Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:11025/14
Secção:CA - 2º. JUÍZO
Data do Acordão:11/06/2014
Relator:ESPERANÇA MEALHA
Descritores:OPOSIÇÃO À AQUISIÇÃO DA NACIONALIDADE; ÓNUS DA PROVA; CONVENÇÃO EUROPEIA SOBRE A NACIONALIDADE
Sumário:I – O artigo 9.º/a) da Lei da Nacionalidade estabelece um fundamento (negativo) de oposição à aquisição da nacionalidade, mas nada prevê quanto ao ónus da prova de tal facto, que terá que ser encontrado por aplicação das regras gerais, concretamente, do disposto no artigo 343.º/1 do CCiv, uma vez que está em causa uma ação de simples apreciação na qual se justifica que seja atribuído ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga, dada a dificuldade ou mesmo impossibilidade de provar factos negativos (que, no caso, são também factos pessoais do réu).
II – Este regime de ónus da prova em sede do processo judicial é consentâneo com as exigências de instrução do procedimento administrativo que recaem sobre o requerente do pedido de aquisição da nacionalidade, cuja “pronúncia” sobre a existência de ligação efetiva à comunidade nacional não pode indiciar a falta dessa ligação, sob pena de recair sobre o Conservador dos Registos Centrais o dever de participar tal facto ao Ministério Público e sobre este o dever de intentar ação de oposição à aquisição de nacionalidade (n.ºs 1, 7 e 8 do artigo 57º do Regulamento da Nacionalidade).
III – A aquisição da nacionalidade por via do casamento não se inclui entre os casos que, por força do artigo 6.º/1 da Convenção Europeia sobre a Nacionalidade (que o Estado Português ratificou em 2000), devam corresponder a uma aquisição da nacionalidade automática ou exlege; e de acordo com os artigos 3.º/1 e 6.º/4 da citada Convenção, o ordenamento jurídico português deve prever a aquisição da nacionalidade por parte do cônjuge do nacional, mas tal aquisição deverá respeitar os requisitos estabelecidos para o efeito no direito interno.
IV – Sendo o vínculo conjugal a uma cidadã, nascida em Angola e com nacionalidade portuguesa (e o facto de os filhos de ambos partilharem a nacionalidade da mãe) o único elo de ligação relevante entre o Recorrente e a comunidade nacional, tal relação familiar – que decorre no país onde o Recorrente nasceu e reside (EUA) – é insuficiente, só por si, para a aquisição da nacionalidade, mostrando-se verificada a inexistência de ligação efetiva à comunidade portuguesa.
Aditamento:
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo, 2.º Juízo, do Tribunal Central Administrativo Sul


I. Relatório
O presente recurso jurisdicional, no qual é Recorrente J…… e Recorrido o MINISTÉRIO PÚBLICO, vem interposto da decisão doTAC de Lisboa, de 11.11.2013, que julgou procedente a oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, e, em consequência, determinou o arquivamento do processo conducente ao registo desse facto, pendente na Conservatória dos Registos Centrais.
O Recorrente conclui as suas alegações como se segue:
I. Deve revogar-se a sentença e julgar-se improcedente a oposição, pois que não foi provado nenhum facto que possa integrar o conceito a inexistência de ligação da comunidade nacional, tendo sido violado o disposto no artº 615º,1 al. b) do Código de Processo Civil e o artº 9º, al. a) da Lei da Nacionalidade
II. Se ainda assim se não entender, deve julgar-se a oposição improcedente, por não provada, ordenando-se o processamento do registo.
III. A Lei da Nacionalidade e o Regulamento da Nacionalidade na versão anterior à reforma introduzida pela Lei Orgânica nº 2/2006, de 17 de abril obrigavam os cônjuges estrangeiros de nacionais portugueses que requeressem a aquisição da nacionalidade portuguesa a fazer prova da sua ligação efetiva à comunidade nacional.
IV. Com a reforma introduzida pela referida Lei Orgânica nº 2/2006, cit. quis o legislador, objetivamente, acabar, como acabou com a exigência da apresentação de tais provas, pelos que foi alterada a al. a) da Lei da Nacionalidade o novo Regulamento da Nacionalidade não clonou os dispositivos que permitiam a apresentação de tais provas.
V. A consideração de que o R. recorrente estava obrigado a fazer prova de ligação à comunidade nacional viola o disposto no artº 9º, al. a) da Lei da Nacionalidade.
VI. A interpretação do artº 9º, al. a) da Lei da Nacionalidade Portuguesa no sentido de que, apesar de ter sido alterado o texto, continua a ser exigível ao cônjuge estrangeiro de nacional português que pretenda adquirir a nacionalidade portuguesa, a apresentação de provas de ligação à comunidade nacional é inconstitucional, porque ofende o disposto nos artºs 2º da Constituição.
VII. Ofende o princípio do Estado de direito a exigência de cumprimento do disposto em norma revogada ou a interpretação da norma nova com a habilidade adequada à recuperação da norma revogada.



VIII. A decisão recorrida ofende o disposto na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, nos precisos termos alegados pelo recorrente, sendo certo que o Estado português está obrigado a cumprir essa convenção mesmo relativamente a direitos de que sejam titulares cidadãos estrangeiros.
IX. O facto de o recorrente ser americano não implica a inaplicabilidade da Convenção, que vincula o Estado português, nos seus precisos termos.
X. A douta decisão recorrida ofende, outrossim, o disposto na Convenção Internacional sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, na medida em que pretende que o recorrente faça prova de ligação mais forte à comunidade nacional do que aquela que é exigível sua esposa e filhos, com ele residentes nos Estados Unidos e como mesmo nível ligação à comunidade portuguesa que ele tem.
XI.Tendo a recorrente nível de ligação à comunidade nacional idêntico ao de sua esposa e filhos, tem que considerar que a douta decisão recorrida constitui discriminação racial, os termos em que ela é definida na referida Convenção Internacional para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial.
XII. Par além disso, a douta decisão recorrida viola,objetivamente, o princípio a igualdade, na media em que, eminúmeros casos idênticos, de que se apresentam alguns exemplos, tanto o MºPº como os tribunais deram tratamento diversos a pedidos idênticos.
OMinistério Público contra-alegou, aderindo à fundamentação de facto e de direito vertida na sentença recorrida.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II. Objeto do recurso
A questão a decidir no presente recurso – tal como delimitada pelas conclusões das alegações do Recorrente (cfr. artigo 635.º/3/4 CPC/2013 ex vi artigo 140.º CPTA, com as necessárias adaptações) – resume-se a saber se a sentença recorrida violou, designadamente, o artigo 9.º/a) da Lei da Nacionalidade, o disposto na Convenção Europeia dos Direitos do Homem e, ainda, a Convenção Internacional para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, quando considerou que a ação de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, instaurada pelo Ministério Público, constitui uma ação de simples apreciação negativa, na qual recai sobre o Requerido o ónus de trazer ao processo os elementos em que possa fundar o direito à aquisição da nacionalidade e concluiu que, no caso em apreço, nada se provou que revele uma ligação ou sentimento de pertença à comunidade portuguesa por parte do aqui Recorrente.
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III. Factos
A decisão recorrida considerou assente a seguinte factualidade:
1. O Requerido nasceu em Dayton, Ohio, E.U.A. em 18.05.1954 (cfr. fls. 8).
2. Em 30.03.1996 contraiu casamento nos EUA com a nacional portuguesa S……, natural de Sá da Bandeira, Angola (cfr. fls. 11 e 28).
3. Em 10.02.2012, no Consulado de Portugal em Nova Iorque, declarou a vontade de aquisição da nacionalidade portuguesa nos termos do artigo 3° da Lei nº 37/81, de 3 de Outubro, com base no referido casamento (cfr. fls. 5).
4. Com base em tal declaração foi instaurado na Conservatória dos Registos Centrais processo onde se constatou a falta dos pressupostos necessários à pretendida aquisição de nacionalidade, razão pela qual o registo em questão não chegou a ser lavrado.
5. O Requerido não mantém, nem nunca manteve residência em Portugal (cfr. fls. 51).
6. O Requerido é membro da A...... P....... (cfr. docs. de fls. 25 a 27).
7. O Requerido e S…… são pais de S…… e de N……, nascidos, respectivamente, em 12.12.01 e 03.01.1997, ambos de nacionalidade portuguesa e ambos nascidos em Nova Iorque (cfr. fls. 30 a 33 dos autos).
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IV. Direito
1. Está em causa um pedido de aquisição da nacionalidade em razão da vontade, que pressupõe que o interessado esteja casado ou viva em união de facto há mais de três anos com o cidadão nacional e, além disso, que, na constância do casamento, tenha declarado querer adquirir a nacionalidade – cfr. artigo 3.º/1 da Lei da Nacionalidade (Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, na versão da Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de abril) e artigo 11.º/1 do Regulamento da Nacionalidade (Decreto-Lei n.º 237-A/2006 de 14 de Dezembro, na versão do Decreto-Lei nº 43/2013, de 1 de Abril). Ou seja, esta modalidade de aquisição da nacionalidade em razão da vontade depende não apenas de um facto (constância de um casamento ou união de facto por mais de 3 anos) como também da manifestação de uma vontade de querer ser cidadão português.
Mas se estes são os pressupostos do pedido de aquisição de nacionalidade por via de casamento, não são, contudo, condições suficientes para a sua aquisição, não bastando a verificação daquele facto e a manifestação daquela vontade para que automaticamente seja concedida a nacionalidade, a qual pode ser negada, nomeadamente, em caso de “inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional” (cfr. artigo 9.º/a) da Lei da Nacionalidade).
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2.É neste contexto que cumpre decidir a questão em apreço, consistente em saber a quem incumbe a prova do requisito da “inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional”, previsto no artigo 9.º/a) na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 2/2006: se ao Ministério Público, a quem cabe intentar a ação de oposição à aquisição da nacionalidade; se ao interessado, requerente da nacionalidade.
Diga-se desde já que é de confirmar o entendimento vertido na decisão recorrida, pelas razões que já alinhavamos em caso idêntico e que passamos a reiterar:
Embora sem unanimidade, este TCAS tem vindo a afirmar que a ação de oposição à aquisição da nacionalidade, destinada à declaração da inexistência da ligação à comunidade portuguesa, “deve ser qualificada como ação de simples apreciação negativa, pelo que, atento o disposto no artigo 343.º/1 do Código Civil, compete ao Réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga” (v., entre outros, os Acórdãos do TCAS, de 02.10.2008, P. 04125/08, de 28.06.2012, P. 05214/09, e de 02.04.2014, P. 10952/14).
Em sentido contrário pronunciou-se recentemente o Acórdão do STA, de 19.06.2014, P. 0103/14,no qual se concluiu que a “inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional”, a que se refere o artigo 9.º/a) da Lei da Nacionalidade, tem que ser provada pelo Ministério Público. Em síntese, este aresto veio salientar as considerações que a este respeito se tecem na Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 32/X (que está na origem da Lei Orgânica n.º 2/2006), que enuncia como objetivos, entre outros, o de regressar ao regime inicial da Lei n.º 37/81, procedendo à “[A]lteração do procedimento de oposição do Estado Português à aquisição da nacionalidade por efeito da vontade, invertendo-se o ónus da prova quanto ao requisito estabelecido na alínea a) do artigo 9.º que passa a caber ao Ministério Público.”Posteriormente, os Acórdãos do TCAS, de 11.09.2014, P. 11251/14, e de 25.09.2014, P.11284/14, embora com um voto de vencido, vieram pronunciar-se no mesmo sentido, concluindo que “a partir da entrada em vigor da alteração da Lei da Nacionalidade introduzida pela Lei Orgânica 2/2006, de 17/4, passou a constituir fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade a inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional, o qual tem de ser provado pelo MP”.
Salvo o devido respeito por opinião diversa, não podemos aderir à posição que fez vencimento nestes últimos arestos, pelasrazõesque já avançamos em caso idêntico e que a seguir procuraremos desenvolver, as quais, noessencial, coincidem com as enunciadas no citadovoto de vencido e nos arestos que, no mesmo sentido, o antecederam.
Como é sabido, a Lei Orgânica n.º 2/2006 conferiu nova redação ao artigo 9.º/a) da Lei da Nacionalidade, passando a prever que “a inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional” constitui fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, enquanto que na anterior redação se estabelecia que tal fundamento consistia na “não comprovação, pelo interessado, de ligação efetiva à comunidade nacional”. Contudo, embora a atual norma do artigo 9.º/a) da Lei da Nacionalidade já não atribua ao interessado o ónus de provar (pela positiva) a sua ligação efetiva à comunidade portuguesa, da mesma não pode extrair-se que caiba ao Ministério Público a prova do facto negativo que agora aí se prevê.
Note-se que a atual redação do artigo 9.º/a) limita-se a estabelecer tal fundamento (negativo) de oposição à aquisição da nacionalidade, nada dispondo sobre o ónus da prova de tal facto (contrariamente à versão anterior do artigo 9.º/a), que imputava ao interessado o ónus da prova do facto – positivo – da ligação efetiva). E uma vez que o regime da ação de oposição à aquisição da nacionalidade não contém qualquer norma específica quanto ao ónus da prova dos fundamentos de oposição, tal matéria não pode deixar de ser regulada pelas regras gerais de distribuição do ónus da prova, contidas nos artigos 342.º a 343.º do Código Civil.
O que significa que o objetivo anunciado na Exposição de Motivos acabou por não ser integralmente consagrado na letra da lei, pois nesta não se contemplou qualquer “inversão do ónus da prova” (nem qualquer presunção legal ou dispensa ou liberação do habitualmente onerado com tal prova), mas apenas se alterou o tipo de facto que tem que ser provado na ação de oposição à aquisição da nacionalidade (era um facto positivo, agora é um facto negativo). Neste ponto, não pode deixar de se salientar que caso o legislador tivesse imputado ao Ministério Público o ónus de provar a “inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional”, tal opção teria sido equivalente a consagrar a atribuição da nacionalidade independentemente de tal ligação efetiva, pois estar-se-ia a atribuir ao Ministério Público o ónus de uma prova que – pela sua natureza negativa e pela pessoalidade dos factos em causa – seria quase impossível de demonstrar e, consequentemente, condenaria ao fracasso qualquer ação de oposição à aquisição da nacionalidade. Ora, tal opção, ainda que eventualmente legítima, seria contraditória com o atual regime de aquisição da nacionalidade em razão da vontade, que não se basta com a existência de um casamento com duração superior a três anos e com a mera declaração da vontade do interessado em adquirir a nacionalidade, mas exige, ainda, que não se verifique nenhum dos três fundamentos de oposição à aquisição da nacionalidade, entre os quais, a inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional.
Tudo isto para concluir queo ónus da prova do fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade, previsto na alínea a) do artigo 9.º da Lei da Nacionalidade,deverá ser distribuído de acordo com as regras legais aplicáveis, nomeadamente, em função das regras contidas nos artigos 342.º a 344.º do Código Civil, cuja aplicação não foi afastada pela Lei da Nacionalidade.
Como a jurisprudência tem reiteradamente salientado, a ação de oposição à aquisição da nacionalidade consubstancia uma ação de simples apreciação, ou seja, uma ação pela qual se procura “obter unicamente a declaração da existência ou inexistência de um direito ou de um facto” (artigo 10.º/3-a) do CPC/2013), no caso, sob a forma negativa, pois visa a declaração da inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional. No âmbito deste tipo de ação, compete ao “réu” (no caso, ao requerente da nacionalidade) o ónus da prova“dos factos constitutivos do direito que se arroga” – artigo 343.º/1 do CCiv.
Como é sabido, a inversão do ónus da prova consagrada neste n.º 1 do artigo 343.º do CCiv é justificada pela “dificuldade de provar factos negativos” (v. Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 4ª ed., 1987, 307).No caso em apreço, essa dificuldade, equivalente a uma “prova diabólica”, verificar-se-ia não apenas porque o autor da ação (Ministério Público) seria onerado com a prova de factos negativos, mas também porque os factos subjacentes à demonstração da (inexistência de) ligação efetiva à comunidade nacional são necessariamente factos pessoais, ou seja factos próprios do requerente do pedido de aquisição da nacionalidade, que dificilmente poderiam ser obtidos pelo Ministério Público sem violação da reserva da intimidade da vida privada do requerente (como já foi salientado no citado Acórdão do TCAS, de 02.04.2014, P. 10952/14).
Assim, a ação de oposição à aquisição da nacionalidade, quando intentada com fundamento na alínea a) do artigo 9.º da Lei da Nacionalidade, destina-se a ver declarada a inexistência de ligação efetiva entre o requerente da nacionalidade e a comunidade portuguesa, pelo que é a este que cabe a prova “dos factos constitutivos” do seu direito à nacionalidade, por força do disposto no artigo 343.º/1 do CCiv.
A interpretação que vimos defendendo quanto ao ónus da prova em sede de ação de oposição à aquisição da nacionalidade não é contrariada pelas regras aplicáveis à instrução do próprio procedimento administrativo, do qual emerge tal ação. Na verdade, embora o legislador tenha deixado (a partir da Lei Orgânica n.º 2/2006) de exigir que o interessado comprove a sua ligação efetiva à comunidade nacional, ainda assim “continua o interessado a ter necessidade de pronunciar-se sobre a existência de ligação efetiva à comunidade nacional, depreendendo-se que será a partir dessa pronúncia que o Conservador poderá aquilatar da existência/inexistência de ligação à comunidade nacional e, no caso de indícios de inexistência, comunica-la ao Ministério Público para instauração da competente ação de oposição” (nas palavras do Acórdão do TCAS, de 02.10.2008, P. 04125/08).
Será precisamente com base na “pronúncia”, a que alude o artigo 57.º/1 do Regulamento da Nacionalidade, que o Conservador dos Registos Centrais poderá encontrar indícios da inexistência de ligação à comunidade, que poderão justificar a participação ao Ministério Público para que este deduza ação de oposição à aquisição da nacionalidade, nos termos dos n.ºs 7 e 8 do mesmo artigo 57.º Por isso, ainda que o interessado não esteja obrigada a comprovar, por meio documental ou outro, a sua ligação efetiva à comunidade nacional (como era exigido pelo anterior Regulamento, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 322/82, na versão que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 253/94), continua a ser necessário que da “pronúncia” do requerente da nacionalidade não resultem indícios de inexistência de ligação à comunidade nacional, sob pena de, nesse caso, o Conservador dever efetuar a participação acima referida e o Ministério Público dever intentar ação de oposição.
Em suma:
O artigo 9.º/a) da Lei da Nacionalidade estabelece um fundamento (negativo) de oposição à aquisição da nacionalidade, mas nada prevê quanto ao ónus da prova de tal facto, que terá que ser encontrado por aplicação das regras gerais, concretamente, do disposto no artigo 343.º/1 do CCiv, uma vez que está em causa uma ação de simples apreciação na qual se justifica que seja atribuído ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga, dada a dificuldade ou mesmo impossibilidade de provar factos negativos (que, no caso, são também factos pessoais do réu).
Este regime de ónus da prova em sede do processo judicial é consentâneo com as exigências de instrução do procedimento administrativo que recaem sobre o requerente do pedido de aquisição da nacionalidade, cuja “pronúncia” sobre a existência de ligação efetiva à comunidade nacional não pode indiciar a falta dessa ligação, sob pena de recair sobre o Conservador dos Registos Centrais o dever de participar tal facto ao Ministério Público e sobre este o dever de intentar ação de oposição à aquisição de nacionalidade (n.ºs 1, 7 e 8 do artigo 57º do Regulamento da Nacionalidade).
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3. O Recorrente alega, ainda, que o entendimento defendido na sentença recorrida – que deve ser confirmado pelas razões exposta – é violador do disposto na Convenção Europeia dos Direitos do Homem e também da Convenção Internacional para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial.
Sem qualquer razão, porém.
Não se vislumbra em que medida a interpretação defendida pode ser violar a Convenção Europeia de Direitos do Homem, sendo certo que o próprio Recorrente não concretiza a alegada violação. Acresce que, nos termos da Convenção Europeia sobre a Nacionalidade, que o Estado Português ratificou em 2000, compete a cada Estado determinar quem são os seus nacionais “nostermos do seu direito interno”, desde que respeitados os princípios vertidos no seu artigo 4.º, de entre os quais ressalta que o casamento (ou a dissolução do casamento) não deverá afetar automaticamente a nacionalidade do outro cônjuge, sendo certo, ainda, que a aquisição da nacionalidade por via do casamento não se inclui entre os casos que, por força do artigo 6.º/1 da mesma Convenção, devam corresponder a uma aquisição da nacionalidade automática ouexlege. De acordo com os artigos 3.º/1 e 6.º/4 da citada Convenção Europeia sobre a Nacionalidade, o ordenamento jurídico português deve prever a aquisição da nacionalidade por parte do cônjuge do nacional (o que está concretizado no artigo 3.º da Lei da Nacionalidade), mas tal aquisição deverá respeitar os requisitos estabelecidos para o efeito no direito interno.
Quanto à alegada “discriminação racial” é manifesta a falta de fundamento desta alegação, uma vez que a sentença recorrida se limitou a interpretar e aplicar o regime legal de acordo com as regras jurídicas vigentes no ordenamento jurídico português, em termos que são insuscetíveis de consubstanciar uma interpretação “discriminadora” e que, como referido, devem ser confirmados. Acresce que o alegado tratamento diferenciado do Recorrente relativamente ao seu cônjuge e filhos nem sequer é suscetível de traduzir um tratamento “ não igualitário” – e muito menos um tratamento discriminador em razão da raça – uma vez que, enquanto requerente da nacionalidade portuguesa, o Recorrente não se encontra na mesma situação do seu cônjuge, que já adquiriu essa nacionalidade, ou dos filhos de ambos,a quem, ao contrário do Recorrente, é aplicável o jus sanguinis.
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4. Resta dizer que, tal como se salienta na decisão recorrida, no caso em apreço nada se provou que pudesse demonstrar a identificação cultural e/ou sociológica do aqui Recorrente com a comunidade nacional, sendo para tal manifestamente insuficiente o facto de ser membro da A...... P.......
O único elo de ligação relevante entre o Recorrente e a comunidade nacional é o seu vínculo conjugal a uma cidadã, natural de Angola, com nacionalidade portuguesa (e o facto de os filhos de ambos partilharem a nacionalidade da mãe), mas, como referido, essa relação familiar, que se desenvolve no país onde o Recorrente nasceu e reside (EUA) é insuficiente, só por si, para a aquisição da nacionalidade portuguesa, mostrando-se verificada a inexistência de ligação efetiva à comunidade portuguesa.
Pelo que deve ser confirmada na íntegra a sentença recorrida.
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V. Decisão
Pelo exposto, acordam emnegar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Lisboa, 06.11.2014



(Esperança Mealha)


(Maria Helena Canelas) – com voto de vencido, em anexo.


(António Vasconcelos)


Declaração de voto:

Salvo o devido respeito por opinião contrária, não subscrevemos o entendimento de que a ação de oposição à aquisição da nacionalidade quando deduzida com fundamento na alínea a) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade deva ser qualificada como ação de simples apreciação negativa (a que alude o artigo 10º nº 3 alínea a) do CPC novo). Não sendo assim de fazer aplicar a regra (especial) de repartição do ónus da prova prevista no artigo 343º do CC (nos termos do qual “nas ações de simples apreciação ou declaração negativa, compete ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga”). A nosso ver a ação de posição à aquisição de nacionalidade prevista no artigo 9º da Lei da Nacionalidade configurar-se-á como um incidente, sob a forma de oposição, ao processo de aquisição de nacionalidade. Através dela se visa impedir que o interessado obtenha a nacionalidade portuguesa. Sendo fundamento de tal oposição: i) - a inexistência de ligação efetiva à comunidadenacional (alínea a));ii) - a condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela pratica de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei português (alínea b)); iii) – o exercício de funções públicas sem carácter predominantemente técnico ou a prestação deserviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro.
São, assim, nos termos da lei, tais factos ou circunstâncias os únicos que podem servir de fundamento à oposição, impedindo os mesmos, uma vez verificados, a aquisição de nacionalidade. Tratam-se, pois, de factos impeditivos, competindo a sua prova a quem os invoca, nos termos do artigo 342º nº 2 do CC.
Entendo, pois, que para a procedência da ação de oposição deduzida com fundamento na alínea a) d artigo 9º da Lei da Nacionalidade (na redação atual) é necessário estar demonstrada a inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional. Esse é o pressuposto para a procedência da ação de oposição ali previsto, a «inexistência de ligação da comunidade nacional», e não o «não estar demonstrada a ligação efetiva».
Pelo que, na esteira do já entendido no Acórdão do STA de 19/06/2014, Proc. 0103/14, citado, considero que o ónus da prova dos factos integrativos de tal pressuposto («inexistência de ligação da comunidade nacional»), cabe a quem o invoca, no caso o Ministério Público. E a circunstância de aquele fundamento da oposição integrar uma circunstância negativa («inexistência») não altera a natureza da oposição nem a posição relativa das partes e respetivos ónus, cabendo sempre ao Ministério Público o ónus da prova dos factos integradores dos fundamentos de oposição previstos em qualquer das alíneas a), b) ou c) do artigo 9º.
(Maria Helena Canelas)