Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:00969/06
Secção:CT - 2.º Juízo
Data do Acordão:03/07/2006
Relator:José Correia
Descritores:IMPUGNAÇÃO DE IVA
NULIDADES DA SENTENÇA E PRINCÍPIO DO PRO ACTIONE
DIREITO À DEDUÇÃO NO CASO DE SISTEMA DE AUTO FACTURAÇÃO AUTORIZADO
INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTº 60º DA LGT
ARTº 13º DA LEI Nº 16-A/2002
PRINCÍPIO DA NÃO RETROACTIVIDADE DA LEI EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA.
Sumário:I)- O princípio pro actione (também chamado anti-formalista) encontra clara manifestação no art. 124º do CPPT ( o qual segue de muito perto o artº 57º da LPTA) e aponta para a ultrapassagem de escolhos de cariz adjectivo e processual em ordem à resolução do dissídio para cuja tutela o meio processual fora utilizado.
II)- A finalidade de tal normativo é a de conferir uma maior eficácia e estabilidade à tutela jurisdicional dos interesses do ofendido, impondo que, em regra, de entre os vícios que conduzam à declaração de invalidade, o juiz conhecerá prioritariamente daqueles que, em seu prudente critério, determinam uma mais estável e eficaz tutela dos interesses ofendidos.
III)- Aplicando tal princípio ao recurso, deve conhecer-se das questões de mérito, preterindo o conhecimento dos vícios formais da sentença quando estes não contendam com a procedência daquelas o que não significa, porém, que a instauração do recurso seja de todo alheia à observância de um número mais ou menos apertado de regras instrumentais adequadas a esse fim.
IV)- A aprovação do sistema de auto - facturação dependia de se encontrar assegurado o cumprimento de todas as obrigações do IVA, mormente a prevista no artigo 28°, n°1, alínea b) do CIVA, que impõe ao fornecedor a obrigação de emitir as facturas ou documentos equivalentes, com todos os elementos previstos no artigo 35° do mesmo Código.
V)- De harmonia com o sistema da lei, o autorizado sistema de auto - facturação aprovado implicava que "- a empresa adquirente só poderá exercer o direito à dedução na posse do original da factura assinada ou autenticada pelo fornecedor" pelo que só operava depois de emitida a factura e a mesma ter sido entregue ao adquirente dos bens, devendo essa factura obedecer aos requisitos do artigo 35° n°5 do CIVA.
VI)- Contra as normas sistemáticas que supra se analisaram, a impugnante veio exercer o direito à dedução sem estar na posse do original da factura assinada e preferencialmente autenticada com um carimbo pelo fornecedor mas sem a assinatura / autenticação dos documentos emitidos pelo fornecedor, não se pode falar na existência de facturas no sentido do artigo 35° n°5 do CIVA, susceptíveis de permitirem o direito à dedução do IVA a elas referente.
VII)- E, se nada obrigava a impugnante a efectuar a dedução do imposto na data da sua autofacturação (em substituição dos fornecedores) e não no período em que se tivesse verificado a recepção das facturas ou documentos equivalentes, visto que a impugnante se antecipou, fê-lo porque assim o entendeu, ficando sujeita ao pagamento dos juros compensatórios, nos termos do artigo 89° do CIVA.
VIII)- Consequentemente, ao impor que a ora impugnante, só possa exercer o direito à dedução quando aquela tenha na sua posse o original da factura assinada e autenticada pelo fornecedor, a AF não põe em causa o direito à dedução do imposto por parte do adquirente, conforme decorre do artigo 22° do CIVA.
IX)- A Lei nº 16-A/2002, de 31, no seu artº 13º e sob a epígrafe Direito de audição, veio alterar o citado artigo 60º da LGT, dispondo que o n.° 3 do artigo 60.° da lei geral tributária, apro-vada pelo artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 398/98, de 17 de Dezembro, passa a ter a seguinte redacção: Tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem a alínea b) a alínea g) do n° 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda se não tenha pronunciado.
X)- O artº 13º da Lei nº 16-A/2002, de 31 de Maio tem um nº 2 que dispondo sobre a natureza do diploma prevê expressamente que “0 disposto no n.º 1 do presente artigo tem carácter interpretativo.”
XI)- Ora, tendo a Administração Tributária facultado ao contribuinte o direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária resulta cumprida a obrigação legal prevista no Art.° 60 LGT, pois a lei interpretativa se considera integrada na lei interpretada, o que significa que retroage os seus efeitos até à data da entrada em vigor da antiga lei, tudo ocorrendo como se tivesse sido publicada na data em que o foi a lei interpretada não se configurando a inconstitucionalidade alegada por violação do princípio da não retroactividade de lei em matéria tributária.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam nesta Secção do Contencioso do Tribunal Central Administrativo Sul:
I-RELATÓRIO
I – A...-AUTOMÓVEIS, Ldª., com os sinais identificadores dos autos, impugnou judicialmente a liquidação do IVA relativo ao mês de Setembro de 2000 e respectivos juros compensatórios no montante total de EUR 3.994,63.
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada julgou a impugnação improcedente.
Inconformada com tal decisão, a impugnante interpôs o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
I.-Por ser relevante para a boa decisão da causa e por o documento de prova se encontrar junto aos autos, importa que fique a constar da matéria de facto dada como provada que a declaração periódica de rendimentos referente ao período de Setembro de 2000 (01092000 a 30092000) foi entregue em 06.11.2000, tendo sido nessa data que se exerceu o direito à dedução do IVA suportado com as facturas emitidas em 30.09.2000, referidas nos pontos D) e E) do probatório;
II.- A aplicação retroactiva do disposto no n.° 3 do art.° 60° da LGT, e o afastamento do direito previsto na al. a) do n.° 1 do art.° 60° da LGT, com fundamento na natureza interpretativa daquela norma, nos termos do art.° 13°, n.° 2 da Lei n,° 16-A/2002, de 31 de Maio, é inconstitucional por violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal em matéria de garantias dos contribuintes.
III.- Tendo a Administração Tributária sustentado em sede de liquidação de juros compensatórios que o IVA foi deduzido "antecipadamente", pois, no âmbito da autofacturação, o período declarativo relevante para dedução do IVA suportado será o período em que se verifica a assinatura e autenticação do original da factura (Outubro 2000) e não o período da data da emissão da factura (Setembro 2000), tendo a Recorrente contestado, de direito esta tese, e tendo a sentença recorrida entendido que não haveria direito a dedução do IVA suportado no período de emissão da factura por a Recorrente não ter, nessa data, em seu poder os originais das facturas assinados ou autenticados pelos fornecedores e por, sem a assinatura/autenticação dos documentos emitidos pela A..., ida. pelo fornecedor, não se pode falar na existência da facturas no sentido do artigo 35°, n.° 5 do CIVA, susceptíveis de permitirem o direito à dedução do IVA e a elas referente, verifica-se um excesso de pronúncia gerador da anulação da sentença recorrida.
IV.-A sentença que, no âmbito do regime de IVA de autofacturação, julga que o exercício do direito de dedução do IVA ocorre no momento da liquidação do imposto, e que, por nesse momento o sujeito passivo não ter em seu poder o original da factura assinado ou autenticado pelo fornecedor não poderia ter deduzir o imposto suportado, é ilegal por violação do disposto no art.° 8°, 20°, 22°, n.° 1 e 3,40°, e 89°, n.° 1 do CIVA.
V.- Dos pontos C), D) e E) do probatório resulta que os originais das facturas em causa nos autos foram assinadas e autenticadas pelos fornecedores, pelo que a sentença recorrida comete erro de julgamento quando a decisão proferida assenta no pressuposto de que esses originais não foram assinados e autenticados.
VI.-A questão a que competia dar resposta na sentença recorrida era a de saber se o período da declaração em que a Recorrente podia exercer o direito de dedução do IVA suportado era o período em que foi emitida a factura ou o período em que a mesma foi assinada ou autenticada pelos fornecedores, pelo que padece a sentença recorrida de omissão de pronúncia por não se ter julgado a questão verdadeiramente controvertida nos presentes autos.
VII.- Efectivamente, a diferença de interpretação da lei existente entre a posição preconizada pela Administração Tributária e a Recorrente reside na data determinante para fixar o período em que pode ser exercido o direito de dedução do IVA suportado, se a data da emissão da factura, se a data em que o original da mesma é assinado ou autenticado pelo respectivo fornecedor.
VIII.- Tendo a emissão das facturas em regime de autofacturação ocorrido em 30.09.2000, e tendo os originais das facturas sido assinados e autenticados pelos fornecedores em 11 e 12 de Outubro, e tendo a declaração periódica de IVA referente ao período de Setembro de 2000 sido entregue em 06.11.2000, dúvidas não podem restar de que no momento do exercício do direito à dedução do IVA estavam reunidos os requisitos para a efectivação do mesmo, e de que o IVA deduzido dizia respeito ao período em que o mesmo se tornou exigível, isto é, o período de Setembro de 2000, pelo que deveria ser na declaração periódica referente a esse período que este IVA deveria ter sido - como foi - deduzido.
IX.- Em sede de regime de autofacturação, em vigor à data dos factos (exercício de 2000), a data relevante para a dedutibilidade do IVA é o do momento em que o imposto se torna exigível, isto é, o momento da emissão da factura, nos termos do art.° 8°, art.° 20° e art.° 22°, n.° 1 do CIVA, pelo que deverá ser no período em que a factura é emitida que deverá ser deduzido o IVA nela suportado.
X.-A posse do original da factura assinado ou autenticado pelo fornecedor apenas é condição do exercício do direito à dedução do IVA, não podendo o mesmo ser exercido, não podendo, consequentemente ser o IVA deduzido, chegado que seja a data limite de entrega da declaração periódica de IVA referente ao período de emissão da factura a que respeita o IVA dedutível, sem que o sujeito passivo tenha na sua posse o original da factura devidamente assinado ou autenticado pelo fornecedor.
Termos em que entende que deve a sentença recorrida ser integralmente revogada, por erro de julgamento, omissão e excesso de pronúncia e, em consequência, anulado o acto de liquidação de juros compensatórios, com todas as consequências legais.
Não houve contra – alegações.
O EPGA emitiu a fls. 195 o seguinte parecer:
Parece-nos que a sentença recorrida não merece censura.
Com efeito, tal como aí se refere, no caso dos autos, uma vez que o contribuinte foi notificado do relatório da inspecção para sobre ele se pronunciar, não havia que o notificar novamente antes da liquidação subsequente àquela inspecção desde que não fossem invocados factos novos.
Assim, não havia lugar a segunda audição prévia.
*
Tal como bem se refere no relatório e na sentença, o direito à dedução só se toma efectivo com a emissão da factura.
Ora, este momento só se verifica com a assinatura ou autenticação da factura pelo seu emitente. Se essa assinatura ou autenticação se verificou depois de 10 de Outubro, não pode a dedução verificar-se em Setembro.
Somos de parecer que o recurso não merece provimento.”
Os autos vêm à conferência depois de colhidos os vistos legais.
*
2.- FUNDAMENTAÇÃO

2.1.- DOS FACTOS:
Compulsados os autos e vista a prova produzida, consideram-se provados os seguintes factos na sentença recorrida:
A) - Em 9 de Abril de 2002 foi efectuada a liquidação adicional n° 02166852 de Juros Compensatórios de IVA relativos a Setembro de 2000, no montante de EUR 3.994,63, efectuada na sequência do Relatório de Inspecção, conforme douta p.i. de fls. 4 a 27 e documento a fls. 28 dos autos que se dão por reproduzidos;
B) - Em 28 de Março de 2002 foi aprovado por despacho da Coordenadora - Chefe -Inspectora Tributária Principal o Relatório/ Conclusões resultante da acção de fiscalização efectuada à impugnante, para análise da situação tributária relativa ao IVA do exercício de Setembro de 2000, conforme fls. 91 a 101 dos autos que se dão por integralmente reproduzidas;
C) - No referido Relatório consta da "Fundamentação das Correcções ao Reembolso de IVA ao Período de Setembro de 2000", o seguinte:
"(..) A autorização concedida pela DSAIVA, através da informação n° 1399 de 11 de Março de 1993, permite que a A... se substitua aos seus fornecedores na emissão das facturas, desde que exista um acordo prévio entre eles, e desde que estejam salvaguardados os interesses da Administração Fiscal pelo cumprimento das condições enumeradas no n°10 da mesma informação. Nestes termos, a empresa adquirente só poderá exercer o direito à dedução do imposto constante da factura, depois do original ter sido devolvido assinado e preferencialmente autenticado peto fornecedor. No âmbito da análise do pedido de reembolso verificaram-se as seguintes situações susceptíveis de correcção, nomeadamente pelo não cumprimento do disposto no n°10 da Informação n° 1399 de 11 de Março de 1993.
1 - Dedução antecipada de IVA no montante de 1405.766,48 relativamente ao fornecedor Vanpro Assentos, ida, contribuinte n° 502.974.214
A A... Automóveis, Lda deduziu a seguinte relação de facturas, emitidas sobre a forma de SBI's, relativamente às quais se verificou dedução antecipada de imposto:
Fornecedor
N° Factura
Data de emissão
Data de assinatura
IVA Factura (C)
Vanpro Assentos, Lda
0051335/00S85
30/09/00
Omissa
143,01 E
Vanpro Assentos, Lda
0051335/00S86
30/09/00
Omissa
71,51 E
Vanpro Assentos, Lda
0051335/00S87
30/09/00
Omissa
286,02 E
Vanpro Assentos, Lda
0051335/00S88
30/09/00
Omissa
68,44 E
Vanpro Assentos, Lda
0051335/00S89
30/09/00
Omissa
405.197,50E
Total
405.766,48 E

No caso em apreço, constata-se que a A... Automóveis, Lda. procedeu à dedução antecipada do IVA, uma vez que as referidas facturas, emitidas no último dia do mês de Setembro, apenas foram liquidadas pela Vanpro Assentos, Lda no período de IVA seguinte (Outubro de 2000) (Doc. 1 e 2). Assim, o valor do IVA constante nas referidas facturas, no montante de 405.766,48 E está sujeito a juros compensatórios nos termos do artigo 89°, n°1 do CIVA, entre o período em que foi deduzido pela A... Automóveis, Lda (Setembro de 2000) e o período em que existe o direito à dedução (Outubro de 2000).
(...)
4 - Dedução antecipada de IVA no montante de E 42.964,06 relativamente a facturas do fornecedor EDSCHA Portugal, contribuinte nº PT 503.059.137
A A... Automóveis, Lda deduziu a seguinte relação de facturas, emitidas sobre a forma de SBI's, relativamente às quais se verificou dedução antecipada de imposto:
Fornecedor
Nº Factura
Data de emissão
Data de assinatura
IVA Factura (C)
EDSCHA Portugal
0054281/00S48
30/09/00
11/10/00
744,08 E.
EDSCHA Portugal
0054281/00S49
30/09/00
11/10/00
42.219,98E
Total
42.964,06 E
No caso em apreço, constata-se que a A... Automóveis, ida. procedeu à dedução antecipada do IVA, uma vez que as referidas facturas, emitidas no último dia do mês de Setembro, apenas foram assinadas em 11 de Outubro de 2000. Acresce o facto de a empresa EDSCHA Portugal ter prestado esclarecimentos a estes serviços que os referidos SBI's apenas foram liquidados no mês de Outubro de 2000 (DoC. 3). Assim, o valor do IVA constante nas referidas facturas, no montante de 42.964,06 E está sujeito a juros compensatórios nos termos do artigo 89°, n°1 do CIVA, entre o período em que foi deduzido pela A... Automóveis, ida (Setembro de 2000) e o período em que existe o direito à dedução (Outubro de 2000). (...)'- Cfr. - Fls. 91 a 101;
D) - As facturas emitidas em nome da Edscha Portugal & Commandita n°s 0054281/0080000048 e 0054281/00S0000049, com os valores de IVA de E 744,08 e de E 42.220,12, respectivamente, foram assinadas em 11/10/00. - cfr. fls. 100 a 101;
E) - No extracto de conta Corrente de Cliente, relativo ao período de 2000/01/01 a 2000/12/31, consta com data de 2000/10/12, o registo dos débitos das facturas n°s 885, 886, 887, 888 e 889 da Vanpro Assentos, Lda - cfr. fls. 97;
F) - No Relatório referido em C), consta no que ao direito de audição se refere que:
"(...) o sujeito passivo foi notificado, nos termos previstos no art°. 60° da Lei Geral Tributária (LGT) e artº. 60° do Regime Complementar do Procedimento da Inspecção Tributária (RCPIT).
O sujeito passivo exerceu o direito de audição, manifestando discordância relativamente às correcções propostas nos pontos 1 e 4 do projecto de relatório, (...)", cfr. fls. 95;
G) - Em 11 de Março de 1993, foi elaborada pelo Serviço de Administração do IVA a Informação n° 1399, na sequência do procedimento proposto pela impugnante, da qual consta:
“(...)4.: O procedimento proposto, consiste em as exponentes substituírem os fornecedores na produção física das facturas, mas mantendo aquele a sua responsabilidade no cumprimento das suas obrigações em sede de IVA.
(...)
“7. Do disposto na nossa legislação, nomeadamente no art°. 28°, n°1, alínea b) do Código do IVA, resulta que é ao fornecedor que compete a obrigação de emitir as respectivas facturas ou documentos equivalentes, contendo todos os elementos referidos no artº. 35°, não se encontrando legalmente prevista na legislação a possibilidade dos documentos em causa serem produzidos pelos clientes ainda que autorizados pelos fornecedores.
8. Ao autorizar-se tal procedimento estaríamos a alterar completamente a coerência e uniformidade que se pretende na aplicação do CIVA, podendo mesmo prejudicar a economia do imposto, na medida em que iria permitir a dedução dos montantes de imposto ao sujeito passivo adquirente dos bens ou serviços sem que, para o mesmo período de imposto, ficasse assegurado a liquidação e entrega nos Cofres do Estado, por parte dos sujeitos passivos fornecedores dos bens e serviços.
9. É certo que a Administração Fiscal não pode alienar-se da crescente implementação de novas tecnologias que obrigam os sujeitos passivos ao recurso dos mais sofisticados processos informáticos, com ganhos de eficácia e competitividade, pelo que poderá, ainda que a título excepcional, autorizar outros procedimentos, desde que os mesmos não prejudiquem a disciplina do imposto.
10. Assim sendo, e para que fique assegurado o cumprimento de todas as obrigações em IVA e salvaguardados os interesses da Administração Fiscal, estes Serviços autorizarão o sistema de facturação proposto pelas exponentes, desde que verificadas as seguintes condições:
-as facturas sejam processadas por computador e provenham integralmente de um programa de facturação, contendo todos os requisitos do n°5 do artº. 35° do CIVA;
- devem ser elaborados em face da guia de remessa;
- cada fornecedor deverá ter uma numeração sequencial;
- deverão ser remetidas ao fornecedor no prazo de 5 dias;
- o original deverá ser devolvido pelo fornecedor devidamente assinado e preferencialmente autenticado com um carimbo;
- a empresa adquirente só poderá exercer o direito à dedução na posse do original da factura assinada ou autenticada pelo fornecedor;
- deverá ser elaborada uma lista dos fornecedores nestas condições, por distrito, e enviada à Direcção de Finanças da área das respectivas sedes. (...)" (cfr - fls.29 a 32 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidas);
H) - Em 12 de Março de 1993, a Informação n° 1399, supra referida, foi aprovada pelo Subdirector Geral, através de despacho com o seguinte teor:
"Concordo a título excepcional devendo ainda a empresa ter o acordo dos seus fornecedores para pôr em funcionamento o sistema. Comunique-se', (cfr - fls. 29 dos autos);
l) - Em 28 de Agosto de 2001, a impugnante dirigiu a seguinte carta à Edscha Portugal Commandita, sob o assunto: Sistema de Auto-Facturação, na qual consta:
"...É nosso objectivo através da presente missiva relembrar as regras inerentes ao sistema de auto-facturação. Este sistema foi autorizado por despacho dos Serviços de Administração do IVA de 11/03/93, tendo sido por V. Exas, aceite. (...)
O sistema de auto-facturação é uma mera solução técnica, que não altera em nada as obrigações fiscais e legais de V. Exa. Nomeadamente no que se refere à obrigação do fornecedor liquidar o IVA no mês da data da emissão da auto-factura.
Para que fique assegurado o cumprimento de todas as obrigações em sede de IVA e salvaguardados os interesses da Administração Fiscal, os Serviços exigem que o original da auto-factura seja devolvido pelo fornecedor devidamente assinado e carimbado. Este procedimento dá a garantia à Administração Fiscal que o fornecedor vai liquidar o IVA no mês da emissão da auto-factura, podendo a A..., por sua vez deduzir este imposto.
O não cumprimento do disposto em cima, faz com que quer a A..., quer a vossa empresa possam incorrer em infracções fiscais. (Assinada pelo Accouting Manager, A... -Automóveis, ida. (...)', (cfr-fls. 33);
J)- As declarações periódicas da A...-Automóveis, Lda, Palmeia, relativas ao IVA período de 2000-09-01 a 2000-09-30 foram remetidas à AF, (Cfr. fls. 119 a 124);
L) - Em 1 de Julho de 2002, a ora impugnante pagou o montante de E 3994,63 relativo a juros por dedução antecipada de IVA em Setembro de 2000, (cfr fls.28 e 50);
M)- A impugnante instaurou a presente impugnação no dia 30 de Setembro de 2002, conforme carimbo aposto na p.i. a fls. 2, que se dá por reproduzido;
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A convicção do Tribunal formou-se com base no teor dos documentos referidos em cada uma das alíneas supra.
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Não se provaram outros factos com relevância para a decisão.
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2.2. – DA APLICAÇÃO DO DIREITO AOS FACTOS
Atenta a factualidade apurada e aquelas conclusões que delimitam o objecto do recurso, são as seguintes as questões a apreciar no presente recurso:
a)- Saber se ocorre a nulidade da sentença por excesso e omissão de pronúncia – conclusões IIIª e VIª;
b)- Erro de julgamento sobre a matéria de facto- conclusões Iª, IVª E Vª;
c)- Erro de julgamento sobre a matéria de direito sobre as condições do exercício do direito à dedução- conclusões IVª, VIIª A Xª;
d)- Inconstitucionalidade por violação do princípio da não rectroactividade da lei fiscal – conclusão IIª;
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Assim:
a)- Da nulidade da sentença por omissão e excesso de pronúncia e do b)- Erro de julgamento sobre a matéria de facto
A recorrente radica a nulidade arguida (omissão de pronúncia) na circunstância de, segundo ela, a questão a que competia dar resposta na sentença recorrida era a de saber se o período da declaração em que a Recorrente podia exercer o direito de dedução do IVA suportado era o período em que foi emitida a factura ou o período em que a mesma foi assinada ou autenticada pelos fornecedores, pelo que padece a sentença recorrida de omissão de pronúncia por não se ter julgado a questão verdadeiramente controvertida nos presentes autos.
E diz que a sentença incorreu em excesso de pronúncia porquanto, tendo a Administração Tributária sustentado em sede de liquidação de juros compensatórios que o IVA foi deduzido "antecipadamente", pois, no âmbito da autofacturação, o período declarativo relevante para dedução do IVA suportado será o período em que se verifica a assinatura e autenticação do original da factura (Outubro 2000) e não o período da data da emissão da factura (Setembro 2000), tendo a Recorrente contestado, de direito esta tese, e tendo a sentença recorrida entendido que não haveria direito a dedução do IVA suportado no período de emissão da factura por a Recorrente não ter, nessa data, em seu poder os originais das facturas assinados ou autenticados pelos fornecedores e por, sem a assinatura/autenticação dos documentos emitidos pela A..., ida. pelo fornecedor, não se pode falar na existência da facturas no sentido do artigo 35°, n.° 5 do CIVA, susceptíveis de permitirem o direito à dedução do IVA e a elas referente, verifica-se um excesso de pronúncia gerador da anulação da sentença recorrida.
A recorrente entende ainda que por ser relevante para a boa decisão da causa e por o documento de prova se encontrar junto aos autos, importa que fique a constar da matéria de facto dada como provada que a declaração periódica de rendimentos referente ao período de Setembro de 2000 (01092000 a 30092000) foi entregue em 06.11.2000, tendo sido nessa data que se exerceu o direito à dedução do IVA suportado com as facturas emitidas em 30.09.2000, referidas nos pontos D) e E) do probatório;
E a sentença que, no âmbito do regime de IVA de autofacturação, julga que o exercício do direito de dedução do IVA ocorre no momento da liquidação do imposto, e que, por nesse momento o sujeito passivo não ter em seu poder o original da factura assinado ou autenticado pelo fornecedor não poderia ter deduzir o imposto suportado, é ilegal por violação do disposto no art.° 8°, 20°, 22°, n.° 1 e 3,40°, e 89°, n.° 1 do CIVA.
É que, diz a recorrente, dos pontos C), D) e E) do probatório resulta que os originais das facturas em causa nos autos foram assinadas e autenticadas pelos fornecedores, pelo que a sentença recorrida comete erro de julgamento quando a decisão proferida assenta no pressuposto de que esses originais não foram assinados e autenticados.
Quanto aos vícios formais da sentença (nulidade por omissão e excesso de pronúncia), dir-se-á que esta é uma decisão dos tribunais no exercício da sua função jurisdicional que, no caso posto à sua apreciação, dirimem um conflito de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativas fiscais (artº 3º do ETAF). Ela conhece do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para o caso concreto, pelo que a sentença pode estar viciada de duas causas que poderão obstar à eficácia ou validade da dicção do direito:- por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e então a consequência é a sua revogação; por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e então torna-se passível de nulidade, nos termos do artº 125º do CPPT.
A matéria alegada no recurso, qualificável como omissão/excesso de pronúncia, substanciada na sobreditas conclusões, delimitadoras do objecto do recurso, integra a primeira a situação em que se imputa à sentença violação das regras da sua elaboração e estruturação ou vício que atenta contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada – cfr. Ac. deste Tribunal Central Administrativo Sul de 25/01/2005, no Recurso nº 375/03.
Todavia, vigora o principio pro actione consagrado no art° 288° n° 3 CPC, também denominado como "prevalência da decisão de mérito" em desfavor da decisão de forma, à luz do qual se permite a prolação de decisão de mérito mesmo que, por subsistir uma excepção dilatória, coubesse antes declarar a absolvição da instância ao abrigo dos art° s. 105° n° l, 288° n° l a), 493° n° 2 e 494° n° l a), CPC.
E o princípio pro actione, é aplicável ex vi art° 2° al. e) do CPPT até porque inexiste norma especial que inviabilize a sua transposição para a situação concreta, tendo hoje acolhimento expresso nos art°s. 7° e 12° n° 3 do CPTA- cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (Contencioso Administrativo) de 06/01/2005, Recurso nº 12301/03, em cuja fundamentação nos louvamos no discurso imediatamente a seguir.
Como ensina o Prof. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo civil, Lex, 2a edição, 1997, págs.477/478:
“(...) se estiverem simultaneamente pendentes uma apelação relativa à decisão de mérito desfavorável ao autor e um agravo relativo à decisão sobre os pressupostos processuais interposto pelo réu, o art° 710° n° l (aplicável à revista ex vi do art° 726°), determina que este agravo só deva ser apreciado se a decisão sobre o mérito for confirmada (..)
(..) [se] o réu agravou do despacho saneador que reconheceu a legitimidade das partes (..) e o autor apelou da decisão de improcedência da causa (..) segundo o art° 710° n° l, o Tribunal ad quem só se ocupa do problema da legitimidade processual se a absolvição do pedido não for confirmada, o que mostra que a confirmação de uma decisão de mérito favorável ao réu recorrido pretere (ou permite deixar em aberto) a análise daquele pressuposto processual.
Se o Tribunal tiver conhecido do mérito da causa e se só tiver sido interposto recurso dessa decisão, há que averiguar em que condições o Tribunal ad quem se pode pronunciar sobre esse mérito (confirmando ou revogando a decisão recorrida) se faltar um pressuposto processual geral.
O critério continua a ser, dado o abandono da apreciação prévia dos pressupostos processuais estabelecido no art° 288° nº 3, 2a parte, o de averiguar se a decisão sobre o mérito é favorável à parte que seria beneficiada com o preenchimento do pressuposto que (eventualmente) falta. A aplicação deste critério conduz aos seguintes resultados:
- se o autor tiver recorrido de uma decisão de improcedência, o Tribunal pode confirmar essa decisão, ainda que entenda que falta um pressuposto processual favorável ao réu, mas não pode revogá-la e substituí-la por uma decisão condenatória sem verificar o preenchimento dos pressupostos favoráveis ao demandado;
- se o réu tiver interposto recurso de uma decisão de procedência, o Tribunal ad quem pode revogá-la, mesmo que falte um pressuposto favorável ao réu, mas não pode confirmá-la sem o preenchimento dos pressupostos favoráveis ao autor (...)".
Ora, o princípio pro actione (também chamado anti-formalista) encontra igualmente clara manifestação no art. 124º do CPPT ( o qual segue de muito perto o artº 57º da LPTA) e aponta para a ultrapassagem de escolhos de cariz adjectivo e processual em ordem à resolução do dissídio para cuja tutela o meio processual fora utilizado.
Como salientam A . J. Sousa e Silva Paixão, CPPT Comentado e Anotado, 1ª ed., pág. 303, a finalidade de tal normativo é a de conferir uma maior eficácia e estabilidade à tutela jurisdicional dos interesses do ofendido, impondo que, em regra, de entre os vícios que conduzam à declaração de invalidade, o juiz conhecerá prioritariamente daqueles que, em seu prudente critério, determinam uma mais estável e eficaz tutela dos interesses ofendidos.
Aplicando tal princípio ao presente recurso, tendemos a considerar que se deve conhecer das questões de mérito, preterindo o conhecimento dos vícios formais da sentença quando estes não contendam com a procedência daquelas o que não significa, porém, que a instauração do recurso seja de todo alheia à observância de um número mais ou menos apertado de regras instrumentais adequadas a esse fim.(1)
Foi o n. 5 do art. 268 da Constituição da República Portuguesa, introduzido pela Lei Constitucional n. 1/89 ( após a revisão constitucional operada pela Lei Constitucional 1/97 de 20/9, é o n. 4 desse preceito), que veio reforçar o princípio "pro actione" ou da accionabilidade, com a institucionalização da viabilidade de acções jurisdicionais administrativas a título principal, que não apenas para mero suprimento ou colmatação das lacunas ou insuficiências da protecção proporcionada pelo recurso contencioso de anulação.
É claro que, como se salienta no Ac. do STA de 31/03/98, Recurso nº 038367 (Contencioso Administrativo), tal inovação abrangente ínsita no preceito não teve porém o propósito de subverter a "normalidade" legal antes visando alcançar uma adequação ou racionalização dos meios de tutela processual aos fins a atingir, em consonância com o art. 2, nº 2 do CPC por forma a estabelecer um elo de correspondência entre o direito a defender e o meio processual a utilizar para o efeito.
Neste ponto, há a considerar que o "pro actione" postula, além do mais, uma interpretação da situação em análise, por forma a privilegiar, sempre que tal seja processualmente possível, o conhecimento da questão de fundo, assim se assegurando a tutela jurisdicional efectiva, possibilitando o exame do mérito das pretensões deduzidas em juízo.
Dito de outro modo:- o que releva é que à Recorrente se possa reconhecer um interesse actual na anulação da sentença por vícios de forma ou de estruturação em virtude de, a partir do conhecimento de tal vício, se poder alcançar uma decisão de fundo favorável.
Para esse efeito, é mister fazer-se uma apreciação casuística das situações para se aquilatar da racionalidade e da funcionalidade da cognição das arguidas nulidades da sentença. Em princípio, e segundo um critério de normalidade, perante a existência de uma decisão que prejudica o interesse do recorrente, a interposição do recurso que seja julgado improcedente de fundo, com a consequente execução de sentença, assegurará uma eficaz tutela jurisdicional dos direitos ou interesses afectados e, por isso, surgirá como totalmente injustificado o conhecimento das nulidades. Só assim não será se do conhecimento das nulidades resulte a "insuficiência" ou a "ineficácia" do uso do "meio normal", cabendo ao interessado/recorrente o ónus objectivo da prova do seu interesse processual, designadamente que a solução encontrada não prejudica o conhecimento de questões omitidas, não é consequência de outras questões de que não podia conhecer, que faltam os fundamentos de facto ou de direito em que a mesma se funda , que a fundamentação adoptada impunha decisão diversa, enfim, uma das situações tipificadas na lei (artº 125º do CPPT e 668º do CPC) como geradoras de nulidade da sentença.
O art. 124º do CPPT possui um sentido útil que resulta da respectiva interpretação conforme a Constituição: o conhecimento dos vícios formais da sentença só deverá ser exercitado nos casos em que a solução normal e típica não se apresente como garantindo uma efectiva tutela jurisdicional do direito ou interesse em causa; isto segundo uma ideia de complementaridade ou alternatividade instrumental, que não por uma ideia de subalternização ou de secundarização dos vícios formais em relação aos substanciais.
Estando no caso sub-specie em causa questões que têm a ver com direitos que a Recorrente pretende ver reconhecidos através da impugnação que deduziu contra um acto de liquidação, concreta e substancialmente, o direito de obter a anulação de tal acto, não podendo ser cabalmente satisfeitos pela anulação da decisão em causa, tal implica que a decisão de fundo deixará a situação no estado em que se encontrava antes da sua prolação, levando a execução da sentença cuja anulação de pretende, ainda que declarada pelas causas invocadas, à manutenção dessa situação, não se justifica o meio processual utilizado.
Nessa perspectiva havendo, pois, que confirmar-se a sentença não obstante os vícios formais que lhe são assacados, verificava a existência de situação que obsta, à luz do princípio da prevalência da substância sobre a forma ou pro – actione ao conhecimento das nulidades arguidas.
Em suma: por mor do principio pro actione consagrado, prevalentemente, no art° 124º do CPPT e 2º, nº 2 do CPC, também denominado como “prevalência da decisão de mérito" em desfavor da decisão de forma, permite-se a prolação de decisão de mérito mesmo que, por subsistir uma causa de nulidade, coubesse antes declarar a anulação da sentença e conhecer de mérito em substituição ao abrigo do art° . 715º do CPC, se a decisão do mérito vier a ser a mesma que a acolhida na sentença recorrida.
Na verdade, na hipótese em que o objecto do recurso é uma nulidade da sentença, o Tribunal ad quem não deve ocupar-se desse vício se a decisão sobre o mérito não puder ser favorável à parte que beneficiaria com o seu preenchimento.
Tal não constitui um excesso de exigência quanto ao exacto conteúdo dos direitos que as partes podem exercer pressupondo que estas deverão estar ao corrente, e conhecer com minúcia, todos os meios legais que lhe são facultados.
E tal exigência não é excessiva porquanto se harmoniza com o princípio pro actione ou do direito à justiça plasmado no art. 20º da Constituição.
E entre a ofensa a um tal direito e o inconveniente de facultar-se às partes, em mais do que um momento, o exercício do direito que lhe compete, não pode duvidar-se que a opção acertada é a do respeito daquele direito fundamental.
Em tal desiderato não deverá aquela nulidade ser conhecida, de modo a permitir ao tribunal «ad quem» dirimir definitivamente a questão, em homenagem ao princípio «pro actione» ou «pro-recurso», consubstanciado no velho brocardo latino «favorabilia amplianda, odiosa restringenda», de que constitui evidente erupção todos os citados normativos.
Por outro lado, quanto ao erro de julgamento, sobre a matéria de facto, sustenta a recorrente que há erro/insuficiência da fundamentação da matéria de facto dada como provada dado que, em seu entender, tem que ser dada relevância positiva à factualidade alegada sob as conclusões consubstanciadas nas citadas alíneas.
Ora, se se concluir- como vai concluir – que o direito à dedução só se torna efectivo com a emissão da factura e isso só ocorre com a assinatura ou autenticação da factura pelo seu emitente e que, como a assinatura ou autenticação, «in casu» se verificopu após 10 de Outubro, não pode a dedução operar-se em Setembro, dir-se-á que não se vê qualquer utilidade em acrescentar aquela factualidade ao probatório tendo em conta as vária soluções plausíveis de direito.
Assim, ainda por aplicação do princípio pro-actione não se justifica o conhecimento do vício de violação de lei assacado pela recorrente à sentença quanto ao erro de julgamento sobre a matéria de facto, sendo a decisão fáctica da sentença são de confirmar inteiramente.
Em face do que vem dito tem precedência o conhecimento das questões suscitada pela Recorrente nos itens c)- [Erro de julgamento sobre a matéria de direito sobre as condições do exercício do direito à dedução- conclusões IVª, VIIª A Xª] e d)- [Inconstitucionalidade por violação do princípio da não rectroactividade da lei fiscal – conclusão IIª] tanto mais que as nulidades arguidas se conectam com o apuramento de factos que não foram dados como provados na decisão recorrida, o que envolve actividade no domínio da fixação da matéria de facto.(2)
*
Donde que:
Do Erro de julgamento sobre a matéria de direito sobre as condições do exercício do direito à dedução- conclusões IVª, VIIª a Xª]:

Diz a Recorrente que a diferença de interpretação da lei existente entre a posição preconizada pela Administração Tributária e a Recorrente reside na data determinante para fixar o período em que pode ser exercido o direito de dedução do IVA suportado, se a data da emissão da factura, se a data em que o original da mesma é assinado ou autenticado pelo respectivo fornecedor.
Com base nessa premissa, arguemnta a Recorrente que tendo a emissão das facturas em regime de autofacturação ocorrido em 30.09.2000, e tendo os originais das facturas sido assinados e autenticados pelos fornecedores em 11 e 12 de Outubro, e tendo a declaração periódica de IVA referente ao período de Setembro de 2000 sido entregue em 06.11.2000, dúvidas não podem restar de que no momento do exercício do direito à dedução do IVA estavam reunidos os requisitos para a efectivação do mesmo, e de que o IVA deduzido dizia respeito ao período em que o mesmo se tornou exigível, isto é, o período de Setembro de 2000, pelo que deveria ser na declaração periódica referente a esse período que este IVA deveria ter sido - como foi - deduzido.
E isso porque, diz ainda a Recorrente, em sede de regime de autofacturação, em vigor à data dos factos (exercício de 2000), a data relevante para a dedutibilidade do IVA é o do momento em que o imposto se torna exigível, isto é, o momento da emissão da factura, nos termos do art.° 8°, art.° 20° e art.° 22°, n.° 1 do CIVA, pelo que deverá ser no período em que a factura é emitida que deverá ser deduzido o IVA nela suportado.
E, conclui, a posse do original da factura assinado ou autenticado pelo fornecedor apenas é condição do exercício do direito à dedução do IVA, não podendo o mesmo ser exercido, não podendo, consequentemente ser o IVA deduzido, chegado que seja a data limite de entrega da declaração periódica de IVA referente ao período de emissão da factura a que respeita o IVA dedutível, sem que o sujeito passivo tenha na sua posse o original da factura devidamente assinado ou autenticado pelo fornecedor.
O EPGA defende que, tal como bem se refere no relatório e na sentença, o direito à dedução só se toma efectivo com a emissão da factura; e, como este momento só se verifica com a assinatura ou autenticação da factura pelo seu emitente, se essa assinatura ou autenticação se verificou depois de 10 de Outubro, não pode a dedução verificar-se em Setembro.
Quid juris?
Crucial para a questão a apreciar e decidir é o que consta da sentença ao apreciar a questão de saber se a dedução de IVA relativo a facturas emitidas pela impugnante em nome dos seus fornecedores em 2000/09/30, na declaração periódica desse mês, no âmbito do Sistema de auto - facturação autorizado, a título excepcional, pelos Serviços de Administração do IVA, sem que as mesmas tenham sido assinadas e carimbadas pelo fornecedor, desrespeita as normas do CIVA e determina a aplicação de juros compensatórios por dedução antecipada de IVA pela ora impugnante.
Expende-se na peça:
“Ora, o sistema de auto-facturação aprovado pela AF, a título excepcional, estava sujeito a normas específicas de modo a que a facturação antecipada não subvertesse as normas do IVA, o que claramente se lê no seu ponto 8:
"8. Ao autorizar-se tal procedimento estaríamos a alterar completamente a coerência e uniformidade que se pretende na aplicação do CIVA, podendo mesmo prejudicar a economia do imposto, na medida em que iria permitir a dedução dos montantes de imposto ao sujeito passivo adquirente dos bens ou serviços sem que, para o mesmo período de imposto, ficasse assegurado a liquidação e entrega nos Cofres do Estado, por parte dos sujeitos passivos fornecedores dos bens e serviços."
Na verdade, a aprovação deste sistema dependia de se encontrar assegurado o cumprimento de todas as obrigações do IVA, realçando-se a prevista no artigo 28°, n°1, alínea b) do CIVA, do qual resulta que cabe ao fornecedor a obrigação de emitir as facturas ou documentos equivalentes, com todos os elementos previstos no artigo 35° do mesmo Código.
Assim, no sistema de auto-facturação aprovado, fixaram-se várias condições, no seu ponto 10, para não alterar as normas do IVA, das quais se destaca que:
"- a empresa adquirente só poderá exercer o direito à dedução na posse do original da factura assinada ou autenticada pelo fornecedor".
Ora, no caso em apreço, tal não aconteceu, não sendo defensável a tese da impugnante no sentido de que a dedução do imposto está limitada, apenas, ao facto do adquirente se encontrar na posse do original da factura.
A ser assim, dispondo a adquirente do sistema de auto-facturação, de mais nada precisaria para deduzir o IVA em relação a esses "documentos". Não é isso o que decorre do ponto 10 da Informação de 1993.
Em regra, emitida a factura, a mesma deve ser entregue ao adquirente dos bens. Essa factura tem de obedecer aos requisitos do artigo 35° n°5 do CIVA; No caso em apreço, a mera auto-facturação pela A..., em substituição do fornecedor, sem o cumprimento das condições previstas na Informação n° 1399 de 1993, não origina a existência de uma factura de acordo com os termos legais.
Na verdade, as correcções ao reembolso de IVA relativo ao período de Setembro de 2000, foram realizadas por incumprimento das condições previstas no n°10 da Informação n° 1399 de 1993 que dispõe que a impugnante só poderá exercer direito à dedução na posse do original da factura assinada e preferencialmente autenticada com um carimbo pelo fornecedor.
Ora, sem a assinatura / autenticação dos documentos emitidos pela A..., Lda, pelo fornecedor, não se pode falar na existência de facturas no sentido do artigo 35° n°5 do CIVA, susceptíveis de permitirem o direito à dedução do IVA a elas referente.
E nada obrigava a impugnante a efectuar a dedução do imposto na data da sua autofacturação (em substituição dos fornecedores) e não no período em que se tivesse verificado a recepção das facturas ou documentos equivalentes.
Ou seja, a AF ao impor que a ora impugnante, só possa exercer o direito à dedução quando aquela tenha na sua posse o original da factura assinada e autenticada pelo fornecedor, não põe em causa o direito à dedução do imposto por parte do adquirente, conforme decorre do artigo 22° do CIVA.
Se a impugnante se antecipou, fê-lo porque assim o entendeu, ficando sujeita ao pagamento dos juros compensatórios, nos termos do artigo 89° do CIVA.”
Sufraga-se inteiramente a fundamentação jurídica da sentença.
O processo de impugnação judicial visa atacar, anular o acto tributário, aquela declaração de vontade da Administração Fiscal, (...), que define o quantum a exigir ao contribuinte (liquidação), ou as situações de facto definitivas de que depende a determinação desse quantum (...)1 1 (Nas palavras de Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão, Código de Processo Tributário, Anotado e Comentado», Almedina, 3ª edição, pág. 257).
O reembolso – em consequência do direito à dedução - tem autonomia face às situações de facto que o determinam, designadamente em termos temporais, como resulta dos arts. 22° e 83°-B do CIVA: não basta a existência de operações que confiram o direito à dedução; o contribuinte tem que exercer o respectivo direito e só apôs a análise da situação em concreto (procedimento administrativo), é que surge a declaração de vontade da Administração Fiscal, (...), que define o quantum a exigir ao contribuinte, (neste caso, o montante a atribuir-lhe).
Resultando do art. 1 do CIVA que estão sujeitas a IVA, além do mais, as transmissões de bens e as prestações de serviços efectuadas, no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo tem aquele a natureza de imposto de obrigação única já que incide sobre cada transmissão e no momento em que esta ocorre independentemente de o seu apuramento (art. 19 e segs. do CIVA) e pagamento (art. 26 e segs.) assumirem certa periodicidade.
Neste âmbito, são úteis algumas considerações preliminares no que se refere ao cumprimento das obrigações contabilísticas, pois existem duas perspectivas a acautelar.
Por um lado, a contabilidade deve estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor, nomeadamente, os artigos 44°, 45°, 46°, 48°e 49° do Código do IVA.
Estas obrigações acessórias de natureza formal são criadas com o objectivo de permitir o controlo das operações tributáveis e a respectiva violação pode tornar impossível a determinação da base de incidência do imposto. Infringidas as referidas regras formais, só através de outros meios de prova que não a contabilidade se pode demonstrar a existência de quaisquer factos tributários relevantes.
Antes de mais, a contabilidade deve reflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo.
Constituindo, de acordo com o entendimento de SALDANHA SANCHES, que adoptamos, uma obrigação de resultado, a contabilidade deve permitir o controlo pela Administração da base tributável. Impendendo sobre os sujeitos passivos que desenvolvam uma actividade empresarial o dever de registarem todos os acontecimentos comerciais, todos os pagamentos ou recebimentos realizados, criando-se assim uma base clara e segura para a prestação de contas. E permitindo, desta forma, registar todas as relações patrimoniais em que participa a empresa.
Por outro lado, atendendo ao especial regime de liquidação e cobrança do IVA (o Estado comete a liquidação aos intervenientes nas operações sujeitas e a entrega final impende sobre o sujeito passivo), para que sejam aceites os registos contabilísticos relativos ao IVA, têm de existir correspondentes facturas e/ou documentos equivalentes passados em forma legal (- art. 35º do CIVA).
Aquela exigência de observância da forma legal prescrita no CIVA justifica-se, antes de mais, dentro da lógica interna do regime de um imposto plurifásico, que incide sobre cada fase da transacção dos bens ou serviços, por ser necessário o cumprimento rigoroso das regras legais, de forma a facilitar o controlo da fiscalização e evitar a fuga à tributação.
Mas porque a AF, no exercício da sua competência fiscalizadora da conformidade da actuação dos contribuintes com a lei (arts. 76º do CIVA e 107º do CIRC) actua no uso de poderes vinculados, submetida ao princípio da legalidade, cabe-lhe o ónus de prova da verificação dos pressupostos que a determinaram a efectuar as correcções técnicas ou, porventura, a fixar o imposto por métodos indirectos, cumprindo-lhe demonstrar a factualidade que a leva a considerar determinada factura, quer como não preenchendo os requisitos formais contidos na lei, quer a considerar determinada operação documentada, como simulada.
No caso dos autos, assinalam as informações oficiais prestadas e levadas ao conhecimento do contribuinte, foi operada liquidação reportada a um sistema de auto-facturação aprovado pela AF, a título excepcional, ao qual a recorrente estava adstrita mediante a sujeição a normas específicas mormente a do ponto 8:- “Ao autorizar-se tal procedimento estaríamos a alterar completamente a coerência e uniformidade que se pretende na aplicação do CIVA, podendo mesmo prejudicar a economia do imposto, na medida em que iria permitir a dedução dos montantes de imposto ao sujeito passivo adquirente dos bens ou serviços sem que, para o mesmo período de imposto, ficasse assegurado a liquidação e entrega nos Cofres do Estado, por parte dos sujeitos passivos fornecedores dos bens e serviços."
Quer isto dizer, como se salienta na sentença recorrida, que a aprovação deste sistema dependia de se encontrar assegurado o cumprimento de todas as obrigações do IVA, realçando-se a prevista no artigo 28°, n°1, alínea b) do CIVA, do qual resulta que cabe ao fornecedor a obrigação de emitir as facturas ou documentos equivalentes, com todos os elementos previstos no artigo 35° do mesmo Código.
A grande condição imposta no autorizado sistema de auto - facturação aprovado, era a definida no ponto 10, a saber: "- a empresa adquirente só poderá exercer o direito à dedução na posse do original da factura assinada ou autenticada pelo fornecedor".
A tese da impugnante é contrária ao que decorre de tal conditio pois para ela a dedução do imposto dependeria do facto do adquirente se encontrar na posse do original da factura o que, na prática, conduzia a que dispondo a adquirente do sistema de auto-facturação, de mais nada precisaria para deduzir o IVA em relação a esses "documentos".
Ora, o sistema autorizado jamais poderia subverter o distema legal de acordo com o qual, emitida a factura, a mesma deve ser entregue ao adquirente dos bens e essa factura tem de obedecer aos requisitos do artigo 35° n°5 do CIVA.
A ser assim, a mera auto-facturação pela A..., em substituição do fornecedor, sem o cumprimento das condições previstas na Informação n° 1399 de 1993, não originava a existência de uma factura de acordo com os termos legais.
A impugnante só poderia exercer direito à dedução na posse do original da factura assinada e preferencialmente autenticada com um carimbo pelo fornecedor.
Sem a assinatura / autenticação dos documentos emitidos pela A..., Lda, pelo fornecedor, não se pode falar na existência de facturas no sentido do artigo 35° n°5 do CIVA, susceptíveis de permitirem o direito à dedução do IVA a elas referente.
Como bem se refere na sentença recorrida nada obrigava a impugnante a efectuar a dedução do imposto na data da sua autofacturação (em substituição dos fornecedores) e não no período em que se tivesse verificado a recepção das facturas ou documentos equivalentes.
Consequentemente, ao impor que a ora impugnante, só possa exercer o direito à dedução quando aquela tenha na sua posse o original da factura assinada e autenticada pelo fornecedor, a AF não põe em causa o direito à dedução do imposto por parte do adquirente, conforme decorre do artigo 22° do CIVA.
Acresce que a dedução e o reembolso tem autonomia face às situações de facto que o determinam, designadamente em termos temporais, como resulta dos arts. 22° e 83°-B do CIVA: não basta a existência de operações que confiram o direito à dedução; o contribuinte tem que exercer o respectivo direito e só apôs a análise da situação em concreto (procedimento administrativo), é que surge a declaração de vontade da Administração Fiscal, (...), que define o quantum a exigir ao contribuinte, (neste caso, o montante a atribuir-lhe).
Como ensina o Conselheiro JORGE LOPES DE SOUSA, em anotação ao artigo 136º do CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO, a pág. 611 e 612 da 2ª edição), “No caso do IVA os factos tributários não perduram no tempo nem se renovam pelo mero decurso do tempo, mas apenas, eventualmente, pela prática de novos factos tributários instantâneos que, ainda que se possam repetir, são considerados autonomamente para efeitos de tributação. A dívida de IVA surge e efectiva-se em conexão com a ocorrência dos actos ou factos isolados sobre que incide, não se renovando automaticamente pelo mero decurso do tempo.
Por outro lado, o IVA pode ser devido pela prática de um único acto tributável [art. 2.º, n.º 1, alínea a), 2.ª parte, do C.I.V.A.], tipo de situações em que será indefensável considerá-lo como um imposto de obrigação periódica. E, eventualmente, quando é praticada uma operação tributável, pode não ser detectável se é ou não o início de uma prática continuada.
Assim, o IVA caberá no conceito de imposto de obrigação única, pois só essa qualificação é adequada a todas as situações que podem surgir no âmbito de incidência deste imposto.
Para além disso, por aplicação do regime de apuramento do IVA, previsto nos artigos 19.º a 25.º do C.I.V.A., pode não resultar sequer uma dívida de imposto mas um crédito, no caso de os montantes que o sujeito passivo têm direito a deduzir superarem o imposto que liquidou no período e, mesmo nesse caso, continuam a existir os factos tributários que estão subjacentes ao IVA liquidado. Por isso, não se podem confundir os factos tributários (actos autónomos entre si) que geram a dívida de imposto com os momentos (que, em certos casos, pode ocorrer com periodicidade) da entrega do imposto liquidado.
E é das características dos factos tributários e não dos momentos da entrega do imposto, se for devido, que se tem de partir para a caracterização do imposto.”
Tendo presentes estes considerando, vejamos o que dispõe o Artigo 22.° do CIVA sob a epígrafe Direito à dedução. Aplicação temporal:
1 — O direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, de acordo com o estabelecido pelos arti-gos 7.° e 8.°, efectuando-se mediante subtracção ao montante glo-bal do imposto devido pelas operações tributáveis do sujeito pas-sivo, durante um período de declaração, do montante do imposto dedutível, exigível durante o mesmo período.
2 — Sem prejuízo da possibilidade de correcção prevista no artigo 71.°, a dedução deverá ser efectuada na declaração do período em que se tiver verificado a recepção das facturas, documentos equi-valentes ou recibo de pagamento de IVA que fizer parte das decla-rações de importação.
3 — Se a recepção dos documentos referidos no número ante-rior tiver lugar em período de declaração diferente do da respectiva emissão, poderá a dedução efectuar-se, se ainda for possível, no período de declaração em que aquela emissão teve lugar.
4 — Sempre que a dedução de imposto a que haja lugar supere o montante devido pelas operações tributáveis, no período corres-pondente, o excesso será deduzido nos períodos de imposto seguintes.
5 — Se, passados 12 meses relativos ao período em que se ini-ciou o excesso, persistir crédito a favor do contribuinte superior a 50 000$, este poderá solicitar o seu reembolso.
6 — Não obstante o disposto no número anterior, poderá o contribuinte solicitar o reem-bolso antes do fim do período de 12 meses quando o crédito a seu favor exceda 500 000$ ou quando se verifique cessação de actividade.
7 — Em qualquer caso, a Direcção-Geral das Contribuições e Impostos poderá exigir, quando a quantia a reembolsar exceder 100 000$, caução, fiança bancária ou outra garantia adequada, que deverá ser mantida pelo prazo de um ano.
8— Os reembolsos de imposto, quando devidos, deverão ser efectuados pela Direcção - Geral das Contribuições e Impostos até ao fim do 3.° mês seguinte ao da apresentação do pedido findo o qual acrescerão à quantia a restituir juros contados pela taxa constante da portaria a que se refere o n.° 3 do artigo 5.° do Decreto-Lei n.° 49 168, de 5 de Agosto de 1969, com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.° 318/80, de 20 de Agosto desde o termo do prazo para o pagamento do reembolso até à data da emissão do respectivo meio de pagamento 01 da efectivação da competente transferência bancaria, quando o atraso for imputável à administração fiscal.
9 — O Ministro das Finanças e do Plano poderá autorizar a administração fiscal a efectuar reembolsos em condições diferentes das estabelecidas nos números anteriores, relativamente a sectores de actividade cujo volume de negócios seja constituído essencialmente por operações isentas com direito à dedução do imposto pago nas aquisições.
10 — O Ministro das Finanças poderá estabelecer, por despacho, de acordo com os critérios previstos no artigo 77.°, a obrigatoriedade de os sujeitos passivos apresentarem, juntamente com ( pedido de reembolso, documentos ou informações relativos às operações que determinaram aquele pedido, sob pena de o reembolso não se considerar devido para efeitos do n.º 8.
11- Os pedidos de reembolso serão indeferidos quando não forem facultados pelo sujeito passivo elementos que permitam aferir da legitimidade do reembolso, bem como quando o imposto dedutível for referente a um sujeito passivo com número de identificação fiscal inexistente ou inválido ou que tenha suspenso ou cessado a sua actividade no período a que se refere o reembolso.
12 — Para efeitos do disposto no número anterior, será o sujeite passivo notificado para, no prazo de 30 dias, proceder à regularização da situação ou demonstrar que a falta não lhe é imputável.
13 Da decisão referida no n.° 11 cabe recurso hierárquico reclamação ou impugnação judicial, nos termos previstos no artigo 87.°-A.
Decorre do tanscrito normativo que o direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível na esfera do fornecedor de conformidade as regras dos artigos 7.° e 8.°(3), de acordo com os quais, em regra, o nascimento da dívida do imposto dá-se:
a)- quando a transmissão de bens ou a prestação de serviços dê lugar à obrigação de emitir factura ou documento equivalente, o imposto torna-se exi-gível pelo Estado na data da sua emissão;
b)- quando o prazo para a emissão desses documentos não for observado, o imposto torna-se exigível no momento em que o mesmo prazo termina.
Do exposto, deve extrair-se que, no atinente ao direito à dedução do imposto por parte do adquirente, sendo as facturas ou documentos equivalentes um dos pressupostos do direito à dedução, o momento do nascimento desse direito se verifica não no momento em que os bens são colocados à disposição do adquirente ou no momento da prestação dos serviços, mas sim no momento da sua facturação ou no momento determinado pelas disposições aplicáveis aos direitos aduaneiros quando se tratar de importações.
Ora, a correcta determinação do momento do nascimento do direito à dedução do imposto releva para efeitos de determinação do momento em que o sujeito passivo poderá proceder às operações conducentes ou à sua dedução no imposto liquidado a jusante ou accionar os mecanismos tendentes a obter o reembolso.
A lógica deste sistema radica no facto de existirem amiúde situações de crédito de imposto dada a inexistência, no sistema do IVA, do mecanismo de suspensão que funcionava no extinto imposto de transacções, realidade que obriga os contribuintes pelo sistema de crédito do imposto do CIVA, a um financiamento ao Estado que pode dar origem a reembolsos conforme se prevê nos n.s 5 a 9 do normativo transcrito.
Como emerge do seu n.° 2, uma vez apurado o imposto nos seus outputs no período a que respeita a declaração, o sujeito passivo deduz-lhe o montante do imposto constante das facturas, documentos equivalentes ou recibo de pagamento de IVA que fizer parte das declarações de importações recebidos no mesmo período, o que tem como consequência prática que a dedução se faça de imposto a imposto, pelo método indirecto subtractivo, que, como já se disse não importa uma necessária correlação física entre as aquisições e as vendas no período de imposto e se, posteriormente à entrega do imposto houver lugar a rectificação das facturas nos termos do artigo 71.° haverá lugar também a correcção da dedução efectuada, conforme expressamente se prevê no referido nº 2.
Já o n.° 4 prevê a hipótese de o imposto liquidado nos outputs não comportar a dedução do imposto suportado a montante, caso em que o excesso será deduzido nos períodos de imposto seguintes, através do método de reporte.
Todavia, no caso de excesso do imposto de pequenos montantes dos inputs sobre o dos outputs previstos no n. ° 4 e não compensáveis através do método de reporte, é lícito ao contribuinte solicitar o seu reem-bolso se, passados 12 meses relativos ao período em que se iniciou o excesso, persistir um crédito a seu favor superior a 50 000$.
Ora, como o método de reporte não é o meio idóneo para resolver certos casos de os exces-sos de elevado montante como os que se verificam quando as empresas iniciam a actividade ou procedem a grandes imobilizações, que se dedicam predominantemente à exportação ou à transmissão intracomunitária de bens ou quando cessam a actividade, para colmatar essa dificuldade existe o método do reembolso, segundo o qual o contribuinte poderá solicitar o reembolso antes do fim do período de 12 meses, quando o crédito a seu favor exceda l 500 000$ (cfr. n.° 6 do artº 22º do CIVA).
Face ao exposto, deve concluir-se que só no caso de cessação da actividade ou quando o contribuinte passe a praticar exclusivamente operações isentas, passe ao regime de isenção ou ao dos pequenos contribuintes do IVA, é que o excesso do imposto não deduzido terá de ser recuperado através do método do reembolso, seja qual for o seu montante.
O reembolso tem a seguinte tramitação:- apresentação de requerimento formulado na própria declaração periódica referida na alínea c) do n.º l do artigo 28.° ou na alínea b) do n.° l do art. 67.°, ou ainda, não havendo lugar à apresentação da declaração, em impresso do modelo aprovado, con-forme a alínea b) do n.° l do artigo 14.° do Decreto-Lei n.° 229/95, de 11 de Setembro; por força do qual, uma vez apresentado o pedido de reem-bolso fica o contribuinte impedido de proceder à dedução do imposto.
Face ao regime descrito, dúvidas não sobram de que ao contribuinte assiste um direito de opção entre o método de reporte e o método de reembolso segundo as suas conveniências próprias, sendo certo que, porque é imediato, o reporte convém mais nas situações em que o excesso possa ser dessa forma recuperado no período seguinte, de acordo com os dados verificados na data em que é apresentada a declaração; já se o excesso não puder, no imediato, ser deduzido do imposto liquidado pelos outputs, é aconselhável a utilização do método de reembolso, verificados que apresentem os respectivos pressupostos.
Nesse sentido, há que ter em conta o disposto no art. 15.° do Decreto-Lei n.° 229/85, de harmonia com o qual os reembolsos do IVA são efectuados ou por transferências conta a conta ou por cheque, consoante o sujeito passivo tenha ou não fornecido os dados da sua conta bancária ao SIVA.
Retenha-se ainda que em caso de reembolso pode a Direcção-Geral das Contribuições e Impostos exigir a caução, fiança bancária ou outra garantia adequada, nos termos do n.° 7, quando a quantia a reembolsar exceda 100 000$, devendo a garantia deverá manter-se pelo prazo de um ano, garantindo essa caução não só o montante do imposto, mas também as diferenças de imposto apuradas ou confirmadas até ao período de que se solicitou o reembolso, isso tendo em conta o preceituado no artigo 83.°-B.
Este, sob a epígrafe Reembolso de IVA — Dedução das diferenças de imposto apurado pelos serviços, estabelece que:
1 — Sempre que o sujeito passivo seja devedor de IVA, os ser-viços competentes da Direcção - Geral das Contribuições e Impostos levarão em conta, por dedução, as diferenças de imposto apuradas ou confirmadas pelos serviços e respectivos acréscimos legais até à concorrência do montante do reembolso pedido, sem prejuízo do disposto no n.° 7 do artigo 22.°.
2 — Não haverá lugar à dedução prevista no número anterior se o contribuinte o requerer e demonstrar que a execução se encon-tra suspensa ao abrigo do artigo 225.° do Código de Processo Tributário ou, não havendo ainda execução, se demonstrar que se encontra pendente recurso hierárquico, reclamação ou impugnação judicial e preste garantia pôr montante até ao valor do reembolso.
3 — O reembolso será pago no prazo de 30 dias a contar da apresentação do requerimento previsto no número anterior, libertando-se de imediato a garantia referida na parte final do mesmo número após a decisão tornada definitiva no processo administra-tivo ou transitado em julgado o processo judicial, quanto favorá-veis ao contribuinte.
4 — Não sendo a decisão favorável ao contribuinte, a garantia prevista na parte final do n.° 2 reverterá a favor do pagamento do imposto que ainda se encontrar em dívida.
Assim, é manifesto que por este preceito a AT pode efectuar o encontro de quais-quer importâncias que se mostrem devidas, apuradas ou confirmadas pelos Servi-ços e respectivos acréscimos legais, que as importâncias respeitem ao mesmo período de imposto quer a períodos diferentes.
Perante isso, o sujeito passivo pode solicitar que fique sem efeito a compensa-ção efectuada se demonstrar que a execução fiscal se encontra suspensa nos ter-mos do artigo 255.° do Código de Processo Tributário (hoje, nos vigentes artºs 169º e 199º do CPPT) ou, quando não haja ainda execução, se encontra pendente recurso hierárquico, reclamação ou impugnação judicial e preste garantia até ao valor do reembolso o qual será pago no prazo de 30 dias a contar da apresentação do reque-rimento, libertando-se a garantia após a decisão definitiva favorável ao sujeito pas-sivo no correspondente processo. Se a decisão não for favorável a garantia rever-terá a favor a favor do pagamento do imposto em dívida.
Acresce que, por força do n.° l do art. 83.°-B do CIVA que a possibilidade de no valor a reembolsar aos sujeitos passivos e até â concorrência desse reembolso, deverem ser levadas em conta, por dedução, as dívidas de IVA, isso independentemente de terem sido ou não apuradas com recurso a presunções.
Por outro lado, o art. 87.°-A do CIVA, veio regular a forma de contagem dos prazos para interposição de recurso hierárquico, reclamação graciosa e impug-nação judicial, definindo ainda o local de entrega das respectivas petições, sendo atribuída competência para as decisões a recair sobre tais processos ao Director de Serviços de Reembolsos do IVA, como se vê:
Artigo 87. °-A
(Notificação ao contribuinte da dedução efectuada no reembolso)
l — Nos casos em que o imposto em dívida a que se refere o artigo 83.°-B tenha sido liquidado pelos serviços centrais da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, bem como da dedu-ção a que se refere o mesmo artigo, será o contribuinte notificado por carta registada com aviso de recepção.
2 — O prazo para o recurso hierárquico, para a reclamação e para a impugnação judicial contam-se a partir do dia imediato ao da recepção da carta registada a que se refere o número anterior, atribuindo-se a competência a que se refere o n. ° l do artigo 99.° e artigo 130.° do Código de Processo Tributário ao director de ser-viços de reembolsos do I VA.
3 — As petições a que se refere o n.° 2 poderão ser entregues na direcção de serviços de reembolsos do IVA ou na repartição de finanças prevista no artigo 70.°, caso em que, uma vez informadas com os elementos ao seu dispor, serão de imediato remetidas àquela direcção de serviços.
4 — Considera-se tribunal competente para julgamento da impugnação o da área da repartição de finanças a que se refere o artigo 70.°.
O contribuinte poderá, assim, recorrer hierarquicamente ou deduzir reclamação graciosa ou impugnação judicial nos termos do Código de Processo Tributário de conformidade com o número dois deste artigo, atribuindo-se a competência confe-rida ao director distrital de finanças ao director de Serviços de Reembolso do SIVA.(4)
Aqui chegados, cabe então referir que os reembolsos de imposto, quando devidos, deverão ser efectuados até ao fim do terceiro mês da apresentação do pedido, sob pena de, excedido este prazo, se começaram a contar juros indemnizatórios a que se refere o n. ° 2 do artigo 24.° do Código de Processo Tributário(cfr. nº 8 do art. 22.° do CIVA).
E este regime justifica-se no sistema do CIVA em razão da característica base do IVA:- a resti-tuição ou reembolso, terão de ser efectuados de uma forma rápida e eficaz de modo ali-viar financeiramente os sujeitos passivos.
Foi com essa preocupação que o legislador nos números 10 a 13 do artº 22º do CIVA, introduzidos pelo Decreto-Lei n.° 100/95, conferiu ao Ministro das Finanças o poder de, por despacho, determinar a obrigatoriedade de apresentação pelos sujeitos passivos dos documentos ou informações relativos às operações que determinaram os pedidos de reembolso e que são os referidos no Despacho Normativo 342/93.
Caso não sejam facultados pelos sujeitos passivos os elementos exigidos para verificar a legitimidade dos reembolsos pedidos ou quando se constate que o imposto dedutível respeita a sujeitos passivos cujo número de identificação fiscal seja inexistente ou inválido ou, ainda, quando estes tenham cessado ou suspenso a actividade no período a que se refere o reembolso, este será de indeferir devendo neste caso os Serviços notificar o sujeito passivo, através de carta registada com aviso recepção, para, no prazo de 30 dias, regularizar a situação ou demonstrar que titã não lhe é imputável e podendo essa decisão ser atacada por recurso hierárquico, reclamação graciosa impugnação judicial.
E, no n° 11 do art. 22.° do CIVA estão previstas as situações que determinam o indeferimento dos pedidos de reembolso, sendo que a decisão de indeferimento é suscep-tível de interposição, por parte do sujeito passivo, de recurso hierárquico, recla-mação graciosa ou Impugnação judicial, sendo aplicável o disposto no art. 87.°-A, designadamente quanto aos prazos e às competências.
Perante essa materialidade e à demonstrada autonomia do reembolso face às situações de facto que o determinam, designadamente em termos temporais, como resulta dos arts. 22° e 83°-B do CIVA: não basta a existência de operações que confiram o direito à dedução; o contribuinte tem que exercer o respectivo direito e só apôs a análise da situação em concreto (procedimento administrativo), é que surge a declaração de vontade da Administração Fiscal, (...), que define o quantum a exigir ao contribuinte, (neste caso, o montante a atribuir-lhe).
Da análise da concreta situação, concluiu a AT que a aprovação do sistema de auto - facturação dependia de se encontrar assegurado o cumprimento de todas as obrigações do IVA, mormente a prevista no artigo 28°, n°1, alínea b) do CIVA, que impõe ao fornecedor a obrigação de emitir as facturas ou documentos equivalentes, com todos os elementos previstos no artigo 35° do mesmo Código.
De harmonia com o sistema da lei, o autorizado sistema de auto - facturação aprovado implicava que "- a empresa adquirente só poderá exercer o direito à dedução na posse do original da factura assinada ou autenticada pelo fornecedor" pelo que só operava depois de emitida a factura e a mesma ter sido entregue ao adquirente dos bens, devendo essa factura obedecer aos requisitos do artigo 35° n°5 do CIVA.
Contra as normas sistemáticas que supra se analisaram, a impugnante veio exercer o direito à dedução sem estar na posse do original da factura assinada e preferencialmente autenticada com um carimbo pelo fornecedor mas sem a assinatura / autenticação dos documentos emitidos pela A..., Lda, pelo fornecedor, não se pode falar na existência de facturas no sentido do artigo 35° n°5 do CIVA, susceptíveis de permitirem o direito à dedução do IVA a elas referente.
E, se nada obrigava a impugnante a efectuar a dedução do imposto na data da sua autofacturação (em substituição dos fornecedores) e não no período em que se tivesse verificado a recepção das facturas ou documentos equivalentes, visto que a impugnante se antecipou, fê-lo porque assim o entendeu, ficando sujeita ao pagamento dos juros compensatórios, nos termos do artigo 89° do CIVA.
Improcedem, por isso, todas as conclusões em análise.
*
d)- Inconstitucionalidade por violação do princípio da não rectroactividade da lei fiscal – conclusão IIª;

Na perspectiva da recorrente, a aplicação retroactiva do disposto no n.° 3 do art.° 60° da LGT, e o afastamento do direito previsto na al. a) do n.° 1 do art.° 60° da LGT, com fundamento na natureza interpretativa daquela norma, nos termos do art.° 13°, n.° 2 da Lei n,° 16-A/2002, de 31 de Maio, é inconstitucional por violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal em matéria de garantias dos contribuintes.
Pronunciando-se sobre esta causa de pedir, o Mº Juiz « a quo» sustenta que , por um lado, porque se aplica a lei especial do RCIPT, em sede de acção de inspecção e respectiva audiência prévia e, por outro lado, ainda que assim não fosse, porque não resulta da LGT que os momentos de audição prévia do contribuinte, previstos no seu artigo 60°, sejam cumulativos, sendo esta interpretação foi erigida a interpretação autêntica, pelo n°2 do artigo 13° da Lei n° 16-A/2002, de31deMaio.
Quis juris?
O princípio da audiência prescrito nos artigos 100.º e seguintes do C.P.A. assume-se como uma dimensão qualificada do princípio da participação consagrado no artigo 8.º do mesmo Código, surgindo na sequência e em cumprimento da directriz constitucional contida no n.º 4 do art. 267.º da C.R.P. obrigando o órgão administrativo competente a, de alguma forma, associar o administrador à preparação da decisão final, transformando tal princípio em direito constitucional concretizado.
Segundo Freitas do Amaral estamos aqui perante “a dinamização de preceitos constitucionais” (cfr. “O Novo Código do Procedimento Administrativo”, in ‘O Código do Procedimento Administrativo”, I.N.A., 1992, a pág. 311).
Hoje a LGT, que veio adequar a disciplina do procedimento tributário ao Código do Procedimento Administrativo e à Constituição (vd. relatório do Decreto-Lei n.o 398/98, de 17 De Dezembro) consagra expressamente e regulamenta a audiência prévia no procedimento.
Porém, ao fazê-lo, visa mais a concretização do princípio democrático na sua dimensão participativa, e não tanto a ideia garantística inerente ao princípio do Estado de Direito, pois o que aí está em causa é fundamentalmente um princípio de organização e acção administrativa, sendo por isso que já anteriormente o CPA veio estabelecer como forma de participação no procedimento administrativo a audiência dos interessados regulada nos seus artigos 100.º e seguintes, que, no essencial, pressupõe o reconhecimento do direito de os interessados se pronunciarem sobre o objecto do procedimento antes da decisão final e assegurar que a Administração não tome nenhuma decisão sem ter dado ao interessado oportunidade de se pronunciar sobre as questões que importam a essa mesma decisão.
Na vigência quer do CPT previa-se como garantia dos contribuintes um “direito de audição” (artigo 19.º, alínea c)). No entanto, o artigo 23.º, alínea e), do mesmo diploma fazia restringir o “direito de audição e defesa” ao processo de contra - ordenação fiscal, sendo inaplicável ao processo de impugnação judicial tanto mais que a intervenção procedimental do contribuinte se justifica em razão da verdade material e da defesa antecipada dos seus interesses e, por isso, corresponde à ideia do contraditório e não ao conceito de participação funcional. Na verdade e conforme formulação feita por G. Berti Procedimento, procedura, partecipacione” in Scritti Guicciardi, 1975, pp, 801 e 802) “a participação diferencia-se do contraditório seja porque prescinde de toda a ideia de conflito entre interesses e as correspondentes posições subjectivas, seja porque não define uma forma de tutela ou de garantia mas uma modalidade de acção”.
Todavia, pode ser entendido, que a participação procedimental no âmbito do procedimento tributário era, e atento o carácter especial deste procedimento, regulada em termos gerais do Código do Procedimento Administrativo (cfr. os n.º s 5 a 7 do seu artigo 2.º, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 6/96, de31 de Janeiro).
Aqui e a nosso ver, a questão que se impõe determinar é a de saber se foi preterida a formalidade legal da audição prévia estabelecida no artº 60º da LGT quais as consequências derivadas da sua preterição e, ainda, se é aplicável o regime do nº 1 do artº 103º do CPA.
O artº 60º , nºs 1/a), 3 e 4 da LGT impõe a participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito, o que, em vista do caso concreto, se concretizaria pela audição antes da liquidação, direito a ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio do contribuinte ao qual deveria ser comunicado o projecto da decisão e sua fundamentação.
Donde se extrai que, consoante o disposto naquele artº 60º da LGT, em consonância com o artº 100º, nº 1 do CPA, o recorrente tinha o direito de ser ouvido no procedimento antes de ser efectuada a liquidação, devendo ser informado, nomeadamente, sobre o sentido provável desta através do envio do projecto de decisão e respectiva fundamentação para o domicílio do contribuinte.
Estamos perante uma manifestação do princípio do contraditório que, enquanto princípio geral de direito, não carece de consagração expressa na lei, sendo um momento essencial do procedimento administrativo, um princípio de “ética jurídica” e uma norma de “direito natural administrativo”.
Para que, com eficácia, seja cumprida a formalidade de audiência do interessado é necessário que a este seja facultado o expediente administrativo, de modo a que fique habilitado a exercer convenientemente o seu direito.
Sendo também uma das manifestações do princípio da transparência do procedimento, como ensina Giuseppe Cataldi, in “Il procedimento amministrativo ne suoi attuali orientementi giuridici” pág 4, ao se facultar ao interessado a sua audiência no âmbito do procedimento está-se a privilegiar um controle preventivo por parte do particular em relação à Administração, “melius est intacta iura servare, quam vulneratae causae remedium quarere”.
Como já se deixou antever, a formalidade da audiência prévia previsto no artº 60º da LGT e 100º e segs. do CPA assume-se como uma dimensão qualificada do princípio da participação a que se alude no artº 8º do CPA e, correspondendo tal princípio a direito constitucional concretizado, terá de prevalecer sobre todas as normas contidas em leis especiais e onde a audiência não se mostre garantida com igual extensão ao consignado no CPA.
Assim, não foi dado à impugnante, directamente e enquanto sujeito passivo, a oportunidade de se pronunciar, pois o direito de audição implica que se lhe comunique o projecto de decisão e respectiva fundamentação (art° 60, n° 4 LGT).
Decorre com segurança da notificação, que a AT sabia que, os Artigos 45° do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 60° da L.G.T., a obrigavam a ouvir a impugnante, previamente à conclusão do procedimento.
Sucede também que a AT não podia deixar de ouvir a impugnante, com o fundamento de que seria «um caso em que a decisão tem que ser urgente e a realização da audição pode prejudicar a utilidade da decisão final (cf. Art°103° nº 1 do C.P.A.)».
De resto, é isento de controvérsia na doutrina que os casos de inexistência do direito de audiência, previstos no nº 1 do artº 103° do CPA, não foram incluídos na L.G.T., nem no Código de Procedimento e de Processo Tributário e não se harmonizam com os valores e interesses que estão em causa no procedimento tributário.(5)
E, como bem referem Diogo Leite de Campos/Benjamim da Silva Rodrigues/Jorge Lopes de Sousa LGT comentada e anotada 2ª edição 2000 p.255;Jorge Lopes de Sousa CPPT anotado art.45° nota 15, a omissão de audiência da contribuinte antes da liquidação constitui preterição de formalidade legal essencial do procedimento de liquidação, que não pode ser justificada pela previsão de a realização da diligência comprometer a utilidade do acto tributário a praticar, sendo que os casos de inexistência do direito de audiência previstos no CPA (art.l03°n°l) não se harmonizam com os valores e interesses em causa no procedimento tributário.
Evidencia o probatório que o procedimento tendente à alteração dos elementos declarados pelo contribuinte ficou concluído no ano de 2000 conforme consta dos pontos 1, 2,3 e 4 do probatório.
Porque assim e decorre dos princípios gerais que regem a aplicação da lei no tempo, a regularidade daquele procedimento terá de ser prismada à luz do disposto na LGT.
Como se vê das alegações a recorrente pretende que se violaram regras procedimentais (vícios de forma), fazendo nesse âmbito apelo ao disposto nos artºs 60º da LGT.
Como se disse, o artº 60º e em concretização da injunção constitucional contida no artº 267º nº 5 da CRP, a LGT veio consagrar o principio da participação, cuja dimensão é a de garantia do direito do contribuinte participar na formação das decisões que lhe digam respeito.
Dispondo sobre o seu domínio de vigência, o artº 6° do DL n° 398/98, de 17/12 estabelece o seu início em l de Janeiro de 1999, sendo aplicável, pelo que dito ficou, somente aos procedimentos iniciados e aos processos instaurados a partir dessa data, como é o caso.
Por outro lado, no âmbito de aplicação da al. a) do nº 1, do artº 103º do CPA, a Administração não detém um poder incontrolável ao nível da densificação do conceito indeterminado ( “urgência”) nela veiculado, pois, como se expende no Ac. do STA de 12/6/1997, Recurso nº 41 616, a urgência deverá ser concebida como uma noção circunstancial com base em factos concretos que legitimem o abandono de um procedimento “normal”, para se adoptar um procedimento “excepcional” e onde o factor tempo se apresenta como elemento determinante e constitutivo.
Donde que a decisão que a Administração entenda dever tomar no âmbito da citada al. a) deverá ser devidamente fundamentada, mediante a identificação do específico interesse público a prosseguir com a decisão, tido por incompatível com observância do princípio da audiência.
Não o tendo sido, como agora se comprova, em atenção ao disposto no artº 135º do CPA, são aqueles actos anuláveis porque praticados com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção, quando é certo que o acto impugnado não se mostra incluído no rol dos actos nulos, e bem assim, não está demonstrada a verificação dos requisitos próprios que permitiriam a dispensa da audiência do recorrente.
É que, como decorre do artº 45º do CPPT, “O procedimento tributário segue o princípio do contraditório, participando o contribuinte, nos termos da lei, na formação da decisão” e, no caso concreto, o respeito por aquele princípio implicava, consoante o disposto no artº 60º da LGT, a participação do contribuinte na formação da decisão que lhe dizia respeito, designadamente, com direito de audição antes da liquidação, a ser exercido no prazo a fixar pela AT em carta registada a enviar para tal efeito para o seu domicílio fiscal comunicando-lhe o projecto da decisão e sua fundamentação, sendo que os elementos novos suscitados na audição seriam obrigatoriamente tidos em conta na fundamentação da decisão, tudo como decorre do artº 60º da LGT, conjugado com o disposto no artº 36º nºs 1 e 2 do CPPT.
Ora, a nosso ver, o art 60º, nº 1, al. a), da Lei Geral Tributária, quando fala em "liquidação", tem um sentido amplo que abrange todas as fases do acto tributário, e, como o contribuinte não foi ouvido antes da conclusão do relatório final da inspecção à sua contabilidade, neste contexto, aderimos à doutrina que dimana do Acórdão do STA de 27/02/2002, tirado no recurso nº 026615 sobre uma questão de audiência prévia, segundo a qual há preterição de formalidade legal se, tendo o contribuinte sido ouvido antes da conclusão do relatório da inspecção tributária, não for de novo ouvido antes do acto de liquidação, pois trata-se de duas audições autónomas relativamente a duas decisões distintas do processo de liquidação.
Como se expende naquele douto aresto, “ A questão de direito que a recorrente levanta pode formular-se do seguinte modo: tendo o Fisco ouvido o contribuinte antes da conclusão do relatório final da inspecção à sua contabilidade, estava obrigado a ouvi-lo de novo antes do acto de liquidação, nos termos do art. 60º, nº 1, al. a), da Lei Geral Tributária ?
Nos termos do art. 60º, nº 1, al. a), da LGT, "a participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas: a) DIREITO DE AUDIÇÃO ANTES DA LIQUIDAÇÃO".
(...)
“O art.60º da LGT trata do princípio da participação dos contribuintes no procedimento de liquidação, correspondente ao direito de audiência prévia do procedimento administrativo. Depois de enunciar o princípio – PARTICIPAÇÃO DOS CONTRIBUINTES NA FORMAÇÃO DAS DECISÕES QUE LHES DIGAM RESPEITO – o nº 1 indica cinco formas de participação dos contribuintes, cada uma delas com autonomia das restantes. Para o que nos interessa, estão previstas as seguintes formas de participação dos contribuintes:
-audição antes da decisão de aplicação de métodos indirectos (al. d);
-audição antes da conclusão do relatório da inspecção (al. e);
-audição antes da liquidação (al. a).
Trata-se de audições diferentes, cada uma delas não dispensando as demais. A lei não diz que, tendo havido audição antes da conclusão do relatório da inspecção, fica dispensada a audição antes da liquidação. Logo, o que se quis foi dar uma participação ao contribuinte ao longo do procedimento de liquidação e uma participação nas diferentes decisões que são tomadas ao longo do processo de liquidação. É por isso que o nº 1 alude à participação na formação das decisões e não na formação da decisão final do procedimento.”
(...)
“De iure condendo, pode-se entender que são audições a mais. Mas de iure constituto temos de respeitar os juízos de valor legais.
Em conclusão: o facto de ter havido audição quanto ao relatório da inspecção tributária não dispensava a formalidade legal de nova audição antes da liquidação.
A única dúvida que aqui se levanta é a de saber se, neste caso, não seria de dispensar a audiência do contribuinte, nos termos do art. 103º, nº 2, al. a), do Código de Procedimento Administrativo, a propósito do acto de liquidação. Diz esse preceito que o órgão instrutor pode dispensar a audiência dos interessados se estes já se tiverem pronunciado no procedimento sobre as questões que importem à decisão e sobre as provas produzidas.
No art. 63º do ante-projecto de Lei Geral Tributária de 25.9.97, dizia-se o seguinte: os interessados têm o direito de ser ouvidos relativamente a todas as questões do seu interesse, em qualquer momento do procedimento fiscal, só podendo essa audiência ser recusada mediante decisão fundamentada e apenas quando se verifiquem os casos que permitem a sua dispensa, nos termos previstos no Código de Procedimento Administrativo.
Como o CPA permitia a dispensa em dois casos – os interessados já se tiverem pronunciado ou a decisão ser favorável aos interessados – permitia-se, in casu, a dispensa de audiência ou participação.
Aquele direito de audiência manteve-se no art 60º do ante-projecto de LGT de 26.11.97. O mesmo acontece no art. 58º do ante-projecto de LGT de Dezembro de 1997.
Esse direito de audiência manteve-se, ainda, no art. 56º do ante-projecto de LGT de 16.2.98, com a única alteração de o preceito ter sido desdobrado em dois números, ficando a disciplina da dispensa de audiência no nº 2, nele se mandando aplicar o Código de Procedimento Administrativo sobre dispensa de audiência.
Tudo se mudou no projecto final de LGT, cujo art. 60º, nº 2, em vez de remeter a dispensa de audiência para o CPA, veio prescrever o seguinte: "É DISPENSADA A AUDIÇÃO NO CASO DE A LIQUIDAÇÃO SE EFECTUAR COM BASE NA DECLARAÇÃO DO CONTRIBUINTE OU A DECISÃO DO PEDIDO, RECLAMAÇÃO, RECURSO OU PETIÇÃO LHE FOR FAVORÁVEL".
Isto é, dos dois casos de dispensa de audição previstos no art. 103º, nº 2, do CPA – os interessados já se tiverem pronunciado ou a decisão lhes for favorável – o art. 60º, nº 2, da LGT, apenas assegurou o caso de decisão favorável, deixando cair o caso de já haver uma pronúncia anterior dos interessados.
Logo, temos de concluir que foi propósito do legislador afastar os casos de dispensa de audiência previstos no art. 103º, nº 2, do Código de Procedimento Administrativo, para consagrar apenas um deles – decisão favorável – ao lado de um caso novo – liquidação com base na declaração do contribuinte.
E foi assim que ficou o art. 60º, nº 2, da LGT.
Deste modo, ainda que o contribuinte tenha sido ouvido antes da conclusão do relatório da inspecção tributária, em caso algum pode ser dispensada nova audiência antes da liquidação.
Neste sentido, pode ver-se a Lei Geral Tributária, comentada e anotada, de Diogo Leite de Campos e outros, pág. 203 da 1ª edição, embora sem os desenvolvimentos supra.
Pode-se discordar da lei. Pode-se dizer que são audições a mais. Mas é a lei geral do país em matéria tributária.”
Era esse o entendimento que vinhamos seguindo, sendo o acabado de expor a sua explicitação até à entrada em vigor da Lei nº 16-A/2002, de 31 de Maio que introduziu nova redacção ao artº 60º.
Sob a epígrafe Direito de audição, o artº 13º da referida Lei veio alterar o citado artigo 60º da LGT, dispondo:
l — O n.° 3 do artigo 60.° da lei geral tributária, apro-vada pelo artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 398/98, de 17 de Dezembro, passa a ter a seguinte redacção:
«Artigo 60º
1.A participação dos contribuintes a formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas:
a)- Direito de audição antes da liquidação;
b)- Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições;
c)- Direito de audição antes da revogação de qualquer benefício ou acto administrativo em matéria fiscal;
d)- Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indirectos;
e)- Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária.
2.- É dispensada a audição no caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe for favorável.
3.-Tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem a alínea b) a alínea g) do n° 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda se não tenha pronunciado.
4.- O direito de audição deve ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte.
5 - Em qualquer das circunstâncias referidas no n° 1, para efeitos do exercício do direito de audição, deve a administração tributária comunicar ao sujeito passivo o projecto da decisão e sua fundamentação.
6 – O prazo do exercício oralmente ou por escrito do direito de audição, não pode ser inferior a 8 nem superior a 15 dias.
7.- Os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão.
O artº 13º da Lei nº 16-A/2002, de 31 de Maio tem um nº 2 que atribui natureza ao diploma dispondo expressamente: “0 disposto no n.º 1 do presente artigo tem carácter interpretativo.”
Doutrinalmente, a “lei interpretativa” é aquela que intervém para decidir uma questão de direito cuja solução é controvertida ou incerta, consagrando um entendimento a que a jurisprudência, pelos seus próprios meios, poderia ter chegado- Cfr. P.Lima e A Varela, CC Anot., nota 1 ao artº 13º).
Que a questão em análise é controvertida é insofismável porquanto entendimento diverso do que vínhamos perfilhando é assinalado pelo Mº Juiz «a quo» com assinalável proficiência, ao expender:
“O direito de audição dos contribuintes integra o principio da participação dos cidadãos na formação das decisões que lhes disserem respeito, consignado no Art° 267/5 da CRP e 60 e segs. da LGT [sendo dispensada no caso cie a liquidação se efectuar com base em (...) reclamação ou petição favorável. (n.° 2 do Art.° 60 LGT e 103/2,b) do CPA}.
Antes da entrada em vigor da LGT, aprovada pelo DL 398/98, de 17/12, não havia no CPT regulamentação expressa para o direito de audição, não obstante o disposto no Art.° 19 alínea c) instituir este direito como garantia dos contribuintes.
Conforme refere Pedro Machete (in Problemas Fundamenteis do Direito Tributário, Vislis, pp. 304) sendo a regulamentação da audiência dos interessados concretizadora do princípio da participação procedimental consagrado no Artigo 267 n.° 5 da Constituição, tal instituto é, salvo indicação expressa em contrário, de aplicação obrigatória mesmo nos procedimentos especiais, independentemente de a respectiva disciplina jurídica ser anterior ou posterior ao início de vigência daquele código"
Assim, na falta de regulamentação expressa sobre o direito de audição, e como forma de cumprir o comando constitucional, havia que recorrer, supletivamente, às normas previstes nos Art.° 100 e segs. CPA, [por força do Art.°2º alínea b) do CPT] e cuja preterição, traduzindo-se na preterição de uma formalidade essencial, fere de invalidade o acto tributário, por vício de forma, excepto se se dever considerar sanada tal invalidade.
Portanto, o direito de audição dos contribuintes tem já uma tradição assinalável no nosso direito tributário.
No âmbito da LGT, o princípio da participação confere ao contribuinte o direito de audição por qualquer uma das formas previstas nas alíneas a), b), c),d) e) do n.° 1 do Art.° 60. Não prevê a lei que o direito de audição seja facultado em todas as formas mencionadas, mas sim pôr qualquer uma das formas previstas.
Mas em douto Aresto do STA proferido em 27/2/2002, no proc. n.° 26615, e ao que sabemos ainda inédito, decidiu-se que não obstante o direito de audição concedido antes da conclusão do relatório da inspecção, tal não dispensa a formalidade legal de nova audição antes da liquidação.
Salvo o devido respeito, não acompanho a tese expendida. A meu ver o texto da lei não acolhe a interpretação veiculada pelo douto acórdão, mencionando expressamente o artigo 60 n.° 1 que a participação dos contribuintes se efectua pôr qualquer uma das formas previstas nas diversas alíneas.
Se é por qualquer uma das formas, não é por todas.
Como refere Lima Guerreiro, "O direito de audição é exercido geralmente por uma única vez no procedimento: finda a instrução e antes da decisão. Não pode ser utilizado para introduzir dilações sucessivas no procedimento. O presente artigo recusa, pois, a ideia de qualquer dupla ou tripla audição no procedimento. Em caso de o objecto do direito de audição constituir um acto preparatório da liquidação, como são os previstos nas alíneas c), d) e e) do número 1 do presente artigo, o contribuinte não deve ser, de novo, ouvido antes de esta se realizar, a não ser quando a liquidação se fundamente em elementos distintos daqueles pôr que o direito de audição inicialmente se concretizou.
Assim tendo a Administração Tributária facultado ao contribuinte o direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária afigura-se-me cumprida a obrigação legal prevista no Art.° 60 LGT”.
Ora, face à lei interpretativa, não sobram dúvidas de que se revela acertada a fundamentação adoptada na douta sentença recorrida tanto mais que a lei interpretativa se considera integrada na lei interpretada, o que significa que retroage os seus efeitos até à data da entrada em vigor da antiga lei, tudo ocorrendo como se tivesse sido publicada na data em que o foi a lei interpretada- (P. Lima e A . Varela, Ob .e nota Citadas).
Por outro lado, a admitir, como o faz a Recorrente, que as normas que regulam o direito de audição têm a natureza de garantia, se reportam-se às relações subjectivas materiais que sejam objecto de cognição do próprio processo e cuja regulação pode ser feita por normas substantivas integradas no Código ou insertas em outros compêndios legais, há que fazer apelo à letra da lei e aos princípios gerais de aplicação temporal das normas de direito substantivo consagrados no artº 12º do Ccivil.
Preocupado com a tutela da confiança, segurança e estabilidade dos efeitos jurídicos já produzidos pelos factos, apenas os considera dignos de protecção à luz da lei sob a qual foram produzidos quando deliberadamente seja outra a vontade do legislador expressa na lei nova e conquanto ela não ofenda qualquer princípio constitucional ( cfr. artºs. 277º e 207º da Constituição da República ).
Como se sustenta na sentença recorrida a Lei Geral Tributária, tal como o nome indica, é lei de carácter geral que deve ser interpretada em articulação com o artigo 60° do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), que, no caso em apreço constitui lei especial.
O tributo em causa está sujeito ao regime constitucional do imposto pelo que, de harmonia com o nº 3 do artº 103º da CRP “ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não tenham sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei”.
Como se expendeu nos Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 81/2005, 137/2005 e 138/2005, o princípio da não rectroactividade dos impostos consagrados nesta disposição com a quarta revisão constitucional operada pela Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de Setembro “é em geral, reconduzido ao princípio da protecção da confiança ínsito na ideia de estado de direito democrático, ou mesmo ao princípio da capacidade contributiva” – cfr. José Casalta Nabais, Jurisprudência do Tribunal Constitucional em matéria fiscal, in Boletim da faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, nº 57, 1993, p. 404. Significa que antes da 4ª Revisão da CRP, era já possível defender que era “...no princípio da confiança jurídica, enquanto dimensão inarredável da ideia de Estado de direito democrático, e não simplesmente no princípio da legalidade, que se encontrará (...) um limite constitucional à admissibilidade de normas fiscais rectroactivas –cf. J.M. Cardoso da Costa, O enquadramento constitucional do direito dos impostos em Portugal: A jurisprudência do Tribunal Constitucional, in Perspectivas Constitucionais: Nos 20 Anos da Constituição de 1976, vol. II, Coimbra, Coimbra Editora, 1997, pp 397-428).
Havendo lei especial contida no RCIPT, em sede de acção de inspecção e respectiva audiência prévia e, por outro lado, ainda que assim não fosse, porque não resulta da LGT que os momentos de audição prévia do contribuinte, previstos no seu artigo 60°, sejam cumulativos.
Apesar de a norma do nº 3 do artº 103º da CRP não resolver todos os problemas que, quanto à lei fiscal rectroactiva se possam levantar, o certo é que, «in casu» , ante a natureza substantiva das normas que regulam o instituto da caducidade, não se pode sequer falar em “retroactividade” porquanto o facto tributário é instantâneo e ocorreu na vigência da Lei Antiga e, como a esse respeito refere Jorge Bacelar Gouveia, in A irretroactividade da norma fiscal na Constituição Portuguesa, in Estudos de Direito Público, Vol. I, Principia, 2000, p. 278), “...a chave da determinação da retroactividade reside (...) na localização do nascimento do imposto, que é o da formação do facto tributário - não de qualquer outro momento posterior, como o acto de liquidação”.
Tendo isso tudo presente e ainda que do artigo 13° n°1 do CC resulta que a lei interpretativa se integra na lei interpretada não se configura a inconstitucionalidade alegada por violação do princípio da não retroactividade de lei em matéria tributária.
Termos em que improcedem as conclusões em apreço.
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3.- DECISÃO:

Termos em que se acorda em conferência nesta Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em, negando provimento ao recurso, confirmar a sentença recorrida.
Custas a cargo da recorrente, com 5 UCs de taxa de justiça.
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Lisboa, 07/03/2006

(Gomes Correia)_____________________________________

(Casimiro Gonçalves)________________________________

(Ascensão Lopes)____________________________________


(1) Nesse sentido, vide o Ac. do STA- Contencioso Administrativo, de 18/03/2004, no Recurso nº 01930/03.
(2) É essa a doutrina consagrada no recente Ac. do STA – 2ª secção- de 02/02/05, tirado no Recurso nº 1220/04.
(3) Os pressupostos formais do direito à dedução estão fixados no n.° 2 do artigo 19.°: só confere direito à dedução o imposto mencionado em facturas, documentos equivalentes em forma legal e recibos de pagamentos do IVA que fazem parte das declarações de importação na posse dos sujeitos passivos.
(4) Rege hoje o Código de Procedimento e de Processo Tributário, artºs.66º e ss quanto ao recurso hierárquico; 68º e ss quanto á reclamação graciosa; 99º e 102º nº 2 quanto á impugnação judicial e artºs. 46º e ss e 191º do CPTA, quanto ao recurso contencioso, hoje, acção administrativa especial cujo objecto são as pretensões emergentes da prática ou omissão de actos administrativos.
(5) Nesse sentido pode ver-se, na Nota 10 ao Artigo 60° da Lei. Geral Tributária comentada e anotada pelo Pró f. Diogo Leite de Campos e Juizes Conselheiros do S. T. A. Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Visilis Editores 1999; Nota 15 ao Artigo 45° do Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado pelo Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, Visilis Editores 2000)