Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1835/12.7BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:10/28/2021
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:REVERSÃO
ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA
Sumário:I. No âmbito de um processo de insolvência, o administrador de insolvência pode exercer funções com diferentes configurações, podendo as mesmas revestir as caraterísticas de funções de administrador de facto, de liquidatário ou de mero fiscalizador.

II. A reversão contra um administrador de insolvência, no quadro do art.º 24.º, n.º 1, al. b), da LGT ou do art.º 8.º, n.º 1, do RGIT, só é compaginável se se concluir que o mesmo exerce funções equiparáveis às de um gestor de facto.

III. O exercício efetivo de funções de gestão é um dos pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária dos gestores, cabendo à AT o ónus da prova de demonstrar tal exercício efetivo de funções.

IV. Suscitando-se no PEF o exercício das funções de administração em sede de insolvência pelo próprio devedor e nada dizendo a AT a esse respeito, essa inércia reverte contra si.

Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio apresentar recurso da sentença proferida a 03.10.2014, no Tribunal Tributário de Lisboa (TTL), na qual foi julgada procedente a oposição apresentada por J. R. P. (doravante Recorrido ou Oponente), ao processo de execução fiscal (PEF) n.º 3492200901006126 e apensos, que o Serviço de Finanças (SF) de Loures 4 lhe moveu, por reversão de dívidas de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) e imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) – retenções, dos anos de 2008 a 2010, e coimas, da devedora originária C. e M. A. O., Lda.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos, após aperfeiçoamento:

1. In casu, sempre com o devido respeito, bastaria que fosse dada uma maior acuidade ao escopo do vertido nos artigos 24.°, al. b), art. 15.° e 29.° todos da LGT; artigos 38.°, 54.°, 55°, 57.°, 59.°, 81.°, 141.°, 146.°, 155.° e 234 . todos do CIRE: artigos 9.°. al. l) e 11.° do CRComercial: artigos 141.°, 146.°, n.° 1 e n.° 2,160.° e 161.°, todos do CSComerciais, entre outros,

2. assim como ao teor do documento n.° 5 dos autos de execução fiscal conjugadamente com a mais recente jurisprudência dos nossos Tribunais superiores para que, perfunctoriamente, se pudesse aquilatar pela improcedência da Oposição aduzida pelo Recorrido/Oponente, maxime, para que melhor se pudesse aferir pela improcedência da pretensão do Oponente no que tange ao Processo de Execução Fiscal n.° 3492200901006126.

3. Pelo que, a Recorrente, com o devido respeito, conclui não ter razão o Tribunal a quo, que julgou num determinado sentido que perante a matéria de facto dada como assente, o acervo probatório desconsiderado (doc. n.° 5 supra referido), a matéria de facto que foi elencada como não provada, com os demais elementos comprovantes constantes dos autos, não tem a devida correspondência com o modo como as normas que constituem o fundamento jurídico da decisão a quo deveriam ter sido interpretadas e aplicadas.

4. A predita vicissitude, foi mutatis mutandis, causa adequada, para que fosse alvitrada pelo areópago recorrido, uma errada valoração do acervo probatório documental constante dos autos, a sua falta de valoração e consequentemente, a errada interpretação e aplicação do direito aos factos do caso vertente, mormente do preceituado nos artigos 24.°, al. b), art. 15.° e 29.° todos da LGT; artigos 38.°, 54.°, 55.°, 57.°, 59.°, 81.°, 141.°, 146.°, 155.° e 234, todos do CIRE; artigos 9.°, al. I) e 11.° do CRComercial; artigos 141.°, 146.°, n.° 1 e n.° 2, 160.° e 161.°, todos do CSComerciais, entre outros.

5. Ora, um administrador de insolvência, quando é nomeado perante um processo de insolvência, vem assumir-se como um representante legal da sociedade, até à sua efectiva extinção.

6. Consequentemente, o Administrador de Insolvência, no âmbito daquela nomeação, na qualidade de representante legal da sociedade, assume e aceita que no exercício das funções processuais que lhe estão inerentes, actue com a natural diligência de um gestor criterioso, conforme o plasmado no art. 59.° do CIRE.

7. Aliás, ressalta do vertido no art. 146, n.° 2 do CSC, a sociedade em liquidação mantém a personalidade jurídica e continuam-lhe a ser aplicáveis os dispostos que regem as sociedades não dissolvidas com a continuidade de sujeito passivo de IRC e de IVA, até à sua extinção por liquidação e dissolução.

8. Pelo que, sendo consabido que a sociedade mantém a sua personalidade jurídica, e o administrador de insolvência assume o papel de representante da sociedade até à sua efectiva extinção, entre as competências legais que lhe estão adstritas, estão as obrigações declarativas e o apuramento e pagamento da prestação tributária.

9. Deste modo, resulta à evidência que é de imputar ao administrador de insolvência as responsabilidades pelo incumprimento dessas obrigações durante aquele período (de representação da sociedade), o que no caso sub judice ocorre desde a data da nomeação do Oponente, nos termos do consignado no art. 24.°, n.° 1, al. b), como responsável subsidiário, em conjugação com o art. 59.° do CIRE.

10. Em bom rigor, o administrador da insolvência, durante o período do exercício do cargo, é titular dos poderes de gestão e disposição, da mesma forma que os normais gerentes, com a agravante de receberem a responsabilidade de gerir um património em situação particularmente vulnerável e cujo estado geral de incumprimento é mais apto a causar prejuízos aos credores.

11.O art. 81.° do CIRE é claro ao determinar que os poderes de administração e disposição passam para o administrador da Insolvência. Aliás, os deveres cometidos por lei ao administrador, mormente nos arts. 55.° e 59.° do CIRE, vão no sentido de actuar com a diligência de um administrador criterioso e ordenado.

12. Acresce ainda que, a administração da massa insolvente, tal como configurada na lei, parece-nos ser subsumível à gerência de direito, sendo inclusivamente sujeita a registo comercial em termos idênticos ao desta, conforme decorre dos arts. 38.° e 57.° do CIRE e art. 9.°, al. I) do Código do Registo Comercial.

13. Pelo que, a entender-se assim, a actividade do Administrador de Insolvência entra no campo de aplicação do n.° 1 do art. 24.° da LGT - administradores.

14. Em relação a alguém que exerce administração de direito, como é o caso do administrador de insolvência, há uma correlação muito mais estreita com a efectiva detenção de poderes, in casu, melhor será dito de “poderes-deveres”, de disposição e administração.

15. Ao exercício de funções de administração, a lei faz corresponder a presunção de culpa pelo incumprimento daquelas obrigações cujo termo do prazo de pagamento ocorra dentro do período do exercício do cargo.

16. O ora oponente/recorrido, em sede de audição prévia, veio juntar ao processo, como doc. 5.. um relatório elaborado nos termos do art. 155.° do CIRE, do qual consta a informação de não terem sido apreendidos os documentos contabilísticos da insolvente porque, mantendo-se a empresa em actividade, torna-se necessário ter a contabilidade actualizada e cumprir as obrigações declarativas fiscais.

17. Pelo que, se o ora oponente/recorrido tinha consciência de que era necessário cumprir obrigações fiscais, deveria ter, pelo menos, tentado obter uma identificação mais cabal da TOC para poder verificar se as mesmas estavam efectivamente a ser cumpridas.

18. Seria a atitude expectável por parte de um administrador criterioso e ordenado (art. 59.° do CIRE).

19. Efectivamente, assumir a responsabilidade e diligência de um administrador de insolvência, dando cumprimento às suas legis artis, seria, nomeadamente, informar-se junto dos serviços da Administração Fiscal sobre a situação tributária da insolvente.

20. Pois que, daquela forma, poderia o oponente/recorrido tomar conhecimento da acumulação de dívidas fiscais pela insolvente e da comissão, por omissão de infracções ficais.

21. Nesta senda, quase que emerge de tal constatação factual, um “certo conformismo” por parte do oponente com o incumprimento daquelas obrigações tributárias, estando ele na veste de responsável legal pela sociedade insolvente.

22. Outrossim aquele arremedo de juízo sobre a negligência evidenciada pelo ora oponente/recorrido é necessário para saber se teria sido ilidida a presunção de culpa feita na al. b) do n.° 1 do art. 24.° da LGT, uma vez que a lei presume que é imputável aos administradores o incumprimento das dívidas tributárias, cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado durante o período do exercício do seu cargo.

23. E, se essa presunção é ilidível, afigura-se-nos que os elementos de prova carreados pelo recorrido não vão no sentido de dar cumprimento àquela ilisão e consequentemente, naufraga o ensejo do mesmo no sentido de afastar a responsabilidade subsidiária plasmada na lei com presunção de culpa.

24. Como é sabido, a insolvência de uma sociedade comercial não é sinónimo da sua extinção a qual ocorre somente aquando do registo do encerramento da liquidação (cfr. art. 160.°, n.° 2 do CSC)

25. É certo que a declaração de insolvência é causa de dissolução imediata (cfr. art. 141.° do CSC) todavia a sociedade dissolvida entra em liquidação de acordo com o plasmado no art. 146.°, n.° 1 do CSC.

26. A sociedade em liquidação mantém a personalidade jurídica e continua a ser-lhe aplicável, mutatis mutandis, as disposições que regem as sociedades não dissolvidas (n.° 2 do citado art. 146.° do CSC).

27. Nesta senda, o art. 161.° do CSComerciais prevê expressamente a possibilidade de regresso à actividade da sociedade em liquidação.

28. Neste sentido, também a melhor doutrina fiscal defende que a sociedade em liquidação não está extinta e pode retomar pela vigência (vide Lei Geral Tributária, comentada e anotada, Diogo Leite Campos, pág. 169)

29. De referir que o próprio CIRE estabelece taxativamente que a sociedade considera-se extinta somente com o registo do encerramento do processo após rateio ou no termo do procedimento administrativo de dissolução e liquidação, podendo o plano de insolvência prever a continuidade da sociedade (cfr. art. 234.° do CIRE).

30. Assim, a sociedade em liquidação mantém a personalidade jurídica e mantém a personalidade tributária, uma vez que esta consiste na susceptibilidade de ser sujeito de relações jurídicas tributárias (art. 15° da LGT).

31. Atente-se ao sufragado no teor do art. 65.° do CIRE, na redacção dada pela Lei 16/2012, de 20 de Abril, para o qual remetemos na íntegra.

32. Pelo que, é a própria lei e não somente a doutrina administrativa que parece ser clarividente no sentido de se manterem as obrigações fiscais da insolvente após a declaração de insolvência e a responsabilidade do administrador pelas mesmas, em caso de incumprimento.

33. Em face do supra exposto, parece ser de rejeitar por completo o entendimento de que a declaração de insolvência equivale à morte.

34. Por conseguinte, salvo o devido respeito, que é muito, reitera-se que o Tribunal a quo lavrou em erro de interpretação e aplicação do direito e dos factos, nos termos supra explanados, assim como não considerou nem valorizou como se impunha a prova documental que faz parte dos autos em apreço.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, e com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido total provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a sentença proferida com as devidas consequências legais.

Concomitantemente,

Apela-se desde já à vossa sensibilidade e profundo saber, pois, se aplicar o Direito é um rotineiro ato da administração pública, fazer justiça é um ato místico de transcendente significado, o qual poderá desde já, de uma forma digna ser preconizado por V. as Ex.as, assim se fazendo a mais sã, serena, objectiva e acostumada

JUSTIÇA!”.

O Recorrido apresentou contra-alegações, já após a remessa dos autos a este TCAS, nas quais pugna pela sua admissibilidade, por considerar que ocorreu nulidade processual, por não ter sido notificado, nem da interposição de recurso, nem das correspetivas e subsequentes alegações, e, no mais, pela manutenção do decidido.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do então art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT) vem o processo à conferência.

É a seguinte a questão a decidir:

a) Há erro de julgamento, em virtude de o administrador de insolvência se assumir como representante legal da sociedade até à sua extinção, não tendo sido ilidida a respetiva culpa?

II. DA ADMISSIBILIDADE DAS CONTRA-ALEGAÇÕES

Cumpre, antes de mais, apreciar a admissibilidade das contra-alegações apresentadas, aferindo se existe nulidade processual secundária, tal como referido pelo Recorrido.

Assim, o Recorrido sustenta o seu entendimento no sentido de que nunca foi notificado nem da interposição de recurso nem das correspetivas e subsequentes alegações, tendo tido apenas conhecimento do presente recurso com a notificação do despacho que determinou a subida dos autos a este TCAS.

Vejamos.

Compulsados os autos, verifica-se o seguinte:

a) Quer na procuração forense quer na petição inicial estão indicadas duas moradas do mandatário do Recorrido, uma das quais, a primeira que surge em ambos os documentos, era a seguinte: “R. P. A. – Edif. M., 1.º J – 3.-2. A.” (cfr. fls. 24 e 26 dos autos em suporte de papel, a que correspondem futuras referências sem menção de origem);

b) As notificações ao longo do processo foram feitas sempre para a morada referida em a) (cfr., v.g., fls. 62, 94, 115, 138);

c) Através de requerimento apresentado a 27.10.2014, a FP veio manifestar a intenção de interpor recurso, para este TCAS, da sentença proferida (cfr. fls. 141 e 142);

d) Este requerimento foi objeto de despacho de admissão, de 04.11.2014, no qual se ordenou que fossem feitas as notificações previstas nos n.ºs 2 e 3 do art.º 282.º do CPPT (cfr. fls. 144);

e) Foi remetido, via correio postal registado, ofício, de 12.12.2014, dirigido ao mandatário do oponente e para a morada referida em a), notificando-o quer do requerimento referido em c) quer do despacho referido em d) (cfr. fls. 145);

f) Na mesma data foi notificado o despacho referido em d) à FP (cfr. fls. 146);

g) Deram entrada no TTL, a 12.01.2015, as alegações de recurso da FP (cfr. fls. 148 e ss.);

h) Foi proferido, a 16.02.2015, despacho a ordenar a subida dos autos a este TCAS (cfr. fls. 176);

i) O despacho referido em h) foi notificado ao mandatário do oponente e para a morada referida em a), a 20.02.2015, juntamente com cópia das alegações da FP (cfr. fls. 177);

j) A 10.03.2015, foram remetidas, via fax, a este Tribunal, as contra-alegações de recurso.

Vejamos.

Nos termos do art.º 282.º do CPPT, na redação então em vigor:

“1 - A interposição do recurso faz-se por meio de requerimento em que se declare a intenção de recorrer.

2 - O despacho que admitir o recurso será notificado ao recorrente, ao recorrido, não sendo revel, e ao Ministério Público.

3 - O prazo para alegações a efetuar no tribunal recorrido é de 15 dias contados, para o recorrente, a partir da notificação referida no número anterior e, para o recorrido, a partir do termo do prazo para as alegações do recorrente”.

Assim, estamos perante alegações apresentadas sucessivamente, sendo que o Recorrente deve apresentar as suas alegações no prazo de 15 dias, contado da notificação da admissão do recurso, e o Recorrido, querendo, deve apresentar as suas contra-alegações nos 15 dias contados do termo do prazo para o Recorrente alegar.
Como refere Jorge Lopes de Sousa:(1)

“O prazo para alegações pelo recorrido e pelo Ministério Público conta-se «a partir do termo do prazo para as alegações do recorrente», termo este que é fixado na lei, contado com base na notificação do despacho de admissão ao recorrente. Por isso, é irrelevante, para contagem do prazo do recorrido, a data em que as alegações do recorrente são efectivamente apresentadas no tribunal (…).

Por outro lado, em face desta regra especial do art. 282.º, n.º 3, do CPPT relativa ao início do prazo para contra-alegações não é aplicável a regra dos arts.698.º, n.º 2, e 743.º,n.º 2, do CPC, na redacção anterior ao DL n.º 303/2007, de 24 de Agosto, em que se estabelece que o prazo para apresentação da alegação do recorrido se conta da notificação da apresentação da alegação do recorrente”.

No caso em concreto:

a) Considerando que ambas as partes foram notificadas a 12.12.2014, esta notificação presume-se feita no terceiro dia seguinte (15.12.2014);

b) Atento o período de férias judiciais (de 22.12.2014 a 03.01.2015), o prazo para a FP apresentar as suas alegações terminou a 12.01.2015, data em que foram efetivamente apresentadas;

c) Contados dessa data os 15 dias para o Recorrido contra-alegar, os mesmos terminariam a 27.01.2015.

Ora, tendo as contra-alegações sido apresentadas a 10.03.2015, as mesmas foram-no fora de prazo.

A questão que se coloca é a de saber se ocorreu nulidade processual secundária, consubstanciada na ausência de notificação do despacho de admissão de recurso (notificação que, como vimos supra, é a relevante, para efeitos de contagem de prazos quer para alegar, quer para contra-alegar).

Como já vimos supra, é irrelevante, para este efeito, a data da notificação das alegações apresentadas.

Sucede, porém, que, quanto à notificação do despacho de admissão de recurso, ao contrário do referido pelo Recorrido, a mesma ocorreu, como resulta dos autos, nada tendo sido alegado no sentido de pôr em causa a presunção de notificação resultante da remessa via correio postal registado.

Face ao exposto, as contra-alegações apresentadas foram-no intempestivamente, pelo que as mesmas devem ser desentranhadas e devolvidas ao apresentante.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

III.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“a) Os serviços de finanças de Loures-4 instauraram o Processo de Execução Fiscal n.° 349200901006126 e apensos contra a sociedade “C. e M. A O. Lda”, para cobrança coerciva de créditos fiscais de IVA e IRS, relativos aos anos de 2008, 2009 e 2010 e por coimas fiscais por omissões ocorridas naqueles anos, perfazendo a quantia exequenda o montante global de € 36.424,03 (trinta e seis mil, quatrocentos e vinte e quatro euros e três cêntimos) - autuação de fls. 52 e 53 e certidões de dívida de fls. 111 a fls. 227 do PEF apenso aos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

b) Por despacho, datado de 20/04/2012, a chefe de finanças-adjunta de Loures-4 ordenou a reversão da dívida, id. na alínea antecedente, contra o ora oponente J. R. P., nos termos e com fundamentos que constam do despacho de reversão, que além do mais, remete para “uma informação de fls. 7” - despacho de reversão de fls. 104 do PEF e citada informação fiscal de fls. 59 do PEF, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

c) O referido despacho de reversão tem como fundamentos os seguintes:

“FUNDAMENTOS DA REVERSÃO

- a inexistência ou insuficiência de bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do beneficio da excussão (artigo 23. ° n. °2 da LGT);

- Dos administradores, directores ou gerentes e outras pessoas, que exerçam ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão e pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo (artigo 24. °, n. °1, alínea b) da LGT;

- Existindo reversões de coimas, são efectuadas nos termos da alínea c) do n. 7 do artigo 148. ° do CPPT, em conjugação com a alínea b) do n. °1 do artigo 8. ° do RGIT” - citado despacho de reversão.

d) A referida informação fiscal de fls. 7 limita-se a constar que a executada originária não possui bens susceptíveis de penhora e que mantém a actividade, tendo a chefe de finanças adjunta exarado despacho no sentido de se preparar o processo com vista à reversão contra os gerentes - citada informação fiscal de fls. 64 do PEF.

e) O ora oponente J. R. P. não foi sócio nem assumiu funções nominais de gerência na sociedade “C. e M. A O. Lda, no período que decorreu entre 04/11/1991 (data da constituição da sociedade) e 24/02/2011 (data em que foi exarada a certidão de registo comercial junta ao PEF) - certidão de registo comercial de fls. 60 e segs. do PEF, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

e) O ora oponente J. R. P. foi nomeado, em 19/12/2008, administrador de insolvência da sociedade “C. e M. A O.” por sentença de insolvência proferida no processo n.° 1180/08.2TYLSB, que correu termos no 4.° Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa naquela data - publicada na pag. 6. do Diário da República 2.a Série, de ../../2…, cuja cópia se encontra junta a fls. 41 dos autos.

f) Na mesma data (19/12/2008), foi nomeado, na sentença de insolvência id. na alínea antecedente, administrador da sociedade “C. e M. A O. Lda”, A. J. S. L. - citado excerto do Diário da República”.

III.B. Relativamente aos factos não provados, refere-se na sentença recorrida:

“1 - Que o ora oponente tenha exercido funções nominais de gerente na sociedade devedora originária.

2 - Que no período em que ocorreram os factos constitutivos dos créditos tributários de IVA e de IRS ou nos períodos em que se verificou o seu prazo legal de pagamento, o ora oponente tenha praticado actos de gestão, agindo em nome e representação da sociedade devedora originária, nomeadamente contratando com fornecedores ou com o pessoal, representando a sociedade, como gerente, junto de qualquer entidade pública ou privada, assinando declarações de impostos ou recepcionando correspondência fiscal, na qualidade de gerente ou ainda assinando títulos de crédito como representante da referida sociedade.

3 - Que a insuficiência do património da devedora originária teve origem na actuação culposa do ora oponente.

4 - Que o ora oponente, na qualidade de administrador de insolvência, não tenha satisfeito os débitos fiscais em conformidade com a ordem prescrita na sentença de verificação e graduação dos créditos nele proferida”.

III.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“Resultou a convicção do Tribunal, quanto aos factos provados, da análise dos documentos juntos aos autos, supra ids., a propósito de cada uma das alíneas do probatório, os quais não foram impugnados por qualquer das partes.

Quanto aos factos não provados, resultou a convicção do Tribunal de nenhuma prova ter sido feita sobre os mesmos pela AT, pois que, na certidão de registo comercial da devedora orginária, o ora oponente não consta nem como gerente nominal, nem como sócio da mesma.

Por outro lado, no despacho de reversão e na informação fiscal para a qual aquele remete, não existe qualquer suporte documental donde se possa retirar a ilação da gerência, de facto, por parte do oponente, não constando dos autos quaisquer documentos, nomeadamente contratos ou outros, relacionados com a actividade da executada originária, que se encontrem assinados pelos oponente, na qualidade de gerente, no período em que ocorreram os factos constitutivos dos créditos tributários de IRS ou de IVA ou nos períodos em que se verificou o seu prazo legal de pagamento.

Aliás, o que resulta do probatório foi que a sociedade foi declarada insolvente em 18/12/2008 e foi nomeado, pelo Tribunal de Insolvência, o senhor A. S. L., como gerente/administrador da sociedade para a representar no período de insolvência que se iniciou naquela data.

O ora oponente foi nomeado, na sentença de insolvência como “administrador de insolvência”, o que não pode confundir juridicamente com a qualidade de gerente “nominal” ou com a qualidade de “gerente de facto”.

Contudo, baseando-se a reversão efectuada no disposto no artigo 24.°, n.°1, alínea b) da LGT teria a Fazenda Pública que invocar e provar a “gerência de facto” do ora oponente no período em causa, o que não fez.

Não basta invocar a qualidade jurídica de administrador de insolvência do ora oponente, porquanto a responsabilidade deste, enquanto liquidatário judicial da sociedade, encontra-se consagrada no artigo 26.° da LGT, podendo apenas assacar- se-lhe responsabilidades se não satisfizesse os débitos fiscais em conformidade com a ordem prescrita na sentença.

E, era à administração fiscal que competia reunir essa prova documental, nos termos conjugados dos artigos 74.°, n.°1 da LGT e 342,°, n.°1 do Código Civil”.

III.D. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, acorda-se aditar a seguinte matéria de facto provada:

g) No âmbito do PEF mencionado em a), foi proferido despacho, a 10.03.2011, do qual consta designadamente o seguinte:

“…

…” (cfr. fls. 71 do PEF apenso).

h) Na sequência do referido em g), foi remetido ofício ao Oponente, para efeitos de exercício do direito de audição (cfr. fls. 74 a 78 do PEF apenso).

i) No seguimento do referido em h), foi remetido pelo Oponente, ao SF de Loures 4, requerimento, relativo ao exercício do direito de audição, no qual, designadamente, se refere que o gerente da insolvente sempre foi o responsável pela gestão da atividade da empresa, em conformidade com a decisão unânime da assembleia de credores (cfr. fls. 83 a 96 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

IV.A. Do erro de julgamento

Considera a Recorrente que o Tribunal incorreu a quo em erro de julgamento, uma vez que, em seu entender, assumindo o administrador de insolvência a qualidade de representante legal da sociedade, é-lhe imputável a responsabilidade subsidiária em causa.

Vejamos.

Antes de mais, sublinhe-se que, não obstante a Recorrente referir que o Tribunal a quo não apreciou corretamente a prova produzida, a mesma não impugnou a tal decisão, nos termos exigidos pelo art.º 640.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT.
Com efeito, considerando o disposto no art.º 640.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão.(2)

Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. a), do CPC];

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. c), do CPC].

Especificamente quanto à prova testemunhal, dispõe o n.º 2 do art.º 640.º do CPC:

“2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.
Como tal, não basta ao Recorrente manifestar de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo­-se-lhe os ónus já mencionados.(3)

Ora, in casu, os ónus que se impõem ao Recorrente não foram cumpridos.

Como tal, a matéria de facto a considerar é a suprarreferida em III.

Prosseguindo.

In casu, a dívida revertida respeita a IRS (retenções) e IVA e, bem assim, a coimas, tendo sido feita a reversão ao abrigo do art.º 24.º, n.º 1, al. b), da Lei Geral Tributária (LGT) e do art.º 8.º, n.º 1, al. b), do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT).

Nos termos do referido n.º 1 do art.º 24.º da LGT:

“1. Os administradores (…) e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento”.

O art.º 24.º, n.º 1, da LGT determina que a simples gestão de facto é suficiente para acionar a responsabilidade em causa, não sendo, por outro lado, suficiente a mera gerência ou administração de direito.

São ainda demarcadas duas situações, nas duas alíneas do seu n.º 1.

A primeira, correspondente à sua al. a), refere-se à responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções quer no momento de ocorrência do facto tributário, quer após este momento, mas antes do término do prazo de pagamento da dívida tributária, sendo esta responsabilidade pelo depauperamento do património social, de molde a torná-lo insuficiente para responder pelas dívidas em causa. A culpa exigida aos gerentes ou administradores, nesta situação, é uma culpa efetiva — culpa por o património da sociedade se ter tornado insuficiente. Não há qualquer presunção de culpa, o que nos remete para o disposto no art.º 74.º, n.º 1, da LGT, pelo que cabe à administração tributária (AT) alegar e provar a culpa dos gerentes ou administradores.
A segunda, constante da al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, refere­-se à responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções no período no qual ocorre o fim do prazo de pagamento ou entrega do montante correspondente à dívida tributária. No art.º 24.º, n.º 1, al. b), da LGT, presume-se que a falta de pagamento da obrigação tributária é imputável ao gestor. Assim, atentando na al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, o momento relevante a considerar é o do termo do prazo para pagamento voluntário. A presunção constante da referida al. b) do art.º 24.º, n.º 1, da LGT, deriva da consagração do dever de boa prática tributária, constante do art.º 32.º da LGT, que prevê “... um especial dever de diligência no cumprimento dos deveres tributários [das pessoas colectivas] (...) — dever de diligência que se presume violado caso tais deveres tributários não sejam cumpridos".(4) Esta presunção de culpa é ilidível, cabendo ao gestor revertido o ónus de a ilidir.

Em termos idênticos vai o art.º 8.º, n.º 1, do RGIT, sendo apenas de salientar que em nenhuma das suas alíneas está prevista qualquer presunção de culpa do gestor.

In casu, como referimos, o despacho de reversão proferido foi-o ao abrigo da al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT e do art.º 8.º, n.º 1, al. b), do RGIT, ou seja, considerando os potenciais responsáveis à data do término do prazo para pagamento voluntário.

Como mencionamos supra, o regime da responsabilidade tributária tem subjacente o exercício efetivo de funções por parte do gestor.

Trata-se do ponto de partida de aplicação do regime, sendo que, depois de demonstrada a gestão de facto [cfr. o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, do Pleno da Secção do Contencioso Tributário, de 28.02.2007 (Processo: 01132/06)], aplicar-se­-á, num segundo momento, a al. a) ou a al. b), do n.º 1 do art.º 24.º da LGT ou do n.º 1 do art.º 8.º do RGIT.

Cabe à AT, desde logo e em primeira linha, o ónus da alegação e prova da efetiva gerência ou administração por parte dos revertidos.

Essa prova da gestão de facto tem de ser evidenciada por referência a atos praticados pelos potenciais revertidos, suscetíveis de demonstrar tal efetividade do exercício de funções, entendendo-se como tal a prática de atos com caráter de continuidade, efetividade, durabilidade, regularidade, com poder de decisão e com independência das funções exercidas.

Durante vários anos, prevaleceu o entendimento de que, demonstrada que fosse a gestão de direito, a AT beneficiaria de uma presunção de gestão de facto, cabendo, segundo este entendimento, ao revertido demonstrar não ter exercido efetivamente as referidas funções.

Na sequência do Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 28.02.2007 (Processo: 01132/06), operou-se uma alteração jurisprudencial, no sentido de que “… [a] presunção judicial não tem existência prévia, é um juízo casuístico que o julgador retira da prova produzida num concreto processo quando a aprecia e valora. (...) Ninguém beneficia de uma presunção judicial, porque ela não está, à partida, estabelecida, resultando só do raciocínio do juiz, feito em cada caso que lhe é submetido. (...) Do que se trata é de censurar a aplicação que fez de um regime legal, afirmando a existência de uma presunção judicial e retirando, maquinalmente, de um facto conhecido, outro, desconhecido, como se houvesse uma presunção legal, que não há; e afirmando a inversão do ónus da prova, quando tal inversão não ocorre, no caso, na falta de presunção legal”.

Como tal, continua o referido Acórdão do Pleno:

“Quando, em casos como os tratados pelos arestos aqui em apreciação, a Fazenda Pública pretende efectivar a responsabilidade subsidiária do gerente, exigindo o cumprimento coercivo da obrigação na execução fiscal inicialmente instaurada contra a originária devedora, deve, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, provar os factos que legitimam tal exigência.

(…) [N]ada a dispensa de provar os demais factos, designadamente, que o revertido geriu a sociedade principal devedora. Deste modo, provada que seja a gerência de direito, continua a caber-lhe provar que à designação correspondeu o efectivo exercício da função, posto que a lei se não basta, para responsabilizar o gerente, com a mera designação, desacompanhada de qualquer concretização(sublinhado nosso).

Face a este entendimento, unânime na jurisprudência atual, a que se adere, decorre, como referido, que cabe, em primeira linha, à AT alegar e demonstrar que o revertido exerceu, nos termos consignados no n.º 1 do art.º 24.º da LGT e no n.º 1 do art.º 8.º do RGIT, efetivas funções de gerência, entendidas como funções de gestão e representação da sociedade. (cfr., para as sociedades por quotas, os art.ºs 192.º e 252.º do Código das Sociedades Comerciais).

O mesmo resulta da interpretação do art.º 11.º do Código do Registo Comercial (CRCom), mencionado pela Recorrente nas suas conclusões.

Com efeito, nos termos desta disposição legal, “[o] registo por transcrição definitivo constitui presunção de que existe a situação jurídica, nos precisos termos em que é definida”.

Atentando na finalidade inerente ao registo comercial e, nesse seguimento, chamando à colação o art.º 1.º do CRCom, do seu n.º 1 resulta que “[o] registo comercial destina-se a dar publicidade à situação jurídica dos comerciantes individuais, das sociedades comerciais, das sociedades civis sob forma comercial e dos estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada, tendo em vista a segurança do comércio jurídico”.
Sendo certo que é legalmente obrigatória a inscrição da nomeação dos membros dos órgãos de administração de sociedades comerciais, nos termos do art.º 3.º, n.º 1, al. m), do CRCom., da leitura conjunta das disposições legais referida resulta que as mesmas visam dar publicidade a uma situação jurídica e não a uma situação de facto.(5)

Assim, e no que ao registo da nomeação de uma determinada pessoa como gerente de uma determinada sociedade a presunção que decorre do art.º 11.º do CRCom é uma presunção da gestão de direito (“situação jurídica”), e não da de facto.

Portanto, também por esta via, não se pode extrair da gerência de direito a gerência de facto.

Especificamente quanto à possibilidade de uma dívida reverter, ao abrigo do art.º 24.º, n.º 1, da LGT ou do art.º 8.º, n.º 1, do RGIT, contra um administrador de insolvência, cumpre ainda sublinhar que, sendo tal possível, em virtude de o administrador de insolvência poder assumir poderes de facto de administração da insolvente, nem sempre assim é.

Especificando.

Como decorre, desde logo, do Estatuto do Administrador Judicial (Lei n.º 22/2013, de 26 de fevereiro), concretamente do n.º 1 do seu art.º 2.º, “[o] administrador judicial é a pessoa incumbida da fiscalização e da orientação dos atos integrantes do processo especial de revitalização e do processo especial para acordo de pagamento, bem como da gestão ou liquidação da massa insolvente no âmbito do processo de insolvência, sendo competente para a realização de todos os atos que lhe são cometidos pelo presente estatuto e pela lei”.

No âmbito do processo de insolvência, o administrador de insolvência pode assumir distintas vestes.

Assim, desde logo o administrador de insolvência pode exercer funções de gestão da massa insolvente.

Chama-se a este propósito à colação o disposto no art.º 81.º do CIRE, nos termos de cujo n.º 1:

“1 - Sem prejuízo do disposto no título X, a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência”.

Caso o processo de insolvência prossiga não para recuperação, mas para liquidação, caberá, então, ao administrador de insolvência o exercício de funções de liquidatário. A esse respeito, nos termos do art.º 55.º, n.º 1, do CIRE:

“1 - Além das demais tarefas que lhe são cometidas, cabe ao administrador da insolvência, com a cooperação e sob a fiscalização da comissão de credores, se existir:

a) Preparar o pagamento das dívidas do insolvente à custa das quantias em dinheiro existentes na massa insolvente, designadamente das que constituem produto da alienação, que lhe incumbe promover, dos bens que a integram”.
Como referido por Catarina Serra(6),“[o] administrador de insolvência tem a seu cargo duas operações nucleares do processo de insolvência: a verificação do passivo e a apreensão e a liquidação do activo. (…) // Excepcionalmente, o seu papel pode ficar reduzido ao de órgão fiscalizador – quando ao devedor seja concedido o poder de ser manter à frente da empresa, isto é, quando haja administração da massa pelo devedor (cfr. arts. 223.º e s.)”.

Como tal, pode dar-se o caso de, quando na massa insolvente esteja compreendida uma empresa, a administração da mesma caber ao devedor.

Assim, nos termos do art.º 224.º do CIRE:

“1 - Na sentença declaratória da insolvência o juiz pode determinar que a administração da massa insolvente seja assegurada pelo devedor.

2 - São pressupostos da decisão referida no número anterior que:

a) O devedor a tenha requerido;

b) O devedor tenha já apresentado, ou se comprometa a fazê-lo no prazo de 30 dias após a sentença de declaração de insolvência, um plano de insolvência que preveja a continuidade da exploração da empresa por si próprio;

c) Não haja razões para recear atrasos na marcha do processo ou outras desvantagens para os credores;

d) O requerente da insolvência dê o seu acordo, caso não seja o devedor.

3 - A administração é também confiada ao devedor se este o tiver requerido e assim o deliberarem os credores na assembleia de apreciação de relatório ou em assembleia que a preceda, independentemente da verificação dos pressupostos previstos nas alíneas c) e d) do número anterior, contando-se o prazo previsto na alínea b) do mesmo número a partir da deliberação dos credores”.

Portanto, a administração da massa pelo devedor pode ser determinada na sentença de declaração de insolvência ou pode ser deliberada pela assembleia de credores.

“Quando a administração é concedida pelo juiz, a concessão é feita na declaração de insolvência. Necessariamente, o pedido terá sido formulado na petição inicial ou na contestação, consoante o processo de insolvência seja, respectivamente, da iniciativa do devedor ou de terceiros.
Quando a administração é concedida pela assembleia de credores, a concessão é efectuada na assembleia de apreciação do relatório, prevista no art. 156.º, ou em eventual assembleia anterior (…). O pedido terá sido formulado após a declaração de insolvência, embora antes da reunião da assembleia de credores…”(7)

Nestes casos, como resulta do art.º 226.º, n.º 1, do CIRE, o administrador de insolvência exerce funções de fiscalização.

Como tal, esta diferenciação de possíveis funções exercidas pelo administrador de insolvência tem impacto em termos de configuração da sua potencial responsabilidade tributária subsidiária.
A este respeito, dizem Suzana Tavares da Silva e Marta Costa Santos(8)

“No âmbito do processo de insolvência, o administrador de insolvência pode assumir três vestes distintas: a de administrador de facto; a de liquidatário ou a de mero fiscalizador. Assim, antes de apurar a sua responsabilidade tributária, teremos que determinar previamente o seu estatuto”.

Partindo, pois, desta natureza tripartida em termos de possíveis funções a desempenhar, desde logo o exercício de funções de liquidatário, do ponto de vista da responsabilidade tributária, encontra resposta clara na lei (cfr. art.º 26.º da LGT). In casu, tal não é relevante, dado que não foi ao abrigo desta norma que foi acionada a responsabilidade do Recorrido.

Já quando o administrador de insolvência assuma funções equiparáveis à administração de facto da sociedade declarada insolvência, neste caso é compaginável o seu chamamento à responsabilidade no âmbito do art.º 24.º, n.º 1, da LGT (ou do n.º 1 do art.º 8.º do RGIT).

Exercendo o administrador de insolvência funções de administração de facto da massa insolvente, o mesmo pode apenas ser responsabilizado pelas dívidas tributárias que consubstanciem dívidas da massa insolvente [cfr. os Acórdãos deste Tribunal Central Administrativo Sul de 17.01.2019 (Processo: 558/11.9BELRS), de 03.02.2020 (Processo: 2244/11.0BELRS)].

Portanto, deste enquadramento resulta que nem todos os administradores de insolvência assumem necessariamente as vestes de um gestor de facto, podendo dar-se designadamente o caso de a administração continuar nas mãos do devedor, situação em que as funções do administrador de insolvência são meramente de fiscalização, caindo fora do alcance do n.º 1 do art.º 24.º da LGT (ou do n.º 1 do art.º 8.º do RGIT).

Posto este enquadramento, cumpre apreciar o caso em concreto.

No caso dos autos, como resulta da matéria de facto provada, a reversão foi feita contra o Recorrido fundada, exclusivamente, na circunstância de o mesmo ter sido nomeado administrador de insolvência na decisão mencionada em e) do probatório. Nada no despacho de reversão nem na informação que o antecede é claramente referido quanto ao facto de a administração estar ou não a cargo do devedor, não obstante tal ter sido suscitado pelo Recorrido em sede de exercício do seu direito de audição.

Ora, conclui-se face ao exposto que a administração tributária (AT) se fundou exclusivamente na circunstância de o Recorrido ter sido designado administrador de insolvência para proceder à reversão, sem curar de aferir se este exercício abrangia ou não funções de gestão e representação. Portanto, a AT não logrou demonstrar a existência de uma situação de gestão de facto, ao contrário do que era seu ónus.

Ademais, face à matéria de facto provada, fica-se na dúvida se a administração da massa insolvente foi assegurada pelo devedor, tal como o admite o art.º 224.º do CIRE e como o Recorrido alegara em sede de exercício do direito de audição, dúvida essa que reverte contra quem tem o ónus de demonstração do exercício efetivo de funções – ou seja, contra a AT.

Consequentemente, fica prejudicada qualquer apreciação atinente à culpa do Recorrido, quer no âmbito do art.º 24.º, n.º 1, al. b) da LGT, quer no âmbito do art.º 8.º do RGIT.

Assim, carece de razão a Recorrente.

V. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Ordenar o desentranhamento das contra-alegações apresentadas e sua devolução ao apresentante;

b) Negar provimento ao recurso;

c) Custas pela Recorrente;

d) Registe e notifique.


Lisboa, 28 de outubro de 2021

(Tânia Meireles da Cunha)

(Susana Barreto)

(Patrícia Manuel Pires)

1) Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário – Anotado e Comentado, Vol. IV, 6.ª Ed., Áreas Editora, Lisboa, 2011, p. 444.

2) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 169.
3) V., a título exemplificativo, o Acórdão deste TCAS, de 27.04.2017 (Processo: 638/09.0BESNT) e ampla doutrina e jurisprudência no mesmo mencionada.

4) Isabel Marques da Silva, «A Responsabilidade Tributária dos Corpos Sociais», Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, Lisboa, 1999, p. 132.

5) V. a este respeito o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 28.02.2019 (Processo: 357/09.8BELRS), bem como o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 11.03.2010 (Processo: 00349/05.6BEBRG).

6) Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2021, pp. 75 e 76
7) Catarina Serra, ob. cit., p. 262.
8) Suzana Tavares da Silva e Marta Costa Santos, «Os créditos fiscais nos processos de insolvência: reflexões críticas e revisão da jurisprudência», 2013, p. 20, disponível para consulta em https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/24784/1/STS_MCS%20insolvencia.pdf.