Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:125/22.1 BCLSB
Secção:CA
Data do Acordão:09/22/2022
Relator:DORA LUCAS NETO
Descritores:TAD
PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
AUTORIA
PROVA
ART. 77.º DO RD FPF
Sumário:I - Estando em causa uma publicação on line, de um texto não assinado, num site gerido pelo Clube Sport Lisboa e Benfica, não pode considerar-se cristalinamente provado que a autora de tal texto foi a Recorrente SAD ou sequer que esta é a responsável disciplinarmente pela mesma, ao abrigo do art. 77.º do RD LPF, como concluiu o tribunal a quo.
II - Do art. 77.º do RD FPF, não consta disposição semelhante à do n.º 4 do art. 112.º do RD LPFP , que, regendo sob a epígrafe «Lesão da honra e da reputação dos órgãos da estrutura desportiva e dos seus membros», dispõe que «Sem prejuízo do disposto nas leis que regulam a imprensa, a rádio e a televisão, o clube [aqui entendido também como se referindo indistintamente ao Clube e às Sociedades Desportivas, nos termos do art. 4.º, n.º 1, alínea a), do mesmo Regulamento] - é considerado responsável pelos comportamentos que venham a ser divulgados pela sua imprensa privada e pelos sítios na Internet que sejam explorados pelo clube, pela sociedade desportiva ou pelo clube fundador da sociedade desportiva, diretamente ou por interposta pessoa.».
III - Sendo pessoas coletivas distintas, o Clube e a SAD – cfr. decorre do Decreto-Lei n.º 67/76, de 03.04 – e cabendo ao órgão disciplinar provar que o arguido praticou a infração em causa, levando a cabo as diligências instrutórias que repute como necessárias - e não ao arguido provar o que não fez - não resulta dos autos a necessária matéria de facto que permita seja aplicado, sem mais, no caso em apreço, contra a SAD, o disposto no art. 77.º do RD FPF.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

A SPORT LISBOA E BENFICA- FUTEBOL, SAD, impugnou junto do Tribunal Arbitral do Desporto a decisão vertida no acórdão de 19.08.2021, da Secção Não Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, que a havia punido pela prática da infração disciplinar prevista no art. 77.º, n.º 1, do Regulamento Disciplinar da Federação Portuguesa de Futebol (RD FPF), numa pena de multa de 10 (dez) unidades de conta - €1.020,00 (mil vinte euros).

Por decisão do Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), de 09.05.2022, foi negado provimento ao recurso.


Não se conformando, veio a SPORT LISBOA E BENFICA- FUTEBOL, SAD, interpor recurso jurisdicional desta decisão, concluindo como se segue – cfr. fls. 38 e ss., ref. SITAF: «(…)

1. A Admissão do presente Recurso impõe-se por razões de boa aplicação do direito, uma vez que se verifica um desfasamento entre a valoração que é feita da liberdade de expressão, entre, por um lado, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos e os Tribunais Cíveis e Criminais e, por outro lado, a jurisdição Administrativa.
2. Por outro lado, não podem os Tribunais Administrativos, em sede de Recurso de Decisões de um tribunal com jurisdição própria (TAD), considerar-se incompetente para conhecer de factualidade que integra a defesa do Arguido em processo disciplinar.
3. Não foram carreados para os Autos, conforme melhor descrito em sede de Alegações, quaisquer factos que suportem a imputação subjectiva e objectiva do ilícito à Recorrente.
4. Conforme melhor se detalhou em sede de Alegações, a Recorrente agiu ao abrigo e dentro das margens do exercício da liberdade de expressão, tal como definidas pela Jurisprudência Nacional e pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
5. A interpretação normativa consagrada nos Autos encontra-se datada no tempo e completamente ultrapassada nomeadamente em face da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, tendo motivado mais de duzentas e cinquenta condenações do Estado Português.
6. A Recorrida pretende criar um estado de polícia, em que controla tudo e todos e apenas se admitem opiniões concordantes, nomeadamente, sobre as suas próprias condutas.
7. Os Árbitros e a própria Recorrida não são imunes ao erro, sendo legítimo aos agentes desportivos opinar sobre esses erros, criticando-os e evidenciando-os para que não se repitam.
8. De acordo com o entendimento jurisprudencial dominante, desde o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, ao Supremo Tribunal de Justiça (no caso Português), pelo facto de os visados serem figuras públicas e exercerem funções públicas, devem possuir uma maior margem de tolerância face à crítica dessas mesmas funções públicas.
9. Sendo, inclusive, admitida a crítica contundente, violenta, irónica, etc.
10. Nos termos do artigo 140.° do Código do Processo nos Tribunais Administrativos, “os recursos ordinários das decisões jurisdicionais proferidas pelos tribunais administrativos regem-se pelo disposto na lei processual civil, com as necessárias adaptações, e são processados como os recursos de agravo, sem prejuízo do estabelecido na presente lei e no Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais''.
11. Dispõe o n.° 1 do artigo 636.° do Código de Processo Civil que “no caso de pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respetiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação”.
12. O Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol considerou-se visado e ofendido pelas publicações do Sport Lisboa e Benfica - e não da aqui Recorrente - em causa nos presentes Autos.
13. Como tal, através de Despacho do seu Presidente, determinou a abertura do procedimento disciplinar que veio a resultar na prolação da presente Decisão.
14. Os membros do Conselho de Disciplina consideraram-se ofendidos por essa publicação e condenaram a Recorrente por essa ofensa.
15. A ser verdadeira essa ofensa - que não é - os membros do Conselho de Disciplina não reuniam, no momento da Decisão, as condições de isenção e imparcialidade para decidir sobre a matéria em causa nos Autos em razão de se considerarem ab initio ofendidos.
16. Pelo que a Decisão proferida pelo Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol é nula por violação dos princípios da isenção e imparcialidade, nos termos melhor explanados em sede de Alegações.
17. A exploração do site www.slbenfica.pt é efectuada pelo Sport Lisboa e Benfica e não pela Recorrente, não obstante, conforme resultou provado nos presentes Autos, o mesmo conter um separador destinado à aqui Recorrente.
18. As publicações em causa, conforme consta dos URL’s contantes da matéria de facto provada, não foram efectuadas no sobredito separador.
19. Inexistem quaisquer factos que permitam a imputação objectiva do ilícito em causa à ora Recorrente.
20. A solução dada ao caso concreto implicou a omissão da matéria de facto provada de um conjunto de factos, essenciais para a boa decisão da causa, os quais se encontram suportados na documentação aos mesmos junta.
21. Os Tribunais administrativos, ao conhecerem em sede recursória, de decisões proferidas pelo Tribunal Arbitral do Desporto - Tribunal de jurisdição plena - têm competência para conhecer dos factos integrantes da Defesa apresentada pelos Arguidos em processo Disciplinar.
22. Não se peticiona a este Tribunal que conheça da bondade das Decisões de arbitragem ou do Conselho de Disciplina invocadas, mas apenas que reconheçam a sua existência factual, enquanto motivadoras das declarações proferidas pelo Sport Lisboa e Benfica - com referência textual nas mesmas em alguns casos.
23. O não conhecimento da factualidade invocada comporta em si mesmo um acto de denegação de justiça, não admitido pela Constituição, sendo violador do disposto no n.° 4 do artigo 20.° da Constituição da República Portuguesa.
24. Mantendo este Tribunal o sentido Decisório do Aresto Recorrido, sempre deverá ser ordenada a baixa dos Autos ao Tribunal Central Administrativo Sul para conhecimento da matéria de facto constante da ampliação do pedido.
25. Conforme decorre da matéria invocada em sede de Alegações, a Recorrida agiu dentro dos limites da liberdade de expressão, nos termos em que tal direito é configurado pela Jurisprudência Nacional e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
26. Por seu turno, conforme melhor se detalhou em sede de Alegações, a interpretação efectuada pela Recorrente dos n.os 1 e 4 do artigo 112.° do RDLPFP viola os artigos 8º, 37.° e 38.° da Constituição da República Portuguesa, por se afigurar como uma compressão inadmissível da liberdade de expressão e de imprensa e, bem assim, por violação do artigo 10° da CEDH, que faz parte integrante do ordenamento jurídico português por via do artigo 8.° da CRP.
27. Devendo tal inconstitucionalidade ser declarada.
Nestes termos e nos mais de Direito, deve o Recurso interposto ser considerado procedente, por provado, e, consequentemente, revogada a Decisão Recorrida, sendo a Recorrente absolvida da prática da infracção disciplinar que lhe é imputada.
Ou, caso assim não se entenda, sempre deverá ser considerado que os Tribunais Administrativos são competentes para conhecer da matéria constante da ampliação do pedido, ordenando-se a remessa dos Autos ao Tribunal Central Administrativo Sul para conhecimento dessa matéria.
E, bem assim, deverão os n.os 1 e 3 do artigo 112.° do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional ser declarados inconstitucionais, quando interpretados no sentido de não ser permitido aos agentes desportivos efectuarem críticas, ainda que mais contundentes ou violentas, sobre determinadas matérias, como sejam as questões de arbitragem ou disciplina desportiva, por violação do disposto nos artigos 37.° e 38.° da Constituição da República Portuguesa, uma vez que tal representa uma compressão inadmissível dos direitos aí contidos.
Sendo, igualmente, inconstitucional por violação do artigo 8.° da Constituição da República Portuguesa ao desaplicar o artigo 10.° da CEDH. (…)».
A FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL, ora Recorrida, contra-alegou, tendo concluído nos seguintes termos - fls. 142 e ss. do SITAF:
«(…)
1. O Recurso interposto pela Recorrente tem por objeto a decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 48/2021 que o acórdão de 19 de Agosto de 2021, proferido pela Secção Não Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol no âmbito do processo disciplinar n.º 146-20/2021.
2. Em concreto, a ora Recorrente foi condenada por proferir declarações na sua newsletter oficial "News Benfica", como é publica e notoriamente reconhecida, Edição n.º 571, reproduzidas no dia 24 de maio de 2021, cujo teor consubstancia comportamento desrespeitoso e lesivo da honra e consideração dos elementos das equipas de arbitragem visados e dos órgãos federativos e respetivos titulares, colocando em causa o núcleo essencial da função da arbitragem e do exercício de funções pelos titulares dos órgãos federativos, materializado na isenção e imparcialidade que a deve caracterizar, afetando a credibilidade e o bom funcionamento da competição desportiva.
3. O acórdão impugnado confirmou a condenação da Recorrente na sanção de multa fixada em de 10 (dez) unidades de conta - € 1.020,00 (mil vinte euros), pela prática de uma infração disciplinar p. e p. pelo artigo 77.º do Regulamento Disciplinar da Federação Portuguesa de Futebol (RDFPF), decisão arbitral da qual a Recorrente discorda.
4. A Recorrente entende que o Conselho de Disciplina andou mal ao sancioná-la pela prática de uma infração disciplinar prevista e sancionada pelo artigo 11º, n.º 1 do RD da FPF - pelo que, em consequência, andou mal o Tribunal a quo ao confirmar a decisão sancionatória proferida pelo CD.
5. A Recorrente reafirma, por várias vezes na sua peça recursiva, que não praticou os factos objeto dos presentes autos.
6. O site em causa pertence às comunicações privadas da Recorrente, sendo um instrumento que aquela usa, com especial impacto e difusão.
7. Mas mais, o site oficial da Recorrente serve o propósito de veicular mensagens que a Recorrente entenda por bem.
8. Acresce que, as declarações em crise, referem-se a uma competição em que a Recorrente está em competição e na qual, afirma não raras vezes, ter sido prejudicada.
9. A produção das declarações em crise nos presentes autos, é da autoria da Recorrente, que assim as produziu e publicou no seu interesse, pelo que andou bem o Tribunal o quo.
10. É patente que o site onde as declarações foram publicadas corresponde a meio de imprensa privada da Recorrente.
11. Tal como ficou demonstrado, nesse sentido, as declarações em crise foram da autoria da Recorrente, que por entender ter sido prejudicada em competição em que participa, as produziu e publicou no seu interesse e não por terceiros como pretende fazer crer.
12. Nenhuma censura merece a matéria de facto dada como provada nos pontos n.9 5, 6 ,7 e 8 dos factos provados, no acórdão recorrido.
13. Andou bem o Tribunal o quo, ao não dar como provados os factos mencionados na petição da Recorrente, bem como ao entender que não existem factos não provados relevantes para a boa decisão da causa.
14. Desde logo porque aquela factualidade, que a Recorrente, sublinhe-se, pretende que seja considerada provada, extravasa, largamente, o objeto, quer do processo administrativo, quer do processo arbitral.
15. Não estamos perante factos que, sequer, se possam ou devam considerar provados ou não provados, porquanto consubstanciam, tão-só e apenas, factos irrelevantes para o processo disciplinar e para o presente processo arbitral.
16. Até porque, uma coisa são os alegados e eventuais erros, outra é a forma como a Recorrente se refere de forma desrespeitosa relativamente a agentes de arbitragem.
17. Isto é, o facto de eventualmente haver erros de arbitragem não legitima as considerações desrespeitosas sobre os árbitros visados.
18. Ademais, ainda que se entendesse que estamos perante factualidade com relevância para os presentes autos, o que não se concebe e alega por mero dever de patrocínio, a Recorrente limita-se a invocar tal factualidade e pretender que ela deve ser considerada provada, sem juntar qualquer prova concreta do que pretende ver provado.
19. Com efeito, a Recorrente limita-se a trazer ao processo alegações vagas sem qualquer suporte fáctico material, o que não permite, consabidamente, contrariar a prova até então produzida.
20. A Recorrente, independentemente dos comportamentos das restantes SAD's e dos restantes agentes desportivos, tem que se reger pelas regras a que está adstrita enquanto SAD participante em competições profissionais.
21. E, em particular, resulta de uma forma bastante clara que a Recorrente se encontra adstrita ao dever de não utilizar expressões injuriosas, difamatórias ou grosseiras para com os órgãos da FPF e respetivos membros e agentes de arbitragem.
22. E como não poderia deixar de ser, não existe, no RD da FPF, qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa referente ao (bom ou mau) comportamento das demais SAD's e agentes desportivos que disputem competições profissionais.
23. Em suma, andou bem o Tribunal o quo ao, por um lado, não considerar tal factualidade provada e, por outro lado, ao entender que não existem factos não provados com relevância para os presentes autos.
24. O valor protegido pelo ilícito disciplinar em causa - artigo 77.º do RD da FPF -, à semelhança do que é previsto nos artigos 180.º e 181.º, do Código Penal, é o direito "ao bom nome e reputação", cuja tutela é assegurada, desde logo, pelo artigo 26.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, mas que visa ao mesmo tempo a proteção das competições desportivas, da ética e do fairplay.
25. A nível disciplinar, como é o caso, os valores protegidos com esta norma (77.º do RD da FPF), são, em primeira linha, os princípios da ética, da defesa do espírito desportivo, da verdade desportiva, da lealdade e da probidade e, de forma mediata, o direito ao bom nome e reputação dos visados, mas sempre na perspetiva da defesa da competição desportiva em que se inserem.
26. No enquadramento regulamentar dado pelo preceito disciplinar em apreço, reprova-se e sanciona-se especialmente quaisquer atos verbais, gestuais ou escritos que, assumindo natureza desrespeitadora, difamatória, injuriosa ou grosseira, ofendam o direito à honra, ao bom nome e reputação de elementos da equipa de arbitragem, do Conselho de Arbitragem e respetivos membros.
27. O juízo de valor desonroso ou ofensivo da honra é um raciocínio, uma valoração cuja revelação atinge a honra da pessoa objeto do juízo, sendo certo que tal juízo não é ofensivo quando resulta do exercício da liberdade de expressão.
28. Evidentemente, se é verdade que o direito à crítica constitui uma afirmação concreta do valor da liberdade de pensamento e expressão que assiste ao indivíduo (artigo 37.º, n.º 1, da CRP), esse direito não é ilimitado. Ao invés, deve respeitar outros direitos ou valores igualmente dignos de proteção.
29. A relevância constitucional atribuída à tutela do bom nome e reputação legitimou, entre outros, a criminalização de comportamentos como a injúria e a difamação e, no âmbito do direito disciplinar desportivo, a tipificação de infrações disciplinares que consubstanciem ofensas à honra e reputação, designadamente, de agentes desportivos e dos órgãos da Federação Portuguesa de Futebol.
30. Com efeito, tratando-se de uma das maiores instituições desportivas nacionais, a Recorrente sabe que as declarações que profere e divulga são aptas a influenciar a comunidade e a imagem que a mesma tem das competições e dos agentes desportivos nelas envolvidos.
31. Pelo que, impende sobre si, um dever de zelo para prevenir fenómenos de violência e intolerância no desporto.
32. O que se verificou foi que, sem qualquer base factual concreta e real, a Recorrente ao produzir e publicar as declarações em crise, formulou juízos de valor lesivos da honra e reputação dos agentes de arbitragem em questão - os que foram intervenientes nos jogos em crise nos autos -, perfeitamente identificáveis no teor das declarações, colocando em causa o interesse público e privado da preservação das competições reconhecidas como profissionais.
33. Quando a Recorrente afirma que "O Benfica foi claramente impedido de vencer", quando se refere a «Uma expulsão, importa ressaltar, despropositada, injusta, condicionante...", quando se afirma «viu serem-lhe sonegadas quatro grandes penalidades" em quatro partidas, ou quando afirma que determinado árbitro «recebeu uma espécie de "prémio carreira" ao apitar uma final da Taça de Portugal, esteve em duas destas quatro partidas", e quando se afirma que "Não vamos tolerar que o VAR só funcione para uns", está a levantar suspeição sobre a actuação dos referidos elementos de arbitragem, imputando- lhe uma parcialidade, desonestidade e incompetência no desempenho das suas funções.
34. Mais imputa a Recorrente aos referidos agentes de arbitragem o facto de terem prejudicado intencionalmente a Recorrente, sugerindo uma atuação tendenciosa e injusta dos mesmos e que estes atuam no exercício das suas funções com o intuito de afetar desportivamente a Recorrente.
35. O mesmo se verifica quando a Recorrente lança a suspeita de que o VAR não tem funcionado, intencionalmente de forma equitativa para todos os clubes no decorrer dos jogos, apontando a culpa dessa atuação aos dirigentes da arbitragem e do futebol em Portugal, nomeadamente aos membros do Conselho de Arbitragem da FPF e aos próprios representantes da FPF.
36. Em suma, é por demais evidente que as expressões da Recorrente vão muito além da crítica objetiva, remetendo para uma atuação errática das equipas de arbitragem, para de forma propositada, influenciar os resultados e a tabela classificativa beneficiando ou favorecendo outros competidores.
37. Lançar suspeitas, manifestamente infundadas, de que a atuação de determinado agente de arbitragem não é pautada ao abrigo dos valores da imparcialidade e da isenção, não podem deixar de ser atentatórias da honra e bom nome do respetivo elemento de arbitragem, consubstanciando um comportamento que não pode ser tolerado e que não está justificado pelo exercício lícito da sua liberdade de expressão.
38. As declarações divulgadas ultrapassaram, claramente, uma mera crítica às decisões de arbitragem e não podem deixar de ser interpretadas com o alcance de ter havido uma intenção dos árbitros visados, mediante erros, prejudicar a Sport Lisboa e Benfica - Futebol, SAD.
39. Até porque os visados pelas declarações são perfeitamente alcançáveis, porquanto os jogos em crise são identificados pelo Recorrente nas mesmas, chegando a Recorrente a nomeá-los.
40. Em qualquer caso, ao contrário do que alega o Recorrente, as declarações proferidas não têm qualquer base factual, sendo, pelo contrário, a imputação de um juízo pejorativo do desempenho dos agentes de arbitragem intervenientes nos jogos em crise nos autos e na referida publicação.
41. Outro argumento que não colhe é a afirmação de que as declarações e as críticas à equipa de arbitragem foram alegadamente partilhadas por órgãos de comunicação social, designadamente "especialistas" e nesse conspecto, são legitimas, não tendo relevância disciplinar.
42. Mas mais, não é porque alegadamente estamos perante "figuras públicas" que os agentes de arbitragem perdem o direito à honra e consideração.
43. Aliás, este tem sido o entendimento da jurisprudência portuguesa.
44. Em suma, deve ser negado provimento ao recurso, demonstrando-se o acerto da decisão arbitral recorrida. (…)».

Neste Tribunal Central Administrativo Sul, o DMMP não emitiu pronúncia.

Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.


I. 1. Questões a apreciar e decidir

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respetivas conclusões, determinam, antes de mais, que se aprecie se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de facto e de direito, quanto à questão da imputação da conduta à arguida, ora Recorrente, erro este que, em caso de procedência, determinará seja a decisão recorrida revogada e a arguida, aqui Recorrente, absolvida da prática da infração disciplinar que lhe é imputada, ficando prejudicado o conhecimento dos demais erros de julgamento.

II. Fundamentação

II.1. De facto

A matéria de facto constante do acórdão recorrido é aqui transcrita ipsis verbis– cfr. fls. 3 e ss., ref. SITAF:

«(…)
Com interesse para a decisão a proferir nos presentes autos, julgam-se provados os seguintes factos:

1. A Demandante, na época desportiva 2020/2021, encontrava-se inscrita, entre outras competições, na Taça de Portugal Placard, prova organizada pela FPF;

2. No dia 23 de maio de 2021, no Estádio Cidade de Coimbra, disputou-se o jogo oficial n.° 101.20.001, entre a Braga, SAD, e a Benfica, SAD, a contar para a Final da Taça de Portugal Placard, época desportiva 2020/2021;

3. A equipa de arbitragem que dirigiu esse jogo oficial foi constituída por N…, árbitro, L…, árbitro assistente n.° 1, P…, árbitro assistente n.° 2, e R…, 4.° árbitro;

4. Esse jogo oficial não contou com observador da equipa de arbitragem, mas foi acompanhado por Delegado da FPF, e o policiamento esteve a cargo do Comando Distrital de Coimbra da Polícia de Segurança Pública;

5. No dia 24 de maio de 2021, na sequência do mencionado jogo oficial n.° 101.20.001, na edição n.° 571 da newsletter diária “News Benfica", foram publicadas as seguintes declarações, sob o título “TIRARAM-NOS DA TAÇA”:

«Em Coimbra, assistimos a mais um capítulo de uma história demasiadas vezes repetida este ano: uma arbitragem desastrada impediu-nos de vencer. F… nunca deveria ter sido expulso, uma decisão errada que condicionou todo o jogo do Benfica, amputando boa parte da estratégia delineada para vencer. Há três momentos que marcam de forma indelével esta época e que agora, findo o último jogo, importa sublinhar para que tudo mude e nada seja esquecido:
- O Benfica viu-se afastado de lutar pelo título de campeão nacional entre janeiro e fevereiro quando, em pleno surto de COVID-19 na equipa, viu serem-lhe sonegadas quatro grandes penalidades contra Nacional, Vitória de Guimarães, Moreirense e Farense. 8 pontos que nos afastaram da luta pelo título até ao final do Campeonato.
Facto relevante: N… - que ontem recebeu uma espécie de "prémio carreira" ao apitar uma final da Taça de Portugal, esteve em duas destas quatro partidas. Foi o árbitro no Benfica-V. Guimarães e VAR na partida com o Nacional.
- O Benfica foi condicionado na justa ambição de chegar ao segundo lugar do Campeonato quando, diante do Futebol Clube do Porto, viu P… ver-lhe perdoada uma expulsão aos 80 minutos, depois de um lance indiscutível sobre S…. 3-0 Benfica foi claramente impedido de vencer a Taça de Portugal quando uma expulsão inexistente nos obriga a jogar durante quase 80 minutos em inferioridade numérica. Uma expulsão, importa ressaltar, despropositada, injusta, condicionante e sem que o VAR tivesse sequer alertado para o exagero e desproporção da exclusão do guarda-redes H….
O Sport Lisboa e Benfica tem pautado o seu comportamento público por uma postura construtiva e positiva em defesa da indústria do futebol e da sua credibilização. Não andamos a condicionar arbitragens antes dos jogos, com ameaças mais ou menos veladas. Recusamos a refrega permanente em prol de uma suspeição nociva e tóxica para o Campeonato português. Refutamos tudo isso, mas exigimos respeito.
Confiamos nas instituições que têm responsabilidades, mas não aceitamos impávidos que nos prejudiquem sistematicamente em momentos decisivos. Não vamos tolerar que o VAR só funcione para uns, ignorando os penáltis que sofremos e as más decisões que nos diminuem.
É tempo de quem tem esse dever - nomeadamente, a Federação Portuguesa de Futebol - mudar o que tiver de mudar a bem do futebol e assumir as suas falhas. Nós saberemos assumir as nossas, corrigindo o que tiver de ser melhorado para a próxima época»

6. As declarações transcritas no ponto anterior resultam de uma atuação livre, voluntária e consciente;

7. Nos termos e condições do site www.slbenfica.pt é possível encontrar a seguinte informação:
1.4. No contexto dos Termos de Utilização, a expressão “Benfica" significa e inclui salvo indicação expressa em contrário, todas as pessoas coletivas que, a todo o momento, integram e compõem o Grupo Benfica, nomeadamente, o clube Sport Lisboa e Benfica, a Sport Lisboa e Benfica -Futebol, SAD, a Sport Lisboa e Benfica, SGPS, S.A., a Sport Lisboa e Benfica -Multimédia, S.A., a Benfica Estádio - Construção e Gestão de Estádios, S.A., a Parque do Benfica - Sociedade Imobiliária, S.A., a Clínica do SLB, Lda., a Benfica TV, S.A., a Sport Lisboa e Benfica - Seguros, Mediação de Seguros, Lda., Fundação Benfica»;
«6.1. Salvo indicação em contrário, o Benfica é titular dos direitos de propriedade industrial e dos direitos de autor relativos a todos os Conteúdos, os quais estão protegidos nos termos gerais de direito e pela legislação, nacional e internacional, atinente à propriedade intelectual e, ainda, à criminalidade informática» (…).

8. A “News Benfica” é uma publicação eletrónica disponibilizada periodicamente e de forma gratuita, na qual são divulgadas as principais notícias relativas ao Grupo Benfica e são comentados os principais temas da atualidade desportiva que interessam aos seus sócios, associados e simpatizantes, assumindo lugar de destaque as prestações da sua equipa profissional de futebol;

9. A Demandante, à data dos factos, na competição em causa e nas épocas desportivas 2020/2021 e 2019/2020, apresentava averbadas várias infrações disciplinares.

Nada mais foi considerado provado relativamente à matéria relevante para a decisão.
VI
FUNDAMENTOS DA DECISÃO DE FACTO
Nos termos do disposto no n.° 4 do artigo 94.° do CPTA, aplicável ex vi artigo 61.° da LTAD, o tribunal aprecia livremente as provas produzidas, decidindo segundo a convicção que forme sobre cada facto em discussão.
A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto considerada provada assentou, assim, na análise crítica dos documentos constantes dos autos, assim como na posição assumida pelas Partes e em factos públicos e de conhecimento geral.
Concretizando, e em especial:
(i) O facto 1 encontra-se documentalmente provado (cfr. inscrições constantes nas fls 39 e 40 do processo disciplinar n.° 146-2020/2021 );
(ii) Os factos 2 e 3 encontram-se documentalmente provados (cfr. ficha de jogo e fichas técnicas dos clubes nele intervenientes constantes nas fls. 7 a 30 do processo disciplinar n.° 146-2020/2021); 
(iii) O facto 4 encontra-se documentalmente provado (cfr. informação do Conselho de Arbitragem da FPF, relatório de Ocorrências elaborado pelo Delegado da FPF e Relatório de Policiamento Desportivo, elaborado pelo Comando Distrital de Coimbra da Polícia de Segurança Pública constantes, respetivamente, nas fls. 63, 32 a 34 e 76 a 79 do processo disciplinar n.° 1…-2020/2021);
(iv) O facto 5 encontra-se documentalmente provado (cfr. publicação retirada do link https://www.slbenfica.pt/pt-pt/aaora/news-ben- fica/2021/05/24, constante nas fls. 4 e 69-A a 72 do processo disciplinam.0 1…-2020/2021), para além de ter sido objeto de acordo entre as Partes ;
(v) O facto 6 resulta de presunção judicial a partir do facto 5;
(vi) Os factos 7 e 8 encontram-se provados por serem públicos, notórios e de conhecimento geral, mediante consulta ao site www.slben- fica.pt;
(vii) O facto 9 encontra-se documentalmente provado (cfr. documento extraído da aplicação informática interna da FPF constante nas fls. 41 a 62 do processo disciplinar n.° 1…-2020/2021).» (negritos nossos).


II.2. De direito

Saber se à arguida, ora Recorrente, pode ser imputado, a título de autoria, o alegado facto ofensivo da honra, consideração ou dignidade da FPF e dos árbitros envolvidos no jogo n.°101.20.001, para efeitos da aplicação da sanção disciplinar prevista no n.° 1 do art. 77.° do RD FPF, é a questão que cumpre primeiramente conhecer.
Para o efeito, importa atentar no disposto no citado art. 77.º do RD LPF(1), ao abrigo do qual a pena disciplinar em apreço foi aplicada, regendo este, sob a epígrafe «Ameaças e ofensas à honra, consideração ou dignidade», o seguinte:
«1. O clube que, dirigindo-se a terceiros ou ao visado, através de qualquer meio de expressão, formular juízo, praticar facto ou, ainda que sob a forma de suspeita, imputar facto ofensivo da honra, consideração ou dignidade da FPF, de órgãos sociais, de comissões, de sócios ordinários, de delegados da FPF, de árbitros, de observadores de árbitros, de cronometristas, de outro clube e respetivos jogadores, membros, dirigentes, colaboradores ou empregados ou de outros agentes desportivos no exercício das suas funções ou por virtude delas, é sancionado com multa entre 5 e 10 UC.
2. É sancionado nos termos do número anterior o clube que, através de qualquer meio de expressão, ameaçar com a prática de violência ou qualquer crime ou infração agente desportivo no exercício de funções ou por virtude delas ou espectador.»

Tenhamos também presente que, para efeitos do RD FPF, nos termos do seu art.4.º sob a epígrafe «Definições», entende-se por «d) «Clube»: clubes e sociedades desportivas.»

Sobre esta questão, o discurso fundamentador da decisão recorrida, contra o qual a Recorrente se insurge, foi o seguinte:

«(…) Da autoria das declarações

Como referido, verifica-se um dissenso entre as Partes a respeito da autoria das declarações sub judice. A Demandante vem impugnar a matéria de facto provada no acórdão do Conselho de Disciplina, por considerar falso que as declarações tenham sido por si proferidas, assim como que a newsletter “News Benfica" seja a sua newsletter oficial. Pelo contrário, na sua visão, a referida a newsletter é propriedade do Sport Lisboa e Benfica, tendo sido publicada no site do Sport Lisboa e Benfica.

Não pode o Tribunal acompanhar o entendimento da Demandante. Resulta cristalinamente da matéria de facto provada que a utilização da expressão "Benfica” no site www.slbenfica.pt abarca todas as pessoas coletivas que integram e compõem o Grupo Benfica, incluindo quer o clube Sport Lisboa e Benfica, quer a Sport Lisboa e Benfica - Futebol, SAD (cfr. facto n.° 7 da matéria de facto provada). Assim, o Grupo Benfica (ou, simplesmente, o Benfica) é titular dos direitos de autor relativos aos conteúdos publicados no site.

Face ao exposto, e não existindo outro facto relevante que o infirme, a Sport Lisboa e Benfica - Futebol, SAD, pode ser qualificada como “autora" das declarações proferidas, para efeitos de apreciação da aplicação da sanção disciplinar prevista no n.° 1 do artigo 77° RDFPF. (…)».

Desde já se adianta que o assim decidido não é para manter. Vejamos porquê.

Antes de mais, porque a conclusão a que chegou o tribunal a quo, não resulta cristalina da matéria de facto provada.

Dos factos provados o que consta é o seguinte:

Que no dia 24 de maio de 2021, na sequência do mencionado jogo oficial n.° 101.20.001, na edição n.° 571 da newsletter diária “News Benfica", foram publicadas as seguintes declarações, sob o título “TIRARAM-NOS DA TAÇA” (…) – cfr. facto n.º 5.

Que tais declarações resultaram de uma atuação livre, voluntária e consciente – cfr. facto n.º 6.

Que dos termos e condições do site www.slbenfica.pt consta, designadamente: «(…) 1.4. No contexto dos Termos de Utilização, a expressão “Benfica” significa e inclui salvo indicação expressa em contrário, todas as pessoas coletivas que, a todo o momento, integram e compõem o Grupo Benfica, nomeadamente, o clube Sport Lisboa e Benfica, a Sporf Lisboa e Benfica -Futebol, SAD, a Sport Lisboa e Benfica, SGPS, S.A., a Sporf Lisboa e Benfica -Mulfimédia, S.A., a Benfica Esfádio - Construção e Gestão de Estádios, S.A., a Parque do Benfica - Sociedade Imobiliária, S.A., a Clínica do SLB, Lda., a Benfica TV, S.A., a Sport Lisboa e Benfica - Seguros, Mediação de Seguros, Lda., Fundação Benfica» e que «Salvo indicação em contrário, o Benfica é titular dos direitos de propriedade industrial e dos direitos de autor relativos a todos os Conteúdos, os quais estão protegidos nos termos gerais de direito e pela legislação, nacional e internacional, atinente à propriedade intelectual e, ainda, à criminalidade informática» - cfr. facto n.º 7.

E, ainda que a “News Benfica” é uma publicação eletrónica disponibilizada periodicamente e de forma gratuita, na qual são divulgadas as principais notícias relativas ao Grupo Benfica e são comentados os principais temas da atualidade desportiva que interessam aos seus sócios, associados e simpatizantes, assumindo lugar de destaque as prestações da sua equipa profissional de futebol – cfr. facto n.º 8.

Ora, destes factos e, mais concretamente, dos factos n.º 7 e 8, o que resulta é apenas que no contexto dos Termos de Utilização site www.slbenfica.pt a expressão “Benfica" significa e inclui, salvo indicação expressa em contrário, todas as pessoas coletivas que, a todo o momento, integram e compõem o Grupo Benfica, nomeadamente, o clube Sport Lisboa e Benfica, a Sport Lisboa e Benfica -Futebol, SAD, mas também, a Sport Lisboa e Benfica, SGPS, S.A., a Sport Lisboa e Benfica -Multimédia, S.A., a Benfica Estádio - Construção e Gestão de Estádios, S.A., a Parque do Benfica - Sociedade Imobiliária, S.A., a Clínica do SLB, Lda., a Benfica TV, S.A., a Sport Lisboa e Benfica - Seguros, Mediação de Seguros, Lda., Fundação Benfica.

De onde decorre que, se resulta provado que a expressão "Benfica”, no site www.slbenfica.pt, inclui a Recorrente SAD, provado está também que essa mesma expressão não deixa de incluir o Clube, assim como todas as pessoas coletivas que integram e compõem o Grupo Benfica supra elencadas no facto n.º 7.

Pelo que, não estando o texto em causa assinado – cfr. facto n.º 5 -, em abstrato, qualquer uma das pessoas coletivas integrantes do Grupo Benfica, que por sua vez se agrega, para este efeito, na expressão “Benfica”, poderá ser responsabilizada pela publicação que deu origem ao procedimento disciplinar em apreço.

Acresce que no referido site oficial do “Benfica”, nos referidos termos de utilização disponibilizados (2), no primeiro ponto, consta, precisamente, o seguinte: «1. OBJETO - 1.1. O presente documento estabelece as regras que regulam o acesso e utilização pelo utilizador (“Utilizador”) do website slbenfica.pt (doravante “Site”), gerido pelo Sport Lisboa e Benfica (doravante “Benfica”), bem como a utilização de quaisquer outras plataformas informáticas disponibilizadas pelo Benfica, nomeadamente outras aplicações disponíveis para uso em computadores, tablets, telemóveis ou outros dispositivos (“Plataformas”).»

O que induz a conclusão inversa, qual seja, que a responsabilidade pela gestão do site é do Clube, e não da SAD ou de qualquer outra empresa do Grupo, sem prejuízo de «a expressão “Benfica" significar e incluir, como se disse, e salvo indicação expressa em contrário, todas as pessoas coletivas que, a todo o momento, integram e compõem o Grupo Benfica - cfr. transcrição constante do facto n.º 7 supra.

De onde resulta imperioso concluir que tem razão a Recorrente quanto imputa à decisão recorrida erro de julgamento, pois que da mesma não resultaram provados factos dos quais se possa inferir seja a SAD a autora da publicação que deu origem ao procedimento disciplinar em apreço.

A esta conclusão não obsta que, nos termos da alínea d) do art. 4.º, do RD FPF, sob a epígrafe “Definições”, e para efeitos deste Regulamento, a expressão usada «Clube», se refira indistintamente a clubes e sociedades desportivas, pois que apenas significa que, designadamente, no caso do art. 77.º do RD FPF, ao referir-se apenas à responsabilidade do Clube, esta responsabilidade, imputada que fosse à SAD, e não obstante a expressão legal “Clube”; poderia ser acionada contra a SAD e não contra o Clube, sujeito literal da norma em apreço.

Face a todo o exposto, estando em causa uma publicação on line, de um texto não assinado, num site gerido pelo Clube Sport Lisboa e Benfica, não pode considerar-se cristalinamente provado que a autora de tal texto foi a Recorrente SAD ou sequer que esta é a responsável pela mesma, como concluiu o tribunal a quo.

Circunstância que se revela inultrapassável, pois que do art. 77.º do RD FPF, supra citado e transcrito, não consta disposição semelhante à do n.º 4 do art. 112.º do RD LPFP (3), que, regendo sob a epígrafe «Lesão da honra e da reputação dos órgãos da estrutura desportiva e dos seus membros», dispõe que «Sem prejuízo do disposto nas leis que regulam a imprensa, a rádio e a televisão, o clube [aqui entendido também como se referindo indistintamente ao Clube e às Sociedades Desportivas, nos termos do art. 4.º, n.º 1, alínea a), do mesmo Regulamento] - é considerado responsável pelos comportamentos que venham a ser divulgados pela sua imprensa privada e pelos sítios na Internet que sejam explorados pelo clube, pela sociedade desportiva ou pelo clube fundador da sociedade desportiva, diretamente ou por interposta pessoa.» (sublinhados nossos).

É, aliás, esta norma, o art. 112.º do RD LPFP e que tem motivado a doutrina que decorre da jurisprudência dos tribunais superiores (4), citada pela Recorrida na contestação e em sede de contralegações de recurso, no sentido de poder ser responsabilizada a SAD (5), designadamente, por via da norma contida no seu n.º 4, que inexiste no art. 77.º do RD FPF em causa nos presentes autos.

Sendo pessoas coletivas distintas, o Clube e a SAD – cfr. decorre do Decreto-Lei n.º 67/76, de 03.04 – e cabendo ao órgão disciplinar provar que o arguido praticou a infração em causa, levando a cabo as diligências instrutórias que repute como necessárias - e não ao arguido provar o que não fez - não podemos deixar de considerar errada a conclusão a que chegou o tribunal a quo de que a SAD «pode ser qualificada como autora», nem tal hipótese se revela apta, face a todo o exposto, a permitir seja aplicado, sem mais, no caso em apreço, contra a SAD, o disposto no art. 77.º do RD FPF.

Em processo disciplinar, tal como ocorre em processo penal, não é o arguido que tem de provar que é inocente da acusação que lhe é imputada, pois o ónus da prova dos factos constitutivos da infração cabe ao titular do poder disciplinar.

Assim, um non liquet em matéria de prova resolve-se a favor do arguido por aplicação dos princípios da presunção de inocência do arguido e do in dubio pro reo devendo a prova coligida assentar em factos que permitam um juízo de certeza, isto é, numa convicção segura, para além de toda a dúvida razoável, de que o arguido praticou os factos que lhe são imputados.

Razão pela qual, sem que esteja demonstrada e devidamente comprovada, através de robustas provas, a materialidade e autoria da infração disciplinar, fica comprometida qualquer condenação do arguido, que tem em seu favor a presunção de inocência, pois que «No direito disciplinar, só a certeza possui o condão de levar o arguido à condenação, sem esse requisito, «in dubio pro reo»(6).

Imperioso se torna, face a todo o exposto, revogar a decisão recorrida e, conhecendo, absolver a arguida SAD, ora Recorrente, da prática da infração disciplinar p. e. p. pelo art. 77.º, do RD FPF, por não provada, ficando prejudicado, por inutilidade, o conhecimento dos demais erros de julgamento imputados à decisão recorrida.

III. Decisão

Nestes termos, acordam os juízes da secção do contencioso administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e absolver a arguida, aqui Recorrente, da prática da infração disciplinar p.e.p. pelo art. 77.º, do RD FPF, por não provada.

Custas pela Recorrida em ambas as instâncias.

Lisboa, 22.09.2022

Dora Lucas Neto

Pedro Nuno Figueiredo

Ana Cristina Lameira

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(1) Publicado no Comunicado oficial n.º 460, de 13.07.2020, e disponível aqui: https://www.fpf.pt/pt/Institucional/Disciplina/Regulamenta%C3%A7%C3%A3o/RD-FPF.
(2) Termos de Utilização, Versão: 5.0/Entrada em vigor: 18.11.2020, - cfr. https://www.slbenfica.pt/pt-pt/termos-e-condicoes-de-utilizacao , consultados a 12 e 13.09.2022.
(3) Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, também disponível aqui: https://www.fpf.pt/pt/Institucional/Disciplina/Regulamenta%C3%A7%C3%A3o/RD-LPFP
(4) Mas também do TAD, designadamente nos acórdãos proferidos nos processos n.º 52/2017 e 17/2018, sempre citados por aquela instância, mas que recaíram sobre situações de facto também elas muito distintas da situação em apreço.
(5) A título de exemplo v. ac. STA, P. 066/18.7BCLSB, de 26.02.2019 e ac.s TCA Sul, P. 62/20.4BCLSB, de 24.09.2020, P. 77/21.5BCLSB, de 07.10.2021 e P. 73/22.5BCLSB, de 21.04.2022.
(6) Cfr. jurisprudência pacifica do STA e TCA, citando-se, a título de exemplo e entre muitos, o ac. TCA Sul, de 02.06.2010, P. 5260/01, disponível em www.dgsi.pt, e demais jurisprudência no mesmo citada.