Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1598/18.2BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:04/11/2024
Relator:MARIA TERESA CAIADO FERNANDES CORREIA
Descritores:INFRAÇÃO DISCIPLINAR
LEI DA AMNISTIA
EFEITOS “EX TUNC”
Sumário:I- Não distinguindo entre amnistia própria e imprópria, objetivamente, o art. 6° da Lei n° 38-A/2023, de 2 agosto “apaga" a infração disciplinar, abolindo retroativamente a infração disciplinar aplicada, opera assim “ex tunc", incidindo não apenas sobre a própria sanção aplicada, como também sobre o facto típico disciplinar passado, o qual cai em “esquecimento", tudo se passando como se não tivesse sido praticado, podendo, consequentemente, vir a ser apagado do registo disciplinar do trabalhador;
II- Resulta do desenhado quadro fáctico que não existiu, no caso concreto, lugar à condenação em pena disciplinar de multa, mas sim, repete-se, tão só, lugar à aplicação de pena disciplinar de suspensão;
III- Logicamente, não tendo ocorrido condenação, nem pagamento da sanção disciplinar de multa, não foi tal pena de multa declarada amnistiada pela decisão recorrida, donde, saber se a decisão recorrida (de amnistia) destrói os efeitos já produzidos pela aplicação da sanção de multa (ou seja, pelo alegado, mas não provado, pagamento da multa) é questão que não se coloca neste caso em concreto, não sendo, por isso, na presente sede recursiva, conhecida.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais: Subsecção SOCIAL
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO acordam os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul – Subsecção Social:
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I. RELATÓRIO:
SINDICATO DOS ENFERMEIROS PORTUGUESES, com os demais sinais dos autos, em representação do seu associado J…………., melhor identificado nos autos, intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa – TAC de Lisboa, contra o MINISTÉRIO DA JUSTIÇA - MJ, ação administrativa para impugnação do despacho do Diretor-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais - DGRSP, de 2018-04-05, que aplicou ao associado do A., ora recorrido, a pena disciplinar de suspensão, por 35 (trinta e cinco) dias, pedindo a sua anulação.
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O TAC de Lisboa, por Sentença de 2023-10-31, julgou: “… a) Extinto o procedimento disciplinar objeto dos presentes autos por aplicação da Lei da Amnistia; b) Extinta a presente instância, por impossibilidade superveniente da lide; c) Custas pelas partes, na proporção de 50%…”: cfr. fls. 528 a 536.
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Inconformada, a Entidade Demandada, ora recorrente, interpôs recurso para este Tribunal Central Administrativo do Sul - TCAS, no qual peticionou a alteração da decisão recorrida, apenas quanto ao segmento em que considerou que a amnistia opera ex tunc, para tanto, concluindo: “…1. No caso em apreço está em causa uma sanção disciplinar de suspensão e o MJ concorda com a aplicação da Lei n° 38-A/2023, de 2/8, e com a decisão de extinção da instância, por impossibilidade superveniente da lide.
2. No entanto, não se pode conformar com o segmento de apenas quanto ao segmento da sentença que considerou que a amnistia opera ex tunc.
3. O referido segmento decisório da sentença refere o seguinte: “Face ao exposto, declaro extinto o procedimento disciplinar subjacente aos presentes autos e nos termos supra expostos, nomeadamente com os efeitos ex tunc da amnistia.”
4. Ora, o entendimento que a amnistia produz efeitos ex tunc, determinaria que a Administração Pública se visse na iminência de restituir os montantes das sanções de multa e suspensão aplicadas e parcial ou integralmente executadas, não parecendo, ter sido essa a intenção do legislador.
5. E por via do presente recurso o MJ pretende a revogação do segmento decisório que, entendeu que o artigo 6. ° da Lei n.º 38-A/2023, não distingue entre amnistia própria e amnistia imprópria, bem como, considerou que a amnistia constitui uma providência que apaga a infração disciplinar, sendo considerada a abolição retroativa da infração disciplinar com efeitos ex tunc.
Da Amnistia própria e imprópria - art. 6 da Lei n.º 38-A/2023 e art. 128.0 do Código Penal
6. O segmento da sentença objeto de recurso, parte da premissa de que a Lei n.º 38- A/2023, de 02 de agosto, no seu artigo 6. °, não distingue entre amnistia própria e amnistia imprópria.
7. Concorda-se que etimologicamente, amnistia significa “esquecimento”, estando associado à abolição retroativa do crime, com a consequente eliminação dos efeitos jurídicos derivados da infração.
8. Contudo, o conceito tradicional de amnistia foi sendo historicamente limitado, o que nos permite, salvo melhor opinião em contrário, afirmar que, atualmente, o conceito jurídico já não corresponde na íntegra à conceção tradicional.
9. A Lei n.º 38-A/2023, no seu artigo 6. ° relativamente às infrações disciplinares dispõe: “São amnistiadas as infrações disciplinares e as infrações disciplinares militares que não constituam simultaneamente ilícitos penais não amnistiados pela presente lei e cuja sanção aplicável, em ambos os casos, não seja superior a suspensão ou prisão disciplinar”.
10. Nestes termos, não se pode concordar com o acórdão recorrido quando considera que como o artigo 6° da Lei n° 38-A/2023, de 2/8 não distingue entre amnistia própria e amnistia imprópria, o efeito útil da norma é o de que a amnistia aí prevista constitui uma providência que “apaga” a infração disciplinar, sendo por isso apropriado falar-se aqui numa abolição retroativa da infração disciplinar, porquanto esta (a amnistia), opera “ex tunc”.
11. De facto, o artigo 6° da Lei n° 38-A/2023, de 2/8, não refere expressamente a distinção entre amnistia própria e amnistia imprópria, mas essa distinção é implícita por efeito da aplicação do conceito do Código Penal, que no artigo 128. °, n.º 2 determina: “A amnistia extingue o procedimento criminal e, no caso de ter havido condenação, faz cessar a execução tanto da pena e dos seus efeitos como da medida de segurança.” (sublinhado nosso).
12. Assim, nos termos deste preceito, a amnistia extingue o procedimento disciplinar e no caso de ter havido condenação faz cessar a execução da sanção disciplinar e dos seus efeitos, o que significa que a execução da sanção disciplinar que esteja cumprida está cumprida, porque não se pode cessar a execução de algo que está cessado/executado.
13. Neste sentido se pronúncia também Germano Marques da Silva, na obra supracitada, considerando que: “A amnistia apaga o próprio crime (...). Se a amnistia ocorrer antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, extingue o procedimento criminal e se ocorrer após a condenação transitada em julgado extingue a execução tanto da pena e dos seus efeitos como medida de segurança. (•••)
A amnistia apaga o crime, mas não equivale à anulação da condenação, se ela já tiver ocorrido. Assim, a amnistia não dá lugar à restituição dos objetos apreendidos nem da multa já paga, nem tem qualquer efeito sobre a responsabilidade civil emergente do facto. (sublinhado nosso).
14. De acordo com o citado artigo 128. ° do Código Penal, se a Lei que concede a amnistia entra em vigor num momento em que não houve condenação transitada em julgado, a mesma extingue a infração, operando a designada amnistia própria, se a mesma entra em vigor num momento em que já ocorreu uma condenação transitada em julgado, a mesma limita-se a fazer cessar a execução e dos seus efeitos, operando a referida amnistia imprópria.
15. A amnistia é, assim, um modo de extinção da responsabilidade penal e disciplinar e o momento em que a referida Lei da amnistia entra em vigor é que vai determinar as respetivas consequências, consoante a fase procedimental que o respetivo processo disciplinar se encontra.
16. Sendo que, não é a ausência entre uma previsão normativa que distinga entre amnistia própria e imprópria que permite concluir, salvo melhor opinião em contrário, que a bifurcação entre amnistia própria e imprópria não resulta do artigo 6. ° da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, tendo em conta a aplicação do artigo 128. ° do Código Penal.
17. Até porque, as leis da amnistia anteriores também não o faziam e, no entanto, a jurisprudência fazia a referida distinção. Note-se que relativamente a esta questão, a jurisprudência proferida sobre anteriores leis de amnistia com idênticas normas sobre as infrações disciplinares é abundante e unanimemente considerou que:
- A amnistia atua sobre a própria infração cometida, eliminando todos os efeitos da infração, apaga juridicamente a infração, destrói os seus efeitos retroativamente e só não pode destruir aqueles que já se produziram e são indestrutíveis, faz desaparecer todos aqueles cuja ação persiste quando a lei amnistiante se publicou;
- As normas que estabeleçam amnistia devem ser interpretadas em termos estritos. Na declaração de nulidade, os efeitos produzem-se "ex tunc"; na amnistia, produzem-se "ex nunc";
- A amnistia não destrói os efeitos já produzidos pela aplicação da pena, mas produz efeitos para o futuro. Assim mesmo que a pena já se mostre cumprida, a aplicação da amnistia tem relevância para o futuro;
- A amnistia abrange tanto as infrações ainda não punidas (amnistia própria) como aquelas em que já foram aplicadas penas (amnistia imprópria). No primeiro caso, cessava a responsabilidade disciplinar dos arguidos, devendo arquivar-se o respetivo processo; no segundo caso, a amnistia apenas fazia cessar o prosseguimento da execução da pena ou impedia a sua execução quando o seu cumprimento ainda se não tivesse iniciado, cessando os efeitos ainda não produzidos, mas ficando intactos os já verificados;
- Ainda que imediatamente aplicável a lei da amnistia, sempre subsistiriam os efeitos já produzidos pelo ato sancionador, efeitos estes que só desapareceriam da ordem jurídica através da anulação com efeitos “ex tunc”, que só o eventual provimento do recurso contencioso poderia proporcionar;
18. Com o devido respeito à posição veiculada na sentença em recurso, o ora Recorrente Ministério da Justiça, considera que, face aos termos da lei da amnistia de 2023, à tradição das leis de amnistia anteriores e à jurisprudência existente sobre o tema, a amnistia não opera “ex tunc”.
19. Deve entender-se que a amnistia é uma providência que apaga a infração, se entrar em vigor antes da respetiva aplicação da sanção, contudo, após esta, não equivalerá à respetiva anulação retroativa da sanção aplicada, mas somente à cessação dos seus efeitos para o futuro, isto é, com efeitos ex nunc e não ex tunc, salvaguardando o que está executado.
20. Este entendimento é sufragado por J.M Nogueira da Costa, que na obra citada considerou que “ A amnistia só vale para o futuro, (...) a mesma não apaga os efeitos já produzidos pela aplicação da pena, não havendo restituição de vencimentos não pagos, sendo, porém, averbada no processo individual”.
21. De facto, como se viu, no domínio do Direito disciplinar está assente uma longa tradição de que a amnistia de infrações disciplinares não determina a destruição dos efeitos das respetivas sanções ou infrações, já produzidos.
22. Esta posição foi sendo consagrada sucessivamente, designadamente no artigo 11. °, n.º 4 do Estatuto Disciplinar de 1984, constante do Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de janeiro e no artigo 9. °, n.º 5 do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 58/2008, de 09 de setembro.
23. O facto de a atual Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP) não conter disposição idêntica, não poderá levar à conclusão que se pretendeu romper esta longa tradição de que a amnistia não destrói os efeitos das sanções, enquanto limitação ao seu efeito ex tunc.
24. Note-se que a doutrina e jurisprudência mais recente entendia que as disposições constantes dos Estatutos Disciplinares configuravam uma adaptação dos artigos 126.°, hoje 128.°, do Código Penal, importando a distinção entre amnistia própria e imprópria para o seio disciplinar e que por isso as citadas normas dos Estatutos disciplinares eram uma repetição/adaptação do disposto no artigo 128.°, n.º 2 do Código Penal, onde se estatui que, a amnistia extingue o procedimento criminal e, no caso de ter havido condenação, faz cessar a execução da pena e os seus efeitos.
25. Sendo que a não consagração de norma idêntica não resulta de uma alteração de posição, mas antes do facto de a mesma se revelar redundante, por resultar da aplicação subsidiária do artigo 128. °, n.º 2 do Código Penal.
26. Face ao exposto, deve concluir-se que o legislador não pretendeu afastar-se da regra tradicional de que a amnistia não destruía os efeitos das penas, antes tendo eliminado a respetiva norma, em virtude de a mesma reeditar o disposto no Código Penal, que goza de aplicação subsidiária.
27. Com efeito, a circunstância de o artigo 6. ° da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto não distinguir expressamente entre amnistia própria e imprópria não afasta a existência da mesma, considerando que os efeitos jurídicos se encontram implícitos por força da aplicação do Código Penal, em concreto, o artigo 128. °, n.º 2, enquanto norma subsidiária.
28. Assim, nos termos conjugados do artigo 6. ° da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto com o artigo 127. ° e 128. ° do Código Penal, com as necessárias adaptações, a amnistia extingue a responsabilidade disciplinar e, consequentemente, extingue o procedimento disciplinar e no caso de aplicação da sanção, faz cessar a sua execução e os seus efeitos, tendo, como tal, efeitos ex nunc e não ex tunc.
Dos diversos regimes disciplinares vigentes
29. Deverá ainda ter-se em conta o regime de outros Estatutos Disciplinares vigentes, no caso o Estatuto dos Magistrados Judicias, Estatuto do Ministério Público, Regulamento de Disciplina da Guarda Nacional Republicana e Regime Disciplinar da Polícia de Segurança Pública que têm uma norma idêntica ao regime previsto no artigo 128, n.2 do CP.
30. Podendo concluir-se que, as referidas normas do Código Penal e dos outros Estatutos consagram os efeitos da amnistia. E, a Lei n.º 38-A/2023, mantendo a redação das leis anteriores não pretendeu alterar a tradição dos efeitos das leis da amnistia.
31. Até porque o legislador não pretendeu que a amnistia tivesse efeitos diferentes, consoante a situação profissional do amnistiado, o que criaria uma situação de injustiça pouco compreensível.
32. Assim, a interpretação defendida na sentença recorrida dos efeitos “ex tunc” é uma interpretação contrária à letra e ao espírito da lei, violando os princípios e regras de interpretação vertidos nos artigos 7. ° a 9. ° do Código Civil (CC).
Da não retroatividade da Lei da amnistia
33. Por outro lado, o efeito “ex tunc” equivale a que a lei tenha efeito retroativo, e a Lei n.º 38-A/2023, entrou em vigor em 1 de setembro de 2023, sem previsão de aplicação retroativa.
34. O que significa que a Lei n.º 38-A/2023, com entrada em vigor em 1 de setembro de 2023, e não prevendo a sua aplicação retroativa, tem por efeito o esquecimento dos factos passados, mas não destrói os efeitos já produzidos pela aplicação da sanção disciplinar em data anterior a 1 de setembro de 2023, ou seja, verifica-se o esquecimento dos factos passados por referência à produção de efeitos para o futuro, como, por exemplo, a infração abrangida pela amnistia não pode relevar para efeitos de reincidência ou de agravação de eventual sanção disciplinar posterior, bem como o apagamento do registo disciplinar.
35. Nos termos do exposto, a amnistia prevista na Lei n.º 38-A/2023 conjugado com o artigo 128. ° do Código Penal, tem por efeito a extinção da infração disciplinar aplicada ao Autor pelo ato impugnado e de todos os seus efeitos, com exceção dos já produzidos e que são indestrutíveis, como o pagamento da multa já efetuado. A amnistia da infração disciplinar não destrói os efeitos já produzidos pela aplicação da sanção…”: cfr. fls. 540 a 565.
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Para tanto notificada, a entidade recorrida, em representação do seu associado, não apresentou contra-alegações: cfr. fls. 566.
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O recurso foi admitido em 2024-02-02: cfr. fls. 570.
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O Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal Central, ao abrigo do disposto no art. 146° n°1 e 147°n.º 2 ambos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos - CPTA, emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional, concluindo, pela sua procedência, reconhecendo-se assim os vícios apontados pelo recorrente: cfr. fls. 576 a 583.

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Notificadas as partes do parecer do EMMP nada disseram: cfr. fls. 583 a 584.
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Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

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II. OBJETO DO RECURSO:
Delimitadas as questões a conhecer pelo teor das alegações de recurso apresentadas pela entidade recorrente e respetivas conclusões (cfr. art. 635°, n° 4 e art. 639°, n°1 a nº 3 todos do Código de Processo Civil – CPC ex vi artº 140° do CPTA), não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas - salvo as de conhecimento oficioso -, importa apreciar e decidir agora se a decisão sob recurso padece, ou não, do assacado erro de julgamento de direito, por errada interpretação do art. 6.º da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto.
Vejamos:
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III. FUNDAMENTAÇÃO:
A – DE FACTO:
O tribunal a quo não fixou factos.
Todavia, considerado o estado dos autos e a matéria em causa, importa agora fixar factos relevantes para a decisão recursiva (cfr. art. 7º -A do CPTA):

A) Em 2018-03-22 foi elaborado relatório final, no âmbito do processo disciplinar n.º …/2017/…….., instaurado ao associado da ora entidade recorrida, do qual ressalta: “…

(…)


…”: cfr. doc. 2 junto com a Petição Inicial – PI;

B) Em 2018-04-05, o Diretor Geral da Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, proferiu o seguinte despacho:

…”: cfr. doc. 2 junto com a PI;

C) Inconformado o associado da entidade recorrida apresentou recurso hierárquico: cfr. doc. 3 junto com a PI;

D) Em 2018-05-28, os serviços da entidade recorrente emitiram parecer, de onde ressalta: “…


(…)
…”: cfr. doc. 3 junto com a PI;
E) Na mesma data o suprarreferido parecer obteve a concordância da diretora dos serviços jurídicos e de contencioso, nos seguintes termos: “…

…”: cfr. doc. 3 junto com a PI;

F) Em 2018-05-30 a Secretária de Estado Adjunta e da Justiça – SEAJ não concedeu
provimento ao recurso hierárquico interposto pelo associado da entidade recorrida, assim: “… confirmando o ato recorrido, consubstanciado

…”: cfr. doc. 3 junto com a PI.

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B – DE DIREITO:
Aqui chegados a questão a decidir, reduzida aos seus termos mais simples é a de saber se a amnistia (recorde-se: a decisão sob recurso) apaga a infração disciplinar se entrar em vigor após a execução da sanção disciplinar, equivalendo à respetiva anulação retroativa da sanção disciplinar aplicada somente à cessação dos seus efeitos para o futuro (efeitos ex nunc) e não ex tunc, salvaguardando assim o que já está executado, como defende a entidade recorrente.

A resposta mostra-se negativa.

Sobressai do discurso fundamentador da sentença recorrida que: “… É, portanto, uma providência que “apaga” o crime. Fala-se, aqui, numa abolição retroativa do crime, no sentido em que a amnistia, operando ex tunc, incide não só sobre a própria pena, como também sobre o ato criminoso passado, que cai em “esquecimento”, é tido como não praticado e, consequentemente, por exemplo, eliminado do registo criminal.

Por sua vez, o perdão genérico, também previsto na lei de amnistia em análise, é uma figura próxima da amnistia. O perdão genérico é uma providência de carácter geral, que se dirige a uma generalidade de delinquentes, e que “extingue a pena, no todo ou em parte”, tal como resulta do artigo 128. °, n.°3 do CP. Mais, o perdão de penas tem apenas efeitos para o passado, “não pode aplicar-se como fórmula normativa para o futuro.”. (…)

E porque assim é, como se antecipou supra, a amnistia opera a abolição retroativa do crime, no sentido em que a amnistia, operando ex tunc, incide não só sobre a própria pena, como também sobre o ato criminoso passado, que cai em “esquecimento”, o qual é tido como não praticado e, consequentemente, eliminado do registo criminal/individual do trabalhador, tem necessariamente de aplicar-se ao representado do Autor a Lei da Amnistia conjugada com o artigo 128.°, n.º 2 do CP e, consequentemente, ser declarado extinto o procedimento disciplinar, sanção e seus efeitos, que, assim, desaparece do registo do representado do Autor. (…)

Portanto, se a Lei não faz essa distinção, também a não deve fazer o interprete e aplicador do Direito. O que, afigura-se, está em perfeita consonância com os efeitos ex tunc da amnistia tal como previstos no artigo 128. °, n.º 2 do CP.

Pelo que, se impõe que seja declarado extinto o procedimento disciplinar.

Face ao exposto, declaro extinto o procedimento disciplinar subjacente aos presentes autos e nos termos supra expostos, nomeadamente com os efeitos ex tunc da amnistia…”

Importa, desde logo, ter presente que, a sentença recorrida atribuiu acertadamente efeito «ex tunc» à declaração de amnistia, encontrando-se em rigorosa sintonia com recente jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo - STA e, bem assim, em linha com a jurisprudência deste Tribunal Central Administrativo do Sul – TCAS: cfr. Acórdão do STA, de 2023-12-20, processo n.º 0699/23.0BELSB; Acórdão do STA, de 2023-11-16, processo n.º 0262/12.0BELSB; Acórdão deste TCAS, de 2023-10-12, processo n.º 699/23.0BELSB, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

Na verdade, tal como ressuma dos citados arrestos, não distinguindo entre amnistia própria e imprópria, objetivamente, o art. 6° da Lei n° 38-A/2023, de 2 agosto “apaga" a infração disciplinar, abolindo retroativamente a infração disciplinar aplicada, opera assim “ex tunc", incidindo não apenas sobre a própria sanção aplicada, como também sobre o facto típico disciplinar passado, o qual cai em “esquecimento", tudo se passando como se não tivesse sido praticado, podendo, consequentemente, vir a ser apagado do registo disciplinar do trabalhador: cfr. Acórdão do STA, de 2023-12-20, processo n.º 0699/23.0BELSB; Acórdão do STA, de 2023-11-16, processo n.º 0262/12.0BELSB; Acórdão deste TCAS, de 2023-10-12, processo n.º 699/23.0BELSB, todos disponíveis em www.dgsi.pt.; vide Direito Disciplinar Público – Comentário ao Regime Jurídico - Disciplinar da LTFP, Abel Antunes – David Casquinha, Rei dos Livros, 1.ª EDIÇÃO, setembro 2018, fls. 442 a 444.

Dito de outro modo, o tribunal a quo identificou a doutrina e a jurisprudência em que alicerçou a decisão recorrida e escorou a sua decisão em conformidade com a jurisprudência dominante, interpretando ainda a Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto (Lei da Amnistia) de forma textual, sistemática, racional e hodierna, no sentido em que declarando a amnistia fez cessar a responsabilidade disciplinar do representado pela entidade recorrida, com eficácia ex tunc: art. 9º nº 1 do Código Civil - CC, Vol. I. anotado por Antunes Varela e Pires de Lima; Coleção STVDIVM, Temas Filosóficos, Jurídicos e Sociais, Interpretação e Aplicação das Leis, FRANCESCO FERRARA, 4ª Edição, Arménio Amado – Editor Sucessor, Coimbra – 1987; Acórdão do STA, de 2023-12-20, processo n.º 0699/23.0BELSB; Acórdão do STA, de 2023-11-16, processo n.º 0262/12.0BELSB; Acórdão deste TCAS, de 2023-10-12, processo n.º 699/23.0BELSB, todos disponíveis em www.dgsi.pt.; art. 127º e art. 128º ambos do CP.

Ponto é que, pela própria natureza das coisas, sem prejuízo dos efeitos de facto que, entretanto, se tenham consumado - nomeadamente os relativos ao cumprimento da concreta pena disciplinar -, a amnistia faz desaparecer retroativamente outros efeitos jurídicos a extinguir para além daqueles que são extintos pela própria amnistia: neste sentido Acórdão do STA, de 2023-12-20, processo n.º 0699/23.0BELSB e Acórdão do STA, de 2023-11-16, processo n.º 0262/12.0BELSB disponíveis em www.dgsi.pt.

Circunstância que, no caso concreto, assume particular importância, dado que, como decorre dos autos e o probatório elege, a pena disciplinar aplicada ao associado da entidade recorrida foi apenas, tão-só e somente, a suspensão por um período de 35 (trinta e cinco dias): cfr. alínea A) a F) dos factos assentes.

Ou seja, o associado da entidade recorrida não foi também condenado, como alega a entidade recorrente, na sanção disciplinar de multa: cfr. alínea A) a F) dos factos agora assentes.

O Tribunal não desconhece que a menção a tal condenação em multa resulta do registo disciplinar do associado da entidade recorrida, como tendo-lhe sido aplicada em processo disciplinar anterior e diferente do processo disciplinar no qual foi praticado o ato impugnado declarado amnistiado pela sentença em recurso, mas tem presente que se trata de processo disciplinar diverso do processo disciplinar em apreço: cfr. alínea A) a F) dos factos assentes, sobretudo alínea A) e D) supra.

Mais, diversamente do que alega e conclui a entidade recorrente, a factualidade assente rechaça a argumentação aduzida de que: “… a declarada extinção da infração disciplinar aplicada pelo ato impugnado e de todos os seus efeitos, com exceção dos já produzidos e que são indestrutíveis, como o pagamento da multa já efetuado…”: cfr. alínea A) a F) dos factos assentes, sobretudo alínea A) e D) supra.

Dito de outro modo, como resulta do desenhado quadro fáctico, não existiu, no caso concreto, lugar à condenação em pena disciplinar de multa, mas sim, repete-se, tão só, condenação em sanção disciplinar de suspensão, logo, não houve lugar ao pagamento de multa: cfr. alínea A) a F) dos factos assentes, sobretudo alínea A) e D) supra.

Logicamente, não tendo ocorrido condenação, nem pagamento da sanção disciplinar de multa, não foi a mesma declarada amnistiada pela decisão recorrida, donde, saber se a amnistia destrói os efeitos já produzidos pela aplicação da sanção (ou seja, repete-se, pelo invocado, pagamento da multa) é questão que não se coloca neste caso em concreto, não sendo, por isso, na presente sede recursiva, conhecida: cfr. art. 130º do Código de Processo Civil – CPC ex vi art. 1º e art. 7º-A ambos do CPTA; alínea A) a F) dos factos assentes, sobretudo alínea A) e D) supra.

Termos em que a sentença recorrida não padece do assacado erro de julgamento.
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Destarte, improcedendo todas as conclusões do presente recurso, impõe-se negar provimento ao mesmo e confirmar a decisão recorrida.
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III. DECISÃO:
Nestes termos, e pelo exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Administrativo – Subsecção Social deste TCAS em não conceder provimento ao recurso e em manter a Sentença recorrida.
Custas a cargo da entidade recorrente.
11 de abril de 2024
(Teresa Caiado – relatora)
(Maria Julieta França – 1ª adjunta)
(Rui Pereira – 2º adjunto)