Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:12971/16
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:02/24/2016
Relator:ANTÓNIO VASCONCELOS
Descritores:ACÇÃO DE OPOSIÇÃO À AQUISIÇÃO DE NACIONALIDADE
NULIDADE DA SENTENÇA
IMPEDIMENTO DO ARTIGO 9º AL. C) , 1ª PARTE, DA LEI Nº 37/81, DE 3 DE OUTUBRO, NA REDACÇÃO QUE LHE FOI DADA ELA LEI ORGÂNICA Nº 2/2006, DE 17 DE ABRIL
Sumário:I – Não incorre em nulidade por omissão de pronúncia, prevista na al. d) do nº 1 do artigo 615º do CPC, a sentença que conheça das questões que são submetidas à sua decisão, balizadas pelos pedidos formulados em conformidade com as causas de pedir invocadas, e cujo conhecimento não haja ficado preterido por prejudicialidade.

II – O exercício de serviço militar não obrigatório prestado a estado estrangeiro obsta a que o Requerido/Recorrente possa preencher o requisito da “ligação à comunidade portuguesa”. Ou seja, por outras palavras, ocorre fundamento legal de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa, quer pela verificação do impedimento do artigo 9º al. c) , 1ª parte, da Lei nº 37/81, de 3 de Outubro, na redacção que lhe foi dada pela Lei Orgânica nº 2/2006, de 17 de Abril, quer pela via do casamento.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência , na Secção de Contencioso Administrativo, 2º Juízo , do Tribunal Central Administrativo Sul:


Nando ……., de nacionalidade guineense, inconformado com a sentença do TAC de Lisboa, de 21 de Abril de 2015, que julgou procedente, por provada, a acção de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa instaurada pelo Ministério Público e consequentemente ordenou o arquivamento do processo conducente ao registo da nacionalidade por parte do ora Recorrente, pendente na Conservatória dos Registos Centrais, dela recorreu e, em sede de alegações, formulou as seguintes conclusões:

I – Salvo o devido respeito, que é muito, mal andou o douto Tribunal a quo ao não incluir na douta sentença factos alegados e provados que se reputam, no entendimento da ora Recorrente, de relevantes para a apreciação e decisão da presente causa, na medida em que ilidem a presunção de indesejabilidade de integração do ora Recorrente na comunidade portuguesa.

II – Com efeito, os factos alegados nos artigos 15º, 18º, 20º, 21º e 25º da contestação apresentada pelo ora Recorrente e objecto quer de prova documental, quer da prova testemunhal apresentada nos presentes autos, não foram incluídos no elenco de “factos provados” ou “factos não provados”.

III – Motivo pelo qual, sem embargo de melhor entendimento, se verifica uma omissão de pronúncia relativamente a factos provados que não foram apreciados na sentença, nulidade prevista no art. 615º/nº1/d) do C.P.C. que desde já se invoca para os devidos efeitos legais nos termos do disposto no nº 4 do mesmo preceito legal, todos ex vi art. 1º do C.P.T.A., requerendo-se que, ao abrigo do disposto no art. 665º do C.P.C., o douto Tribunal ad quem tome conhecimento de tais factos e proceda à apreciação dos mesmos, face aos elementos que o presente processo comporta.

IV – É entendimento do ora Recorrente que, através dos factos supra referenciados, a presunção da indesejabilidade de integração na comunidade nacional motivada pela presença de fortes laços espirituais e presunção de forte e especial ligação ao Estado para o qual o serviço militar não obrigatório foi prestado – presunção que se encontra subjacente na redacção do art. 9º/c da Lei da Nacionalidade – foi ilidida.

V – No caso concreto dos presentes autos, e considerando as suas particulares circunstâncias evidenciadoras de plena integração do ora Recorrente no seio da comunidade portuguesa, conclui-se, sem embargo de melhor opinião, que o exercício das funções desempenhadas no âmbito do serviço militar obrigatório não obstam a tal integração,

VI – Pelo que, atendendo ao supra exposto, deve o presente recurso jurisdicional ser considerado procedente, por provado, com as devidas consequências legais.”

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O Ministério Público contra-alegou pugnando pela manutenção do decidido.

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A matéria de facto pertinente é a constante da sentença recorrida, a qual se dá aqui por reproduzida, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 663º nº 6 do Código de Processo Civil.

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Tudo visto cumpre decidir.

Veio o presente recurso jurisdicional interposto da sentença do TAC de Lisboa que julgou procedente por provada, a presente ação de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa por parte do Recorrente Nando M´Boto

A – DA NULIDADE DA SENTENÇA A QUO

Nas conclusões 1ª a 3ª da sua alegação o Recorrente veio invocar omissão de pronúncia relativamente a factos provados que não foram apreciados na sentença, nulidade prevista no artigo 615º nº 1 al. d) do CPC, requerendo que o Tribunal ad quem tome conhecimento de tais factos e proceda à apreciação dos mesmos, face aos elementos que o presente processo comporta.

Vejamos o que se nos oferece dizer.
Segundo a doutrina e a jurisprudência o Tribunal deve conhecer das questões que são submetidas à sua decisão, balizadas pelos pedidos formulados em conformidade com as causas de pedir invocadas, e cujo conhecimento não haja ficado preterido por prejudicialidade.
No entender do Recorrente, os factos omissos na fundamentação de facto da sentença recorrida consistem em : “ (…) reside em Portugal, desde 2008, sempre esteve empregado, encontrando-se actualmente, desempregado, à procura de emprego e a frequentar um curso de formação, sendo o secretário financeiro da Igreja que frequenta e que a sua presença em território português é aconselhável, em virtude de prestar acompanhamento permanente e de garantir as condições adequadas de crescimento e de desenvolvimento, a filho menor que padece de doença congénita cardíaca complexa.”

No caso sub judice, o Tribunal concluiu pela verificação do impedimento resultante do artigo 9º al. c), 1ª parte da Lei nº 37/81, de 3 de Outubro, na redacção que lhe foi dada pela Lei Orgânica nº 2/2006, de 17 de Abril, “já que as funções militares têm uma componente politica e por isso não integram o afirmado pelo Requerido, em sede de instrução – declaração inicial -, de ter prestado unicamente funções públicas sem carácter predominantemente técnico a estado estrangeiro”.
Ora, a circunstância do Requerido ter prestado serviço militar não obrigatório a estado estrangeiro, durante o período compreendido entre 1998 a 2006, não permite integrá-lo na comunidade portuguesa, na medida em que tal seria susceptível de causar conflitos de interesses de ordem politica e militar entre o Estado guineense e o Estado português. Daí a irrelevância da existência de ligação à comunidade nacional e de motivos familiares invocados pelo Requerente para que lhe possa vir a ser concedida a nacionalidade portuguesa.
Destarte, não estava o Tribunal a quo obrigado a pronunciar-se sobre a existência de ligação à comunidade nacional e de motivos familiares face ao impedimento legal resultante do artigo 9º supra citado, pelo que improcede a invocada nulidade por omissão de pronúncia.

B – QUANTO AO MÉRITO DO DECIDIDO NO TRIBUNAL A QUO

No caso sub judice, como ficou evidenciado na sentença recorrida, está em causa a aquisição da nacionalidade, por casamento, com cidadão de nacionalidade portuguesa.
O ora Recorrente na instrução do pedido de aquisição da nacionalidade portuguesa declarou que exerceu funções públicas sem carácter predominantemente técnico em estado estrangeiro, e esclarecidas que funções, apurou-se que o mesmo exerceu funções militares e outras, cumpriu o serviço militar desde 1998 a 2006, desempenhando as funções de piloto naval, como Subtenente e foi transferido em comissão de serviço para o Ministério da Defesa Nacional do Estado da Guiné, onde desempenhou a função de Secretário do Gabinete do Director Geral da Politica de Defesa Nacional.
Por conseguinte, o exercício de tais funções compromete e obsta que o Requerido / Recorrente possa preencher o requisito da “ligação à comunidade portuguesa”. Ou seja, por outras palavras, ocorre fundamento legal de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa, quer pela verificação do impedimento do artigo 9º al. c) , 1ª parte, da Lei nº 37/81, de 3 de Outubro, na redacção que lhe foi dada pela Lei Orgânica nº 2/2006, de 17 de Abril, quer pela via do casamento.
Aliás, de harmonia com os nº 1 e 2 do artigo 15º da CRP, os estrangeiros gozam, em princípio dos direitos e estão sujeitos aos deveres dos cidadãos portugueses, com excepção, entre outros, do “exercício das funções públicas que não tenham carácter predominantemente técnico”, como sejam as funções em que predomina o exercício da autoridade pública ou a prestação de serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro cfr. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, in CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA ANOTADA , em anotação ao artigo 15 e ACÓRDÃO deste TCAS de 15 de Abril de 2010, in PROC. nº 6045/10 disponível em www.dgsi.pt.
Ocorrendo, portanto, uma condição negativa, expressamente prevista na lei, que é impeditiva da aquisição da nacionalidade, não merece qualquer censura a sentença recorrida que julgou verificado o impedimento previsto no artigo 9º al. c), 1ª parte, da Lei nº 37/81, de 3 de Outubro, na redacção que lhe foi dada pela Lei Orgânica nº 2/2006, de 17 de Abril.

Em conformidade, improcedendo todas as conclusões da alegação do Recorrente, é de negar provimento ao presente recurso jurisdicional e confirmar a sentença recorrida que julgou procedente a oposição deduzida à aquisição da nacionalidade portuguesa, e ordenou o arquivamento do processo conducente ao registo, pendente na Conservatória dos Registos Centrais.

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Acordam, pois, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo, 2º Juízo, deste TCAS, em negar provimento ao presente recurso jurisdicional e confirmar a sentença recorrida nos termos e para os efeitos sobreditos.

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Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 24 de Fevereiro de 2016
António Vasconcelos
Catarina Jarmela
Conceição Silvestre