Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1618/10.9BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:12/13/2019
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:BENEFÍCIO DA EXCUSSÃO PRÉVIA;
FUNDADA INSUFICIÊNCIA DO PATRIMÓNIO DA DEVEDORA ORIGINÁRIA.
Sumário:1) Na falta de elementos sobre a consistência e o valor do património da devedora originária não pode a AT ordenar a reversão contra o responsável subsidiário, dado que não está demonstrada a inexistência ou a fundada insuficiência patrimonial da devedora originária, pressuposto da mencionada reversão.
2) Para cumprir a obrigação de fundamentação da existência de fundada insuficiência patrimonial da devedora originária não basta à AT obter informação sobre o património da mesma, antes importa esclarecer, com certo grau de certeza, sobre o conteúdo e sobre consistência de tal património.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acórdão
I- Relatório

M........... e C.........., herdeiros habilitados de A........, executado por reversão, na qualidade de responsável subsidiário, no processo de execução fiscal n.º 3107200601151..., originariamente contra a sociedade “M.........., Lda.” vieram deduzir Oposição à Execução Fiscal por dívidas de IVA do período de tributação de 2004, no valor de €14.367,43.
O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença proferida a fls. 418 e ss., (numeração em formato digital – sitaf), datada de 19 de Março de 2019, julgou procedente a oposição.
Nas alegações de fls. 455 e ss., (numeração em formato digital – sitaf), a recorrente Fazenda Pública, formulou as conclusões seguintes:
«I. A sentença recorrida julga procedente a Oposição por considerar que a decisão de reversão não esclarece as razões concretas que determinaram a reversão, nem as diligências específicas com vista ao apuramento ou não de bens penhoráveis e da insuficiência do património da sociedade para a satisfação da dívida exequenda.
II. A motivação da sentença recorrida assenta assim em razões puramente formais não cuidando sequer de averiguar se as diligências realizadas resultam da citação ou de qualquer outro elemento do processo de execução, e se as mesmas diligências são do conhecimento do oponente.
III. Importa salientar que o oponente não negou a existência da dívida nem a sua qualidade de gerente, tendo questionado apenas o preenchimento do pressuposto da insuficiência de bens.
IV. O oponente refere a existência de penhoras efetuadas em 2007 e 2008 (factos provados 3 a 6) que no seu entender seriam suficientes para o pagamento da dívida exequenda.
V. Contudo, desses factos não se pode retirar tal conclusão, não se descortinando igualmente que essa dedução tenha sido feita pela douta sentença.
VI. Com efeito, como resulta da informação dos autos, nomeadamente os autos de penhora e comunicações referentes aos factos provados 3 a 6 (fls 53-54, 210, 211 e 248), as penhoras não respeitam ao PEF em análise.
VII. As respostas e posteriores requerimentos do oponente confirmam aliás a inexistência de qualquer relação com o processo de execução em análise, não podendo os mesmos servir de argumento para afirmar a existência de bens porquanto tinham como objeto outros processos e outras dívidas, que naquela data se encontravam vigentes.
VIII. Com efeito, o montante penhorado naqueles outros processos em data anterior e consequentemente afeto a outros processos à data da reversão, não poderia fundamentar a existência de bens para pagar a dívida exequenda objeto da presente oposição.
IX. Em suma, os factos revelam que à data da reversão os bens penhorados à devedora originária não eram suficientes para o pagamento da totalidade da dívida – sem prejuízo de posteriormente parte das dívidas terem sido pagas ou declaradas prescritas.
X. Importa salientar que não se encontra vedada a possibilidade de reversão pelo facto de a devedora originário possuir bens. Como resulta do artigo 23º, nº 2 da LGT, a reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão prévia.
XI. A fundamentação formal do despacho de reversão basta-se com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efetivada.
XII. Não se impondo que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efetivo das funções do gerente revertido.
XIII. Assim, o que se exige é que sejam enunciadas as razões ou os pressupostos com base nos quais foi determinada a reversão.
XIV. Importa distinguir a fundamentação formal da fundamentação material. Para apurar se um ato administrativo-tributário está, ou não, fundamentado impõe-se, antes de mais, que se faça a distinção entre fundamentação formal e fundamentação material, isto é, que se autonomize a questão de saber se a Administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a atuar como atuou, as razões em que fundou a sua atuação, (validade formal do ato) da questão de saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta atuação administrativa (validade substancial do ato). Neste sentido, cf acórdão do TCA Sul de 29-06-2017, processo nº 07633/14.
XV. Ora, no caso concreto, é manifesto que a AT realizou diligências para apurar da existência de bens, quer no presente processo, quer noutros processos nos quais realizou as penhoras referidas, encontrando-se os pressupostos da reversão indicados, quer no despacho de reversão, quer na fundamentação que consta citação por reversão, verificando-se igualmente na tramitação SEFWEB do PEF que foram emitidos pedidos de penhora, sem que os mesmos tenham logrado obter o pagamento da dívida exequenda (cf fls 101 a 107 dos autos de oposição, numeração manual).
XVI. Pelo que a douta sentença incorreu numa errónea apreciação dos factos relevantes para a boa decisão da causa, com violação das normas legais vertidas no artigo 23º da LGT, bem como no artigo 153º do CPPT.
XVII. Face ao exposto, entendemos que a douta sentença recorrido, ao julgar procedente a presente oposição, enferma de erro de apreciação da prova e de erro de interpretação de lei.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por acórdão que declare a oposição improcedente.
Porém, V. Exªas decidindo, farão a costumada JUSTIÇA.»
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Nas contra-alegações de fls. 469 e ss., (numeração em formato digital – sitaf), os recorridos, formularam as conclusões seguintes:
«A. A presunção estabelecida no n.º 1 do artigo 39º do CPPT constitui uma presunção juris tantum ou tantum júris, pelo que pode ser ilidida por prova em sentido contrário, seja ela qual for!
B. Desde que o sujeito passivo consiga provar – o que fez – que não recebeu nem tinha como receber a dita notificação, tal presunção – ilidível – terá, necessariamente que ser afastada, sob pena de se inviabilizar o seu direito de participação no ato administrativo-tributário.
C. Não resulta da lei, ou de qualquer outra disposição normativa, que tal presunção apenas possa ser ilidida com prova de que a carta foi devolvida ao remetente.
D. Tratando-se de uma notificação registada, a mesma é depositada na caixa de correio sem qualquer intervenção do sujeito passivo esteja o mesmo em condições de receber a carta ou não, que, estando ausente não teria como saber que a havia recebido.
E. Estando o ora Oponente no B.......... entre os dias 06/08/2009 e 26/08/2009 e tendo feito prova disso mesmo, demonstrando assim para além de qualquer dúvida que não lhe seria imputável o facto de a notificação ocorrer em data posterior à presumida, e tendo a missiva sido deixada na caixa de correio da morada do Oponente, este não tem como saber que a recebeu! Assim sendo poucas dúvidas subsistirão no sentido de se considerar que a notificação apenas ocorreu em 26 de agosto de 2009 na melhor das hipóteses.
F. A interpretação ao artigo 39.º, n.º 2 do CPPT de que a presunção só pode ser ilidida quando se verificar a devolução da missiva é abusiva e como tal coloca em causa o direito do sujeito passivo de fazer prova de que não recebeu a dita notificação; consequentemente, é contrária à Constituição a interpretação do referido preceito legal que limite a prova em sentido contrário à presunção dependente exclusivamente da informação sobre a data efetiva da receção da notificação, pondo em causa o disposto nos artigos 266.º e 268.º da CRP. Isto porque tais interpretações restringem de forma injustificada e quase que inviabilizam a prova contrária à presunção ainda que seja patente a inexistência de culpa do notificado na tardia notificação, colocando em causa o direito de participação no ato administrativo e da sua própria impugnação.
G. O Tribunal a quo foi muito para além da sindicabilidade de razões puramente formais – como pretende fazer crer a Fazenda Pública, tendo feito um juízo de sindicabilidade das diligências realizadas resultantes da citação ou de quaisquer outros elementos do processo de execução, e se as mesmas são do conhecimento do oponente.
H. Concluindo, no entanto, – E BEM – que a Administração Tributária não logrou provar – como lhe competia – a inexistência de bens, nem a insuficiência de bens penhoráveis do devedor originário, à data em que determinou a reversão do processo de execução fiscal aqui contra o Oponente, conforme exigido pelo artigo 23º, n.º 2, e 74º, n.º 1, da LGT, conforme, aliás, resulta da factualidade dada como provada!
I. É bem patente dos autos que a devedora principal tinha – à data da decisão da reversão – saldos bancários, créditos e diversos bens móveis que estavam inclusivamente reconhecidos na contabilidade da sociedade e, como tal, do conhecimento da Administração Tributária, com valor suficientemente elevado para garantir o pagamento da alegada dívida fiscal.
J. Mas mesmo que se admitisse que o tribunal a quo apenas cuidou da questão formal – o que não se admite conforme resulta de uma leitura atenta da sentença, ainda assim, sempre se concluiria que não assiste qualquer razão à Fazenda Pública, visto que em lado nenhum dos autos são identificadas as concretas diligências realizadas pela Administração Tributária capazes de concluir que os bens da devedora principal não eram suficientes para assegurar o pagamento da alegada dívida fiscal, como lhe era exigível que o fizesse por via da fundamentação da decisão.
K. Com efeito, resulta do disposto no n.º 2 do artigo 23.º da LGT que a insuficiência dos bens penhoráveis tem que ser fundada! E diga-se: não existe nos autos qualquer documento capaz de fundar tal decisão, até porque a sociedade – como alegado e provado – dispunha de diversos bens, direitos e créditos capazes de assegurar a dita penhora.
L. Pelo que, consequentemente, não pode a sentença recorrida merecer qualquer censura nesta matéria, concluindo-se, da mesma forma como concluiu o tribunal a quo, que se verificou um erro nos pressupostos que consubstancia vício de violação de lei do ato de reversão, determinante da sua anulação (cf. artigo 135.º, do CPA/91 ex vi artigo 2.º, alínea c) da LGT).»
X

A Digna Magistrada do M. P. junto deste Tribunal, notificada para o efeito, juntou aos autos parecer no sentido da improcedência do recurso.

X

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

X

II- Fundamentação.
2.1.De Facto.
A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes:
«1. Em 31-10-2006, foi emitida a certidão de dívida n.º 2006/200... em nome da sociedade «M.........., Lda.» referente a dívida de IVA de 2004 no valor de €17.052,54 - cf. certidão de dívida a fls. 5 do processo de execução fiscal apenso aos autos.
2. O serviço de finanças de Lisboa 8 instaurou o processo de execução fiscal n.º 3107200601151... contra a sociedade «M.........., Lda.» para a cobrança coerciva da dívida referida no ponto anterior – cf. autuação e certidão de dívida a fls. 1 e 5 do processo de execução fiscal apenso aos autos.
3. Em 10/07/2007 e em 12/07/2007 foram penhorados os saldos das contas bancárias tituladas pela sociedade «M.........., Lda.» na C…….. e no B……., respectivamente pelos montantes de €38.280,36 e de €4.422,24, à ordem do processo de execução fiscal n.º 3107199601043… e apensos instaurados pelo serviço de finanças de Lisboa 8 – cf. comunicações a fls. 53 e 54 dos autos.
4. Em 20/03/2008 foram penhorados bens móveis da sociedade «M.........., Lda.», aos quais foi atribuído um valor total presumível de €31.000,00, para pagamento da dívida exequenda de €26.194,98 objecto do processo de execução fiscal n.º 3107199901014… – cf. auto de penhora a fls. 210 dos autos.
5. Em 20/03/2008 foram penhorados bens móveis da sociedade «M.........., Lda.», aos quais foi atribuído um valor total presumível de €33.000,00, para pagamento da dívida exequenda de €23.546,10 objecto do processo de execução fiscal n.º 3107200001036… – cf. auto de penhora a fls. 211 dos autos.
6. Em 20/03/2008 foram penhorados bens móveis da sociedade «M.........., Lda.», aos quais foi atribuído um valor total presumível de €31.000,00, para pagamento da dívida exequenda de €20.577,52 objecto do processo de execução fiscal n.º 3107200101047… – cf. auto de penhora a fls. 248 dos autos.
7. Em 04/08/2009, o chefe do serviço de finanças de Lisboa 8 determinou a preparação da reversão do processo de execução fiscal n.º 3107200601151... contra o Oponente para a cobrança coerciva da dívida de IVA constante da certidão de dívida n.º 200…, com o seguinte fundamento: «Face às diligências de fls., determino a preparação do processo para efeitos de reversão (…) na qualidade de responsável subsidiário, pela dívida abaixo discriminada. (…).Conf. Documentos oficiais – Designadamente Registo na Conservatória, bem como dos elementos cadastrais disponíveis (documental e informática), Decl. Rendimentos – Modelo 22 – IRC, Declarações anuais e Rendimento, Visão do Contribuinte, Relações Interpessoais» - cf. despacho, cujo teor se dá por integralmente reporudizo, a fls. 12 do processo de execução fiscal apenso aos autos.
8. Por ofício «Notificação Audiência Prévia (Reversão)» foi comunicado ao Oponente a preparação para efeitos de reversão contra si, na qualidade de responsável subsidiário, do processo de execução fiscal n.º 3107200601151..., para a cobrança coerciva da dívida exequenda no valor total de €14.367,43 constante da certidão de dívida n.º 200…, tendo-lhe sido concedido o prazo de dez dias para exercer o direito de audição prévia - cf. ofício a fls. 11 do processo de execução fiscal apenso aos autos;
9. O ofício referido no ponto anterior foi remetido ao Oponente por carta registada em 10/08/2009 – cf. registo a fls. 12 verso do processo de execução fiscal apenso aos autos;
10. O Oponente apresentou resposta em sede de audição prévia no dia 03/09/2009 – cf. resposta e documentos a fls. 33 a 55 dos autos;
11. Por despacho de 03/09/2009 do chefe do serviço de finanças de Lisboa 8 foi determinada a reversão do processo de execução fiscal n.º 3107200601151... contra o Oponente com o seguinte fundamento: «Face às diligências de fls. e estando concretizada a audição do responsável subsidiário prossiga-se com a reversão da execução fiscal (…). Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art. 24º/nº 1/b) LGT]. Conf. Documentos oficiais – Designadamente Registo na Conservatória, bem como dos elementos cadastrais disponíveis (documental e informática), Decl. Rendimentos – Modelo 22 – IRC, Declarações anuais e Rendimento, Visão do Contribuinte, Relações Interpessoais.» - cf. despacho, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a fls. 16 do processo de execução fiscal apenso aos autos;
12. Por ofício «CITAÇÃO (Reversão)» foi comunicada ao Oponente a reversão contra si, na qualidade de responsável subsidiário, do processo de execução de fiscal n.º 3107200601151..., para a cobrança coerciva da dívida exequenda no valor de €14.367,43 - cf. ofício e lista anexa a fls. 13 a 15 do processo de execução fiscal apenso aos autos;
13. Por ofícios de 15/10/2010 e de 13/10/2010, a C.......... e B......... comunicaram à sociedade «M.........., Lda.» que as penhoras referidas no ponto 3. foram levantadas – cf. comunicações a fls. 198 e 199 dos autos.
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Nada mais foi provado com interesse para a decisão em causa.
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Conforme especificado nos vários pontos da matéria de facto provada, a decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos.»

X
Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:
14. A fls. 101 a 107 dos presentes autos consta registo informático sobre a tramitação do processo de execução fiscal em causa.
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2.2. De Direito
2.2.1. Nos presentes autos, é sindicada a sentença proferida a fls. 418 e ss., (numeração em formato digital – sitaf), datada de 19 de Março de 2019, que julgou procedente a oposição deduzida por M........... e C.........., herdeiros habilitados de A........, executado por reversão, na qualidade de responsável subsidiário, no processo de execução fiscal n.º 3107200601151..., originariamente contra a sociedade “M.........., Lda.” vieram deduzir Oposição à Execução Fiscal por dívidas de IVA do período de tributação de 2004, no valor de €14.367,43.
2.2.2. A sentença julgou procedente a oposição e, em consequência, absolveu o oponente da instância executiva. Para assim proceder, a sentença estruturou, em síntese, a argumentação seguinte.
«A decisão de reversão do processo de execução fiscal aqui em causa é omissa quanto à averiguação da fundada insuficiência dos bens penhoráveis da sociedade devedora originária (cf. pontos 7 e 11 dos factos provados).
No presente caso, não resultam demonstradas que diligências foram efectuadas no sentido de apurar bens penhoráveis da sociedade devedora originária.
No caso concreto, verifica-se que a Administração Tributária não logrou demonstrar, conforme lhe competia, a inexistência de bens ou a fundada insuficiência de bens penhoráveis da sociedade devedora originária.
Desde logo, a Administração Tributária deveria discriminar as diligências realizadas para apurar a existência ou não de bens penhoráveis da sociedade devedora originária e não limitar-se a invocar as «Face a diligências de fls.», porquanto, dessa mera invocação, não se sabe que diligências foram realizadas e se foram ou não encontrados bens, quais e que destino tiveram.
A Administração Tributária não logrou provar a inexistência de bens, nem a insuficiência de bens penhoráveis do devedor originário, à data em que determinou a reversão do processo de execução fiscal aqui em questão contra o Oponente, conforme exigido pelo artigo 23º, n.º 2, e 74º, n.º 1, da LGT.
Não estando demonstrada a essa inexistência ou essa fundada insuficiência de bens penhoráveis da sociedade devedora originária, o órgão de execução fiscal não podia proceder à reversão do processo de execução fiscal aqui em causa contra o Oponente, verificando-se, no caso em apreço, um erro nos pressupostos que consubstancia vício de violação de lei do acto de reversão, determinante da sua anulação [cf. artigo 135.º, do CPA/91 ex vi artigo 2.º, alínea c), da LGT]».
2.2.3. A recorrente censura o veredicto que fez vencimento na instância. Invoca erro de julgamento na apreciação da matéria de facto.
Alega, para tanto, que,
i) Importa distinguir a fundamentação formal da fundamentação material. Para apurar se um ato administrativo-tributário está, ou não, fundamentado impõe-se, antes de mais, que se faça a distinção entre fundamentação formal e fundamentação material.
ii) É manifesto que a AT realizou diligências para apurar da existência de bens, quer no presente processo, quer noutros processos nos quais realizou as penhoras referidas, encontrando-se os pressupostos da reversão indicados, quer no despacho de reversão, quer na fundamentação que consta citação por reversão, verificando-se igualmente na tramitação SEFWEB do PEF que foram emitidos pedidos de penhora.
Apreciando.
Recordem-se os normativos em presença.
Artigo 23.º da LGT (“Responsabilidade tributária subsidiária”):
«(…) // 2. A reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão». No mesmo sentido depõe o artigo 153.º do CPPT (“Legitimidade dos executados”)[1].
A este propósito são pontos firmes os seguintes:
i) «O conceito «fundada insuficiência» constante do nº2 do artigo 23º da LGT e da alínea b) do nº2 do artigo 153º do CPPT, deve ser fixado objectivamente com recurso aos conhecimentos técnicos, de forma a obter uma avaliação rigorosa dos bens penhorados e penhoráveis do devedor originário, não podendo ser preenchido subjectivamente através da avaliação que o funcionário que lavra o auto de penhora faça sobre o valor dos bens penhorados»[2].
ii) «Tratando-se de bens penhoráveis, incumbia à A.Fiscal averiguar sobre o seu estado e valor, para a partir daí poder extrair uma conclusão justificada e segura sobre a respectiva suficiência ou insuficiência para pagamento da dívida exequenda e sustentar a legalidade da reversão contra o devedor subsidiário»[3].
iii) «Ao lançar mão do conceito indeterminado “insuficiência” de bens, exigindo até que tal insuficiência seja “fundada”, a lei obriga a que o órgão da execução fiscal faça uma investigação aturada sobre a existência de bens no património do devedor originário ou dos responsáveis solidários»[4].
iv) «Nos termos do artigo 23.º/2, da LGT, compete à A. Fiscal o ónus da prova de que se verificam os factos que integram o fundamento, previsto na lei, para que possa chamar à execução os responsáveis subsidiários e reverter contra eles o processo executivo, cabendo-lhe, por isso, demonstrar que não existiam, à data do despacho de reversão, bens penhoráveis do devedor originário ou, existindo, que eles eram fundadamente insuficientes»[5].
v) A lei exige, como pressuposto essencial para que a A. Fiscal possa executar esse património, que antes tenha sido excutido o património do devedor principal, a fim de se determinar com precisão o âmbito de responsabilidade financeira do revertido. O chamado benefício da excussão prévia inibe a Fazenda Pública de executar o património do revertido antes de se apurar com rigor o valor exacto da sua responsabilidade, o que ocorrerá mediante a excussão de todo o património do devedor principal. // Nesta sede, à A. Fiscal incumbe o ónus da prova de que se verificam os factos que integram o fundamento, previsto na lei, para que possa chamar à execução os responsáveis subsidiários e reverter contra eles o processo executivo, cabendo-lhe, por isso, demonstrar que não existiam, à data do despacho de reversão, bens penhoráveis do devedor originário ou, existindo, que eles eram fundadamente insuficientes. Só no caso de a Fazenda Pública fazer a prova do preenchimento desses pressupostos, passará a competir ao responsável subsidiário demonstrar a existência de bens, suficientes, no património da sociedade de que aquela não teve conhecimento, fazendo, assim, a prova da ilegalidade do acto de reversão»[6].
vi) «Se a AT não avaliou todo o património da devedora principal não está habilitada a concluir que esta não tem bens suficientes para solver a dívida tributária. // E portanto, também não está demonstrada a fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal de que fala o art. 23º/2 LGT e não pode proceder à reversão da execução contra o devedor subsidiário»[7].
Do exposto resulta que cabe à exequente, em momento anterior à determinação da reversão, realizar diligências que comprovem a fundada insuficiência do património da devedora originária.
No caso em exame, do probatório (n.os 7, 8 e 14), resulta que a AT não reuniu elementos que permitam afiançar da mencionada insuficiência patrimonial da devedora originária. Ao invés, resulta dos autos a existência de várias penhoras incidentes sobre bens pertença da devedora originária (n.os 3 a 6, do probatório), sem que a exequente informe ou esclareça sobre se as dívidas exequendas estão pagas e qual o destino das penhoras referidas. Na falta de elementos sobre a consistência e o valor do património da devedora originária não pode a AT ordenar a reversão contra o oponente/recorrido, dado que não está demonstrada a inexistência ou a fundada insuficiência patrimonial da devedora originária, pressuposto da mencionada reversão (artigo 23.º/2, da LGT). Por outras palavras, a recorrente/exequente tinha, na data da reversão, informação sobre o património da devedora originária, mas não procedeu ao tratamento da mesma, com vista a aferir se a dívida exequenda nos presentes autos pode (ou não) ser garantida através do património societário, pelo que, nestas condições, está legalmente impedida (artigo 23.º/2, da LGT), de proceder à reversão da execução contra o oponente, dado que não existe certeza sobre o conteúdo e consistência do património da devedora originária. Não corresponde à informação requerida o registo informático da tramitação da execução fiscal (n.º 14 do probatório).
A falta do preenchimento do pressuposto da reversão previsto no preceito do artigo 23.º/2, da LGT, determina a ilegalidade do despacho de reversão, com a consequente anulação do mesmo e absolvição do revertido da instância executiva.
Ao decidir no sentido referido, a sentença recorrida não incorreu em erro, pelo que deve ser mantida na ordem jurídica.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.

DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe.
Notifique.
(Jorge Cortês - Relator)

(1º. Adjunto)
(2º. Adjunto)


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[1] «(…) // 2. O chamamento à execução dos responsáveis subsidiários depende da verificação de qualquer das seguintes circunstâncias: // a) Inexistência de bens penhoráveis do devedor e seus sucessores; // b) Fundada insuficiência, de acordo com os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão da execução fiscal disponha, do património do devedor para a satisfação da dívida exequenda e acrescido».
[2] Acórdão do STA 16.05.2012, P. 0123/12.
[3] Acórdão do TCAN, de 19.01.2006, P. 00032/05.2BEPNF.
[4] Acórdão do TCAS, 08.10.2015, P. 07046/13.
[5] Acórdão do TCAS, de 18.02.2016, P. 07514/14.
[6] Acórdão do TCAS, de 22.05.2019, P. 633/13.5BESNT
[7] Acórdão do TCAS, de 31.10.2019, P. 2247/11.5BELRS