Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:11/15.1BEBJA
Secção:CT
Data do Acordão:12/03/2020
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores:IVA;
DIREITO À DEDUÇÃO
Sumário:O IVA assenta num sistema de pagamentos fraccionados e destinados a tributar o consumo final, pelo que a dedução do imposto pago nas operações intermédias do circuito económico é indispensável ao funcionamento do mesmo sistema, consagrando-se os mecanismos do direito à dedução nos artigos 19º a 26º do CIVA.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO

Vem a AT- Autoridade Tributária e Aduaneira interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por T........., S.A., contra o indeferimento hierárquico apresentado após o indeferimento da reclamação graciosa referente a liquidação de IVA e juros compensatórios do ano de 2009 no montante de € 103.468,85.

A Recorrente, nas suas alegações formulou conclusões nos seguintes termos:
A
A autora procedeu a obras de construção de um empreendimento turístico, constituído por 138 frações autónomas, destinando 93 frações a exploração turística, 6 a instalações, equipamentos e serviços de uso comum e 39 a comercialização (venda).
B
O empreendimento em causa foi concluído e recepcionado provisoriamente em 17 de junho de 2009, procedendo desde logo a autora à dedução do IVA suportado com o empreendimento, à exceção do IVA relativo às fracções destinadas a comercialização.
C
Porquanto, sendo a actividade de venda de bens imobiliários uma actividade isenta de IVA nos termos do nº 30 do artigo 9.º do CIVA, se encontrava legalmente impedida de proceder à sua dedução,
D
Embora esporadicamente e em função da procura, fosse utilizando algumas dessas fracções para exploração turística.
E
No entanto e já no decurso do exercício de 2011, apenas tendo procedido à alienação de uma das fracções das 39 destinadas a tal fim, concluiu a impugnante pela inviabilidade de tal opção, comunicando ao Turismo de Portugal, em 17 de maio desse mesmo ano, a utilização turística das fracções que inicialmente havia destinado a venda,
F
Procedendo então à dedução integral do IVA suportado com a construção dessas 38 frações autónomas, solicitando em consequência, o respectivo reembolso.
G
Dos fatos elencados, resulta manifesto que, nos exercícios de 2009 e 2010, embora esporadicamente utilizados para exploração turística, tais apartamentos estiveram afetos a uma actividade isenta de IVA, mais concretamente, a comercialização.
H
Facto que foi de tal forma intuído pela autora que, apenas com a desistência da intenção de comercialização dos referidos bens, procedeu à dedução do IVA incorrido com a construção dos mesmos,
I
Sendo que, e não obstante ter a perfeita noção que durante dois exercícios tais fracções haviam tido uma afectação que não lhe permitia proceder à dedução da totalidade do IVA suportado, não a impediu de assim proceder, em clara violação das disposições constantes da alínea b) do n.º 1 do artigo 25.º do CIVA,
J
Razão pela qual, não obstante o devido e necessário respeito pelo douto Tribunal, se impunha decisão com sentido diametralmente oposto aquele de que agora se recorre, atentos não só os factos, mas também a determinação do n.º 1 do artigo 74.º da LGT, no que respeita ao ónus da prova,
K
Porquanto, foi a autora que desde início, não procedeu à dedução do imposto suportado na construção das 38 frações que inicialmente destinou a venda, em função da perfeita noção que estas estavam afetas a uma actividade isenta de IVA, objectivamente sem direito a dedução do imposto suportado, alterando posteriormente, em razão do mercado, o destino de tais bens.
L
Aliás, não fosse a afectação concreta dos bens uma actividade isenta, sempre a autora teria deduzido “ab-initio” o imposto suportado, procedendo depois à sua regularização, caso viesse a proceder à alienação dos imóveis em causa,
M
Pelo que se lhe impunha, atento já referido n.º 1 do artigo 74.º da LGT, correndo por sua conta o ónus da prova daquilo que alega, em contradição com o que resulta do seu comportamento inicial, fazer demonstração inequívoca que os bens não estiveram afetos a uma actividade isenta, mas sim a um a actividade sujeita,
N
Recorrendo nomeadamente ao suporte contabilístico, evidenciando por aí, a real afectação dos bens, demonstrando qual o registo contabilístico a que os mesmos estiveram sujeitos, nomeadamente o seu reconhecimento, no ano da conclusão do empreendimento, como ativos fixos tangíveis (imobilizado), caso estes estivessem efectivamente adstritos à actividade de exploração turística,
Termos em que, deve o douto Tribunal reconhecer o erro na decisão ora sob recurso, revogando a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, substituindo-a por outra que declare a improcedência da impugnação deduzida e a consequente manutenção, na ordem jurídica, das liquidações efetuadas, como é de inteira justiça.”
* *
A Recorrida apresentou contra-alegações formulando as seguintes conclusões:
i. Pese embora o presente recurso se circunscreva à apreciação do erro de julgamento da matéria de Direito – atento o facto de o mesmo ter sido interposto para este Venerando Tribunal – ao longo das suas conclusões a Fazenda Pública opta por, outrossim, proceder a uma selecção de factos que elege como essenciais para, pretensamente, sustentar uma diferente decisão.

ii. A Fazenda Pública entende também por bem formular juízos conclusivos (e subjectivos) sobre aquilo que considera ter sido alegadamente “intuído” pela ora Recorrida – como ressuma, por exemplo, das conclusões H), I) K) e L).

iii. Entende a Fazenda Pública, nas suas conclusões J) e M), que o Tribunal a quo deveria ter arribado a uma decisão diametralmente oposta caso não tivesse errado na aplicação do artigo 74.º n.º 1 da LGT – remetendo para um enquadramento factual que, formal e materialmente, não logra colocar em causa e que, para além do mais, não encontra respaldo na sentença recorrida.

iv. E daí que seja írrita a invocação da pretensa violação do artigo 74.º n.º 1 da LGT, na medida em que, como resulta cristalino da douta sentença recorrida, foi feita prova de que as fracções em causa apenas vieram a ser efectivamente ocupadas aquando da sua exploração turística.

v. Basta ler a seguinte passagem da douta sentença recorrida:
« (…) demonstrada a afetação das fracções a uma actividade sujeita a IVA, como é a exploração turística, não existem razões factuais ou legais que obstaculizem o exercício do direito à dedução do IVA suportado com a construção/remodelação das mesmas.».

vi. Contrariamente ao pretendido pela Recorrente, não deverá ser aplicado o artigo 25.º do CIVA, uma vez que o mesmo pressupõe que ocorra uma alteração da utilização dada aos bens, após a ocupação dos mesmos – o que não se provou nos autos.

vii. Deste modo, decorrente da efectiva afectação das fracções em causa à exploração turística (actividade tributada em IVA) logo no ano de 2009, tinha a Impugnante direito a deduzir o IVA suportado na respectiva construção – conquanto o fizesse, como fez, no prazo de quatro anos a contar do nascimento do respectivo direito3.
3 Cfr. art. 19.º, 20.º e 98.º n.º 2 do CIVA.

viii. A lógica do sistema instituído pela Sexta Directiva impõe que o IVA que tenha incidido a montante sobre os bens utilizados por um sujeito passivo para os fins das suas operações tributáveis deve poder ser SEMPRE deduzido - propiciando a neutralidade económica do imposto.

ix. É jurisprudência constante do TJCE que, sendo o direito à dedução um elemento fundamental do regime de IVA, só é possível limitar este direito nos casos expressamente previstos pela DIVA e, ainda assim, com respeito pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade, não se podendo esvaziar o sistema comum do IVA do seu conteúdo .
TERMOS EM QUE, com a falta de provimento do presente recurso, deve a Douta sentença recorrida manter-se nos seus precisos termos, assim se cumprindo a Lei e se fazendo JUSTIÇA!”

* *
Tendo o recurso da AT- Autoridade Tributária e Aduaneira sido a ele dirigido, o Supremo Tribunal Administrativo julgou-se incompetente em razão da hierarquia e declarou competente para o efeito o Tribunal Central Administrativo Sul.

Remetido o processo e este Tribunal, cumpre conhecer do recurso jurisdicional.

* *
Quanto às questões cujo conhecimento ficou prejudicado pela decisão recorrida, foram as partes notificadas nos termos do art. 665º do CPC para, querendo, se pronunciarem sobre as mesmas, tendo a Recorrida apresentado a resposta com o teor constante de fls. 771/796 do suporte físico (doc. nº 003777114 17-02-2020 11:51:08 numeração SITAF).

Tendo a impugnante na petição inicial formulado a final os seguintes pedidos:
“ a) Ser anulada a liquidação aqui impugnada, por erro de facto e de direito imputável à AF;
b) Ser reconhecido à Impugnante o direito de ser indemnizada pela totalidade dos encargos incorridos com a prestação e manutenção de garantia, a liquidar oportunamente – em sede de execução de julgados;
c) Ser a Fazenda Pública condenada a pagar custas e demais encargos com o processo, porque ao mesmo deu causa.”.

A sentença recorrida julgou procedente a impugnação quanto ao pedido formulado em a) tendo julgado prejudicado o conhecimento dos demais fundamentos; em concreto, os fundamentos vertidos nos pontos 88 a 92 da petição inicial e que permitiriam decidir o pedido formulado em b).

A notificação efectuada às partes nos termos do art. 665º, nºs 2 e 3 do CPC visava permitir-lhes a pronúncia sobre as questões não apreciadas na sentença, isto é, sobre os fundamentos invocados nos pontos 88 a 92 da petição inicial.

Ora do teor da resposta apresentada pela Recorrida resulta que esta veio apresentar nova pronúncia (novas contra-alegações) sobre os fundamentos da decisão recorrida e sobre o teor do recurso apresentado pela autoridade tributária e aduaneira, não cumprindo os requisitos permitidos pelo art. 665º, nº 2 do CPC, razão pela qual este Tribunal, para efeitos de decisão do presente recurso, não toma conhecimento do seu teor.
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O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, a questão controvertida consiste em aferir se a sentença enferma de erro de julgamento de facto e de direito ao ter reconhecido o direito à dedução do IVA suportado com a construção de imóveis que anteriormente estavam destinados a venda e que foram posteriormente afectos à exploração turística.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

1) O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A) A sociedade Impugnante é uma sociedade comercial anónima cujo objeto consiste na exploração hoteleira e turística bem como a compra e venda de imóveis;

B) No exercício de 2011 a sociedade Impugnante era tributada em IRC no regime geral e em IVA encontrava-se enquadrada no regime normal de periodicidade mensal desde 01/01/2010 tendo estado enquadrado no regime normal trimestral entre 01/01/2005 e 31/12/2009;

C) A Impugnante é proprietária de um imóvel onde se encontra instalada uma unidade hoteleira denominada “A.........”, explorando o mesmo para a atividade turística e para o mercado imobiliário;

D) Tal empreendimento foi submetido a obras de reconstrução entre os anos de 2007 e 2009, tendo a Impugnante contabilizando o IVA suportado com essas obras no seu imobilizado;

E) A Impugnante entregou Declarações Periódicas de IVA com valores respeitantes às obras de remodelação e requalificação do imóvel e empreendimento em que se insere enquadradas no Projecto de Desenvolvimento Turístico da Península de Tróia;

F) O citado A......... é constituído por 138 fracções sendo a sua afetação inicial de 93 para exploração turística, 6 fracções para instalações, equipamentos e serviços de uso comum e as restantes 39 fracções eram destinadas a venda;

G) As obras citadas em D) foram concluídas no 1º semestre do ano de 2009, datando a recepção provisória da obra de 17/06/2009;

H) Com efeitos a 02/01/2009 foi celebrado um contrato de cessão de exploração entre a Impugnante e a empresa “T………., SA”;

I) Foi emitido alvará de utilização para fins turísticos relativamente a todo o empreendimento datado de 28/01/2009;

J) A Impugnante procedeu a alterações ao título constitutivo do Aparthotel as quais foram aprovadas pelo Turismo de Portugal em 25/03/2009;

K) Desde o verão de 2009 todas as fracções foram utilizadas para fins turísticos;

L) Apesar da emissão do alvará citado em H) a sociedade Impugnante comunicou ao Turismo de Portugal a exploração turística das 39 fracções que anteriormente detinha para venda;

M) A Impugnante apenas procedeu à venda de 1 dessas 39 fracções;

N) A Impugnante deduziu o IVA incorrido com a construção e aquisição de equipamentos desde o início da afetação à exploração turística das fracções inicialmente destinadas a venda;

O) Sendo o valor de 990.715,25 € respeitante ao IVA incorrido com a construção dessas mesmas fracções, inicialmente destinadas a venda;

P) A Impugnante apresentou pedido de reembolso de IVA imputado ao período 2011/06;

Q) Nessa sequência foi objeto de uma acção inspectiva ao abrigo da ordem de serviço nº
OI201105718;

R) Do relatório final elaborado resulta, além do mais, que
III - DESCRIÇÃO DE FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇOES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA COLETÁVEL -
Subjacente à correção meramente aritmética que se propõe em sede de IVA com referência ao periodo "2011-06” no montante de 99 071,55 €, evidenciamos as situações de facto e de direito conforme respetivas alíneas seguintes:
D-DE FACTO:
1 1)_ CRÉDITO DE IVA / REEMBOLSO:- Na base do pedido de reembolso concedido de 975 926, 61 € imputado ao período “2011-06", prevalece o crédito acumulado do mesmo montante, formado porém no mesmo período, e resulta de dedução respeitante a "Imobilizado" no valor de 990 715, 25 € efetuada na declaração periódica do mesmo.
Em concreto, de acordo com a relação descritiva de documentos relativos aos inputs onde se discriminam respetivas datas de 2007 a 2010 inclusive, fornecedores, montantes lançados de valor líquido, total de IVA e IVA a deduzir, no elevado montante deduzido nesse próprio período, subsiste o IVA suportado nas obras de construção e equipamento das 39 frações inicialmente destinadas a venda, ocorridas entre 2007 e 2010, não tendo sido então deduzido tal imposto pelo facto de as frações serem inicialmente destinadas a venda, mas entretanto, afetas a uma actividade tributada que sucede a uma decisão em 2011 da administração da empresa nesse sentido. (…)
DE DIREITO:
A al b) do n° 1 do art° 25° do CIVA prevê que "...se por motivo de alteração da atividade ou imposição legal, os sujeitos passivos passarem a praticar operações sujeitas que conferem direito à dedução, podem ainda deduzir o imposto relativo aos bens do activo imobilizado", sendo que ...no caso de bens imóveis adquiridos ou concluídos no ano da alteração do regime de tributação e nos 19 anos civis anteriores, o imposto dedutível é proporcional ao número de anos que faltem para completar o período de 20 anos a partir do ano da ocupação dos bens".
O n° 3 do Art° 25° do CIVA refere ainda que "...o disposto nos números anteriores é igualmente aplicável aos sujeitos passivos que utilizando o método de afetação real, afetem um bem do setor isento a um setor tributado podendo a dedução ser efetuada no período em que ocorre essa afetação"
Ora, no caso vertente, os indicadores a priori são de molde a conotar os pressupostos legais referenciados ao caso vertente, ou seja:
. O sujeito passivo passou a praticar operações sujeitas a IVA relativamente às 39 frações anteriormente detidas no seu ativo para venda;
. O IVA deduzido e objecto de pedido de reembolso tem por base o imposto suportado com a construção e equipamento dessas frações;
. Não demonstrou quando solicitado no âmbito da apreciação do pedido de reembolso que tenha levado a efeito a regularização de IVA a favor do Estado directamente decorrente do citado Art° 25° do CIVA;
. O empreendimento foi inaugurado em Março de 2009 conforme citados indicadores recolhidos;
4)- CÁLCULO DO IVA EM FALTA:-
Da conjugação dos factos anteriormente descritos, conclui-se que o valor de 990 715,25 € inscrito pelo sujeito passivo no quadro 20 da Declaração de IVA do período “2011-06” é imputado na sua totalidade ao IVA incorrido em documentos emitidos à empresa a título de obras de construção e equipamento das citadas 39 frações anteriormente destinadas a venda;
Verifica-se que nesse período em causa (2011-06) foram afetas a uma atividade sujeita a IVA e dele não isenta (cessão de exploração),
Nesse contexto, a empresa permitiu-se deduzir o IVA que foi sendo suportado entre 2007 e 2010, inscrevendo tal valor na citada declaração periódica e solicitando o respectivo reembolso no montante de 975 926, 61 €;
Porém, os normativos legais antes descritos são de molde a preconizar que o sujeito passivo só poderia deduzir o imposto proporcionalmente “ao número de anos que faltem para completar o período de 20 anos a partir do ano da ocupação dos bens (Art° 25°, N° 1, Alínea b) do CIVA).
Verificando-se que o empreendimento foi inaugurado em 2009 após decurso das obras de remodelação e requalificação, conclui-se que nos anos de 2009 e 2010 as frações que geraram a dedução do imposto estavam afetas a um sector isento da atividade nos termos do Art° 9º do CIVA;
Assim, conjugados os preceitos legais com os factos descritos, poderia ser deduzido IVA imputado a essas frações na proporção de 18/20 (20 – 2 / 20) resultando da conjugação dessas variáveis o valor de IVA dedutível de 891 643, 70 €:
IVA deduzido (Campo 20) = 990 715, 25 € x 18 = 891 643, 70 €
20
Equacionado o valor total do IVA deduzido com o IVA dedutível conforme precede, resulta o IVA em falta que corresponde a essa diferença: (99 071,55 €)
- IVA DEDUZIDO 990 715, 25 €
- IVA DEDUTÍVEL (Art° 25°, n° 1, Alínea b) 891 643, 70 €
- IVA EM FALTA 99 071, 55 €

S) Em consequência desta conclusão da ATA de que havia sido indevidamente deduzido o montante de imposto de 99.071,55 € foi emitida liquidação;

T) Não se conformando com esta liquidação a sociedade Impugnante apresentou contra a mesma reclamação graciosa;

U) Tal reclamação foi distribuída na Direcção de Finanças de Setúbal sob o n° .........;

V) Mereceu a mesma despacho de indeferimento do Chefe da Divisão de Justiça Tributária, datado de 21/10/2013; 

W) Este despacho remete para a seguinte fundamentação:
O ALEGADO
A reclamante vem alegar, em síntese, não ter aplicação o disposto no art 25° do IVA uma vez que o mesmo pressupõe que ocorra uma alteração da utilização dos bens após ocupação (ou início de utilização), o que de facto não se verificou, uma vez que a efetiva ocupação só ocorreu em 2011,
FACTOS E PARECER
A empresa ora reclamante tem como atividade a compra e venda de bens imobiliários (CAE68100)
Em 2009, terminou a construção um complexo imobiliário do qual faziam parte 138 apartamentos destinados a:
• 93, à actividade hoteleira
• 6, ao imobilizado
• 39, destinados a venda
Não tendo procedido à venda dos 39 apartamentos a reclamante em 2011 afetou-os à atividade hoteleira e procedeu à dedução do IVA suportado na construção que não havia sido deduzido, pelo facto dos apartamentos em causa inicialmente se destinarem a venda e como tal serem operações isentas de IVA nos termos do n° 30 do art 9º, do CIVA
A dedução em causa materializou-se na declaração do mês de Junho de 2011, inscrevendo no campo 20 - IVA DEDUTÍVEL EM IMOBILIZADO o montante de 990 715,22€ e contribuiu para o saldo do crédito de imposto de 975 926,61€ cujo reembolso foi pedido na mesma declaração,
O pedido de reembolso foi apreciado pela INSPEÇÃO TRIBUTÁRIA que concluiu que a empresa não tinha direito à dedução total de 990 715,22€, uma vez que tal montante correspondia à totalidade do IVA suportado na construção dos apartamentos em causa, conforme é referido no relatório, elaborado pela INSPEÇÃO TRIBUTÁRIA, o qual faz parte integrante dos autos (fls 13 a 21).
Dado que o reembolso foi pago pela totalidade do valor pedido, 975 926,61€, foram desencadeados os mecanismos com vista a liquidar o imposto considerado indevidamente deduzido.
Os fundamentos da liquidação constam do relatório da INSPEÇÃO TRIBUTÁRIA antes referido e resumem- se ao disposto na alínea b) do n° 1 do art 25º do CIVA ao referir que o imposto dedutível é proporcional ao n° de anos que faltem para completar o período de 20 anos a partir do ano de ocupação dos bens.
A Administração Tributária entende que a ocupação dos bens ocorreu em 2009, ano em que o empreendimento foi inaugurado.
Perante a interpretação dada pela ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA ao disposto no n° 1 alínea b) do art 25° já referido, em 2011 a reclamante só pode deduzir 18/20 do IVA suportado na construção dos apartamentos destinados a venda, apurando-se o montante de IVA dedutível de 891 643,70€. Como deduziu 990 715,25€ é devido imposto de 99 071,55€, valor que corresponde à liquidação reclamada.
Salienta-se que o IVA em causa respeita apenas ao valor suportado na fase de construção dos imóveis destinados a venda, não estando em causa qualquer montante relacionado com as obras de remodelação destinadas a adaptar os apartamentos para fins hoteleiros. 

X) Mantendo a sua inconformação a Impugnante apresentou relativamente a esta recurso hierárquico;

Y) Este foi distribuído sob o n° .........;

Z) Mereceu o mesmo despacho de indeferimento datado de 22/09/2014;

AA) Tal indeferimento assenta na seguinte apreciação da argumentação da Impugnante:
B. Apreciação
54. Está em causa o direito à dedução do IVA suportado a montante pela Recorrente contido nas despesas de “construção e aquisição de equipamentos", relativas a 39 frações do estabelecimento hoteleiro denominado «A.........», do qual é proprietária, e que, segundo a própria, inicialmente pretendia destinar a venda, mas que afetou à exploração turística.
55. As correções que os SIT efetuaram têm como fundamento invocado a aplicação à respetiva situação tributária do disposto no art.° 25.° do CIVA e dos seus condicionalismos, da qual a Recorrente discorda, na medida em que considera dever poder deduzir o imposto na totalidade, ou seja, entre 2009 e 2011.
56. Mas, em qualquer caso, entende que tem direito à dedução nos termos gerais e não pela aplicação deste artigo, na medida em que entende que afetou logo em 2009 as referidas frações à exploração turística, tal como as restantes.
57. O art.° 25.° do CIVA prevê regularizações relativas a bens do activo imobilizado por motivo de alteração da actividade ou imposição legal.
58. Diz-nos então, o seu n.° 1, que "se, por motivo de alteração da actividade ou por imposição legal, os sujeitos passivos passarem a praticar operações sujeitas que conferem direito à dedução, podem ainda deduzir o imposto relativo aos bens do activo imobilizado, do seguinte modo:
(...)
b) No caso de bens imóveis adquiridos ou concluídos no ano da alteração do regime de tributação e nos 19 anos civis anteriores, o imposto dedutível é proporcional ao número
de anos que faltem para completar o período de 20 anos a partir do ano da ocupação dos bens;
c) A dedução pode ser efectuada no período de imposto em que se verificar a alteração."
59. O n.° 3 aplica o disposto nos números anteriores aos sujeitos passivos que, utilizando o método de afectação real, afectem um bem do sector isento a um sector tributado, podendo a dedução ser efectuada no período em que ocorre essa afectação.
60. A Recorrente era, à data dos factos, para efeitos de IVA, um «sujeito passivo misto» [dedicando-se à atividade de exploração hoteleira (tributada) e à de compra e venda de imóveis (isenta)], com aplicação do método da afetação real, o que se depreende do RIT (pelo que este n.° 3 é aplicável):
De referir ainda segundo mesmos elementos que o valor de € 1.330.547,94 inscrito no “campo 41 - regularizações" imputada ao período 2009-12-T, resulta de uma regularização efetuada pela própria empresa por alteração da percentagem do total afeto ao setor da venda de imóveis, de 11,49 % para 32,95 %, no seguimento da alteração do critério de dedução que passou a incidir sobre a área bruta em detrimento da permilagem."
61. A norma do art° 25,° efetivamente não determina o que se entende por «ocupação do imóvel», o que é relevante dado que a contagem do período da regularização se faz a partir da ocupação do imóvel, embora possa ser efetuada no período em que se verificar a alteração da atividade.
62. Entende-se que o ano da ocupação do imóvel, para efeitos do artigo 25.° do CIVA, corresponde ao ano em que foram terminadas as referidas obras de construção/“remodelação”, ou seja 2009, visto que o imóvel em referência foi “oficialmente inaugurado em março de 2009”.
63. Pelo que não se concorda com a Recorrente quando diz, no seu articulado 35 da petição que, “no caso em apreço o facto das frações se encontrarem destinadas a venda não consubstancia uma efetiva ocupação dos imóveis, uma vez que tal ocupação apenas ocorreu com a afetação das frações à exploração turística no ano de 2009."
64. Parece ser este o argumento fulcral da defesa da tese da Recorrente, que já mantinha anteriormente em sede de reclamação (com a diferença que na petição anterior confirmava a afetação à atividade turística em 2011, e considerava que a ocupação do imóvel se dava também nesse momento).
65. Porém, a afetação das frações à exploração turística corresponde, para efeitos de aplicação do art.° 25.° do CIVA, ao outro momento nele previsto, o da alteração da atividade, ou, neste caso, à transferência dos bens de um setor isento para um setor tributado.
66. Ainda que esse momento tenha ocorrido em 2009, como é defendido na petição em análise pela Recorrente, a realidade é que consta do RIT que a Recorrente referiu que as faturas foram emitidas entre 2007 e 2010, não tendo procedido até então à dedução do IVA nelas mencionado porque as "frações estavam destinadas a venda, enquadrando-se por isso na isenção de IVA a que se refere o n.° 30 do art.° 9° do CIVA".
67. Além de que na DP referente ao período 2009-12-T verifica-se apenas, como vimos, a regularização no campo 41, do valor de € 1.330.547,94 efetuada pela Recorrente, segundo os SIT, "por alteração da percentagem do total afeto ao setor da venda de imóveis, de 11,49 % para 32,95 %, no seguimento da alteração do critério de dedução que passou a incidir sobre a área bruta em detrimento da permilagem."
68. Pelo que, referindo a Recorrente que a afetação à exploração turística ocorreu ainda em 2009, não vem explicar porque é que a dedução do IVA suportado foi materializada apenas no período 1106T, pressupondo-se, assim, que foi o período em que se verificou a alteração (utilização das frações em operações tributáveis).
69. Caso essa alteração de atividade, ou mais corretamente, a afetação a um setor tributado, tiver ocorrido em 2011, como parece ter sido o caso, dado a dedução ter sido imputada ao período 1106T pela Recorrente na DP, deveria então ter inscrito a regularização suplementar no campo 40, na proporção determinada pelo art.° 25.° do CIVA, o que não sucedeu.
70. A aplicação do art.° 25.° do CIVA ao caso, nada contraria o alegado pela Recorrente no articulado 41 quando refere que "logo, aquando da afetação das frações em causa a uma atividade sujeita a IVA, cessam as razões que, até esse momento, inviabilizavam o exercício do direito à dedução do IVA suportado com a sua construção/remodelação.”
71. Analisando os documentos que a Recorrente veio juntar ao processo, nomeadamente a data do contrato de cessão de exploração: 2000-12-09, mas com início reportada a 2009-01-02 pela Cláusula Nona, convencionada pelas partes (doc. n.° 2); bem como a data do Alvará de Utilização para Fins Turísticos: 2009-01-28 (doc. n.° 4), pareceriam indicar que a “alteração da atividade" foi simultânea à ocupação das ditas frações (ano 2009).
72. No entanto, em nenhum dos dois documentos considerados estão as frações individualizadas face ao restante imóvel, tal como nas faturas de utilização do Aparthotel apresentadas nas quais não se consegue atribuir correspondência com as frações em causa, não sendo possível através destes elementos determinar se, entre 2009 e 2011, essas frações estavam afetas a operações isentas ou tributadas.
73. O argumento usado pela Recorrente, da renúncia à isenção do imóvel (articulados 45 e 46 da petição), só faz sentido caso pretendesse mantê-lo afeto à atividade de compra e venda, mas preferisse liquidar IVA nas operações efetuadas a jusante, renunciando à isenção daquele imóvel.
74. O que não corresponde à situação em apreço, que é uma questão, sim, de deixar de se verificar as condições objetivas previstas para efetivar a isenção do art.° 9.° do CIVA, isto é, deixar de se verificar os pressupostos de isenção, pela afetação exclusiva a uma atividade tributada.
75. As 39 frações antes adquiridas (em 2009) apenas se encontram agravadas de imposto, permitindo o inerente direito à dedução, após a afetação à exploração turística (atividade tributada), que se concretizou em 2011.
76. O próprio documento n.° 5 apresentado pela Recorrente refere a afetação à exploração turística durante o ano 2011, embora também não seja possível estabelecer uma correspondência direta entre as frações nele mencionadas e as 39 frações em causa.
77. Em suma, das provas carreadas ao processo pela Recorrente no presente recurso, não resulta a evidência, defendida pela Recorrente, de que tenha afeto aquelas frações a atividade tributada logo em 2009, face à evidência da dedução efetuada no período 1106T e os elementos probatórios constantes do Relatório de Inspeção, nos quais se incluem as próprias afirmações da Recorrente referindo que a afetação à exploração turística se deu posteriormente em 2011.
78. Face ao exposto, conclui-se que, efetivamente, na DP de IVA, entregue pela Recorrente, referente ao período 1106T, figura um valor de dedução do imposto superior ao devido, por falta de regularização nos termos do art ° 25.° do CIVA, tendo sido a liquidação adicional validamente emitida nos termos do art° 87.° do Código do IVA.
V. DIREITO DE AUDIÇÃO
79. Apesar de comunicado o projeto de decisão de indeferimento total da reclamação graciosa, e a sua fundamentação nos termos do n.° 5 do artigo 60.° da LGT, para efeitos do exercício do direito de audição previsto na al. b) do n.° 1 desse mesmo art.° 60º, a ora Recorrente não se pronunciou.
80. Uma vez que lhe foi facultado o direito de participação na formação da decisão, e que a administração tributária apenas apreciou os factos que lhe foram dados pelo contribuinte, limitando-se na sua decisão a fazer a interpretação das normas legais aplicáveis ao caso, propõe-se que, em conformidade com as instruções veiculadas na alínea a) do n.° 3 da Circular n.° 13, de 1999-07-08, da Direção de Serviços de Justiça Tributária, seja dispensada nova audição à Recorrente.
VI. CONCLUSÃO
81. Considera-se, face aos argumentos aduzidos na presente informação, que os elementos juntos ao processo pela Recorrente, em sede de recurso hierárquico, não têm força probatória suficiente para inverter o sentido da decisão recorrida, pois não comprovam que a afetação à exploração turística das 39 frações em causa (inicialmente afetas a atividade isenta) ocorreu em 2009 e não em 2011, como provado pela Inspeção, tendo plena aplicação os limites à dedução previstos no art.° 25.° do CIVA.
82. Concorda-se com a decisão recorrida, e com a manutenção das liquidações emitidas, propondo-se o indeferimento do presente recurso hierárquico.
83. Tendo a administração tributária limitado a concluir, face aos factos e argumentos invocados pela Recorrente, e à lei aplicável, pela improcedência da sua pretensão, propõe-se que seja dispensada nova audição à Recorrente.

BB) Tal despacho de indeferimento foi notificado à Impugnante em 07/10/2014;

CC) Em 07/01/2015 deu entrada à petição inicial que deu origem aos presentes autos;

DD) Quanto às restantes 38 fracções destinadas a venda, e não vendidas, decidiu a Impugnante colocá-las sob exploração turística findas que foram as obras, ou seja, em 2009;

EE) Atendendo à inicial pretensão de venda dessas fracções somente foi decidido deduzir o IVA relativo aos custos de remodelação das mesmas em junho de 2011;

FF) Quanto às demais fracções tal dedução já havia sido efetuada;

GG) A colocação em exploração turística daquelas fracções inicialmente destinadas a venda foi muito anterior à dedução do IVA;

HH) A pretensão da sociedade Impugnante era captar investimento estrangeiro para vender as 39 fracções do topo da torre que constitui o imóvel em questão;

II) A colocação em venda ocorreu em 2008 e por via da crise financeira nacional e internacional tal venda somente se concretizou relativamente a uma das fracções, ficando a Impugnante com as demais 38;

JJ) Concluídas as obras, em junho de 2009, a Impugnante decidiu colocar em exploração turística tais fracções;

KK) Em 2011 foi abandonada definitivamente pela Impugnante a pretensão de venda das referidas fracções;

LL) Foi nesse momento que decidiu a regularização da contabilidade relativa às mesmas mediante dedução do IVA dos custos de remodelação;

MM) Quanto à fracção vendida não houve qualquer intenção de dedução do IVA;

NN) As fracções em questão situam-se entre os pisos 9 e 15° do imóvel que constitui a unidade hoteleira;

OO) Tais fracções começaram a ser ocupadas temporariamente para efeitos de alojamento turístico.

6.1.
Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados no teor dos documentos referenciados dos autos. Ademais constituiu-se com fundamento nos depoimentos das testemunhas inquiridas, designadamente aquelas que foram arroladas pela sociedade Impugnante dada a sua particular função, ou seja, técnico de contabilidade certificado que trabalha na empresa do grupo que presta serviços nessa área às demais, gestor de empresas do grupo, designadamente do empreendimento em causa à data dos factos em apreço, e consultor fiscal representante de empresa de Consultadoria - Deloitte - que colabora com a Impugnante e emitiu concreto parecer a respeito da matéria aqui em discussão.
Em concreto, admitiu o Tribunal a afetação das 39 fracções à exploração turística quer pelos depoimentos prestados, designadamente pelo gestor da Impugnante conhecedor da atividade do empreendimento à data, quer pelos documentos onde são referenciados os andares do cimo da torre como utilizados para efeitos de alojamento turístico a partir do ano de 2009 sendo estes os predestinados a venda. De igual modo se julgou que o alvará emitido pela Câmara de Grândola já era consentâneo com a perspectiva de não concretização da venda das sobreditas fracções atenta a crise financeira mundial que era então vivenciada.
7.
FACTOS NÃO PROVADOS
Não ficaram por provar quaisquer factos relevantes.”
* *
IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Vem o presente recurso interposto pela AT- Autoridade Tributária e Aduaneira contra a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja que julgou procedente a impugnação judicial referente a liquidação de IVA e juros compensatórios do ano de 2011 no montante total de € 103.468,85.

A liquidação impugnada resultou da seguinte situação fáctica:
- A impugnante em 2009 terminou a remodelação de um complexo turístico de 138 fracções das quais destinou 93 para exploração turística, 6 fracções para instalações, equipamentos e serviços de uso comum e as restantes 39 fracções foram destinadas a venda.
- Em virtude de ter vendido apenas uma fracção, afectou as restantes 38 à exploração turística, tendo procedido à dedução do IVA suportado na respectiva construção.
- Os serviços da administração tributária não aceitaram essa dedução na totalidade porquanto entenderam que a impugnante só poderia deduzir o imposto proporcional ao número de anos que faltavam para completar o período de 20 anos a partir da data de ocupação dos bens nos termos do nº 2 do art. 25º do CIVA, e entenderam ainda que a data de ocupação, neste caso concreto, era 2011 por aplicação do disposto no nº 3 do art. 25º do CIVA.

Ao invés a impugnante defendeu que não deveriam ser aplicadas as regras constantes do art. 25º do CIVA por entender que esta disposição legal apenas se aplica às situações em que existe uma alteração da utilização dada aos bens após a ocupação ou o início de utilização dos mesmos, defendendo que tem direito à dedução nos termos gerais e não pela aplicação da referida norma, tendo afectado as referidas fracções à exploração turística no ano de 2009.

O Tribunal a quo julgou procedente a impugnação deduzida relativamente a essa liquidação louvando-se na seguinte fundamentação:
… entende-se que se impõe concluir como a Impugnante o faz na sua petição inicial. Ou seja, que a circunstância, aliás provada, de que tenha sido sua intenção vender 39 da totalidade das fracções que compõem o imóvel em questão não acarreta a conclusão necessária de que foram como tal ocupadas. Aliás, o que resulta, sim, demonstrado é que viriam a ser efetivamente ocupadas através da sua afetação à exploração turística. E, mais, que tal afetação teve lugar no decurso do ano de 2009. Em momento algum resulta demonstrada pela ATA a ocupação dos imóveis, fosse por qualquer forma ou título, no âmbito de uma operação de venda ou de transmissão dos mesmos.
Ora, assim se concluindo, reconhece-se à Impugnante o direito a deduzir o IVA suportado na construção / remodelação das mencionadas fracções no prazo de 4 anos a contar do surgimento do direito tal como o prevê o CIVA, designadamente nos arts. 19º, 20º e 98º, nº 2.
Com efeito, demonstrada a afetação das fracções a uma actividade sujeita a IVA, como o é a exploração turística, não existem razões factuais ou legais que obstaculizem o exercício do direito à dedução do IVA suportado com a construção / remodelação das mesmas.
O escopo do direito à dedução do IVA é o de permitir ao sujeito passivo expurgar o seu encargo com tal imposto suportado antes, não o reflectindo como custo da actividade. Ou seja, visa-se a neutralidade económica do imposto.
Afigura-se-nos ser essa a pretensão da Impugnante que, ponderando as diversas formas de tratamento da questão, optou pela dedução do imposto mas apenas e somente pelas faturas respeitantes ao período de 2009 a 2011 quando lhe era legítimo fazê-lo desde 2007, ano em que se iniciaram as obras de construção / remodelação.
Em suma, o normativo invocado pela ATA por forma a excluir a dedução do IVA, art. 25º do CIVA, mostra-se inaplicável ao caso quer porque demonstrada está a inexistência de “ocupação” por efeitos de venda das fracções mas antes afetação à exploração turística quer porque sempre a Impugnante poderia ter lançado mão da renúncia à isenção de IVA e, posteriormente, em caso de concretização de venda, viria a regularizá-lo.”.

A AT – Autoridade Tributária e Aduaneira discorda do assim decidido, alegando desde logo que os factos enunciados nas alíneas K), N), DD), EE), GG), JJ) e OO) não poderiam ter sido dados como provados. Mais invoca contradição entre o facto constante da alínea K) e o facto constante da alínea OO).

Alega ainda que, tendo a autora considerado ab initio a afectação dos bens a uma actividade isenta, sem direito a dedução do IVA, competia-lhe nos termos do art. 74º da LGT o ónus da prova de que, tais bens, afinal, estiveram afectos a uma actividade tributável com direito a dedução do IVA desde 2009.

Vejamos então.

Quanto à impugnação da matéria de facto vertida nas alíneas K), N), DD), EE), GG), JJ) e OO), a Recorrente invoca apenas que não poderiam ter sido dado como provados, ora, considerando o disposto no art.° 640.° do CPC, aplicável ex vi do art. 281º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto caracteriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de discordância com tal decisão.

O art. 640º do CPC, sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, consagra que:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos nºs 1 e 2 aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.° 2 do artigo 636°."

Na verdade não basta invocar que determinados factos não deveriam ter sido dado como provados para que possamos julgar minimamente cumpridos os ónus previstos no artigo 640.º do Código de Processo Civil, que exige não apenas a indicação dos factos alegadamente mal apurados (como provados, não provados ou impertinentes) mas, também no mínimo, o sentido ou redacção com que deviam constar no probatório.

Na medida em que a Recorrente não cumpriu os requisitos enunciados no art. 640.º do CPC, rejeita-se o recurso nesta parte, nos termos do disposto no n.º 1, alínea a) daquele preceito legal.

Invoca ainda a Recorrente a alegada contradição entre o facto constante da alínea K) “Desde o Verão de 2009 todas as fracções foram utilizadas para fins turísticos” e o facto constante da alínea OO) “Tais fracções começaram a ser ocupadas temporariamente para efeitos de alojamento turístico”. Não vemos qualquer contradição entre estes factos, mas sim uma complementaridade entre si, no sentido de que todas as fracções começaram a ser ocupadas para efeitos de alojamento turístico por períodos temporais, tendo sido todas utilizadas desde o Verão de 2009 para fins turísticos. Improcede assim a alegada contradição entre a alínea K) e a alínea OO).

Estabilizada a matéria de facto, importa então decidir sobre o acerto da decisão quanto ao direito à dedução na totalidade do IVA suportado a montante pela Recorrida relativo a despesas de “construção e aquisição de equipamentos” relativas a 38 fracções de um estabelecimento hoteleiro do qual é proprietária, fracções que inicialmente estavam destinadas a venda e que afectou à exploração turística.

Os serviços de inspeção tributária efectuaram a correção ao IVA deduzido, tendo para o efeito sustentado essa correção com base no art. 25º do CIVA, e considerando que a afectação ocorreu em 2011, apuraram IVA a entregar ao Estado no montante de € 99.071,55 com base no disposto na alínea b) do nº 1 daquela disposição legal.

Importa recordar que baseando-se o IVA num sistema de pagamentos fraccionados e destinados a tributar o consumo final, a dedução do imposto pago nas operações intermédias do circuito económico é indispensável ao funcionamento do mesmo sistema, consagrando-se os mecanismos do direito à dedução nos artigos 19º a 26º do CIVA.

Quanto às operações de venda de imóveis beneficiam de isenção de IVA nos termos do nº 30 do art. 9º do CIVA, o que “origina a realização de outputs não tributados por parte dos sujeitos passivos, o que impede a recuperação do IVA incorrido nos inputs, nas suas aquisições (v.g., na compra do próprio edifício, nos materiais de construção ou em custos acessórios de diversa natureza).
Deste modo, num cenário de construção de edifícios, atendendo ao facto de o IVA onerar a grande maioria dos recursos necessários à concretização de tais trabalhos, duas soluções poderão ser implementadas pelas entidades que pretendem vender ou arrendar os imóveis em questão:
- considerar o IVA não recuperável como um custo adicional no âmbito do negócio;
- optar pela tributação das suas operações activas (venda ou arrendamento de imóveis), conforme se encontra previsto na legislação comunitária aplicável a esta matéria, a qual foi transporta para o Código do IVA português.
A opção pela tributação, que se consubstancia numa renúncia à isenção de imposto consagrada nos números 29 e 30 do artigo 9.º do Código do IVA, constitui assim uma forma de permitir o cumprimento de um princípio basilar em que assenta este imposto, o da neutralidade tributária, no âmbito do desenvolvimento de operações imobiliárias” (cfr. Acórdão do TCA Sul de 21/05/2013- proc. 05447/12).

No caso em apreço a Recorrida procedeu a obras de construção de um empreendimento turístico, tendo destinado 93 fracções a exploração turística e 39 fracções a venda.

Tendo as obras sido concluídas em 2009 a Recorrida procedeu à dedução do IVA que suportou com as obras de construção, com excepção do IVA referente às fracções destinadas a venda (operação isenta de IVA).

Em virtude de só ter sido vendida uma fracção, a Recorrida comunicou em 2011 ao Turismo de Portugal a utilização para exploração turística das 38 fracções que se destinavam a venda, procedendo à dedução integral do IVA suportado com a construção dessas 38 fracções e solicitado o reembolso.

A Recorrida procedeu à dedução do IVA suportado com a construção dos imóveis em causa, com base no disposto nos artigos 19º, 20º e 98º, nº 2, todos do CIVA.

A Recorrente considera que deve aplicar-se o disposto na alínea b) do art. 25º do CIVA conjugada com o nº 3 do mesmo artigo.

O art. 25º do Código do IVA consagra sobre a epígrafe “Regularizações relativas a bens do activo imobilizado por motivo de alteração da actividade ou imposição legal” o seguinte:
1 - Se, por motivo de alteração da actividade ou por imposição legal, os sujeitos passivos passarem a praticar operações sujeitas que conferem direito à dedução, podem ainda deduzir o imposto relativo aos bens do activo imobilizado, do seguinte modo:
a) (…)
b) No caso de bens imóveis adquiridos ou concluídos no ano da alteração do regime de tributação e nos 19 anos civis anteriores, o imposto dedutível é proporcional ao número de anos que faltem para completar o período de 20 anos a partir do ano da ocupação dos bens;
(…)
3 - O disposto nos números anteriores é igualmente aplicável aos sujeitos passivos que, utilizando o método de afectação real, afectem um bem do sector isento a um sector tributado, podendo a dedução ser efectuada no período em que ocorre essa afectação.
(…)”. (sublinhado nosso)

E para a Recorrente a afectação dos imóveis ocorreu em 2011, razão pela qual aplicou o disposto na alínea b), não aceitou a dedução da totalidade do IVA e apurou imposto em falta no montante de € 99.071,55.

Chegados aqui importa salientar que a AT recolheu elementos, que lhe permitiram concluir que a dedução do IVA na totalidade era indevida e efectuou o apuramento do imposto que considerou ser devido, tendo cumprido o seu ónus probatório.

Em sede de impugnação judicial o Recorrido defendeu que a afectação dos imóveis ocorreu em 2009, foi produzida a prova que se encontra vertida nas alíneas do probatório, tendo o tribunal a quo julgado procedente a impugnação.

Da prova produzida nos autos parece resultar que a afectação das 38 fracções à exploração turística ocorreu ainda no ano de 2009, ano da conclusão das obras (cfr. alíneas G), I), J), K), DD), GG), JJ), OO) do probatório), pelo que poderia a Recorrida ter deduzido na totalidade o montante do IVA suportado com a construção dessas fracções, sem a limitação imposta pela alínea b) do nº 1 do art. 25º do CIVA.

No entanto se atentarmos à matéria de facto dada como provada surge-nos uma fundada dúvida sobre a existência do facto tributário, neste caso concreto, a alteração da afectação dos imóveis nos termos do nº 3 do art. 25º do CIVA, destacando-se para o efeito e em particular as seguintes alíneas do probatório: dá-se como provado que a conclusão das obras ocorreu no 1º semestre de 2009 (alínea G) do probatório); que desde o Verão de 2009 todas as fracções foram utilizadas para fins turísticos (alínea K); que a impugnante deduziu o IVA incorrido com a construção desde o início da afectação à exploração turística das fracções inicialmente destinadas a venda (alínea N); e se dá igualmente como provado que relativamente às 38 fracções destinadas a venda e não vendidas foi decidido colocá-las sob exploração turística findas as obras, ou seja em junho de 2009 (alíneas DD e JJ); e por outro lado que só foi deduzido o IVA suportado com as obras de construção em junho de 2011 (alínea EE); que só em 2011 foi abandonada a ideia da venda das fracções e efectuada a regularização da contabilidade mediante a dedução do IVA dos custos de remodelação (alíneas KK e LL), pelo que permanece a dúvida se o facto tributário ocorreu em 2009 ou 2011.

Destarte consideramos que os elementos acima mencionados são suficientes para criar no espírito do julgador uma dúvida fundada sobre a existência do facto tributário nos termos do nº 1 do art. 100º do CPPT. Esta disposição legal consagra que “Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado”.

Face ao exposto nega-se provimento ao presente recurso e confirma-se a sentença recorrida que anulou a liquidação de IVA e juros compensatórios do ano de 2009.

V- DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente em ambas as instâncias.
Lisboa, 3 de Dezembro de 2020
[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, as Desembargadoras Cristina Flora e Tânia Meireles da Cunha].
Luísa Soares