Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:39/20.0BCLSB
Secção:CA
Data do Acordão:09/23/2021
Relator:JORGE PELICANO
Descritores:JUSTIÇA DESPORTIVA
PROCESSO DISCIPLINAR
FALSAS DECLARAÇÕES
Sumário:I. O Recorrido declarou que o jogador n.º 13 do GD de A... olhou fixamente para ele “quando preparou e pontapeou a bola”, o que não corresponde à verdade e não podia ter sido por ele percepcionado, dado que tais factos não ocorreram.

II. Pelo que prestou falsas declarações aquando dos esclarecimentos complementares sobre os factos que levaram à exibição do cartão vermelho ao jogador n.º 13 do GD de A....

III. Prestou tais declarações de forma livre, voluntária e consciente, sabendo, por força das funções de árbitro que exerce, que, perante as regras disciplinares que regem a sua actuação, não as deveria ter proferido, por as mesmas não corresponderem à realidade e que, por isso, praticava um ilícito disciplinar (art.º 173.º do RDFPF 2019/2020).

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

A Federação Portuguesa de Futebol vem recorrer do acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral do Desporto no âmbito do processo n.º 8/2020, que concedeu provimento ao recurso intentado por W… do acórdão de 31/01/2020, proferido pelo Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, que tinha condenado este último na sanção disciplinar de três meses de suspensão do exercício da sua actividade como árbitro.
Apresentou as seguintes conclusões com as suas alegações de recurso:
1. O presente Recurso de Apelação é interposto pela Recorrente do Acórdão do Tribunal Arbitrai do Desporto, datado de 11 de Maio de 2020, que revogou a decisão proferida pelo Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol que sancionou o Recorrido na sanção de 3 (três) meses de suspensão da sua atividade, pela prática da infração prevista e sancionada pelo art.s 173.º do Regulamento Disciplinar da FPF;
2. Em causa nos presentes autos está a sanção ao Recorrido por ter prestado falsas declarações ao afirmar, "Quando questionado sobre se "[o] jogador n.º 13 do GD A..., D.., pontapeou a bola na direção do 2 árbitro com a intenção de o atingir ou, em alternativa tratou-se de um infortúnio" respondeu "a minha perceção da ação do jogador, e que me sustentei para tomar a decisão de exibir o cartão vermelho ao atleta, foi que: - a bola estava "morta" da ação, pois já se encontrava fora da superfície de jogo; - a bola saiu numa velocidade normal, não sendo um lance rápido que tivesse causado a dúvida ao atleta nem a ninguém da bola ainda estar em jogo, para proceder ainda ao pontapear a bola; o atleta estava olhando para mim, fixamente, quando preparou e pontapeou a bola; - a violência do pontapear efetuado"
3. Acresce que em sede das referidas prestações complementares, declarou também o Recorrido que "[o] único acontecimento anterior de relevo, foi a repreensão verbal a outro atleta da equipa do GD A..., que tinha protestado uma decisão de uma falta cometida” e que “[n]em antes da exibição do cartão vermelho, nem posterior, e nem mesmo no final do jogo”, e ainda tendo sido perguntado ao referido agente de arbitragem se o jogador D... lhe tinha dirigido um pedido de desculpas após o sucedido, tendo este respondido que "[n]em antes da exibição do cartão vermelho, nem posterior, e nem mesmo no final do jogo”.
4. Com efeito, por se tratar de factos que objetivamente não aconteceram, consubstancia tal conduta a prática dolosa da infração de prestação de falsas declarações complementares nos termos p. e p. no artigo 173.º do RD da FPF;
5. 0 Tribunal a quo decidiu revogar a decisão do Conselho de Disciplina, fazendo, com o devido respeito, uma errónea análise e valoração da prova produzida e lavrando em erro na aplicação do direito, designadamente no que respeita à verificação de dolo na atuação do Recorrido;
6. Os relatórios das equipas de arbitragem, e bem assim, as declarações complementares que os mesmos prestam no âmbito do exercício das suas funções, gozam de presunção de veracidade, nos termos do artigo 220.º, n.º 3 do RD da FPF, pelo que, impende sobre aqueles agentes um especial dever de diligência e de verdade quando relatam factos e prestam declarações;
7. O Recorrido em sede de declarações complementares veio pormenorizar a realidade factual que já constava da Ficha de Jogo, relatando factos e pormenores que objetivamente, visualizando o vídeo do jogo em crise nos autos, entre o minuto 00:22:35 e o minuto 00:24:25, não correspondem à verdade, não tendo qualquer base factual;
8. O vídeo do jogo é o meio probatório mais fiável, em comparação com os que se encontram juntos aos autos, por permitir ao julgador a formação da convicção de forma objetiva e não subjetivada em opiniões de terceiros - no caso testemunhas, colegas de profissão do Recorrido, que tendencialmente abonaram a posição daquele - sobre aquele mesmo meio de prova, pelo que, na formação da convicção deveria o Tribunal a quo ter relativizado a prova testemunhal dando primazia ao vídeo do jogo dos autos, conforme supra se demonstrou;
9. Ainda assim, são diversas as passagens dos depoimentos das testemunhas que confirmam o que o visionamento das imagens permite concluir, designadamente no que respeita à falsidade dos seguintes factos que o Recorrido pormenorizou em sede de declarações complementares: (i) "a bola estava "morta" da ação, pois já se encontrava fora da superfície de jogo"; (ii) "a bola saiu numa velocidade normal, não sendo um lance rápido que tivesse causado a dúvida ao atleta nem a ninguém da bola ainda estar em jogo, para proceder ainda ao pontapear a bola; (iii) "o atleta estava olhando para mim, fixamente, quando preparou e pontapeou a bola"; (iv) "nem antes d exibição do cartão vermelho, nem posterior, e nem mesmo no final do jogo", o jogador pediu desculpa;
10. Os factos descritos pelo Recorrido nos pontos (iii) e (iv) do ponto anterior, demonstram a consciência da falsidade em que o mesmo incorreu quando prestou as referidas declarações complementares, porquanto não encontram nenhuma correspondência com a realidade dos factos, quando colidimos a prova produzida com a descrição dos factos efectuada pelo Recorrido;
11. Acresce que o Tribunal a quo deu como provada materialidade que forçosamente teria de precipitar uma decisão diferente no sentido da manutenção da sanção aplicada pelo Conselho de Disciplina da Recorrente, como é o caso dos factos dados como provados nos pontos vii), viii), ix), xiii), xiv), xv), e bem assim no ponto 104 do acórdão recorrido;
12. Ao invés, o Tribunal a quo deu como provada factualidade que não encontra coincidência probatório nos autos, pelo que, não deveria ter sido dado como provada, a saber a materialidade constante nos pontos 76, 92 e 107 do acórdão recorrido;
13. No que se refere à materialidade dada como não provada pelo Tribunal a quo, sempre se dirá que, o ponto i) da referida matéria, resulta forçosamente, da prova produzida, designadamente do visionamento do vídeo dos autos que a factualidade dada como não provada, a saber "Tanto a descrição apresentada em sede de Ficha de Jogo e melhor identificada no ponto xi) dos factos dados como provados, como as declarações prestadas pelo Demandante referidas nos pontos xiii) a xv) dos factos dados como provados não correspondem ao efetivamente ao sucedido durante o jogo aludido no ponto i) e, nomeadamente, ao descrito nos pontos iv) a ix) dos factos dados como provados", deve ser dada como provada, com todos os efeitos legais que daí advêm;
14. Como deve acontecer também com a factualidade constante no ponto ii) da matéria dada como não provada, a saber "O Demandante, 2.2 árbitro presente no jogo referido em i) dos fatos dados como provados, ao proferir as declarações descritas nos pontos xi), xiii) a xv) dos factos dados como provados, agindo de forma livre, voluntária e consciente, deturpou os factos ocorridos no jogo quanto ao motivo que determinou a expulsão do jogador D…, bem sabendo que tal representava uma conduta incorreta, apta a falseara realidade factual sucedida no jogo, com o que se conformou, consciente de que a mesma violava a Lei e os regulamentos da Demandada", matéria que deve ser dada como provada, por recurso à análise à prova produzida e à matéria de direito esplanada nas presentes legações, com todos os efeitos legais que daí advêm;
15. Ademais, a matéria da prova indicado pelo Tribunal a quo não permitem evidenciar porque a decisão tomou o sentido de revogar o acórdão do Conselho De Disciplina da recorrente, a saber a segunda metade do ponto 48, e bem assim os ponto 49 e a primeira metade do ponto 50 do acórdão recorrido, isto no que respeita ao que a testemunha c… veio dizer em sede audiência de discussão e julgamento;
16. Acresce que, no que respeita ao que a testemunha António Almeida afirmou em sede de discussão de audiência e julgamento, vem o Tribunal a quo sustentar a decisão no que surge plasmado nos pontos 58 e 63, o que necessariamente teria de precipitar uma decisão no sentido de manutenção da decisão do Conselho de Disciplina da Recorrente;
17. Em matéria de direito, ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, a atuação do Recorrido foi dolosa, porquanto referiu e pormenorizou em sede de declarações complementares factos que não têm qualquer correspondência com a realidade, que facilmente se alcança pelo visionamento do vídeo do jogo em crise nos autos, designadamente a partir dos 23ml5s, tendo referido os seguintes factos sem qualquer correspondência com a realidade: i) "a bola estava "morta" da ação, pois já se encontrava fora da superfície de jogo"; (ii) "a bola saiu numa velocidade normal, não sendo um lance rápido que tivesse causado a dúvida ao atleta nem a ninguém da bola ainda estar em jogo, para proceder ainda ao pontapear a bola; (iii) "o atleta estava olhando para mim, fixamente, quando preparou e pontapeou a bola"; (iv) "nem antes d exibição do cartão vermelho, nem posterior, e nem mesmo no final do jogo", o jogador pediu desculpa;
18. Com efeito, prevê o artigo 173.9 do RD da LPFP que "o elemento da equipa de arbitragem, observador de árbitro ou delegado ao jogo da FPF que altere, deturpe, falseie ou omita dolosamente a descrição, em relatório relativo a jogo oficial por si elaborado, dos factos ocorridos no jogo ou no recinto desportivo antes, durante ou após a realização do mesmo, ou que posteriormente preste falsas declarações ou informações, é sancionado com suspensão de 1 a 4 anos.".
19. Ora, o Recorrido - elemento de equipa de arbitragem - prestou falsas declarações ou informações, acerca de jogo em que participou coo segundo árbitro, descrevendo, relatando e pormenorizando factos que não têm nenhuma correspondência com a realidade, reitere-se vários facto, uma sequência de eventos, em que nenhum se confirmou como facilmente se demonstra pela prova produzida nos autos;
20. Cumpre aqui chamar à colação o que muito bem afirmou o Conselho de Disciplina no acórdão que o Tribunal a quo decidiu revogar, onde se afirma que "Neste particular, cumpre referir que inexistem dúvidas quanto à desconformidade da declaração do arguido W… com a realidade histórica, e, por conseguinte, na subsunção, tem termos objetivos de tal conduta na facti species da infração prevista e sancionada pelo art.s 173.9 do RDFPF (em particular, na modalidade "O elemento da equipa de arbitragem (...) que (...) posteriormente preste falsas declarações ou informações" sobre "factos ocorridos no jogo ou no recinto desportivo antes, durante ou após a realização do mesmo")."
21. Termos em que é inequívoco que a conduta do Recorrido foi dolosa - com dolo, no mínimo, eventual - na medida em que: (i) foi consciente - porquanto atuou com representação de todos os elementos que integram o facto ilícito - elemento cognitivo ou intelectual do dolo - nomeadamente da falsidade da sua declaração, que admitiu e com a qual se conformou); (ii) e voluntário (ou seja, o Recorrido dirigiu a sua vontade à realização do facto ilícito, querendo diretamente praticá-lo - elemento volitivo do dolo).
22. A norma prevista e punida no artigo 173.º do RD da FPF visa proteger valores jurídicos que garantam a especial exigência de diligência e verdade que impende sobre os agentes de arbitragem, que não podem colocar à frente do dever de verdade quaisquer laivos de reação a um evento menos agradável de que sejam algo, como é o caso dos autos, até porque, os referidos agentes de arbitragem, pelas funções que desempenham, levam a cabo um poder público de garante da disciplina e do cumprimento dos regulamentos federativos, em representação da Recorrente;
23. O TAD apenas poderia alterar e/ou revogar a sanção aplicada pelo Conselho de Disciplina da FPF se se demonstrasse a ocorrência de uma ilegalidade manifesta e grosseira — limites legais à discricionariedade da Administração Pública, neste caso, limite à atuação do Conselho de Disciplina da FPF;
24. Assim, não existindo nenhum vício que possa ser imputado ao acórdão do Conselho de Disciplina que levasse à aplicação da sanção da anulabilidade por parte deste Tribunal Arbitral, andou mal o Colégio de Árbitros ao decidir revogar a condenação do Recorrido pela prática da infração disciplinar p. p. pelo artigo 173º, do RD da FPF.”.

O Recorrido apresentou contra-alegações em que pugnou pela improcedência do recurso e pela manutenção do acórdão recorrido.

O Digníssimo Procuradora-Geral Adjunto emitiu douto parecer em que concluiu pela improcedência do recurso.
*
Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo à Conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.

Há, assim, que decidir, perante o alegado nas conclusões de recurso, se:
- se é de proceder à alteração da matéria de facto fixada;
- se o Tribunal a quo errou ao ter decidido que o Recorrido não praticou a infracção disciplinar por que foi punido.
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Fundamentação
De facto.
No acórdão recorrido foi fixada a seguinte matéria de facto:
i) “No dia 18 de agosto de 2019 disputou-se o jogo oficialmente identificado pelo n.° 612.04.008 ente o GD A... e o S… CP, a contar para a Taça de Portugal de Futebol Praia, da época desportiva 2019-2020.

ii) A equipa de arbitragem presente no jogo referido no ponto i) foi composta pelo árbitro principal C… e pelo 2.° árbitro W…, aqui Demandante, e pelo cronometrista J….

iii) O agente desportivo D… esteve presente no jogo referido no ponto i) como jogador n.° 13 do GD A....

iv) Por altura do minuto 8' da primeira parte do jogo aludido no ponto i) o jogador D..., em disputa de bola contra dois adversários, que o rodearam na tentativa de recuperar a posse da mesma, dirigiu-se para a linha lateral de modo a permanecer com a bola na sua posse.
v) Na sequência, o jogador D…, após ter ficado na posse da bola, não conseguiu controlá-la e a bola acabou por sair do terreno de jogo pela linha lateral.
vi) Quando a bola já se encontrava fora do terreno de jogo, o jogador D... pontapeou a bola que, após ser chutada, acabou por atingir o árbitro aqui Demandante na zona da cabeça.
vii) O jogador D… durante a disputa da bola referida nos dois pontos anteriores, permaneceu com a cabeça para baixo, em direção ao solo, levantando-a apenas depois de a chutar e perceber que tinha acertado no árbitro Demandante.
viii) O jogador D... apercebendo-se de que tinha acertado o árbitro Demandante, levantou o braço com a palma da mão aberta, gesto que é socialmente reconhecido como um pedido de desculpas.
ix) Na sequência do lance referido nos pontos vi) a viii), o árbitro Demandante expulsou o jogador D... com um cartão vermelho direto.
x) Foi o árbitro principal, C…, que procedeu à elaboração da Ficha de Jogo n.° 612.04.008 no programa Score da FPF.
xi) Em sede de Ficha de Jogo foi mencionado, como fundamento da expulsão do jogador de n.° 13, o seguinte: “[a]pós a bola sair pela linha lateral, pontapeou a bola deliberadamente com bastante força na direção do segundo árbitro que se encontrava a cerca de 415 metros, tendo acertado violentamente na face. O árbitro não necessitou de assistência médica.”.
xii) No dia 20 de agosto de 2019, o Demandante foi questionado peia Comissão de Instrução Disciplinar sobre o lance que determinou a expulsão do jogador D....
xiii) No contexto do mencionado pedido de esclarecimentos, o Demandante questionado sobre ”[o] jogador n.° 13 do GD A..., D..., pontapeou a bola na direção do 2 árbitro com a intenção de o atingir ou em alternativa tratou-se de um infortúnio" respondeu “a minha percepção da ação do jogador, e que me sustente/ para tomar a decisão de exibir o cartão vermelho ao atleta foi que: - abola estava “morta” da ação, pois já se encontrava fora da superfície de jogo; - a bola saiu numa velocidade normal, não sendo um lance rápido que tivesse causado a dúvida ao atleta nem a ninguém da bola ainda estar em jogo, para proceder ainda ao pontapear a bola; o atleta estava olhando para mim, fixamente, quando preparou e pontapeou a bola; - a violência do pontapear efetuado".
xiv) No âmbito dos esclarecimentos mencionados no ponto xiii), o Demandante questionado sobre o que teria motivado a atuação do jogador, replicou que não sabia responder, uma vez que para este tinha sido uma surpresa e que “[o] único acontecimento anterior de relevo, foi a repreensão verbal a outro atleta da equipa do GD A..., que tinha protestado uma decisão de uma falta cometida”.
xv) Ainda no âmbito dos esclarecimentos solicitados, o Demandante questionado sobre se o jogador D... lhe tinha dirigido um pedido de desculpas após o sucedido, respondeu que “[n]em antes da exibição do cartão vermelho, nem posterior, e nem mesmo no final do jogo".
xvi) No dia 23 de agosto de 2019, por deliberação do Conselho de Disciplina - Secção Não Profissional da Demandada foi instaurado o processo disciplinar n.° 7-2019-2020, que teve por fim averiguar a eventual responsabilidade de D… (licença n.° 898438), jogador do GD A..., por factos praticados no jogo mencionado em i).
xvii) No âmbito do processo disciplinar n.° 7 - 2019/2020 ficou concluído não se verificarem indícios suficientes da prática de qualquer infração disciplinar
pelo jogador D... e, em consequência os autos foram arquivados e determinou-se a instauração de um processo disciplinar contra os árbitros C… e W….
xviii) Por decisão da Secção Não Profissional do Conselho de Disciplina da Demandada, datada de 25 de outubro de 2019, foi instaurado o processo disciplinar n.° 35-2019/2020 contra os árbitros referidos no ponto xvii), por eventuais discrepâncias entre os factos evidenciados no vídeo do jogo melhor indicado no ponto i) e as declarações dos agentes de arbitragem relativamente à expulsão do jogador D....

xix) O Demandante é árbitro internacional de futebol de praia, encontra-se registado, na época desportiva 2019-2020 na FPF na qualidade de árbitro de categoria Cl Futsal na modalidade de futsal e na qualidade de árbitro de categoria C1FP na modalidade de futebol de praia e está ininterruptamente inscrito na FPF, como agente de arbitragem, desde 5 de julho de 2010.

xx) O Demandante não apresentava à data da prática dos factos, o registo de qualquer infração disciplinar na época desportiva 2019-2020, bem como nas três épocas desportivas anteriores em que esteve inscrito na FPF.

E.2 Fundamentação de facto - Matéria de Facto dada como não provada

27. Analisada e valorada a prova realizada na audiência realizada e a demais constantes dos autos, consideramos não provados os seguintes factos:

i) Tanto a descrição apresentada em sede de Ficha de Jogo e melhor identificada no ponto xi) dos factos dados como provados, como as declarações prestadas pelo Demandante referidas nos pontos xiii) a xv) dos factos dados como provados não correspondem ao efetivamente sucedido durante o jogo aludido no ponto i) e, nomeadamente, ao descrito nos pontos iv) a ix) dos factos dados como provados.
II) O Demandante, 2.° árbitro presente no jogo referido em i) dos fatos dados como provados, ao proferir as declarações descritas nos pontos xi), xiii) a XV) dos factos dados como provados, agindo de forma livre, voluntária e consciente, deturpou os factos ocorridos no jogo quanto ao motivo que determinou a expulsão do jogador D…, bem sabendo que tal representava uma conduta incorreta, apta a falsear a realidade factual sucedida no jogo, com o que se conformou, consciente de que a mesma violava a Lei e os regulamentos da Demandada.

F) Motivação da Fundamentação de Facto

28. A matéria de facto dada como provada resulta da documentação junta aos autos, em especial dos documentos constantes do Processo Disciplinar n.° 35- 2019/2020 - nomeadamente a ficha de jogo (fís. 3 a 5 do PD), emails trocados entre a Demandada e o Demandante (fls. 13 e 14 do PD) e o vídeo de jogo (fls. 15 do PD).

29. E a matéria de facto dada como não provada, resulta da documentação junta aos autos, bem como da posição assumida pelas partes nos seus articulados, e ainda do depoimento de parte do Demandante e das testemunhas inquiridas na audiência realizada bem como da análise do vídeo de jogo (fls. 15 do PD), tendo- se observado, inter alia, o princípio da livre apreciação da prova (1)

30. Nos termos do preceituado no citado artigo 607°, n.° 5 do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.° CPTA e artigo 61da Lei do TAD, o tribunal aprecia livremente as provas produzidas, decidindo o Juiz segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.

31. Tal preceito consagra o princípio da prova livre, o que significa que a prova produzida em audiência (seja a prova testemunhal ou outra) é apreciada pelo julgador segundo a sua experiência, tendo em consideração a sua vivência da vida e do mundo que o rodeia.

32. De acordo com Alberto dos Reis prova livre “quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei" (Código de Processo Civil, anotado, vol. IV, pág. 570).

33. Também temos de ter em linha de conta que o julgador deve “tomar em consideração todas as provas produzidas’’ (artigo 413.° do Código de Processo Civil), ou seja, a prova deve ser apreciada na sua globalidade.

34. Em concreto, com referência aos factos considerados provados, o Tribunal formou a sua convicção nos seguintes moldes:

i) Facto constante do processo disciplinar, nomeadamente de fls. 4 a 7.

ii) Facto constante do processo disciplinar, nomeadamente de fls. 4 a 7.
iii) Facto constante do processo disciplinar, nomeadamente de fls. 4 a 7.
iv) Facto constante do vídeo do jogo junto ao processo disciplinar às fis. 15.
v) Facto constante do vídeo do jogo junto ao processo disciplinar às fls. 15.
vi) Facto constante do vídeo do jogo junto ao processo disciplinar às fls. 15.
vii) Facto constante do vídeo do jogo junto ao processo disciplinar às fls. 15.

viii) Facto constante do vídeo do jogo junto ao processo disciplinar às fls. 15.
ix) Facto constante do vídeo do jogo junto ao processo disciplinar às fís. 15.
x) Facto constante do processo disciplinar, nomeadamente de fls. 54.
xi) Facto constante do processo disciplinar, nomeadamente de fls. 3 a 5.
xii) Facto constante do processo disciplinar, nomeadamente de fls. 13 e 14.
xiii) Facto constante do processo disciplinar, nomeadamente de fls. 13 e 14.
xiv) Facto constante do processo disciplinar, nomeadamente de fls. 13 e 14.
xv) Facto constante do processo disciplinar, nomeadamente de fls. 13 e 14.
xvi) Facto constante do processo disciplinar, nomeadamente de fls. 1 a 14 e 38
a 53.

xvii) Facto constante do processo disciplinar, nomeadamente de fls. 1 a 14 e 38 a 53.
xviii) Facto constante do processo disciplinar, nomeadamente de fls. 55 a 64.
xix) Facto constante do processo disciplinar, nomeadamente de fls. 21,29 a 30.
xx) Facto constante do processo disciplinar, nomeadamente de fls. 21.

33. Por seu turno, com referência aos factos considerados não provados, e no que se reporta ao depoimento de parte do Demandante e das testemunhas inquiridas na audiência realizada, resultou o seguinte:

A) W…

36. O Demandante referiu, a minutos 04:12 do seu depoimento de parte, que no momento em que o jogador D... chutou a bola ela estava fora de jogo, tendo esclarecido a minutos 05:29 que no referido momento o jogador estava fora de campo e sozinho, não estava a disputar a bola com jogadores adversários. Após ser questionado pelo seu mandatário, referiu a minutos 08:18 do seu depoimento que, na altura, no campo, ficou com a percepção de que o jogador olhava fixamente para si antes de pontapear a bola.
37. Quando questionado se no momento de prestar os esclarecimentos solicitados pela Demandada já tinha tido acesso ao vídeo do jogo. respondeu negativamente aos minutos 08:50 e disse que inclusive nem tinha conhecimento de que havia imagens do jogo, não sabia que o mesmo tinha sido transmitido, pelo que respondeu às perguntas da Demandada com base na percepção que tinha tido do dia do jogo. Mais referiu o Demandante aos minutos 09:33 que o jogo foi num domingo e o pedido de esclarecimentos, numa terça-feira.

38. Quando questionado se na altura, em campo, o Demandante viu o gesto do jogador D... com a mão levantada simbolizando um gesto universalmente conhecido como pedido de desculpa, o Demandante referiu aos minutos 33:05 que, em campo, não teve a noção deste gesto do jogador. Aos minutos 34:45 referiu que de qualquer forma o ato de pedir desculpas por parte do jogador não levaria à redução da pena no momento do jogo.
39. Quando questionado sobre se a interpretação feita pela Demandada quanto ao ato do jogador de pontapear a bola é compaginável com as imagens vistas no vídeo, o Demandante referiu aos minutos 35:21 que, pela sua experiência, não é, pois o jogador rematou a bola junto à bandeirola vermelha do meio de campo, e uma vez que a bola ia na direção da linha lateral, ela nunca teria trajetória para ir na direção da baliza adversária. Aos minutos 38:53 o Demandante esclareceu que a expressão por si utilizada “a bola estava morta" indica que a bola já estava fora de campo, já seria uma boia sem interesse para o atleta, bem como porque a posição da bola fora já não era a favor da sua equipa.
40. Aos minutos 42:14 o Demandante esclareceu que acontece, esporadicamente, em alguns lances, de ter uma percepção em campo e depois, após visualizar o vídeo nas autoavaliações vir a confirmar que o lance decorreu de modo diferente. Questionado se o ato de relatar erroneamente um determinado momento do jogo é feito propositadamente, respondeu aos minutos 44:02 que não, pois o que relata está em conformidade com a visão que teve do momento do acontecimento.

B) C…

41. A testemunha, que é árbitro desde 2010, sendo que de futebol de praia o é desde 2019, foi o 1.° árbitro no jogo de futebol de praia aqui em questão, sendo testemunha presencial dos factos. Aos minutos 73:47 referiu que prestou os esclarecimentos pedidos pela Demandada depois de já ter visto o vídeo do jogo.

42. Aos minutos 75:25 referiu que foi surpreendido pela atitude do jogador D... considerando como anormal um pontapé daquela forma e naquela zona. Referiu aos minutos 81:11 que o pontapé do jogador o surpreendeu e que, àquela distância, pareceu um ato enquadrado numa expulsão, pois, se visse que era totalmente descabível, enquanto primeiro árbitro, teria dito alguma coisa.

43. Aos minutos 83:50 esclareceu que o termo descrito no relatório de que a “bola estava morta” refere que a bola estava fora do terreno do jogo, o que perante a linguagem de leis de jogo significa que a bola não está em jogo, a bola já não está disputável, já não conta desportivamente, sendo que aos minutos 84:53 esclareceu que a bola estava claramente fora de jogo e que o próprio pé de apoio do jogador, o pé esquerdo, também estava fora.

44. Quando questionado se na situação em causa o jogador poderia ter qualquer efeito útil, em termos de jogo, em pontapear a bola, a testemunha referiu aos minutos 87:21 que não tinha, pois mesmo que a bola fosse em direção da baliza da equipa adversaria e entrasse, não seria golo.
45. Após questionado se do modo pelo qual foi pontapeada a boia e a direção que a mesma tomou podia-se verificar que o jogador não queria de todo alcançar a baliza, a testemunha respondeu aos minutos 88:17 que, tendo em conta a imagem vista no vídeo do jogo, o jogador não quis almejar a baliza.
46. No que se refere ao gesto do jogador D... socialmente aceite como pedido de desculpas, a testemunha referiu aos minutos 89:16 do seu depoimento que na altura do jogo não viu o gesto, porque ficou a acompanhara bola e, após esta bater no seu colega, ficou a olhar para o 2.° árbitro.
47. Foi ainda questionado sobre a circunstância de ter prestado os esclarecimentos logo após o jogo, tendo esclarecido aos minutos 94:12 que os mesmos foram prestados em momento mais tarde. Mais respondeu aos minutos 97:23 que era muito provável que ao pontapear daquela forma a bola e no sentido em frente, e não em direção à baliza, o jogador tinha que ter alguma noção de que era muito provável que acertasse no árbitro.
48. Questionado sobre o significado do uso da expressão “deliberadamente" no trecho do relatório em que diz "o jogador pontapeou a bola deliberadamente com bastante força na direção do 2° árbitro”, a testemunha referiu aos minutos 99:21 que o uso foi no sentido de que era um pontapé que não se podia prever. Mais esclareceu aos minutos 100:35 que não pode dizer que da parte do jogador havia premeditação, mas que à distância que se encontrava viu um pontapé na bola que não é normal, que não é no sentido da baliza; pelo que pode concluir que foi deliberadamente, não podendo dizer, entretanto, se o jogador chutou a bola com o objetivo de atingir o 2.° árbitro, mas pode dizer que à distância que estava, e tendo em conta o seu campo de visão, era possível a interpretação do lance no sentido de ser punido com cartão vermelho direto.
49. Aos minutos 104:25 a testemunha refere que o jogador ao arrematar a bola está a olhar para o chão. Entretanto, questionado pelo mandatário da Demandada no sentido de que se pode concluir então que o jogador, no momento de arrematar, não estava a olhar para o colega, respondeu aos minutos 104:30 afirmativamente, mas que entretanto o jogador sabia que aquela é a zona do árbitro estar.
50. Questionado pelo mandatário da Demandada se o gesto feito pelo jogador na sequência do pontapé pode ser visto como um gesto de desculpa, a testemunha respondeu aos minutos 106:16 que entende como um gesto de desculpa, mais referindo aos minutos 106:40 que, entretanto, o Demandante pode não ter visto o mesmo pois foi na sequência da bola que o atingiu no rosto e que, dada à violência do pontapé, poderia não estar no pleno das suas capacidades e consequentemente pode não ter visto o gesto do jogador, não se averiguando aqui se estava no pleno das suas capacidades para decidir quanto ao cartão vermelho.

S…

51. A testemunha, que é árbitro desde 1999, sendo que de futebol de praia o é desde 2014, esclareceu aos minutos 121:36 que não estava presente no jogo aqui em causa, e aos minutos 122:10 referiu que visualizou o vídeo de jogo tendo sido perguntada a sua opinião sobre o lance, não sabendo informar a descrição do factos que foi feita pelo Demandante em sede de ficha de jogo.

52. Aos minutos 123:32 referiu que o ato do jogador D... de pontapear a bola não foi normal porque o jogador já estava completamente fora do terreno de jogo, ele quando chuta a bola já está a quase a um metro fora do terreno de jogo, demonstrando-se assim a anormalidade do lance, porque se a bola estivesse a ser jogada junto à linha, até se poderia entender que tinha sido um alívio do jogador para tentar evitar que a bola saísse. Mais referiu a testemunha aos minutos 124:02 que o jogador chutou a bola com uma força bastante excessiva, ainda mais para a direção que chutou e com a distância que estava.
53. Aos minutos 124:56 referiu que do modo que o jogador chutou a bola não se pode depreender que quisesse chutar para a baliza, ele antes usou a bola quase como um objeto como diz a lei e pontapeou a bola com uma força excessiva depois da bola já não estar em jogo; a bola estava completamente fora e o jogador também, sendo certo que a bola poderia acertar outra pessoa nas proximidades, como um adepto, situação punível da mesma forma, pelo que não poderia ter feito o que fez.
54. Aos minutos 128:39 referiu que enquanto árbitro, quando escrevem a documentação do jogo, descrevem conforme foi o exato acontecimento, não podendo descrever mais do que aquilo que é.
55. Aos minutos 135:49 referiu que, à partida, relatam a percepção daquilo que estão a fazer e que posteriormente um árbitro pode ter uma outra visão dos factos e talvez já não escreveria da mesma forma que anteriormente, situações essas que já aconteceram. Mais esclareceu a minutos 136:17 que a imagem que um árbitro tem do momento da falta é espontânea, a qual tem que memorizar e só no final do jogo ou passadas algumas horas vai descrever na ficha de jogo, e tem que estar a recordar os momentos todos para escrever.

A…
56. A testemunha é árbitro desde 2013, tendo esclarecido que não estava presente no dia do jogo. Aos minutos 152:57 referiu que no lance em questão a bola estava claramente fora, o que se nota pela posição da bandeira; a bola estava entre meio metro e um metro da linha lateral.

57. Aos minutos 1 53:34 a testemunha referiu que embora o vídeo não seja claro para que direção o jogador quis pontapear a bola, pode-se verificar que ele remata a bola em frente, na direção da bandeira de campo, pelo que não crê que o jogador almejasse alcançar a baliza, pois a bola não vai nesta direção. Questionado sobre a posição dos árbitros no momento do lance, a testemunha referiu aos minutos 154:34 que é solicitado aos árbitros posicionamentos obrigatórios, de modo que a bola fique enquadrada entre dois árbitros e, no caso em questão, os árbitros estavam muito bem colocados, tendo melhor esclarecido aos minutos 155:17 que o jogador, sendo um jogador com alguma experiência, não podia ignorar que o árbitro estaria naquela posição.
58. Questionado pelo mandatário do Demandante quanto ao gesto do jogador no sentido de pedir desculpas, a testemunha referiu aos minutos 156:09 que da primeira vez que viu o vídeo não se apercebeu pois estava a avaliar a direção da bola, se ela estava fora ou não, no entanto, após ver outras vezes o vídeo, viu o gesto do jogador de levantar o braço, dando a entender que está a pedir desculpas. Aos minutos 157:11 a testemunha esclareceu ainda entender ser possível que o árbitro não tenha visto o gesto no momento do jogo, pelo facto de que tinha acabado de ser atingido por um objeto, a bola, bem como o facto do árbitro logo em seguida ir buscar o cartão, pode ser que não tenha visto o gesto.

59. Após ser perguntado pelo mandatário do Demandante se na sua experiência enquanto árbitro acontece de, no momento do facto, ter uma percepção da dinâmica dos acontecimentos e depois, vendo os vídeos, verificar que não foi daquele jeito, a testemunha respondeu aos minutos 158:08 que infelizmente acontece de durante o jogo tomar uma decisão e depois ao verificar o vídeo do jogo perceber que tomou uma decisão equivocada, porque no momento do lance há várias situações e condicionantes que podem levar àquela decisão.

60. Nessa sequência, questionado se a verificação de uma desconformidade entre a percepção do momento do jogo relatado na ficha de jogo e a assimilação após a visualização do vídeo do jogo seria enquadrada numa falsificação, a testemunha respondeu aos minutos 160:13 que uma coisa é a análise de facto que são as situações de jogo, outra coisa são erros de direito, que é o conhecimento da lei, sendo que essa discrepância de perceções, não é uma falsificação do relatório, é em verdade uma análise que o árbitro fez e como humano também erra, sendo que essa percepção em campo pode ter sido errónea por não estar bem enquadrado, ou por um menor nível de concentração que pode dar azo a erros.
61. Aos minutos 165:36 a testemunha, revendo o vídeo do jogo no momento do lance em questão, referiu que os árbitros, no momento do jogo, devido à proximidade dos jogadores têm uma percepção do olhar dos jogadores que as câmaras não apanham, mais esclarecendo que do que viu no vídeo, o jogador não está a olhar para a bola antes de arrematar a mesma. Mais referiu aos minutos 166:48 que, considerando o descrito pelo Demandante e o visto no vídeo do jogo, é possível que o Demandante tenha tido a percepção que escreveu na ficha de jogo e nos esclarecimentos, sendo que é natural que não tenha visto o pedido de desculpas por causa do impacto da bola e do ato de imediatamente tirar o cartão do bolso.

62. Questionado pelo mandatário da Demandada sobre se aquando da realização de procedimentos solicitados pelo Conselho de Disciplina assiste ao vídeo do jogo antes de prestar esclarecimentos, a testemunha respondeu aos minutos 170:45 que ele não costuma ver, sendo que numa ocasião de esclarecimentos sobre determinado jogo, costuma apenas, caso já não se recorde do lance, verificar o relatório de jogo que escreveu e as fichas de jogo, para confirmar se "batem certo" e responde mediante o que verifica nesses documentos, sendo que se verificar um erro no que escreveu, assume-o, embora não tivesse a intenção do mesmo.

63. Após ser questionado sobre qual costuma ser normalmente a posição do olhar do árbitro quando a bola em movimento sai do terreno de jogo, a testemunha respondeu aos minutos 177:45 que a posição correta do árbitro quando está na linha lateral é sinalizar a direção e o olhar é em frente, nunca para o lado; olhar de frente para o serviço de jogo, sinalizando a direção em frente, confirmando que, usualmente, assim que a bola sai de terreno, o árbitro tem que indicar a sinalética da bola fora de jogo e sinalizar qual a direção para a qual vai ser recomeçado o jogo, pelo que obviamente a posição do árbitro é olhar em frente para o serviço de jogo.

*
Da alteração à matéria de facto.
O Recorrente defende que o Tribunal a quo errou ao considerar como provada a matéria que consta nos parágrafos 76, 92 e 102 do acórdão recorrido.
Alega que não se pode dar como provado que o Recorrido, à data em que prestou os esclarecimentos sobre as circunstâncias em que mostrou o cartão vermelho ao jogador n.º 13 do GD de A..., ainda não havia visionado o vídeo do jogo. Entende que o Recorrido já tinha visionado esse vídeo onde, diz, se vê, aos 23m25s, o gesto efectuado pelo jogador a pedir desculpa por a bola ter embatido na cara do Recorrido e defende ainda que este, na altura, viu esse gesto.
Entende, por isso, que não se pode dar como provado que o Recorrido, aquando da prestação dos referidos esclarecimentos, se limitou a descrever os factos de acordo com a percepção com que ficou na altura.
Provam os autos que o Recorrido, aquando da prestação do depoimento de parte, declarou que à data em que prestou os esclarecimentos sobre as circunstâncias que levaram à exibição do cartão vermelho ao jogador n.º 13 do GD de A..., ainda não tinha visionado o vídeo do jogo e que nem tinha conhecimento da existência desse vídeo e referiu ainda que prestou esses esclarecimentos no segundo dia após aquele em que se realizou o referido jogo (cfr. parágrafo 37 do acórdão recorrido).
Sobre a questão, as testemunhas inquiridas não afirmaram que o Recorrido, à data em que prestou os esclarecimentos, já tinha visionado o vídeo. Apenas referiram que têm por hábito visionar os vídeos dos jogos que arbitram, ou que é normal que os árbitros visionem esses vídeos.
Perante tal prova, há que concluir que o Tribunal a quo não errou ao considerar que o Recorrido ainda não tinha visionado o vídeo do jogo à data em que prestou os referidos esclarecimentos junto da Recorrente.
Porém, o acórdão recorrido errou ao considerar que os esclarecimentos prestados pelo Recorrido apenas expressam a percepção com que ficou no momento em que ocorreram os factos.
É que as regras da lógica e da experiência da vida não permitem concluir que o Recorrido tenha percepcionado factos que não se verificaram.
Se é certo que se pode admitir que, por ter sofrido na cara o impacto da bola chutada pelo jogador n.º 13 do GD de A... e por de seguida ter retirado o cartão vermelho do bolso para o mostrar ao jogador, pode não ter visto o gesto por este efectuado com a mão a pedir-lhe desculpa pelo sucedido, já não se pode concluir que, antes do remate da bola, tenha visto o referido jogador a olhar fixamente para ele e a preparar o remate da bola.
É que estes factos não ocorreram.
Conforme resulta do visionamento do vídeo do jogo (minuto 22,35 ao minuto 24,25) e dos pontos iv) a viii) da matéria assente, o jogador n.º 13 do GD de A... detinha a bola e foi rodeado por dois jogadores da equipa adversária, que o pressionaram, desenvolvendo-se a disputa da bola em direcção à linha lateral do terreno de jogo, acabando a bola por transpor esta linha, altura em que, de imediato, foi chutada pelo referido jogador, tendo ido embater na cara do árbitro Recorrido.
Antes de ter pontapeado a bola em direcção ao Recorrido, o referido jogador esteve sempre a olhar para a bola, que se disputou sempre junto ao solo e o remate aconteceu durante um lance rápido, não tendo havido qualquer preparação do mesmo.
Significa isto que o Recorrido não podia ter visto o mencionado jogador do GD de A... a olhar fixamente para ele antes de ter pontapeado a bola, nem a preparar o pontapé, nem que não se tratasse de um lance rápido, apesar de a bola, quando foi chutada, já se encontrar fora de jogo (não podendo existir quaisquer dúvidas junto do jogador quanto a este facto, conforme refere - quanto a este último facto certeiramente - o Recorrido).
Conclui-se, assim, que o Recorrido, ao ter prestado os esclarecimentos junto da Recorrente, relatou, em parte, factos que não se verificaram.
Fê-lo de forma livre, voluntária e consciente, sabendo, por força das funções que exerce, que o não deveria fazer em face das regras disciplinares que regem a sua actuação.
Há, assim, que concluir que o Tribunal a quo errou na apreciação da prova que resulta do vídeo do jogo.
A Recorrente defende ainda que a matéria dada como não provada deve ser tida por provada.
No ponto i) do parágrafo 27 do acórdão recorrido diz-se que o teor da Ficha de Jogo e o dos esclarecimentos prestados pelo Recorrido, não corresponde “ao efectivamente sucedido durante o jogo aludido no ponto i) e, nomeadamente, ao descrito nos pontos iv) a ix dos factos dados como provados”.
Tal afirmação é meramente conclusiva, pelo que não pode integrar a matéria assente.
Porém, já interessa fixar os factos demonstrativos da intenção com que o Recorrido agiu e o conhecimento que tinha dos deveres funcionais que enquadram a sua actuação.
Assim, passa a integrar a matéria assente o seguinte:
xxi) Os esclarecimentos a que se refere o ponto xiii) a xv) da matéria assente foram prestados pelo Recorrido de forma livre, voluntária e consciente – cfr. teor do depoimento de parte.
xxii) O Recorrido tinha consciência que o jogador n.º 13 do GD de A... não olhou fixamente para ele antes de ter pontapeado a bola, nem esteve a preparar o pontapé, dada a rapidez do lance – cfr. vídeo, em especial minutos 22,35 a 24,25 e as regras da lógica e da experiência, que não consentem que se dê como provado que alguém viu factos que não ocorreram;
xxiii) O Recorrido, por força das funções de árbitro que exerce, sabe que, perante as regras disciplinares que regem a sua actuação, não deveria ter proferido as declarações a que se refere o ponto anterior por as mesmas constituírem ilícito disciplinar.
*
De direito.
Do dolo.
O Tribunal a quo decidiu que o Recorrido, ao ter prestado os esclarecimentos complementares, apenas narrou a percepção que teve no momento em que ocorreram os factos que levaram à exibição do cartão vermelho ao jogador n.º 13 do GD de A... e que não teve qualquer intenção de faltar à verdade, não tendo falsificado o referido relatório, nem prestado falsas declarações ou falsas informações, pelo que decidiu julgar procedente o recurso e revogar a decisão disciplinar que puniu o Recorrido, por entender que este não agiu com dolo.
Estatui o art.º 173.º do RDFPF 2019/2020, que: “O elemento da equipa de arbitragem, observador de árbitro ou delegado ao jogo da FPF que altere, deturpe, falseie ou omita dolosamente a descrição, em relatório relativo a jogo oficial por si elaborado, dos factos ocorridos no jogo ou no recinto desportivo antes, durante ou após a realização do mesmo, ou que posteriormente preste falsas declarações ou informações, é sancionado com suspensão de I a 4 anos.”.
Como resulta expressamente do texto da referida norma, apenas é punível o comportamento doloso.
“1. A prova do dolo faz-se, normalmente, de forma indirecta, com recurso a inferências lógicas e presunções ligadas ao princípio da normalidade ou às chamadas máximas da vida e regras da experiência, pelo que, na ausência de confissão, em que o arguido reconhece ter sabido e querido os factos que realizam um tipo objectivo de crime e ter consciência do seu carácter ilícito, a prova terá de fazer-se por ilações, a partir de indícios, através de uma leitura do comportamento exterior e visível do agente.” – cfr. ac. do TRL de 15/12/2015, proc.º n.º 200/159PBOER.L1-5, podendo ainda ver-se, entre outros, os acórdãos nºs 86/2008 e 405/2009 do Tribunal Constitucional, in www.dgsi.pt.
O acórdão recorrido incorre em erro de julgamento da matéria de facto.
Provam os autos que o jogador n.º 13 do GD de A... detinha a bola e foi rodeado por dois jogadores da equipa adversária, que o pressionaram, desenvolvendo-se a disputa da bola em direcção à linha lateral do terreno de jogo, acabando a bola por transpor esta linha, altura em que, de imediato, foi chutada pelo referido jogador, tendo ido embater na cara do árbitro Recorrido. Antes de ter pontapeado a bola em direcção ao Recorrido, o referido jogador esteve sempre a olhar para a bola, que se disputou sempre junto ao solo e o remate aconteceu durante um lance rápido, não tendo havido qualquer preparação do mesmo.
Ainda assim, o Recorrido declarou que o jogador n.º 13 do GD de A... olhou fixamente para ele “quando preparou e pontapeou a bola”, o que não corresponde à verdade e não podia ter sido por ele percepcionado, dado que tais factos não ocorreram.
A ficha do jogo não foi elaborada pelo Recorrido [ponto x) da matéria de facto], pelo que a sua falsificação não pode ser imputada ao Recorrido.
No entanto, como se viu, o Recorrido prestou falsas informações aquando dos esclarecimentos complementares sobre os factos que levaram à exibição do cartão vermelho ao jogador n.º 13 do GD de A....
Fê-lo de forma livre, voluntária e consciente, sabendo, por força das funções de árbitro que exerce, que, perante as regras disciplinares que regem a sua actuação, não deveria ter proferido tais declarações por as mesmas não correspondem à realidade e que, por isso, praticava um ilícito disciplinar.
Estão presentes os elementos intelectual e volitivo caracterizadores do dolo.
O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de direito, ao decidir o contrário.
Tendo o Recorrido prestado, de forma dolosa, falsas informações sobre os factos que o levaram à exibição do cartão vermelho ao jogador n.º 13 do GD de A..., há que concluir que cometeu a infração disciplinar prevista no 173.º do RDFPF 2019/2020.
Pelo que se impõe revogar o acórdão recorrido e manter a sanção disciplinar aplicada ao Recorrido.
Decisão
Pelo exposto, acordam em conferência os juízes da secção de contencioso administrativo do TCA Sul em conceder provimento ao recurso, revogar o acórdão recorrido e manter a sanção disciplinar de três meses de suspensão do exercício da actividade de árbitro aplicada ao Recorrido pelo CD da FPF em 31/01/2020.
Custas pelo Recorrido.
Lisboa, 23 de Setembro de 2021

O relator consigna, nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, que têm voto de conformidade com o presente acórdão os Senhores Juízes Desembargadores Celestina Castanheira e Ricardo Ferreira Leite, que integram a formação de julgamento.

Jorge Pelicano


(1) - Cfr. o art.° 94e, n.° 4 do CPTA, aplicável ex. vi do art.5 61° da LTAD. Sobre esta temática, vide, na jurisprudência, o Acórdão do TCA Norte, de 27/05/2010, Proc. 0102/06.0 BEBRG, disponível em www.dgsi.pt.