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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07824/14
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:12/18/2014
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:OMISSÃO DE PRONÚNCIA (VÍCIO DE “PETITIONEM BREVIS”). CONCEITO E ÂMBITO DESTA NULIDADE.
LEGITIMIDADE PARA DEDUZIR RECURSO. ARTº.631, Nº.1, DO C.P.CIVIL.
SENTENÇA NULA É A QUE ESTÁ INQUINADA POR VÍCIOS DE ACTIVIDADE.
VÍCIOS DE ACTIVIDADE CONTRAPÕEM-SE AOS VÍCIOS DE JULGAMENTO.
EXCESSO DE PRONÚNCIA (VÍCIO DE “ULTRA PETITA”).
ARTº.615, Nº.1, AL.D), DO C.P.CIVIL.
FISCALIZAÇÃO CONCRETA DA CONSTITUCIONALIDADE POR PARTE DOS TRIBUNAIS.
Sumário:1. A omissão de pronúncia (vício de “petitionem brevis”) pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes.
2. No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C. P. P. Tributário, no penúltimo segmento da norma.
3. Quando o apelante obteve ganho de causa na 1ª. Instância carece de legitimidade para deduzir recurso face a essa vertente da decisão do Tribunal "a quo", conforme dispõe actualmente o artº.631, nº.1, do C.P.Civil (cfr.anterior artº.680, nº.1, do C.P.Civil de 1961).
4. A sentença nula é a que está inquinada por vícios de actividade (erros de construção ou formação), os quais devem ser contrapostos aos vícios de julgamento (erros de julgamento de facto ou de direito). A nulidade da sentença em causa reveste a natureza de uma nulidade sanável ou relativa (por contraposição às nulidades insanáveis ou absolutas), sendo que a sanação de tais vícios de actividade se opera, desde logo, com o trânsito em julgado da decisão judicial em causa, quando não for deduzido recurso.
5. Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil, é nula a sentença, além do mais, quando o juiz conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº.608, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como se infere do que já deixámos expresso, o excesso de pronúncia pressupõe que o julgador vai além do conhecimento que lhe foi pedido pelas partes. Por outras palavras, haverá excesso de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de “ultra petita”, a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido).
6. No processo judicial tributário o vício de excesso de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, no último segmento da norma.
7. O que pode e deve ser objecto da fiscalização concreta da constitucionalidade, por parte dos Tribunais, são normas e não quaisquer decisões, sejam elas de natureza judicial ou administrativa, nem tão pouco eventuais interpretações que de tais normas possam ser efectuadas por aquelas decisões (cfr.artº.204, da C.R.Portuguesa).
Aditamento:
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Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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"O ............., L.DA.", com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do T.A.F. de Loulé, exarada a fls.113 a 123 do presente processo, através da qual julgou parcialmente procedente a oposição pelo mesmo intentada visando a execução fiscal nº.................... e aps., a qual corre seus termos no Serviço de Finanças de Olhão e propondo-se a cobrança coerciva de dívidas de I.R.S - Retenções na fonte, referentes aos anos de 2011 e 2012, de I.M.I., do ano de 2011, de I.R.C., relativa a 2009, e Coimas Fiscais, tudo no montante global de € 8.074,71.
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O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.154 a 156 dos autos) formulando as seguintes Conclusões (após convite ao aperfeiçoamento):
1-Na sentença aqui trazida ao Alto Desembargo de Vossas Excelências, o Tribunal "a quo" por não se ter pronunciado sobre toda a matéria e factos essenciais, tais como os supra apontados, torna nula a sentença por via do disposto no artigo 615 n°1 al.d) do CPC. Aliás;
2-Para além de nula a sentença por causa do apontado vício, perante a manifesta omissão de pronúncia, a mesma é constitucionalmente ilegal por violação, dentre outros, do artigo 205 da CRP. A omissão de pronúncia apontada;
3-Viola ainda o disposto no artigo 3 nº 2 do EMJ, uma vez que o Tribunal "a quo" não cuidou de responder à questão sobre "outros" e "Imp. Cont. Corr. - lRS" que lhe foi oportuna e inequivocamente suscitada;
4-Não resolvendo a matéria supra exposta (sobre "outros"), o Tribunal a quo viola ainda lei constitucional - artigo 268 n°3 in fine, na medida em que valida (ainda que por omissão, pois nada diz) um acto da Administração Pública que não respeita o superior dever de fundamentação quando os actos afectem direitos ou interesses legalmente protegidos;
5-Quanto ao alegado em 16 supra e ss, temos aqui um manifesto excesso de pronúncia por se tratar de facto que não se encontrava no acto da ATA que foi objecto de oposição. E, por outro lado;
6-Nem pode ter a virtualidade de produzir efeitos na esfera jurídica de ninguém, quando nem sequer se dão como provado que coimas e em que processos terão sido aplicadas - manifesta omissão de pronúncia;
7-Segundo o nosso humilde entendimento, a boa aplicação do Direito supra invocado, teria sempre de resultar na nulidade de todo o processo de execução fiscal, desde logo, por grosseira ineptidão da citação fiscal levada a efeito para extorsão de € 8.626,26;
8-Tudo razões pelas quais deverão Vossas Excelências, Venerandos Juízes-Desembargadores, conceder provimento ao recurso interposto, designadamente determinando a anulação da execução também relativamente às alegadas dívidas de IRS (retido na fonte) e lMl em causa nos autos. Mantendo-se no restante decisório a douta sentença recorrida.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso (cfr.fls.177 e 178 dos autos).
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Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.115 a 117 dos autos - numeração nossa):
1-Em 11/04/2012 foi autuado o processo de execução fiscal n° ..........................., relativo a dívida de IRS - Retenções na Fonte de Trabalho Dependente, referente ao período 2012/02, ao qual foram apensos outros relativos a IRS - Retenções na Fonte de Trabalho Dependente, períodos de 2011/07 e 2012/04; IRC do ano de 2009; IMI do ano de 2011 e coimas (cfr.informação exarada a fls.10 e 11 dos presentes autos; processo de execução fiscal cuja cópia se encontra junta a fls.12 a 74 dos presentes autos);
2-A oponente foi citada para o processo de execução por via electrónica (cfr. documento junto a fls.27 dos presentes autos);
3-Em 24/12/2012, a p.i. de oposição deu entrada no Serviço de Finanças de Olhão através de correio electrónico (cfr.data de envio aposta a fls.5 dos presentes autos).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não se provou a emissão e respectiva notificação das liquidações de IMI de 2011, IRC de 2009 e coimas…”.
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A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A decisão da matéria de facto provada efectuou-se com base no exame dos documentos, não impugnados, que constam dos autos, referenciados em cada uma das alíneas do probatório.
Relativamente ao facto dado como não provado, resulta de pela Administração Tributária não terem sido juntos aos autos documentos comprovativos da emissão e expedição das liquidações das dívidas fiscais, designadamente, o registo comprovativo do envio das liquidações e das decisões de aplicação das coimas, sendo certo os prints do sistema informático juntos a fls. 93 a 97 (docs.1 e 2 juntos com a contestação), relativos apenas ao IRC, além de terem sido impugnados pela Oponente não são aptos a demonstrar a expedição da liquidação para a sede daquela…”.
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Levando em consideração que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou em prova documental constante dos presentes autos, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa igualmente relevante para a decisão do recurso e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.662, nº.1, do C.P.Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário):
4-A p.i. que originou os presentes autos, que a ora recorrente titula como oposição, apresenta os seguintes fundamentos:
a)Que se verifica a falta de fundamentação da nota de penhora e citação que lhe foi endereçada com as referências "Imp. Cont. Corr. - IRS 2012" e "Outros";
b)Que não foi notificada para pagar voluntariamente as dívidas exequendas relativas a "IRS de 2012" e a "Outros" (cfr.p.i. junta a fls.6 dos presentes autos).
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou parcialmente procedente a presente oposição, no que respeita à quantia exequenda relativa a I.R.C. e coimas fiscais, determinando-se, em consequência, a anulação da dívida exequenda nessa medida, tudo devido a inexigibilidade da dívida exequenda. Mais julgando improcedente a oposição no que se refere às dívidas exequendas de I.R.S. - retenções na fonte, e I.M.I., devendo, quanto a estas, prosseguir a execução.
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Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artºs.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
Argui o recorrente, em primeiro lugar e conforme supra se alude, que não cuidou, a decisão recorrida, de responder à questão sobre "Outros" e "Imp. Cont. Corr. - lRS" que lhe foi oportuna e inequivocamente suscitada. Que tal torna nula a sentença por via do disposto no artº.615, n°1, al.d), do C.P.C. Que nem sequer se dá como provado que coimas e em que processos terão sido aplicadas, outra manifesta omissão de pronúncia (cfr.conclusões 1 a 3 e 6 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar, se bem percebemos, uma nulidade da decisão recorrida devido a omissão de pronúncia.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
A sentença é uma decisão judicial proferida pelos Tribunais no exercício da sua função jurisdicional que, no caso posto à sua apreciação, dirimem um conflito de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativo-tributárias. Tem por obrigação conhecer do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para o caso concreto. Esta peça processual pode padecer de vícios de duas ordens, os quais obstam à eficácia ou validade da dicção do direito:
1-Por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e então a consequência é a sua revogação;
2-Por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artº.615, do C.P.Civil.
Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1º. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº.608, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como se infere do que já deixámos expresso, a omissão de pronúncia pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes. Por outras palavras, haverá omissão de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de “petitionem brevis”, a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por uma lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das “questões”) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 142 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37).
No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C. P. P. Tributário, no penúltimo segmento da norma (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.911 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.50/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/3/2011, proc.2442/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/5/2011, proc.4629/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.6971/13).
Mais se dirá que a sentença nula é a que está inquinada por vícios de actividade (erros de construção ou formação), os quais devem ser contrapostos aos vícios de julgamento (erros de julgamento de facto ou de direito). A nulidade da sentença em causa reveste a natureza de uma nulidade sanável ou relativa (por contraposição às nulidades insanáveis ou absolutas), sendo que a sanação de tais vícios de actividade se opera, desde logo, com o trânsito em julgado da decisão judicial em causa, quando não for deduzido recurso (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/10/2013, proc.6608/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.6971/13; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.122 e seg.).
Trata-se, em qualquer caso, nesta nulidade, de falta de pronúncia sobre questões e não de falta de realização de diligências instrutórias ou de falta de avaliação de provas que poderiam ter sido apreciadas. A falta de realização de diligências constituirá uma nulidade processual e não uma nulidade de sentença. A falta de avaliação de provas produzidas, tal como a sua errada avaliação, constituirá um erro de julgamento da matéria de facto. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e referir se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P. Tributário).
Mais, a nulidade de omissão de pronúncia impõe ao juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Se o Tribunal entende que o conhecimento de uma questão está prejudicado e o declara expressamente, poderá haver erro de julgamento, se for errado o entendimento em que se baseia esse não conhecimento, mas não nulidade por omissão de pronúncia.
Por último, embora o Tribunal tenha também dever de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso não suscitadas pelas partes (cfr.artº.608, nº.2, do C.P.Civil), a omissão de tal dever não constituirá nulidade, mas sim um erro de julgamento. Com efeito, nestes casos, a omissão de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso deve significar que o Tribunal entendeu, implicitamente, que a solução das mesmas não é relevante para a apreciação da causa. Se esta posição for errada, haverá um erro de julgamento. Se o não for, não haverá erro de julgamento, nem se justificaria, naturalmente, que fosse declarada a existência de uma nulidade para o Tribunal ser obrigado a tomar posição explícita sobre uma questão irrelevante para a decisão. Aliás, nem seria razoável que se impusesse ao Tribunal a tarefa inútil de apreciar explicitamente cada uma das questões legalmente qualificadas como de conhecimento oficioso sobre as quais não se suscita controvérsia no caso concreto, o que ressalta, desde logo, da dimensão da lista de excepções dilatórias de conhecimento oficioso (cfr.artºs.577 e 578, do C.P.Civil), e da apreciável quantidade de vícios geradores de nulidade contida no artº. 133, nº.2, do C.P.Administrativo (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 28/5/2003, rec.1757/02; ac. T.C.A.Sul-2.ªSecção, 25/8/2008, proc.2569/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/9/2012, proc.3171/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.6971/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.365).
Revertendo ao caso dos autos, o que o recorrente pretende é que o Tribunal “a quo” não terá examinado a "questão" sobre "Outros" e "Imp. Cont. Corr. - lRS" que lhe foi suscitada no articulado inicial do presente processo.
Ora, tal vector não se pode erigir como fundamento de oposição (cfr.artº.204, nº.1, do C.P.P.T.), antes se devendo visualizar como causa de pedir a identificada no nº.4, al.b, do probatório supra exarado (falta de notificação para pagar voluntariamente as dívidas exequendas relativas a "IRS de 2012" e a "Outros"), em relação ao qual o Tribunal "a quo" se pronunciou de forma bastante aprofundada, como se pode concluir do exame do enquadramento jurídico da sentença recorrida, constante de fls.117 a 122 dos autos.
Por outro lado, igualmente defende o recorrente que o Tribunal "a quo" não dá por provado que coimas e em que processos terão sido aplicadas, supomos que ao próprio.
Face a este argumento, somente se nos oferece realçar que, quanto à dívida exequenda de coimas, o apelante obteve ganho de causa na 1ª. Instância, conforme supra mencionado, pelo que carece de legitimidade para deduzir recurso face a esta vertente da decisão do Tribunal "a quo", conforme dispõe actualmente o artº.631, nº.1, do C.P.Civil (cfr.anterior artº.680, nº.1, do C.P.Civil de 1961; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.24 e seg.).
Em suma, não se vê que a decisão recorrida tenha omitido pronúncia e, nestes termos, improcedendo este fundamento do recurso.
Aduz, igualmente, o recorrente que quanto à matéria de facto considerada provada pelo Tribunal "a quo", temos aqui um manifesto excesso de pronúncia por se tratar de facto que não se encontrava no acto da A. Fiscal que foi objecto de oposição (cfr.conclusão 5 do recurso). Com base em tal asserção pretendendo, segundo percebemos, consubstanciar um vício de nulidade da sentença recorrida, devido a excesso de pronúncia.
Deslindemos se a sentença recorrida padece de tal pecha.
A sentença nula é a que está inquinada por vícios de actividade (erros de construção ou formação), os quais devem ser contrapostos aos vícios de julgamento (erros de julgamento de facto ou de direito). A nulidade da sentença em causa reveste a natureza de uma nulidade sanável ou relativa (por contraposição às nulidades insanáveis ou absolutas), sendo que a sanação de tais vícios de actividade se opera, desde logo, com o trânsito em julgado da decisão judicial em causa, quando não for deduzido recurso (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/10/2013, proc.6608/13; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.122 e seg.).
Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1º. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº.608, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como se infere do que já deixámos expresso, o excesso de pronúncia pressupõe que o julgador vai além do conhecimento que lhe foi pedido pelas partes. Por outras palavras, haverá excesso de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de “ultra petita”, a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por uma lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das “questões”) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 143 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690 e seg.; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37).
No processo judicial tributário o excesso de pronúncia (vício de “ultra petita”), como causa de nulidade da sentença, está este previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, no último segmento da norma (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.366 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 10/3/2011, rec.998/10; ac.S.T.A-2ª.Secção, 15/9/2010, rec.1149/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/1/2012, proc.5265/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 9/7/2013, proc.6817/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6832/13).
No caso “sub judice”, do exame da decisão recorrida, facilmente se conclui que o Tribunal "a quo" não excede a análise da causa de pedir formulada pelo opoente (inexigibilidade da dívida exequenda) e que delimitava o âmbito do conhecimento judicial da matéria dos autos, tanto em relação à matéria de facto, como relativamente ao enquadramento jurídico.
E recorde-se que a eventual falta de fundamentação da nota de penhora e citação (cfr.nº.4, al.a), do probatório), não constitui fundamento possível de oposição, em virtude da enumeração taxativa constante do artº.204, nº.1, do C.P.P.T. (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 4/12/2012, proc.5989/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/2/2014, proc.7256/13).
Concluindo, o Mmº. Juiz “a quo” moveu-se dentro dos parâmetros da questão posta ao Tribunal. Donde se conclui que a sentença não incorreu em pronúncia excessiva, assim se julgando improcedente também este esteio do recurso.
O apelante dissente do julgado alegando, por último, que o Tribunal "a quo" viola a lei constitucional - artº.268, nº.3, da C.R.P. - na medida em que valida (ainda que por omissão, pois nada diz) um acto da Administração Pública que não respeita o superior dever de fundamentação quando os actos afectem direitos ou interesses legalmente protegidos. Que a decisão recorrida igualmente viola o artº.205, da C.R.P. Que a boa aplicação do Direito teria sempre de resultar na nulidade de todo o processo de execução fiscal, desde logo, por grosseira ineptidão da citação fiscal levada a efeito (cfr.conclusões 2, 4 e 7 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar, segundo percebemos, um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Dissequemos se a decisão recorrida padece de tal vício.
Rapidamente, alinhamos dois vectores que levam à improcedência do presente esteio do recurso.
O primeiro tem a ver com a constatação de que os argumentos sob apreciação não foram invocados na petição inicial (cfr.nº.4 do probatório). Na verdade, não se alcança da p.i. que a matéria vertida nas conclusões que se deixaram expostas haja sido alegada em 1ª. Instância, pelo que não poderia ser objecto de conhecimento e correcção pelo Tribunal “a quo”, sendo nesta sede de recurso pela primeira vez suscitada. Igualmente sendo matéria que não é de conhecimento oficioso.
É que o direito português segue o modelo do recurso de revisão ou reponderação (modelo que tem as suas raízes no Código Austríaco de 1895). Daí que o Tribunal “ad quem” deva produzir um novo julgamento sobre o já decidido pelo Tribunal “a quo”, baseado nos factos alegados e nas provas produzidas perante este. Os juízes do Tribunal de 2ª. Instância, ao proferirem a sua decisão, encontram-se numa situação idêntica à do juiz da 1ª. Instância no momento de editar a sua sentença, assim valendo para o Tribunal “ad quem” as preclusões ocorridas no Tribunal “a quo”. Nesta linha, vem a nossa jurisprudência repetidamente afirmando que os recursos são meios de obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos Tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do Tribunal de que se recorre, visto implicar a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/1/1992, rec.13331; ac.S.T.J., 25/2/1993, proc.83552; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 1/3/2011, proc.2442/08; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/8/2012, proc.5857/12; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 9/7/2013, proc.6817/13). Não vale, contudo, também entre nós, em toda a sua pureza, o modelo de recurso de reponderação. Além de outras excepções (v.g.as partes podem acordar, em 2ª. Instância, a alteração ou ampliação do pedido - cfr.artº.264, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), o Tribunal “ad quem” pode conhecer de questões novas, ou seja, não suscitadas no Tribunal recorrido, desde que de conhecimento oficioso e ainda não decididas com trânsito em julgado. E essas questões podem referir-se, quer à relação processual (v.g.excepções dilatórias, atento o disposto no artº.578, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), quer à relação material controvertida (v.g.prescrição e duplicação de colecta - cfr.artº.175, do C.P.P. Tributário). No que respeita à matéria de direito, são os Tribunais de recurso inteiramente livres quanto à determinação, interpretação e aplicação das normas jurídicas ao caso ajuizado, devendo, mesmo, tomar em consideração as modificações da lei sobrevindas após o julgamento ocorrido na instância inferior, caso elas abranjam a relação jurídica litigiosa (cfr.António Santos Abrantes Geraldes, Recurso em Processo Civil, Novo Regime, 2ª. Edição Revista e Actualizada, 2008, Almedina, pág.92 e seg.; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.153 e seg.; Armindo Ribeiro Mendes, Direito Processual Civil III, Recursos, AAFDL, 1982, pág.174).
Concluindo, o recorrente pretende a emissão de pronúncia sobre questão nova, o que o mesmo é dizer que o tema suscitado na conclusão apelatória em análise excede o objecto do recurso, implicando a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição, pelo que dele se não conhece.
O segundo, tem a ver com o facto do apelante chamar à colação alegados vícios de inconstitucionalidade material e que buscam uma fiscalização concreta e com características oficiosas (cfr.artºs.204 e 280, nº.1, da C.R.Portuguesa; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 2º. Volume, Coimbra Editora, 2010, pág.940 e seg.). No entanto, o que pode e deve ser objecto da fiscalização concreta da constitucionalidade, por parte dos Tribunais, são normas e não quaisquer decisões, sejam elas de natureza judicial ou administrativa, nem tão pouco eventuais interpretações que de tais normas possam ser efectuadas por aquelas decisões (cfr.artº.204, da C.R.Portuguesa; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 2º. Volume, Coimbra Editora, 2010, pág.518 e seg.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/4/2006, proc.64561/96; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/1/2011, proc.4401/10; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 5/6/2012, proc.5445/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7164/13).
Arrematando, rejeita-se o recurso na parte em que o recorrente carece de legitimidade para apelar (dívida exequenda de coimas), mais se julgando improcedente o recurso quanto ao restante e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, a qual não padece dos vícios que lhe são assacados, ao que se procederá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
1-REJEITAR O RECURSO NA PARTE EM QUE O APELANTE CARECE DE LEGITIMIDADE;
2-NO RESTO, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 18 de Dezembro de 2014



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto)