Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2112/13.1BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:10/15/2020
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:APOSENTAÇÃO OBRIGATÓRIA POR INCAPACIDADE;
CGA;
OBRIGAÇÃO DE REALIZAÇÃO DE EXAME MÉDICO;
EXAME FÍSICO E CLÍNICO;
EXAME PRESENCIAL;
COMPOSIÇÃO DA JUNTA MÉDICA;
INTEGRAÇÃO DE UM MÉDICO DE UMA DADA ESPECIALIDADE;
JUNTA MÉDICA DE RECURSO;
NOTIFICAÇÃO DO PARECER DA JUNTA MÉDICA.
Sumário:I – A aposentação por incapacidade tem natureza obrigatória, cabendo ao respectivo serviço promove-la;
II – Antes da determinação da aposentação por incapacidade, a CGA tem a obrigação de realizar um exame médico ao subscritor;
III – O exame físico e clinico a que a CGA está obrigada pode ser feito quer pelo médico relator, quer pela junta médica;
IV – Tendo sido feito um exame presencial ao subscritor, pelo médico relator, que lavrou o correspondente relatório de exame e anexou os elementos clínicos necessários, a junta médica da CGA podia dispensar o exame médico presencial e podia decidir sobre o pedido de aposentação por incapacidade com base nos elementos já reunidos no respectivo processo clinico do subscritor;
V- A integração de um médico de uma dada especialidade na junta médica da CGA só se exige quando tal “se mostre conveniente” e, por isso, seja proposta tal integração pelo médico relator, nos termos do art.º 90.º, n.º 2, al. f), do EA;
VI- A integração de um médico de uma dada especialidade na Junta Médica da CGA fica dependente da valoração que seja feita pelo médico relator, relativa a essa conveniência ou necessidade. Cabe, pois, no âmbito das competências técnicas e discricionárias da Administração, que só podem ser sindicadas em caso de erro de facto, manifestou ou grosseiro;
VII – O parecer da junta médica que, no âmbito de uma aposentação por incapacidade, considera o respectivo subscritor absoluta e totalmente incapaz para o serviço, é-lhe um acto administrativo desfavorável e lesivo, que afecta os seus direitos e interesses;
VIII – O exercício do direito do subscritor a requerer a realização de uma junta de recurso só se pode efectivar após a notificação do indicado parecer da junta da Médica;
IX- A CGA está obrigada a notificar o teor daquele parecer da junta médica ao subscritor.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul


I - RELATÓRIO

A.........., melhor identificada nos autos, intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (TACL), uma acção administrativa especial contra a Caixa Geral de Aposentações (CGA), pedindo para que seja “julgado juridicamente não válido o acto que determinou a aposentação da A. considerando a situação existente em 19/04/2012 e que fixou a respectiva pensão”, para que seja condenada a CGA “a emitir novo acto de aposentação da A., considerando a situação existente em 2/Janeiro/2013 (data em que a A. atingiu o limite legal de idade para exercício de funções públicas)” e para que seja “a Entidade Demandada condenada a pagar os diferenciais para a nova pensão de aposentação (resultantes da aplicação da fórmula legal de cálculo, revista pela inclusão do período de tempo que mediou entre 19/Abril/20l2 e 02/Janeiro/20l3), com os legais juros”.
Por Acórdão do TACL foi julgada improcedente a presente acção e, em consequência, a R. foi absolvida dos pedidos.

Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões: “1 - A incapacidade tem que ser declarada pela Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações depois de elaborado o relatório do exame feito pelo médico relator, após o que será proferida a Resolução Final pela Caixa [art°s 90°, n°s 1 e 2, a), 91°, n° 2, e 97°, n° 1, do Estatuto da Aposentação, em leitura conjugada].
2 - A Junta Médica, que declarou a incapacidade, foi realizada sem a presença da A. - e, pois, sem o exame clínico imposto pelo art° 90°, n° 2, b), do Estatuto da Aposentação.
3- O que não mereceu censura do douto acórdão recorrido que convoca para o por si julgado o disposto no art° 7o, n° 2, da Portaria n° 96-B/2008, de 30 de Janeiro.
4 - Porém a Portaria n° 96-B/2008, de 30 de Janeiro (que é um acto normativo, não legislativo, proferido no desempenho da função administrativa) não pode sobrepôr-se à disciplina dos art°s 90°, n°s 1 e 2, b), e 91°, n° 2, do Estatuto da Aposentação (que é um acto legislativo).
5 - Assim, e com todo o respeito, o douto acórdão recorrido não fez boa interpretação e aplicação do direito aos factos - e, consequentemente, não administrou boa justiça.
6 - A A. não foi notificada do resultado da Junta Médica que declarou a sua incapacidade - e, por isso, ficou impedida de requerer a realização de Junta Médica de recurso.
7- O que não mereceu censura do douto acórdão recorrido que convoca para o por si julgado o disposto no art° 8o, n° 1, da Portaria n° 96-B/2008, de 30 de Janeiro.
8 - No seu cotejo com o art° 95°, n° 1, b), do Estatuto da Aposentação este art° 8o, n° 1, da Portaria n° 96-B/2008, de 30 de Janeiro, não é norma procedimental mas, isso sim, introdutora de outra disciplina relativamente à Junta Médica de recurso.
9 - Porém, a Portaria n° 96-B/2008, de 30 de Janeiro (que é um acto normativo, não legislativo, proferido no desempenho da função administrativa) não pode sobrepôr-se ao estatuído no art° 95°, n° 1, b), do Estatuto da Aposentação (que é acto legislativo).
10 - Assim, e com todo o respeito, o douto acórdão recorrido não fez boa interpretação e aplicação do direito aos factos - e, consequentemente, não administrou boa justiça.
11 -A incapacidade declarada pela Junta Médica é motivada em Reumatismo Degenerativo Osteoarticular. Mas,
12 - A Junta Médica, na sua composição, não tinha sequer um médico especialista em Reumatologia, quando o médico especialista é o profissional habilitado com uma diferenciação a que corresponde um conjunto de saberes específicos numa área de conhecimento médico (v. o que promana doa art° 97°, n° 2, do Estatuto da Ordem dos Médicos).
13 - Assim, quando a lei diz que a Junta Médica é composta por três médicos designados pela Caixa daí e com todo o respeito, não se pode seguir o alheamento ou não consideração dos saberes específicos resultantes de uma formação especializada numa área do conhecimento médico.
14 - Sendo que, diz a lei, concluída a instrução do processo, a administração da Caixa, se julgar verificadas as condições necessárias, proferirá resolução final sobre o direito à pensão, regulando definitivamente a situação do interessado (art° 97°, n° 1, do Estatuto da Aposentação - o que, com todo o respeito, passa directa e necessariamente por um juízo de valor jurídico dos actos componentes da instrução, onde está incluída a regularidade, formal e substantiva, do auto da Junta Médica.
15 - Assim, e com todo o respeito, o douto acórdão recorrido não fez boa interpretação e aplicação do direito aos factos - e, consequentemente, não administrou boa justiça.”

A Recorrida, CGA, nas contra-alegações formulou as seguintes conclusões: “1a Nenhuma irregularidade pode ser apontada à junta médica que se realizou em 19 de Abril de 2012: a sua composição resulta claramente do disposto no artigo 91° do Estatuto da Aposentação, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n° 377/2007, de 9 de Novembro, que determina que a junta médica é composta por três médicos designados pela CGA, sendo o presidente escolhido por estes por cooptação. O referido diploma, dispondo sobre a composição da junta médica, não obriga a que os médicos que a compõem, em função do tipo de incapacidade do subscritor, disponham de formação específica.
2a Por outro lado, nos termos do n° 2 do artigo 7° do mesmo diploma decorre que a junta médica não está obrigada ao exame directo do subscritor, podendo proceder a tal exame quando o mesmo se lhe afigurar conveniente”

O DMMP apresentou a pronúncia no sentido da improcedência do recurso. Mais invoca, a falta de interesse em agir da A. e Recorrente.

II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – OS FACTOS
Na 1.ª instância foram fixados os seguintes factos, que se mantém:
1 — Em 06.11.2012, foi remetido à A. oficio, relativo a notificação da atribuição de pensão definitiva de aposentação, cujo teor aqui se dá por reproduzido e do qual extrai-se o seguinte (cfr. doc°. de fls. 76 do proc°. instrutor, e admissão por acordo):

2— A atribuição à A. da pensão de aposentação teve lugar mediante despacho proferido em 06.11.2012, pela Direcção da CGA — Caixa Geral de Aposentações, despacho cujo teor abaixo reproduz-se
«imagem no original»

(cfr. docº. de fls. 72 do procº. instrutor, e admissão por acordo):”
3 — A atribuição da pensão de aposentação à A. foi precedida de Junta Médica, tendo sido lavrado auto, cujo teor aqui se dá por reproduzido, e do qual extrai-se que a incapacidade da A. é motivada por:” Reumatismo Degenerativo Osteoarticular”, e de que a A. “Está definitivamente incapacitada” ( cfr. doc°. de fls. 50 do proc°. instrutor, e admissão por acordo).
4— Foi dirigido oficio à A. a informar de que os fundamentos da aposentação constam do oficio que lhe comunicou a aposentação, oficio cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr. doc°. de fls. 88 do proc°. instrutor e admissão por acordo).

Nos termos dos art.ºs. 662.º, n.º 1 e 665.º, n.º 2, do Código de Processo Civil – CPC e 149.º do CPTA, acrescentam-se os seguintes factos, por provados:

5- Relativamente à Junta Médica referida em 4. e ao auto realizado na sua sequência, a CGA informou a A. e Recorrente, através do ofício n.º 211CB444006, de 04/03/2013, emitido após a procedência de um pedido judicial para a prestação de informações, nos termos seguintes: “
«imagem no original»

(cf. doc. 6 junto à PI).

6 – Consta de fls. 44 a 49 do PA, um relatório médico subscrito pelo Médico Perito da CGA, V.........., datado de 03/04/1012, que procedeu à anamnese, com a descrição da situação clinica da A., por ela referida e presente nesse exame, que refere a existência de um parecer do seu médico assistente e do médico “MFR”, que estão anexos a este relatório e conclui pela sua incapacidade absoluta e permanente para o exercício das suas funções e para que a situação seja apreciada pela Junta Médica da CGA – cf. o referido documento no PA, que aqui se dá por inteiramente reproduzido.

II.2 - O DIREITO
As questões a decidir neste recurso são:
- aferir a questão prévia da falta de interesse em agir da A. e Recorrente, invocada pelo DMMP, porquanto a Junta Médica considerou que a Recorrente estava absoluta e permanentemente incapaz para o serviço;
- aferir do erro decisório e da violação dos art.ºs 90.º, n.º 2, al. b) e 97.º, n.º 2, do Estatuto da Aposentação (EA), porque a Junta Médica que declarou a A. e Recorrente absoluta e permanentemente incapaz para o serviço foi realizada sem a sua presença e o respectivo exame clínico e não integrava um médico especialista de reumatologia;
- aferir do erro decisório e da violação do art.º 95.º, n.º 1, al. b), do EA, porque não foi notificado à A. o resultado da Junta Médica, o que a impediu de requerer uma junta médica de recurso.

Veio o DMMP suscitar a questão prévia da falta de interesse em agir da A. e Recorrente, por a Junta Médica ter considerado que a Recorrente estava absoluta e permanentemente incapaz para o serviço e, nessa mesma medida, esta não ter interesse em invalidar tal acto.
Em resposta, a A. e Recorrente diz querer invalidar o acto da CGA porque não requereu a sua submissão à Junta Médica para efeitos de aposentação e pretendia, sim, ser aposentada quando atingisse o limite de idade fixado legalmente para o exercício de funções públicas.
Apreciada a PI, verifica-se que, de facto, o que a A. pretende é invalidar o acto que a considerou absoluta e permanentemente incapaz para o serviço por entender que a situação de aposentação por incapacidade devia considerar a situação existente em 02/01/2013, quando atingia o limite legal para o exercício das funções públicas e não a situação existente em 19/04/2012. Nessa PI a A. diz que não requereu a sua aposentação e que pretendia aposentar-se apenas quando atingisse o limite legal relativo à idade, pelo que discorda e impugna o acto sindicado.
Assim, atendendo à causa de pedir formulada na PI e aos pedidos aí aduzidos, não ocorre uma situação de falta de interesse em agir.

Vem a Recorrente arguir um erro decisório e a violação dos art.ºs 90.º, n.º 2, al. b) e 97.º, n.º 2, do EA, porque a Junta Médica que declarou a A. e Recorrente absoluta e permanentemente incapaz para o serviço foi realizada sem a sua presença e o respectivo exame clínico e não integrava um médico especialista de reumatologia.
Conforme resulta da factualidade apurada, a aposentação da A. e Recorrente foi promovida pelo Ministério da Educação (ME) nos termos dos art.ºs 37.º, n.º 2, al. a), 41.º e 84.º, n.º 1, in fine, do EA.
Tal promoção terá tido como razão prévia a A. ter sido declarada em exame médico da ADSE como absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções (quanto a este último facto, não vem provado nos autos e a factualidade fixada não é impugnada neste recurso, sendo aceite pelas partes).
Ou seja, a partir dos factos provados nos autos pode-se concluir que o ME promoveu junto da CGA a aposentação obrigatória da A., por incapacidade, nos termos dos indicados art.ºs 37.º, n.º 2, al. a) e 41.º do EA.
Como refere José Cândido Pinho, a aposentação por incapacidade “tem natureza primacialmente obrigatória” e “será à Administração que em 1.ª mão cumpre desencadear a iniciativa (oficiosa) do processo”, havendo “que submeter o funcionário a exame médico” (cfr. Art.º 89.º)” – in PINHO, José Cândido - Estatuto da Aposentação. Anotado - Comentado - Jurisprudência. 1.ª ed. Coimbra: Almedina, 2003, pp. 153-154.
Quanto à obrigação da submissão do subscritor da CGA a “exame médico” “por junta médica da Caixa”, antes da determinação da sua aposentação, é claramente determinada pelos art.ºs 41.º, n.º 1 e 89.º, n.º 1, do EA.
Também como indica José Cândido Pinho, de tal junta espera-se “por ser da sua competência especifica, é a realização de um exame médico, portanto, um exame pericial destinado a avaliar o estado das pessoas e que, no presente enquadramento se apresenta como diligência procedimental instrutória da maior importância, a ponto de se qualificar como formalidade legal essencial, cuja ausência ou defeituosa reunião torna inválida a decisão final do procedimento que lhe seguir.
A eficácia da verificação da incapacidade através do exame mostra-se definita no art.º 43.º, n.º1, al. b): o regime da aposentação fixa-se com base na lei em vigor e na situação existente à data em que for «declarada a incapacidade pela competente junta médica , ou homologado o parecer desta, quando lei especial o exija»”– in PINHO, José Cândido - Estatuto da…, ob. cit., p. 322.
Determina o art.º 90.º do EA, sob a epígrafe “Médico relator”, o seguinte: “1. O exame médico inicia-se com a intervenção de médico relator designado pela Caixa, incumbindo-lhe preparar o processo de verificação da incapacidade e elaborar os relatórios clínicos que sirvam de base à deliberação da junta médica.
2. São funções do médico relator, designadamente:
a) Verificar se a informação médica recebida está completa e, caso contrário, dar conhecimento do facto ao subscritor;
b) Realizar o exame clínico ao subscritor;
c) Promover a obtenção dos meios auxiliares de diagnóstico, bem como dos exames e pareceres especializados que considerar necessários;
d) Articular-se diretamente com os serviços e estabelecimentos de saúde ou médicos que tenham intervindo na situação clínica do subscritor, objeto de verificação de incapacidade, de forma a obter os elementos necessários ao estudo da situação;
e) Elaborar um relatório circunstanciado do exame feito com base nos elementos reunidos, organizar o processo clínico do subscritor e submetê-lo à junta médica;
f) Propor que da junta médica faça parte perito de determinada especialidade, sempre que tal se mostre conveniente.”
Por seu turno, determina o art.º 91.º do EA, sob a epígrafe, “Junta médica”, o seguinte: “1. A junta médica é composta por três médicos designados pela Caixa, sendo o presidente escolhido entre eles por cooptação.
2. Compete à junta médica apreciar o processo clínico do subscritor com base nos dados coligidos pelo médico relator e nos demais elementos de diagnóstico constantes do respetivo processo.
3. Os pareceres da junta médica são sempre fundamentados.
4. As orientações técnicas necessárias à atividade do médico relator e ao funcionamento das juntas médicas são asseguradas por um conselho médico, cujas composição e competências são estabelecidas por decreto regulamentar”.
Regulamentando tal matéria, a Portaria n.º 96-B/2008, de 30/01, estabelece nos art.ºs 2.º, n.º 1, 2, 6.º, 7.º, n.ºs 1, 2, o seguinte:
“Artigo 2.º
Sistema de verificação de incapacidade permanente
1 - A responsabilidade pelo processo de verificação técnica das condições de incapacidade permanente incumbe, em exclusivo, à CGA.
2 - O sistema de verificação de incapacidade permanente da CGA, regulado nos artigos 89.º e seguintes do Estatuto da Aposentação, assenta na intervenção obrigatória de um médico relator e de uma junta médica, bem como na participação eventual de uma junta de recurso e de médicos especialistas…
(…) Artigo 6.º
Médico relator
À actividade do médico relator aplica-se, com as devidas adaptações, o disposto no Decreto-Lei n.º 360/97, de 17 de Dezembro, processando-se, quando a cargo do ISS, nos mesmos termos do sistema de verificação de incapacidades no âmbito da segurança social.
Artigo 7.º
Junta médica
1 - A junta médica procede à análise e ao estudo do relatório elaborado pelo médico relator e demais documentação clínica, tendo em vista a correcta qualificação legal da situação.
2 - A junta pode promover o exame médico directo do subscritor ou a recolha de novos elementos auxiliares de diagnóstico, sempre que tal exame ou aqueles elementos se revelem necessários ao completo esclarecimento da situação clínica….”.
Tal como decorre da factualidade apurada, a Junta Médica da CGA declarou a A. e Recorrente absoluta e permanentemente incapaz para o serviço sem ter feito um exame físico e clínico à sua pessoa, por a A. não ter estado presente nessa Junta.
Porém, conforme decorre da factualidade ora acrescentada, antes da decisão daquela Junta, a A. foi submetida a um exame médico presencial levado a cabo pelo Médico Perito da CGA, V.........., que lavrou o correspondente relatório de exame e anexou ao mesmos os elementos clínicos apresentados, na data do exame, pela A.
Ora, tal exame configura o efectuado pelo “Médico relator” da CGA, designadamente o exame clínico ao subscritor que vem referido na al. b) do n.º 2 do art.º 90.º, do EA, 6.º da Portaria n.º 96-B/2008, de 30/01 e 17.º do Decreto-Lei n.º 360/97, de 17/12.
O documento indicado no facto 6., ora acrescentado, configura, também, um “relatório circunstanciado do exame feito com base nos elementos reunidos” e procede à organização do “processo clínico do subscritor”, tal como indicado na al. c) daquele n.º 2 do art.º 90.º do EA.
Portanto, a actividade da Junta Médica da CGA respeitou o estipulado nos art.ºs 41.º, n.º 1, 89.º, 90.º, n.º 2, als. b), e) e 91.º, n.º 2, 2.º, n.º 2 e 7.º, n.º 1 e 2 da Portaria n.º 96-B/2008, de 30/01, porquanto estes normativos permitem que a Junta decida sem o exame clinico e a presença do subscritor, quando este já tiver sido sujeito a um exame clinico presencial pelo Médico relator da CGA.
Ou seja, há que acompanhar a decisão recorrida quando entendeu que nos termos do art.º 7.º, n.º 2, da Portaria n.º 96-B/2008, de 30/01, a Junta Médica da CGA “não está sujeita a realizar exame directo ao subscritor”, pois, no caso, A. e subscritora da CGA já tinha sido examinada pelo Médico relator da CGA, que também elaborou um “relatório circunstanciado do exame feito com base nos elementos reunidos” (cf. als. b) e e) do n.º 2 do art.º 90.º do EA).
Por conseguinte, porque já tinha ocorrido um exame directo e objectivo à subscritora da CGA, levado a cabo pelo Médico Relator da CGA, que também elaborou um relatório circunstanciado do exame e procedeu à instrução do seu processo clinico, a Junta Médica da CGA podia dispensar o exame médico presencial, tal como fez.
Ou seja, improcede o alegado erro decisório.

Igualmente, falece a invocação relativa à não integração em tal Junta de um médico especialista de reumatologia.
Vem a Recorrente arguir um erro decisório e a violação dos art.ºs 90.º, n.º 2, al. b) e 97.º, n.º 2, do EA, porque a Junta Médica que declarou a A. e Recorrente absoluta e permanentemente incapaz para o serviço foi realizada sem a sua presença e o seu exame clínico e não integrava um médico especialista de reumatologia.
Como decorre do art.º 9.º do EA, a indicada Junta Médica foi composta por 3 médicos, não sendo legalmente exigido que a mesma integre um médico de uma dada especialidade, aquela que o subscritor considere a adequada à apreciação do seu caso, ou a mais próxima das incapacidades que vêm invocadas no pedido de submissão à junta médica.
A integração de um médico de uma dada especialidade na Junta Médica da CGA só se exige quando tal “se mostre conveniente” e, por isso, seja proposta tal integração pelo Médico Relator, nos termos do art.º 90.º, n.º 2, al. f), do EA.
Assim, a integração de um médico de uma dada especialidade na Junta Médica da CGA fica dependente da valoração que seja feita pelo Médico Relator, relativa a essa conveniência ou necessidade. Cabe, pois, no âmbito das competências técnicas e discricionárias da Administração, que só podem ser sindicadas em caso de erro de facto, manifestou ou grosseiro.
Ora, a A. e Recorrente não invoca tal erro, mas apenas alega, que no seu entender, a Junta Médica deveria integrar um médico de uma dada especialidade, a saber, da área de reumatologia, por um médico de tal especialidade ser o único que poderia avaliar o seu caso.
Dos autos não deriva que tenha ocorrido, no caso, um erro de facto, manifestou ou grosseiro, por um médico da especialidade de reumatologia ser o único que poderia avaliar a situação clinica da ora Recorrente, sendo necessário e conveniente a sua integração na Junta Médica.
Em suma, falece esta alegação.

Mas já quanto à invocação do erro decisório por o resultado da Junta Médica não ter sido notificado à A. que, por isso, ficou impedida de requerer uma junta médica de recurso, o recurso procede.
Conforme o art.º 95.º, n.º 1, al. b), do EA, uma vez realizada a Junta Médica da CGA e emitido o correspondente parecer, deve o mesmo ser notificado ao subscritor, que pode, “no prazo de 60 dias a contar de notificação do resultado do exame” “mediante requerimento justificado”, requerer uma junta de recurso.
Determina também o art.º 109.º, n.º 1, do EA, que “o interessado será notificado das resoluções preparatórias ou definitivas da Caixa”.
Quanto ao dever de notificação à subscritora do indicado parecer, também resultava do preceituado no art.º 66.º, al. c), do Código de Procedimento Administrativo (CPA), na sua versão anterior, aqui aplicável.
Por seu turno, o n.º 2, do art.º 109.º do EA, na versão aplicável, determinava que: “As notificações previstas no número anterior e quaisquer comunicações ao interessado serão feitas através do serviço a que o mesmo pertença, se estiver na efectividade”.
Na decisão recorrida entendeu-se que a notificação do parecer da Junta Médica não era obrigatória no caso, pois tal só se exigia quando era recusada a pensão de aposentação, conforme se determina no art.º 8.º, n.º 1, da Portaria n.º 96-B/2008, de 30/01.
Aqui não se acompanha a decisão recorrida.
No caso em apreço, a aposentação não vinha requerida pela A., mas ocorreu no âmbito de um processo de aposentação obrigatória, despoletado pelo ME.
Logo, o parecer da junta médica que a considera absoluta e totalmente incapaz para o serviço é-lhe um acto desfavorável e lesivo, que afecta os seus direitos e interesses. Nessa mesma medida, ainda que tal notificação não viesse expressamente prevista na indicada Portaria n.º 96-B/2008, de 30/01, tinha de ser efectuada, desde logo, por imposição do art.º 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa e por força do art.º 66.º, al. c), do CPA.
Depois, o exercício do direito a requer a realização de uma junta de recurso só se pode efectivar após a notificação do parecer da Junta da Médica primeiramente ocorrida, conforme determinado no art.º 95.º, n.º 1, al. b), do EA.
Por conseguinte, da aplicação conjugada dos art.ºs 95.º, n.º 1, al. b). 109.º, n.ºs 1, 2, do EA e 66.º, al. c), do CPA, aquela notificação tinha necessariamente de ocorrer como invoca a Recorrente.
Quanto aos modos como a mesma se devia efectuar, porque a A. na data estava no activo, poderia verificar-se através do seu serviço.
Acontece, que dos autos não resulta que o serviço da A. tenha efectivamente procedido a tal notificação.
Diferentemente, face à matéria factual invocada nos autos a A. só terá tido conhecimento do teor da decisão da Junta Médica após a apresentação de uma intimação em juízo, logo, não nos termos e prazo referido no art.º 95.º, n.º 1, al. b), do EA.
Tal não notificação do resultado do parecer da Junta Médica da CGA terá impedido a A. e Recorrente de requerer uma junta médica de recurso.
Assim, a decisão da CGA, que determinou a aposentação da A. e Recorrente por incapacidade absoluta e permanente, considerando a situação existente em 19/04/2012, é ilegal, por ilegalidade consequente, por ter sido prolatada sem que tivesse sido notificado à A. e Recorrente o teor do parecer da Junta Médica da CGA, realizada em 19/04/2012, e sem que tivesse sido permitido que requeresse a realização de uma junta médica de recurso, tal como deriva do estipulado no art.º 95.º, n.º 1, al. b), do EA (cf. neste sentido os Acs. do STA n.º 029612, de 05/03/1992 e do TCAN n.º 00016/09.1BEMDL, de 02/07/2015).
Procede, portanto, este fundamento de recurso.

Na PI a A. e Recorrente pede para que seja a) “julgado juridicamente não válido o acto que determinou a aposentação da A. considerando a situação existente em 19/04/2012 e que fixou a respectiva pensão”; b) para que seja condenada a CGA “a emitir novo acto de aposentação da A., considerando a situação existente em 2/Janeiro/2013 (data em que a A. atingiu o limite legal de idade para exercício de funções públicas)”; c) para que seja “a Entidade Demandada condenada a pagar os diferenciais para a nova pensão de aposentação (resultantes da aplicação da fórmula legal de cálculo, revista pela inclusão do período de tempo que mediou entre 19/Abril/20l2 e 02/Janeiro/20l3), com os legais juros”.
Como decorre do petitório indicado na PI, vêm cumulados nesta acção um pedido impugnatório – formulado na al. a) da PI – com dois pedidos condenatórios – formulados nas als. b) e c) da PI. Quanto ao pedido indicado na al. c) da PI, apresenta-se em cumulação meramente aparente com os das alíneas a) e b), porquanto é, na realidade, uma mera consequência daqueles.
Portanto, para além do pedido de anulação da decisão da CGA, que determinou a aposentação da A. e Recorrente por incapacidade absoluta e permanente, considerando a situação existente em 19/04/2012, a A. veio pedir, em substituição daquele acto, a condenação da CGA a aposentá-la em 02/01/2013, por um fundamento diferente, relacionado com a circunstância de atingir o limite legal de idade para exercício de funções públicas e por ter direito a um valor de pensão superior ao já atribuído, porquanto há que atender no cômputo da pensão o “período que mediou entre 19/Abril/20l2 e 02/Janeiro/20l3)”.
Ora, sem embargo da A. fazer tal pedido condenatório, a mesma cuidou de alegar, em termos concretos e especificados, os pressupostos para a concessão do direito de aposentação que requeria. Ou seja, na PI a A. nada alegou relativamente à data do seu nascimento, ao tempo de serviço que detinha em 02/01/2013 e que era necessário para lhe ser atribuída a aposentação por limite de idade, ou aos descontos que fez e respectivos montantes.
Assim, porque a A. nada alegou na PI quanto ao efectivo preenchimento dos pressupostos legais do direito de aposentação que reclamava, na decisão sindicada não foram fixados os factos necessários ao conhecimento de tal pedido.
Explicando melhor. Na PI a A. vem requerer que a CGA seja condenada a aposentá-la apenas em 02/01/2013, por um fundamento diferente daquele que esteve na base da sua aposentação, partindo do pressuposto que as regras de cálculo para essas duas formas de aposentação são idênticas, pelo que se limita a pedir um acrescento no valor da pensão adveniente do período que mediou a dada de 19/04/2012 e a data de 02/01/2013. A A. pressupõe, também, que em 02/01/2013 tem direito a uma pensão calculada em termos totais ou completos, mesmo que a razão da atribuição da aposentação passe a ser decorrente do atingir do limite legal para o exercício de funções.
Ora, os pressupostos de que parte a A. não bastam para a requerida condenação.
Na verdade, para poder ocorrer a condenação da CGA a aposentá-la em 02/01/2013, pelas razões invocadas, era necessário que tivesse alegado na PI a data do seu nascimento e que esse facto fosse depois comprovado documentalmente. Só após essa prova se poderia concluir pela verificação de uma dada data - que a A. advoga ser a de 02/01/2013 – a partir da qual esta atingia o limite legal de idade para exercício de funções públicas. Também só após o apuramento de tal facto se poderia considerar que a CGA estava obrigada a atribuir a pensão da A. por essa razão – e já não por ocorrer uma incapacidade.
Igualmente, para a total procedência dos pedidos condenatórios, incumbia à A. alegar na PI os factos relativos ao invocado direito a ter uma aposentação fixada em 02/01/2013 por um valor superior ao já atribuído, porque se computasse uma carreira contributiva completa, isto é, que apresentasse um desconto efectivo de 40 anos (cf. art.ºs 4., 5.º e 7.º da Lei n.º 11/2008, de 20/02) – provando também tais factos por via documental.
De salientar, ainda, que na PI a A. também desconsidera, em absoluto, qualquer diferença na fórmula de cálculo da sua pensão pelo facto de ter sido aposentada por incapacidade quando, na sua óptica, havia de se aposentada por ter atingido o limite de idade para o exercício de funções.
Ou seja, na PI a A. não alegou em termos claros e especificados os factos necessários à total procedência de um pedido condenatório relativo à imposição à CGA de atribuição da pensão da A. em 02/01/2013, por nessa data ela atingir o limite de idade e já deter todos as demais condições necessárias à aposentação por um determinado valor que tivesse vindo concretamente indicado e peticionado, superior ao já atribuído.
No que concerne ao pedido formulado na al. c) do petitório, relativo ao pagamento do diferencial da pensão da A. decorrente da “inclusão do período de tempo que mediou entre 19/Abril/2012 a 2/Janeiro/2013”, nos autos não fornecem factos suficientes para essa determinação.
Mais se assinale, que conforme facto 1) a CGA computou em 19/04/2012 um tempo total e efectivo de descontos de 36 anos e 8 meses, a titulo de P1 e de 5 anos e 6 meses efectivos, equivalentes a 3 “anos civis considerados” a título de P2, desconhecendo-se nos autos se desde essa data até 02/01/2013 estariam realmente prefeitos os 40 anos de descontos exigidos pela Lei n.º 11/2008, de 20/02.
Ou seja, nos presentes autos a A. não alegou que em 02/01/2013 cumpria as exigências de 40 anos de tempo contabilizável para a aposentação, conforme os art.ºs 4.º, 5.º e 7.º da Lei n.º 11/2008, de 20/02, facto este que era essencial à procedência do seu pedido condenatório.
Porque a A. não fez essa alegação, tal facto não foi sujeito a contraditório, a instrução e a prova e não foi dado por assente na decisão recorrida. Por seu turno, a A. também não impugna o julgamento de facto que foi feito na decisão recorrida.
Quer isto dizer, por um lado, que a afirmação da A. constante da PI relativa ao seu direito à pensão completa em 02/01/2013 não vem suportada na alegação de outros factos para além da própria conclusão inserta na PI. Por outro lado, atendendo aos factos que resultaram da instrução da causa, aquela alegação da A. não corresponderá necessariamente à realidade.
Por isso, provido o presente recurso, há apenas que determinar procedentes os pedidos formulados nas als. a) e b) da PI, anulando-se o acto de 06/11/2012 da Direcção da CGA, que reconheceu o direito da A. à aposentação por incapacidade, considerando a situação existente em 19/04/2012 e condenando-se a CGA a emitir um novo acto, que considere a data em que, de facto, a A. atingiu o limite legal de idade para exercício de funções públicas e a partir daí conceda à A. a pensão de aposentação por essa (nova) razão, recalculando o seu valor e pagando à A. as diferenças remunerarias que se justifiquem.
No que concerne ao pedido formulado na al. c) do petitório, relativo ao pagamento do diferencial da pensão da A. decorrente da “inclusão do período de tempo que mediou entre 19/Abril/2012 a 2/Janeiro/2013”, nos autos não fornecem factos suficientes para essa determinação.
Procede, portanto, quer o recurso, quer a acção, mas os pedidos condenatórios não podem ter o alcance que a A. lhes atribuiu na PI, ficando aquém do mesmo.

III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam:
- em conceder provimento ao recurso interposto, revogando decisão recorrida;
- em julgar procedente a presente acção, anulando-se a decisão da CGA que determinou a aposentação da A. e Recorrente por incapacidade absoluta e permanente, considerando a situação existente em 19/04/2012 e condenando-se a CGA a emitir um novo acto de aposentação da A., nos termos acima expendidos;
- custas em 1.º instância e de recurso pelo R. e Recorrido (cf. art.ºs. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2, do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).

Lisboa, 15 de Outubro de 2020.


(Sofia David)

O relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no art.º 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Dora Lucas Neto e Pedro Nuno Figueiredo.