Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07589/11
Secção:CA - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:11/21/2013
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:MOBILIDADE ESPECIAL
DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO
ILEGITIMIDADE PASSIVA VERIFICADA SÓ EM FASE DE RECURSO
ARTIGO 87º DO CPTA
CORRECÇÃO DA EXCEPÇÃO DE ILEGITIMIDADE PASSIVA APÓS O SANEADOR E EM FASE DE RECURSO
INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA
Sumário:I – O artigo 14º, n.º 2, alínea b), da Lei n.º 534/2006, de 07.12, exige uma obrigação de fundamentação acrescida, com a indicação da justificação concreta relativamente ao número que foi escolhido para os vários postos de trabalho.
II – A fundamentação daquela lista não cumpre apenas objectivos internos ou ao nível da relação hierárquica entre o dirigente máximo do serviço e o membro do Governo de que aquele depende, mas cumpre, também, objectivos de justificar a actuação da Administração perante os seus trabalhadores e designadamente perante aqueles que possam ficar lesados, por serem colocados na mobilidade especial.
III - Se em sede de recurso se verifica que o R. é parte ilegítima para efeitos do pedido cumulado de indemnização civil por responsabilidade por acto ilícito, há que ler-se o artigo 87º, n.º 2, do CPTA, de uma forma útil, ou seja, como permitindo a invocação da excepção de ilegitimidade após o despacho saneador, para que ainda se possa corrigir aquela situação, que inquina toda a utilidade do processo e conduziria à absolvição da instância.
IV- Atendendo a que a excepção de ilegitimidade passiva é do conhecimento oficioso e que é uma excepção suprível, verificada que seja em sede de recurso, haverá ainda nesta fase que dar-se a possibilidade ao A. de vir corrigir a demanda, para que o conhecimento do pedido indemnizatório possa efectivar-se no seu mérito.
V – Consequentemente há que determinar-se a baixa dos autos para poder vir o A. pronunciar-se em relação à excepção de ilegitimidade do R. MADRAP para figurar como R. quanto ao pedido de responsabilidade civil por acto ilícito e para se convidar o mesmo a vir requerer a intervenção principal provocada, querendo, do R. Estado Português, a fazer-se representar pelo DMMP.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul
Vem interposto recurso da sentença do TAC de Lisboa que anulou o despacho n.º 12885/2007 do Director Regional da Agricultura e Pescas do Algarve na parte em que coloca ... na situação de mobilidade especial e condenou o R. a indemnizar a trabalhadora nos prejuízos causados pelo acto anulado, a liquidar em execução de sentença.
Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões: «

“OMISSIS”

.».
O Recorrido não contra alegou.
O DMMP apresentou a pronúncia de fls. 240 a 241, no sentido da improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Os Factos
Pela 1º instância foram dados por assentes, por provados, os seguintes factos, ora não impugnados:



“OMISSIS”


O Direito
Vem o Recorrente imputar um erro à decisão sindicada porque entende que o acto anulado está fundamentando, pois a fundamentação exigida pela parte final do artigo 14º, n.º 2, alínea b), da Lei n.º 534/2006, de 07.12, situa-se ao nível da relação hierárquica entre o dirigente máximo do serviço e o membro do Governo de que aquele depende e a determinação dos postos de trabalho necessários é uma decisão discricionária, sendo que aquela fundamentação e decisão é meramente instrumental face à decisão final que ora vem impugnada.
Diz também o Recorrente, que a decisão é contraditória em si mesma, ao entender-se que a definição do número de postos de trabalho a afectar a cada serviço constitui uma escolha administrativa, discricionária, e depois anula a decisão por falta de fundamentação quanto a essa escolha.
Mais diz o Recorrente, que os critérios de elaboração das listas dos postos de trabalho necessários à prossecução das actividades estão devidamente fundamentados e também o despacho impugnado está fundamentado.
Invoca também o Recorrente, que nos autos não ficou demonstrada a ilicitude do acto, nem a causalidade, nem os prejuízos que derivaram para a A. e Recorrida do acto anulado, assim como, não se provaram nos autos prejuízos anormais e especiais.
A decisão sindicada anulou o despacho n.º 12885/2007 do Director Regional da Agricultura e Pescas do Algarve, na parte em que coloca ... na situação de mobilidade especial, por entender padecer de falta de fundamentação, por não serem minimamente perceptíveis as «razões que levaram a Administração a definir a necessidade de 20 engenheiros, em lugar de 25 ou de 15 por exemplo» e por se tratar de uma decisão «arbitrária, desprovida de qualquer fundamento, em clara violação dos artigos 124 do CPA e 14 nº 9 al b) da Lei 53/2006».
Por imposição do n.º 3 do artigo 268º da CRP, os actos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos devem ser expressamente fundamentados. Concretizando a imposição constitucional, o artigo 125º do CPA determina que a fundamentação deve ser expressa, através da sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir na mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, os quais ficarão a fazer, neste caso, parte integrante do respectivo acto (cf. também o artigo 124º do CPA).
A fundamentação do acto administrativo tem por finalidade dar a conhecer ao destinatário o percurso cognitivo e valorativo do autor daquele mesmo acto, de modo a permitir uma defesa adequada e consciente dos direitos e interesses legalmente protegidos do particular lesado.
Para tanto, a fundamentação tem que ser suficiente, clara e congruente. Tem de permitir ao destinatário médio ou normal, colocado na posição do real destinatário do acto, compreender a motivação que subjaz ao raciocínio decisório. Não é necessário – desde logo porque iria contra os princípios de eficiência e celeridade administrativa – que em cada acto administrativo se proceda a uma fundamentação completa e exaustiva das razões de facto e de direito que motivaram a decisão.
O STA «vem, desde há muito, entendendo que a fundamentação é um conceito relativo, que varia consoante o tipo legal de acto administrativo em concreto, havendo que entender a exigência legal em termos hábeis, dados a funcionalidade do instituto e os objectivos essenciais que prossegue. Objectivos esses de habilitar o destinatário a reagir eficazmente pelas vias legais contra a respectiva lesividade, caso com a mesma não se conforme (objectivo endoprocessual) e de assegurar a transparência, a serenidade, a imparcialidade e reflexão decisórias (objectivos exa ou extra-processuais)» (In Ac. da 1º Secção do STA de 18.06.96, Rec. 39.316, in Apêndice ao DR de 23.10.1998, vol. III – Junho).
No caso em apreço, a obrigação de fundamentação é expressamente referida no n.º 9 do artigo 14º da Lei n.º 53/2006, de 07.12.
Ora, face à matéria de facto apurada, na realidade, no que concerne à lista dos postos de trabalho necessários para o assegurar das actividades e procedimentos na DRAPALG, por subunidade orgânica, identificando a carreira e as áreas funcional, habilitacional e geográficas, em conformidade com as disponibilizações orçamentais existentes, não cumpre aquela lista as obrigações de fundamentação exigidas na alínea b) do n.º 9 do artigo 14º da Lei n.º 53/2006, de 07.12, por aí não constar qualquer justificação concreta relativamente ao número que foi escolhido para os vários postos de trabalho.
Dos mapas elaborados não é possível depreender, em concreto e de forma nominal, que funcionários são os efectivos existentes e que subunidade ocupam, em que carreira estão colocados e em que áreas funcional, habilitacional e geográficas, por forma a concluir-se pela necessidade de colocação na situação de mobilidade especial ao abrigo do nº 4 do artigo 14º do mesmo diploma.
Da fundamentação também não constam as razões determinantes do número de postos de trabalho fixado, por carreira, unidade orgânica e área geográfica.
Ou seja, da fundamentação adoptada para a lista dos postos de trabalho necessários, por subunidade orgânica, identificando a carreira e as áreas funcional, habilitacional e geográficas, não constam, com mediana clareza, as razões concretas e circunstanciadas que motivaram as decisões, quer as razões de facto quer de direito.
Com tal fundamentação não era permitido à representada do A. conhecer com suficiente clareza e congruência os motivos determinantes da sua colocação na lista de mobilidade especial.
Contrariamente ao aduzido pelo Recorrente, a fundamentação daquela lista não cumpre apenas objectivos internos ou ao nível da relação hierárquica entre o dirigente máximo do serviço e o membro do Governo de que aquele depende, mas cumpre, também, objectivos de justificar a actuação da Administração perante os seus trabalhadores e designadamente perante aqueles que possam ficar lesados, por serem colocados na mobilidade especial (cf. neste sentido Acs. do STA n.º 0538/10, de 25.01.2011, do TCAS n.º 05910/10, de 09.05.2013 e n.º 05490/09, de 25.02.2010, todos em www.dgsi.pt).
A decisão sindicada também não padece de nenhum erro ou contradição quando considerou caber no âmbito dos poderes discricionários da Administração a definição do número de postos de trabalho a afectar a cada serviço, e em simultâneo, entendeu existir, no caso dos autos, um vício de falta de fundamentação.
O dever de fundamentação das decisões da Administração não é afastado pelo facto de um acto se inserir na reserva de actuação da Administração. Diferentemente, aqueles poderes discricionários até pressupõem uma obrigação de fundamentação mais minuciosa, pois só uma plena exteriorização da vontade da Administração permitirá, nestes casos, compreende-la integralmente.
Portanto, nenhum erro foi cometido na decisão sindicada quando anulou o acto impugnado.
Porém, a referida decisão foi errada quando condenou o R. e Recorrente a indemnizar a representada do A. a título de responsabilidade civil do Estado por acto ilícito, por danos patrimoniais e morais
Isto porque, a presente acção foi intentada apenas contra o MADRP.
Ora, este R. não era parte legítima para assim figurar relativamente ao pedido indemnizatório face ao estipulado no artigo 11º, n.º 2, do CPTA.
Em sede de pedidos de responsabilidade civil, a demanda faz-se contra o Estado, a ser representado pelo Ministério Público (DMMP).
Por isso, para que pudesse prosseguir a acção para o conhecimento do pedido indemnizatório exigia-se a demanda do Estado como R., já que o MADRAP é parte ilegítima no que a este pedido diz respeito. Estando em causa um processo que tinha por objecto um pedido de responsabilidade civil, não podia o MADRAP figurar sozinho nesta acção e apresentar a defesa com relação ao pedido indemnizatório formulado.
Ou seja, no caso dos autos ocorre uma situação de ilegitimidade passiva, por falta de demanda do Estado, para efeitos do pedido cumulado de indemnização civil por responsabilidade por acto ilícito, que inquina o prosseguimento dos autos desde a apresentação da PI e que haveria de ter sido suscitada no saneador, com o convite ao A. para aperfeiçoar a sua PI, com a indicada demanda.
Ora, porque essa correcção não foi feita, prosseguiram os autos contra o MADRAP e foi feito o julgamento, quando o MADRAP era parte ilegítima para figurar como R. no que se refere ao pedido indemnizatório.
Consequentemente, haverá agora que revogar a decisão recorrida na parte em que concedeu provimento ao pedido de condenação do R. a indemnizar a representada do A., porque na situação em apreço existe uma ilegitimidade passiva com relação a esse pedido indemnizatório.
A excepção de ilegitimidade do R., por falta de demanda do Estado Português, é uma excepção do conhecimento oficioso, suprível pela parte, após ter sido suscitada pelo juiz e após o convite ao aperfeiçoamento.
Verificada a excepção de ilegitimidade passiva já depois de proferido o saneador, há que ler o artigo 87º, n.º 2, do CPTA, de uma forma útil, ou seja, como permitindo a invocação da excepção de ilegitimidade após aquele despacho, para que ainda se possa corrigir aquela situação, que inquina toda a utilidade do processo e conduziria à absolvição da instância (cf. neste sentido, Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, Coimbra, 3º edição, Maio de 2010, págs. 572, 573 e 577 a 581).
Porque não foi suscitada a indicada excepção de ilegitimidade no despacho saneador, quando o artigo 87º, n.º 1, alínea a), do CPTA, exigia o conhecimento obrigatório de todas as questões que obstassem ao conhecimento do mérito da causa, a omissão de tal acto, porque influiu no exame da causa, terá de reconduzir-se a uma nulidade nos termos do artigo 201º, n.º 1, do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA.
Como se disse, no caso, haveria que suscitar-se a ilegitimidade passiva do R. MADRAP com relação ao pedido indemnizatório e convidar o A. ao aperfeiçoamento da PI. Se a PI fosse aperfeiçoada, haveria que citar o novo R. Estado, para contestar e só após esta contestação se poderia conhecer do pedido indemnizatório.
Em suma, a não tendo sido suscitada a ilegitimidade do R. MADRAP no despacho saneador, quando tal era obrigatório nos termos do artigo 87º, n.º1, alínea a), do CPTA, cometeu-se uma omissão, que conduzia à nulidade desse acto e à anulação de todos os demais actos e termos subsequentes que dele dependiam. Dependeriam absolutamente daquele saneador os actos relativos à realização do julgamento, à apresentação das alegações e à prolação da decisão recorrida, na parte em que se condenou o R. MAPRAP no pedido indemnizatório, por danos patrimoniais e morais.
Acontece, que até à presente data não foi suscitada pelas partes nenhuma nulidade e o despacho saneador também não foi alvo de recurso algum.
Este recurso é apenas interposto contra a decisão final, por erro de julgamento, com relação aos pedidos anulatório e indemnizatório, portanto, foi restringido o recurso à questão de erro de julgamento. No que concerne ao pedido anulatório, para o qual, aliás, o R. MADRAP era parte legítima para figurar como R., formou-se caso julgado com a decisão recorrida.
Mas, se o saneador há-de manter-se, porque aqui não foi impugnado, já a decisão recorrida não pode subsistir, na parte em que condenou o R. MADRAP, porquanto a mesma foi proferida e conheceu-se do pedido indemnizatório quando o R. demandado não era parte legítima para assim figurar, exigindo-se que a correspondente demanda se fizesse contra o Estado Português.
Por conseguinte, atendendo a que a excepção de ilegitimidade passiva é do conhecimento oficioso e que é uma excepção suprível, porque através deste acórdão a mesma é suscitada, dando um efeito útil ao artigo 87º, n.º1, alínea a), do CPTA, considera-se poder ainda nesta fase dar-se a possibilidade ao A. de vir corrigir a presente demanda, para que o conhecimento do pedido indemnizatório possa efectivar-se no seu mérito (cf. também o artigo 485º do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA).
Em suma, haverá que determinar-se a baixa dos autos, antes de mais, para poder vir o A. pronunciar-se em relação à excepção de ilegitimidade do R. MADRAP para figurar como R. quanto ao pedido de responsabilidade civil por acto ilícito e para se convidar o mesmo a vir a requerer a intervenção principal provocada, querendo, do R. Estado Português, a fazer-se representar pelo DMMP (cf. artigos 320º, alínea a), 322º e 326º do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA).
Só após tal chamamento, caso o mesma venha a ocorrer, prosseguirão os autos com a citação do novo R. na pessoa do seu representante DMMP e fará sentido a reabertura de uma fase de instrução para prova dos alegados danos invocados pelo A. e para a prova dos restantes factos que venham a ser invocados pelo Estado e que se mantenham controvertidos.
Mas a decisão final, na parte em que determinou a procedência do pedido indemnizatório não pode subsistir, havendo que ser anulada. Não pode manter-se tal decisão porque o R. demandado não é parte legítima para eventualmente poder vir a ser o R. condenado no pedido indemnizatório.
Dispositivo
Pelo exposto, acordam em:
- conceder provimento parcial ao recurso e anular a decisão recorrida, por existir no caso uma excepção de ilegitimidade passiva com relação ao pedido indemnizatório, que é passível de ser corrigida e consequentemente determinar a baixa dos autos para se convidar o A. a chamar como R. o Estado Português, querendo, seguindo depois a instância os seus demais termos, se a mais nada obstar.
- manter a decisão recorrida, que se confirma, quando determinou a anulação do despacho n.º 12885/2007 do Director Regional da Agricultura e Pescas do Algarve na parte em que coloca ... na situação de mobilidade especial.
- custas pelo Recorrente na proporção do decaimento, que se fixa em metade.

Lisboa, 21/11/2013
(Sofia David)

(Carlos Araújo)

(Teresa de Sousa)