 53º da LGT dispõe:
«1 - O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.
2 - O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.
3 - A indemnização referida no nº 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.
4 - A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.»
Daqui decorre que o devedor que, para suspender execução fiscal contra ele instaurada, preste garantia bancária ou equivalente, tem direito a ser indemnizado (total ou parcialmente, consoante tenha obtido vencimento total ou parcial em impugnação, recurso administrativo ou oposição à execução, que tenham por objecto a dívida garantida) pelos prejuízos resultantes da prestação daquela: caso se prove que ocorreu erro imputável aos serviços, tal indemnização será devida independentemente do período de tempo durante o qual a garantia se manteve (nº 2 do artigo); caso a anulação não tenha por fundamento erro imputável aos serviços, a indemnização só será devida se a garantia se tiver mantido por mais de 3 anos (nº 1 do mesmo artigo, na redacção do DL 398/98, de 17/12, que aprovou a LGT e na redacção posterior à Lei nº 32-B/2002, de 10/12, sendo que durante o período de vigência da redacção introduzida pela Lei nº 15/2001, de 5/6, este prazo esteve reduzido a 2 anos).
No nº 3 do normativo refere-se que a indemnização pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente. Mas não se estabelece aqui nem o prazo limite para a dedução de tal pedido nem o meio processual a ser usado para a respectiva formulação.
Só no art. 171º do CPPT (entrado em vigor em 1/1/2000) se veio regulamentar o exercício de tal direito, ali se dispondo, sob a epígrafe «Indemnização em caso de garantia indevida», o seguinte:
«1 - A indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda.
2 - A indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência.»
Estabelece-se, pois, que o pedido de indemnização (por garantia indevidamente prestada) seja apresentado no processo em que esteja controvertida a legalidade da dívida em causa e, de acordo com o seu nº 2, que o pedido seja solicitado na reclamação, impugnação ou recurso ou, em caso de o seu fundamento ser superveniente, no prazo de 30 dias após a sua ocorrência. Ou seja, o pedido deve, em regra, ser feito na petição do meio procedimental ou processual (Aqui se incluindo o pedido de revisão feito pelo interessado no prazo da «reclamação administrativa» (n° 1 do art. 78° da LGT) ou o recurso hierárquico ou contencioso em que se discuta a legalidade do acto de liquidação - cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 6ª ed., 2011, Vol. III, anotação 3 ao art. 171º, p. 238.) em que seja sindicada a liquidação relativamente à qual a garantia foi prestada e só nos casos em que o fundamento do pedido for posterior à apresentação da petição do meio utilizado, é que pode ser feito posteriormente. Como sucederá, por exemplo, quando no momento da apresentação da petição inicial ainda não foi prestada garantia: então, o pedido de indemnização deve ser formulado no prazo de 30 dias após a prestação da garantia e naquele processo onde se discute a legalidade da liquidação da dívida exequenda. Sendo que, neste âmbito, não se descortina aqui deficiente enquadramento contextual, relativamente a eventual anterior entendimento do citado autor, quanto ao facto superveniente (no sentido de ter natureza exemplificativa a indicação da prestação da garantia no elenco de factos supervenientes e de o conceito de superveniência não se circunscrever à prestação de garantia).
Por outro lado, a recente jurisprudência do STA tem vindo a admitir que embora o pedido de indemnização não tenha sido apreciado em sede do processo onde se discutiu a legalidade da dívida garantida, é, ainda assim, passível de ser apreciado em sede de execução de julgado dessa mesma decisão, bem como em ação de indemnização por responsabilidade civil extracontratual, verificados que estejam os respetivos pressupostos. (Cfr. acórdãos do STA, de 29/4/2015, proc. nº 01166/13; de 21/01/2015, proc. nº 0152/13; de 18/6/2014, proc. nº 01062/12; de 22/6/2011, proc. nº 0216/11; de 13/4/2011, proc. nº 01032/10; de 2/11/2011, proc. nº 0620/11; de 24/11/2010, proc. nº 1103/09 e proc. nº 0299/10.
(…)”

No caso em apreço, tal como decorre do probatório, aquando da dedução da impugnação, em 15/09/2004, ainda não havia sido prestada a garantia para suspender a execução fiscal, já que, como os factos provados demonstram, a garantia bancária em causa apenas foi emitida em 13/06/2007 (cfr. alíneas I) e J) do probatório) e o pedido de indemnização por prestação de garantia indevida foi formulado na pendência da impugnação judicial, formulado em 29/04/2013 aquando da apresentação das alegações a que se refere o art. 120º do CPPT, configurando-se assim numa ampliação do pedido formulado na petição inicial.

Importa salientar que, o prazo de 30 dias a que alude o nº 2 do art.171º do CPPT é aplicável quando, em requerimento autónomo e com base em fundamento superveniente seja solicitada a indemnização, contando-se esse prazo após a ocorrência desse fundamento superveniente.

Em face do exposto conclui-se que a sentença recorrida não merece censura sendo de negar provimento ao recurso.

V- DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente.
Lisboa, 9 de Junho de 2021
[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, as Desembargadoras Cristina Flora e Tânia Meireles da Cunha].
Luisa Soares