Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:08771/12
Secção:CA - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:11/07/2013
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL, CUMULAÇÃO ILEGAL DE PEDIDOS, ARTº 4º DO CPTA
Sumário:I. Como noutras formas de processo, estabeleceu o legislador, no artº 78º e segs. do CPTA, a tramitação legal para a acção administrativa especial, de pretensão conexa com acto administrativo, prevendo as seguintes fases: (i) apresentação dos articulados pelas partes, (ii) saneamento da causa, seguida ou não da (iii) fase de instrução, (iv) apresentação de alegações finais (desde que não tenham sido dispensadas pelas partes) e (v) decisão final.
II. Quer a audiência pública, quer as alegações finais, previstas nos nºs 1 e 4 do artº 91º do CPTA, pressupõem que a causa tenha passado pela fase de saneamento sem que proceda qualquer excepção.
III. Faltando este pressuposto, por ser proferida decisão que, na fase de saneamento da causa, conhece da matéria de excepção suscitada julgando-a procedente, tal obsta ao normal prosseguimento do processo, não se praticando os demais actos que normalmente se lhe seguiriam.
IV. Aperfeiçoados os pedidos deduzidos na petição inicial e constatando-se que entre eles não existem os pressupostos da cumulação, previstos no nº 1 do artº 4º do CPTA – por a causa de pedir não ser a mesma e única, nem os pedidos estarem entre si numa relação de prejudicialidade ou de dependência e, sendo diferente a causa de pedir, a procedência dos pedidos não depender essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito [cfr. alíneas a) e b), do nº 1 do artº 4º do CPTA] –, por estar em causa a impugnação do acto de aplicação da pena disciplinar e dos actos de classificação de serviço, referentes aos anos de 2005, 2006 e 2007, deve ser proferido o despacho a que alude o nº 3 do artº 4º do CPTA, notificando-se o autor para, no prazo de dez dias, indicar o pedido que pretende ver apreciado.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

... , devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional do saneador-sentença proferido pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datado de 07/11/2011, que no âmbito da acção administrativa especial instaurada contra o Director Geral dos Impostos, julgou procedente a excepção da inadmissibilidade dos pedidos deduzidos e, em consequência, absolveu os Réus da instância.

Formula a aqui Recorrente nas respectivas alegações (cfr. fls. 250 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões que se reproduzem:

“Considerando o antes exposto, importa, em jeito de síntese, extrair as seguintes conclusões relevantes:

1ª A sentença recorrida, embora douta, cometeu erro de julgamento, em matéria de facto e de direito, que são determinantes da sua nulidade, ou no mínimo, da sua anulação, a vários títulos, fundamentalmente por falta de fundamentação e de pronúncia sobre questões de conhecimento obrigatório, porquanto:
a) omitiu-se a obrigação legal de notificar as duas partes em litígio –A. e R. – para, querendo, apresentarem alegações escritas; assim as impedindo do exercício desse direito e por essa forma violando o disposto no nº 4 do artº 91º do CPTA (v. supra nºs. 4º a 6º);
b) não se promoveu a realização de uma audiência pública destinada à discussão oral da matéria de facto, prevista no nº 1 do artº 91º do CPTA, que, embora não obrigatória, seria no caso concreto especialmente útil em ordem à descoberta da verdade; audiência que aqui se afiguraria de especial pertinência, face à complexidade do processo, à natureza da sanção disciplinar aplicada a A., em condições de evidente irregularidade e de inequívoca injustiça, como decorre do processo disciplinar anexo aos autos e aí vem alegado; ter-se-á violado, com tal omissão o dito preceito (nº 1 do art. 95º do CPTA);
c) omitiu ainda o Digno Juiz o seu dever jurídico de se pronunciar sobre o mérito da causa, tendo em conta os termos e as razões explicitados na p.i. de A., ao considerar procedente a excepção dilatória suscitada pelo R., consistente na pretensa inadmissibilidade da cumulação naquela petição dos dois pedidos aí formulados – um, visando a anulação da pena disciplinar de suspensão por 40 dias aplicada a A. e o outro, visando a anulação das classificações de serviço atribuídas a A. e a sua subsequente prolação pela hierarquia superiores, quanto aos anos de 2005, 2006 e 2007; omissão de pronúncia essa que levou a que o Tribunal não conhecesse do mérito da causa e absolvesse o R. da instância (v. supra nºs 6º a 11º.6); violou, em consequência, os artºs. 4º, nºs 1 a/ e 2ª/ e c/, 46º, nº 2, 47º, nº 2 e 50º, nº 1 do CPTA);
d) esta absolvição da instância, também ela irregular e precedida de ilegalizada determinou a nulidade da sentença recorrida (art. 668º, nº 1 als. d/e e/ do CPC); é que tal absolvição abrangeu ambos os pedidos formulados por A. na p.i., quando poderia e deveria ter abrangido apenas um desses pedidos, consoante a eventual preferência, de A. devendo esta, para tal ter sido notificada, de modo a que o processo prosseguisse a sua tramitação normal em relação ao outro pedido, como previsto no nº 3 do art. 4º do CPTA (v. supra nºs 14º.2 e 14º.3), que assim foi violado.

2ª A nulidade da sentença recorrida decorre ainda do facto de ela, em desrespeito do nº 2 do Artº 669º, nº 2 do CPC e do nº 1 do art. 95º do CPTA, ter omitido de se pronunciar sobre todas as questões submetidas à sua apreciação pela A. na respectiva p.i. o que também motivou essa nulidade (art. 668º, nº 1 d/ do CPC); omissão de pronúncia aquela que não ficou prejudicada pela solução que a mesma sentença recorrida deu, mas indevidamente como vai demonstrado (v. supra nºs 9º a 12º) à questão por ela assumida da inadmissibilidade da cumulação dos pedidos formulados pela A.

3ª Como consequência lógica das anteriores conclusões e das alegações que as procedem e sustentam, importa notar, como todo o respeito, que a sentença recorrida não terá respeitado também o princípio constitucional, consagrado no nº 4 do artº 268º da CR de garantir a A, a “tutela jurisdicional de seus direitos interesses legalmente protegidos”.

4ª O processo disciplinar, subjacente ao presente litígio e em anexo aos autos, não foi adequadamente apreciado, não obstante as inúmeras irregularidades nele cometidas, sobretudo na área da instrução, exaustivamente alegadas e comprovadas, que acabaram por conduzir, sem qualquer justificação, a uma punição de A. que, a par das ilegalidades aí praticadas, é de todo injusta, aplicada a alguém – a aqui Autora – no fim da sua longa carreira de cerca de 40 anos de actividade, com óptimas classificações de serviço e uma cultura bastante acima da média (2 licenciaturas em direito e história e uma pós graduação em estudos europeus, sem qualquer mácula de índole disciplinar. Terá havido um erro tremendo nessa condenação, de todo incompreensível.

5ª Ter-se-ão violado, com tal condenação, directa ou indirectamente os seguintes preceitos legais: CRP: artº 268º, nº 4; CPTA: artºs 4º, nºs 1 e 2, 46º, nº 2, 47º, nº 2, 50º, nº 1, 87º, nº 1-b/, 88º, nºs 1 e 2, 91º nº 1 e 4; CPC: artºs 137º, 138º nº 1, 658º, 659º, nº 3, 660º nº 2 e 664º; CPA: artºs 6º-A, 7º, 8º, 9º, 133º, 134º e 142º; Estatuto Disciplinar: (lei nº 58/09, de 09/09): artºs 21º, 22º, 23º e 25º.”.

Termina pedindo que seja concedido provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida.


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O ora recorrido, notificado, apresentou contra-alegações, sem formular conclusões.

Pugna por a sentença ter feito uma correcta aplicação e interpretação do Direito e não padecer de qualquer vício, devendo ser confirmada.


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O Ministério Público junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto no artº 146º do CPTA, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

Sustenta que ao invés do decidido, as normas legais admitem a cumulação de pedidos, devendo a requerida cumulação ser admitida, devendo ser revogada a sentença.


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A Recorrente pronunciou-se sobre o parecer emitido pelo Ministério Público, com ele concordando, reiterando a sua alegação de recurso.

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O Recorrido pronunciou-se igualmente sobre o parecer emitido, sustentando que a questão tem que ver com o pedido principal deduzido e não com a cumulação de pedidos, concluindo pela improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artºs. 660º, n.º 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, n.º 1, todos do CPC, ex vi artº 140º do CPTA, além das questões que são de conhecimento oficioso.

As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de:
1. Nulidade ou Erro de julgamento, por omissão da notificação para apresentação de alegações escritas, nos termos do nº 4 do artº 91º do CPTA;
2. Nulidade ou Erro de julgamento por falta de promoção da audiência pública, nos termos do nº 1 do artº 91º do CPTA;
3. Nulidade, por omissão de pronúncia sobre o mérito da causa e sobre todas as questões submetidas à sua apreciação, em violação dos artºs. 4º nºs 1 a), 2º a) e c), 46º nº 2, 47º nº 2 e 50º, nº 1, do CPTA e ainda em violação do artº 660º, nº 2 do CPC e do artº 95º, nº 1 do CPTA;
4. Nulidade, ao absolver da instância em relação a ambos os pedidos e por não prosseguimento quanto ao outro pedido, em violação do artº 4º, nº 3 do CPTA;
5. Violação do artº 268º, nº 4 da Constituição.

Além disso, a Recorrente sustenta a ilegalidade do acto impugnado, com fundamento em:
6. Violação dos artºs. 268º, nº 4 da Constituição; 4º, nºs 1 e 2, 46º nº 2, 47º nº 2, 50º nº 1, 87º nº 1-b/, 88º nºs 1 e 2 e 91º nº 1 e 4, do CPTA; 137º, 138º nº 1, 658º, 659º nº 3, 660º nº 2 e 664, dos CPCº; 6º-A, 7º, 8º, 9º, 133º, 134º e 142º do CPA e 21º, 22º, 23º e 25º do Estatuto Disciplinar, aprovado pela Lei nº 58/09, de 09/09.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo não fixou quaisquer factos.


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Com interesse para a decisão a proferir, fixam-se os seguintes factos:
A) A Autora instaurou a presente acção administrativa especial, deduzindo os seguintes pedidos:
i) revogação da decisão de aplicação da sanção disciplinar de 40 dias de suspensão, aplicada pelo Despacho datado de 20/04/2010, do Director Geral dos Impostos;
ii) condenação do Director Geral dos Impostos a revogar as classificações de serviço atribuídas à Autora nos anos de 2005, 2006 e 2007 e a prolação de uma nova fixação valorativa:
iii) que as novas classificações sejam atribuídas com efeitos retroactivos, de modo a que a Autora receba as remunerações recebidas a menos no passado – fls. 3 e segs.;
B) Em 24/03/2011 foi proferido despacho com o seguinte teor: “Notifique a Autora para corrigir as irregularidades da petição em ordem a observar o estipulado no art. 78 nº 2 al. d) e e) do CPTA.” – cfr. fls. 215 verso;
C) Em 11/04/2011 a Autora veio a juízo, invocando que os actos jurídicos impugnados, numa relação de dependência ou conexão, são os seguintes:
i) a pena disciplinar de suspensão por 40 dias aplicada à Autora, por despacho do Director Geral dos Impostos, datado de 20/04/2010;

ii) as classificações de serviço atribuídas à Autora em relação aos anos de 2005, 2006 e 2007, atribuídas pelo Director de Finanças de Lisboa e pelo Director Geral dos Impostos – cfr. fls. 218-219;
D) Em 07/11/2011 foi proferido saneador-sentença que absolveu os Réus da instância, por procedência da excepção de inadmissibilidade dos pedidos – cfr. fls. 235 e segs..

DO DIREITO

Importa entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional, o qual vem interposto do saneador-sentença, que julgou procedente a excepção de inadmissibilidade dos pedidos deduzidos na petição inicial.


1. Nulidade ou Erro de julgamento, por omissão da notificação para apresentação de alegações escritas, nos termos do nº 4 do artº 91º do CPTA

Suscita a Recorrente a nulidade ou o erro de julgamento, decorrente de o Tribunal a quo ter proferido a decisão sob censura sem ter promovido a notificação para apresentação de alegações finais, nos termos do disposto no nº 4 do artº 91º do CPTA.

Sem razão.

Tal como noutras formas de processo, estabeleceu o legislador do CPTA a tramitação legal para a acção administrativa especial, de pretensão conexa com acto administrativo, nos termos previstos e regulados no artº 78º e segs. do referido Código.

Para tanto previu a (i) apresentação dos articulados pelas partes, a que se seguirá (ii) a fase de saneamento da causa, seguida ou não da (iii) fase de instrução, (iv) apresentação de alegações finais, desde que não tenham sido dispensadas pelas partes e (v) decisão final.

As alegações finais, previstas no nº 4 do artº 91º do CPTA, traduzem-se no último acto processual a ser praticado pelas partes, imediatamente antes de ser proferida sentença ou acórdão, o que pressupõe que a causa tenha passado pela fase de saneamento sem que proceda qualquer excepção.

Não há que confundir os momentos processuais, tendo a decisão ora impugnada sido proferida na fase de saneamento da causa, tratando-se, por isso, num saneador-sentença.

Por ser uma decisão proferida na fase de saneamento da causa, que conhece da matéria de excepção suscitada pelas partes ou que foi suscitada a título oficioso e que a julga procedente, tal obsta ao normal prosseguimento do processo, não praticando os demais actos que normalmente se lhe seguiriam.

Assim, no caso configurado nos autos, em face da concreta decisão proferida, o Tribunal a quo omitiu a fase de apresentação de alegações finais das partes, nos termos do nº 4 do artº 91º do CPTA, mas não tinha de a promover.

Ao julgar procedente a matéria de excepção, tal conduziu à absolvição da entidade demandada da instância, obstando à prática dos demais actos processuais previstos, de entre os quais, a notificação para apresentação de alegações finais.

Termos em que, por a decisão impugnada consistir num saneador-sentença que conheceu da matéria de excepção suscitada, julgando-a procedente e absolveu a entidade demandada da instância, não tinha de ordenar a notificação das partes para apresentar alegações finais, nos termos do disposto no nº 4, do artº 91º do CPTA.

Donde, não incorrer a decisão recorrida, nem da nulidade, nem do erro de julgamento invocados.


2. Nulidade ou Erro de julgamento, por falta de promoção da audiência pública, nos termos do nº 1 do artº 91º do CPTA

Invoca ainda a Recorrente que a decisão recorrida incorre ainda em nulidade ou em erro de julgamento, por falta de promoção da audiência pública, nos termos do disposto no nº 1 do artº 91º do CPTA.

Pelos motivos anteriormente expostos, não tem a Recorrente razão quanto à censura que dirige contra a decisão impugnada, pois não só o saneador-sentença proferido, do ponto de vista da tramitação do processo, é processualmente anterior, como a audiência pública, prevista no nº 1 do artº 91º do CPTA, consiste numa fase facultativa do processo, que “pode o juiz ou relator, sempre que a complexidade da matéria o justifique, ordenar oficiosamente” (cfr. nº 1 do artº 91º do CPTA).

A realização de tal audiência depende de um critério discricionário do juiz, podendo ou não adoptá-la, pelo que, por essa razão, também quando for requerida pelas partes, pode essa audiência ser recusada (cfr. nº 2 do artº 91º do CPTA).

Pelo exposto, considerando ter sido proferido saneador-sentença, na fase de saneamento da causa, que precede a fase de instrução e a de discussão e julgamento da causa, onde se inclui a audiência pública em causa, não tem razão de ser a censura que foi dirigida contra a decisão recorrida.

Pelo que, será de julgar improcedente tal fundamento do recurso.


3. Nulidade, por omissão de pronúncia sobre o mérito da causa e sobre todas as questões submetidas à sua apreciação, em violação dos artºs 4º nºs 1 a), 2º a) e c), 46º nº 2, 47º nº 2 e 50º, nº 1, do CPTA e ainda em violação do artº 660º, nº 2 do CPC e do artº 95º, nº 1 do CPTA

Conforme sustentado pela Recorrente, a decisão recorrida enferma ainda de nulidade, por omissão de pronúncia, quer no que respeita ao mérito do pedido, quer sobre as demais questões que foram submetidas para apreciação do Tribunal.

Vejamos.

No que respeita à nulidade, por omissão de pronúncia em relação ao mérito da causa, em face das razões antecedentes, é a mesma desprovida de razão, já que a decisão proferida, incidindo sobre as questões processuais e julgando procedente uma questão prévia, obsta a que se conheça do mérito do pedido.

A nulidade por omissão de pronúncia ocorre apenas quando o juiz deixe de conhecer de questões em relação às quais estava obrigado a conhecer, por lhe terem sido colocadas pelas partes ou serem de conhecimento oficioso, desde que o seu conhecimento não esteja prejudicado pela resposta dada a outras questões, como no presente caso.

Sendo a decisão recorrida de absolvição da entidade demandada da instância, por procedência de uma questão prévia, in casu, a excepção de inadmissibilidade dos pedidos, está prejudicado o conhecimento do mérito do pedido.

O mérito do pedido pressupõe que não procedam quaisquer questões prévias, pois estas, por definição, obstam ao prosseguimento do processo e que o Tribunal conheça do mérito da causa – cfr. nº 1 do artº 89º do CPTA e nºs 2 e 3 do artº 493º do CPC.

No que respeita à nulidade por omissão de pronúncia em relação a outras questões, abstém-se a Recorrente de concretizar que outras questões estão em causa, já que nada especificou a esse respeito.

Nas conclusões 1ª c) e 2ª do recurso assaca a Recorrente tal vício de nulidade à decisão impugnada, mas sem que distinga os seus respectivos fundamentos de facto, pelo que, não se mostra concretizado em que termos o Tribunal a quo omitiu o seu conhecimento de mérito sobre matéria que não tenha ficado prejudicada.

Termos em que, perante o exposto, não pode proceder a censura contra a decisão impugnada.


4. Nulidade, por absolvição da instância em relação a ambos os pedidos e pelo não prosseguimento quanto ao outro pedido, em violação do artº 4º, nº 3 do CPTA

No demais, sustenta a Recorrente que a decisão sob recurso é irregular e precedida de ilegalidade, por a absolvição da instância ter abrangido ambos os pedidos formulados na petição inicial, quando poderia e deveria ter abrangido apenas um desses pedidos, consoante a eventual preferência da Autora, para o que deveria ter sido notificada.

Assim, defende que o processo deveria prosseguir a sua tramitação normal em relação ao outro pedido, como previsto no nº 3 do artº 4º do CPTA.

Com base na factualidade ora aditada por este Tribunal de recurso decorre que a Autora veio instaurar a presente acção deduzindo dois pedidos, em cumulação:

(i) de impugnação da pena disciplinar de suspensão por 40 dias aplicada à Autora, por despacho do Director Geral dos Impostos, datado de 20/04/2010;

(ii) de impugnação das classificações de serviço atribuídas à Autora em relação aos anos de 2005, 2006 e 2007, atribuídas pelo Director de Finanças de Lisboa e pelo Director Geral dos Impostos – cfr. alínea C) dos factos assentes.

Pelo saneador-sentença proferido, em 07/11/2011, foram absolvidos os Réus da instância, por procedência da excepção de inadmissibilidade dos pedidos.

É contra esta decisão que se insurge a Recorrente, por entender que a mesma incorre em erro de julgamento de Direito, em violação do disposto no nº 3 do artº 4º do CPTA.

Vejamos.

Verificando-se alguma falta de rigor técnico-jurídico na forma como a Autora formulou os pedidos na petição inicial, por nos termos do nº 1 do artº 50º do CPTA a impugnação de um acto administrativo ter por objecto a anulação, a declaração de nulidade ou de inexistência do acto administrativo, consoante o regime de invalidade que lhe esteja associado, e não a sua revogação, como invoca a Autora aquando a dedução do pedido – assim como outros aspectos da petição inicial, já que, de entre o mais, não se mostra identificada a entidade demandada com legitimidade para ser demandada e estar em juízo, por a Autora se limitar a identificar o autor dos actos impugnados –, não deixa de ser perceptível qual a pretensão da Autora.

Por outro lado, embora ambos os pedidos formulados sejam identificados como de natureza impugnatória, a formulação do segundo pedido, confunde a impugnação de acto administrativo, com a condenação à prática de acto devido, enquanto duas pretensões próprias e distintas, da forma mesma forma processual que é a acção administrativa especial.

Por isso, a formulação inicial do pedido “condenação do Director Geral dos Impostos a revogar”, não se apresenta correcta, pois um pedido impugnatório, que tem por objecto a anulação, a declaração de nulidade ou de inexistência do acto administrativo, não se confunde com um pedido de condenação.

Foi, por isso, correctamente proferido o despacho de convite ao aperfeiçoamento.

Dando ao mesmo cumprimento, veio a Autora apresentar articulado de aperfeiçoamento dos pedidos formulados na petição inicial, dirigindo a sua pretensão à impugnação contenciosa de dois actos administrativos.

Tal correcção apresenta-se clara e inequívoca, pelo que, desde então, não mais existem razões para se suscitar dúvidas quanto à pretensão estritamente impugnatória de actos administrativos.

Aperfeiçoados os pedidos, importa decidir da possibilidade da sua cumulação.

Nos termos do disposto no artº 4º do CPTA podem ser cumulados pedidos, desde que respeitados os pressupostos enunciados nesse preceito legal.

Embora o CPTA preveja amplamente a possibilidade de cumulação de pedidos, prevê como um seu requisito que a causa de pedir seja a mesma e única ou que os pedidos estejam entre si numa relação de prejudicialidade ou de dependência, nomeadamente, por se inscreverem no âmbito da mesma relação jurídica material ou, sendo diferente a causa de pedir, a procedência do pedido principal dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito (cfr. alíneas a) e b), do nº 1 do artº 4º do CPTA).

No caso configurado em juízo, pretende a Autora impugnar o acto de aplicação da pena disciplinar, praticado no âmbito de um processo disciplinar e ainda, os actos de classificação de serviço, referentes aos anos de 2005, 2006 e 2007.

É fácil de ver que são diferentes as respectivas causas de pedir, já que o acto punitivo, praticado no específico processo de natureza disciplinar e em obediência a um procedimento administrativo com regras próprias, nada tem que ver com os demais actos impugnados, relativos às classificações de serviço, que também se incluem em procedimentos próprios.

São, por isso, diferentes as respectivas causas de pedir.

Porém, atenta a matéria e a concreta alegação da Autora em juízo, decorre que os pedidos em causa não dependem da apreciação dos mesmos factos, nem dos respectivos normativos de Direito aplicáveis, pois que se trata da impugnação de actos administrativos que em nada têm a ver um com o outro, quer de facto, quer do ponto de vista do Direito, não estando sequer correlacionados ou dependentes lógica ou cronologicamente dependentes.

Por isso, um e outro pedidos, embora sejam de natureza impugnatória, não são legalmente cumuláveis, por não se verificarem os requisitos legais de que o CPTA faz depender essa cumulação.

Porém, assim sendo, a consequência jurídica prevista pelo legislador não foi a da imediata absolvição da entidade demandada da instância quanto a todos os pedidos, como se decidiu no saneador-sentença recorrido, mas antes o convite ao autor para, no prazo de dez dias, indicar o pedido que pretende que seja apreciado – cfr. nº 3 do artº 4º do CPTA.

Apenas no caso de o autor não responder a esse convite, sanciona o legislador tal actuação com a absolvição da instância quanto a todos os pedidos.

No caso, o despacho que foi proferido, ora dado por assente na alínea B) dos Factos Assentes, que adoptou o teor: “Notifique a Autora para corrigir as irregularidades da petição em ordem a observar o estipulado no art. 78 nº 2 al. d) e e) do CPTA.”, não pode traduzir-se no despacho a que alude o artº 4º, nº 3 do CPTA.

O Tribunal a quo não se refere à ilegalidade da cumulação dos pedidos, nem formula o convite à Autora para indicar o pedido que pretende que seja apreciado pelo Tribunal, nem expressa, nem implicitamente, por se limitar a formular o convite à correcção dos aspectos formais da própria formulação do pedido, pelo que, é de afastar que o despacho proferido tenha a finalidade prevista no disposto no nº 3 do artº 4º do CPTA.

Em face do exposto, procede o erro de julgamento imputado ao saneador-sentença, já que, concluindo o Tribunal pela ilegal cumulação de pedidos, como veio a considerar na decisão recorrida, teria previamente de conceder a possibilidade de o autor indicar qual o pedido que pretende ver apreciado.

Omitindo-se esse despacho, não pode ser proferida a decisão como a que foi proferida, sob pena de violação do disposto no nº 3 do artº 4º do CPTA.

Termos em que, será de julgar procedente o erro de julgamento de Direito assacado à decisão recorrida, com a sua consequente revogação e a baixa dos autos para o seu prosseguimento.

5. Violação do artº 268º, nº 4 da Constituição

No demais, assaca ainda a Autora à decisão recorrida a violação do disposto no nº 4 do artº 268º da Constituição.

Em face do anteriormente exposto, o que resulta é ter existido uma errada interpretação e aplicação do disposto na lei processual administrativa, sobre o disposto no nº 3 do artº 4º do CPTA, mas sem que essa actuação, só por si, se traduza numa violação de qualquer preceito constitucional.

À decisão recorrida não subjaz a violação do conteúdo essencial do direito à tutela jurisdicional efectiva dos direitos ou interesses legalmente protegidos da Autora, nem a mesma se encontra suficientemente alegada e concretizada em juízo, pelo que, não pode proceder tal fundamento do recurso.

Termos em que, em face de todo o exposto, não proceder a censura dirigida contra a sentença recorrida.

6. Violação dos artºs. 268º, nº 4 da Constituição; 4º, nºs 1 e 2, 46º nº 2, 47º nº 2, 50º nº 1, 87º nº 1-b/, 88º nºs 1 e 2 e 91º nº 1 e 4, do CPTA; 137º, 138º nº 1, 658º, 659º nº 3, 660º nº 2 e 664, dos CPCº; 6º-A, 7º, 8º, 9º, 133º, 134º e 142º do CPA e 21º, 22º, 23º e 25º do Estatuto Disciplinar, aprovado pela Lei nº 58/09, de 09/09

No demais, nas alegações do recurso dirige a Autora ainda a censura, não contra a decisão judicial, isto é, o saneador-sentença recorrido e objecto do presente recurso jurisdicional, mas antes contra o acto administrativo impugnado, assacando-lhe inúmeros vícios.

Tais questões não integram o conhecimento do presente recurso, pois que sobre elas não se pronunciou o Tribunal a quo.

Acresce não ser objecto do presente recurso a legalidade do acto administrativo, mas antes a legalidade da decisão judicial recorrida, a qual incide sobre os pressupostos de validade formal e material da decisão judicial e não sobre os pressupostos de facto e/ou de Direito do acto administrativo.

Pelo que, por não integrar o objecto de conhecimento do recurso, não se conhecerá do alegado pela Recorrente em tal parte das suas alegações e conclusões do recurso.


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Concluindo, pelo exposto, será de conceder provimento ao recurso, revogando-se o saneador-sentença recorrido, por provado o erro de julgamento de Direito, com a consequente baixa dos autos para o prosseguimento do processo, proferindo-se o despacho a que alude o disposto no nº 3 do artº 4º do CPTA e o seu normal prosseguimento, se nada mais obstar.

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Sumariando, nos termos do nº 7 do artº 713º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. Como noutras formas de processo, estabeleceu o legislador, no artº 78º e segs. do CPTA, a tramitação legal para a acção administrativa especial, de pretensão conexa com acto administrativo, prevendo as seguintes fases: (i) apresentação dos articulados pelas partes, (ii) saneamento da causa, seguida ou não da (iii) fase de instrução, (iv) apresentação de alegações finais (desde que não tenham sido dispensadas pelas partes) e (v) decisão final.

II. Quer a audiência pública, quer as alegações finais, previstas nos nºs 1 e 4 do artº 91º do CPTA, pressupõem que a causa tenha passado pela fase de saneamento sem que proceda qualquer excepção.

III. Faltando este pressuposto, por ser proferida decisão que, na fase de saneamento da causa, conhece da matéria de excepção suscitada julgando-a procedente, tal obsta ao normal prosseguimento do processo, não se praticando os demais actos que normalmente se lhe seguiriam.

IV. Aperfeiçoados os pedidos deduzidos na petição inicial e constatando-se que entre eles não existem os pressupostos da cumulação, previstos no nº 1 do artº 4º do CPTA – por a causa de pedir não ser a mesma e única, nem os pedidos estarem entre si numa relação de prejudicialidade ou de dependência e, sendo diferente a causa de pedir, a procedência dos pedidos não depender essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito [cfr. alíneas a) e b), do nº 1 do artº 4º do CPTA] –, por estar em causa a impugnação do acto de aplicação da pena disciplinar e dos actos de classificação de serviço, referentes aos anos de 2005, 2006 e 2007, deve ser proferido o despacho a que alude o nº 3 do artº 4º do CPTA, notificando-se o autor para, no prazo de dez dias, indicar o pedido que pretende ver apreciado.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, em revogar o saneador- sentença recorrido, com fundamento em erro de julgamento e em ordenar a baixa dos autos para a prolação do despacho previsto no nº 3 do artº 4º do CPTA e o normal prosseguimento dos autos, se nada mais obstar.

Custas pelo Recorrido.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)


(Maria Cristina Gallego Santos)


(António Paulo Vasconcelos)