Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:672/12.3BEAVR
Secção:CA
Data do Acordão:10/15/2020
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:RESTITUIÇÃO DE FUNDOS EUROPEUS;
ELIGIBILIDADE DE DESPESAS;
CONCEITO DE DESPESAS PAGAS.
Sumário:I. De acordo com a Regra da Elegibilidade n.º 1 anexa ao Regulamento (CE) n.º 1685/2000 da Comissão, de 28/07 e a Norma n.º 22/2005, no seu ponto 8.2.2, as despesas elegíveis têm de ser efetivamente pagas, sendo despesa efetivamente paga a que corresponde ao pagamento efetuado, devidamente justificada por documentos de despesa com menção de quitação (faturas e recibos ou documentos contabilísticos de valor probatório equivalente.

II. Comprovando-se que os cheques têm data de emissão e a transferência bancária foi realizada em data posterior à solicitação dos pedidos de pagamento, significa que as despesas realizadas, apesar de terem sido faturadas antes, foram efetivamente pagas depois do pedido de pagamento de saldo.

III. Tal acarreta a violação das regras de elegibilidade de despesas mo âmbito do Programa Agro – Medida 3.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO

O IFAP – Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, IP, devidamente identificado nos autos, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo, datada de 27/11/2017, que no âmbito da ação administrativa instaurada pela I……………, SA, julgou a ação procedente e condenou a Entidade Demandada nos pedidos, de declaração de inexistência de fundamento para ser declarada a modificação unilateral do contrato, anulando a decisão de exigência à Autora da devolução das ajudas recebidas ao abrigo do contrato, no valor de € 338.529,34, calculados sobre o valor de € 257.743,04, acrescido de juros legais.


*

Formula o aqui Recorrente, IFAP nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que infra e na íntegra se reproduzem:

Tendo presente a economia da factualidade tida por provada na Sentença recorrida, o fundamento da Decisão Final contenciosamente impugnada na acção administrativa especial a que respeitam os presentes autos, de resolução unilateral do Contrato de Atribuição de Ajuda celebrado entre o ex IFADAP e a Beneficiária (a A/Recorrida) no âmbito do Projecto nº 2002.61.002055.0, "reside no facto da A. que a liquidação das despesas não estavam debitadas à data do pedido de pagamento, e por contrariar o disposto na regra de elegibilidade nº 1 do Regulamento (CE) nº 1685/2000, da Comissão, de 28.07, com a redacção dada pelo Regulamento (CE) nº 448 A/2004, da Comissão de 10 de Março (cfr. facto provado sob o nº 3)" - cfr. Sentença recorrida, p 6 e 7;

De acordo com o disposto no § 3° do nº 1 do seu art° 32° o Regulamento (CE) nº 1260/1999 do Conselho de 21 de Junho de 1999 (que estabeleceu disposições gerais sobre os Fundos estruturais). "Os pagamentos podem assumir a forma de pagamentos por conta, de pagamentos intermédios ou de pagamentos do saldo. Os pagamentos intermédios ou do saldo serão referentes às despesas efectivamente pagas, que devem corresponder a pagamentos executados pelos beneficiários finais e justificados por facturas pagas ou documentos contabilísticos com um valor de prova equivalente.".

Esta regra regulamentar sobre os pagamentos das ajudas aos beneficiários referentes a despesas efectivamente pagas, significa que só são elegíveis para efeito da ajuda as despesas apresentadas relativamente às quais se reconheça, mormente através da documentação apresentada, o efectivo pagamento, veio a ter concreta expressão no Regulamento (CE) nº 1685/2000 da Comissão, de 28 de Julho de 2000, relativo às regras de execução do referido Regulamento (CE) nº 1260/1999 do Conselho no que diz respeito à elegibilidade das despesas no âmbito das operações co-financiadas pelos Fundos estruturais, alterado pelo Regulamento (CE) nº 448/2004, da Comissão, de 10 de Março de 2004;

Assim, ter-se-á que, de acordo com as normas constantes do quadro legal aplicável, a circunstância de as despesas em causa terem, entretanto, sido pagas, é irrelevante para efeitos de elegibilidade (temporal), porquanto, para tal efeito, do que se trata é da verificação sobre se uma dada despesa é passível de determinar a atribuição de ajuda, sendo que essas regras são aplicáveis com referência à data do pedido de pagamento de ajuda, que o normativo regulamentar clara e repetidamente exige que nesse momento (e não depois) a despesa esteja efectivamente paga e documentado esse pagamento por certos meios.

Como tal, a elegibilidade de despesa do beneficiário para efeito da atribuição de ajuda depende do facto de, na data de apresentação respectivo pedido de pagamento, estar executada (materialmente realizada) e efectivamente paga (financeiramente realizada);

Resulta dos autos, designadamente da Decisão Final contenciosamente impugnada, do processo administrativo junto, e da posição das partes nos seus respectivos articulados documentalmente evidenciada a seguinte factualidade posição

a) no primeiro pedido de pagamento, apresentado em 14107/2003, a A./Recorrida incluiu a factura nº 308, de 16/06/2003, que pagou pelo cheque nº……………, emitido em 31/03/2004; assim, em data posterior ao daquele pedido;

b) no segundo pedido de pagamento, apresentado em 13/05/2004, a A./Recorrida incluiu a factura nº 562, de 08/03/2004, que pagou por transferência bancária em 15/11/2004; assim, também, em data posterior ao daquele pedido;

c) no terceiro pedido de pagamento, apresentado em 03/03/2005, a A./Recorrida incluiu a factura nº 824, de 16/12/2004, que pagou pelo cheque nº………., emitido em 1511112005; assim, ainda, em data posterior ao daquele pedido;

pelo que as referidas despesas foram efectivamente pagas pela A/Recorrida em data muito posterior à da apresentação dos respectivos pedidos de pagamento (194 dias não são "escassos dias");

Nessa medida, tratando-se de despesas que se não encontravam efectivamente pagas pelo beneficiário na data da apresentação dos respectivos pedidos de pagamento, nunca as mesmas poderiam ser elegíveis para afeito de atribuição da ajuda, precisamente porque a ajuda consiste no reembolso de despesas efectuadas (e, não, no financiamento de despesas a efectuar);

Por tal razão, não podendo as referidas despesas serem consideradas elegíveis, a A./Recorrida recebeu indevidamente (por a elas não ter direito em virtude da sua inelegibilidade temporal), pelo que é imposto ao IFAP a respectiva recuperação e fim de o FEADER ser reintegrado dos respectivos valores nos termos regulamentarmente prescritos;

Em tais circunstâncias, o Tribunal a quo, ao ter decido a procedência da acção com fundamento na consideração e que o que "é que o exigido é que as despesas hajam sido efectivamente pagas e se mostrem conformes com o conteúdo do projecto, e tal é o caso vertente, carecendo, por isso, de justificação a conclusão do R. de que as despesas não são elegíveis e que o desfasamento das datas entre o pedido de pagamento e o efectivo pagamento não gera nem permite a qualificação de despesa não elegível, errou no julgamento em violação do disposto conjugadamente no § 3° do nº 1 do seu artº 32º o Regulamento (CE) nc 1260/1999 do Conselho, na concreta expressão que lhe foi dada pela Comissão no Regulamento (CE) nº 1685/2000 da Comissão, de 28 de Julho de 2000, relativo às regras de execução do referido Regulamento (CE) nº 1260/1999 do Conselho no que diz respeito à elegibilidade das despesas no âmbito das operações co-financiadas pelos Fundos estruturais, na redacção dada pelo Regulamento (CE) nº 448/2004, da Comissão, de 10 de Março de 2004;”.

Pede que seja concedido provimento ao recurso e, consequentemente, ser revogada a decisão de procedência a acção administrativa especial.


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A ora Recorrida, notificada da admissão do recursão, apresentou contra-alegações, em que reiterou as anteriores posições assumidas nos autos, mas sem formular conclusões.

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Notificado o Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, não foi emitido parecer.

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O processo vai, com vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir a questão colocada pelo Recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

Segundo as conclusões do recurso, a questão suscitada pelo Recorrente, resume-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de:

Erro de julgamento de direito, em violação do § 3.º do n.º 1 do artigo 32.º do Regulamento (CE) n.º 1260/1999 do Conselho, segundo a expressão dada no Regulamento (CE) n.º 1685/2000, da Comissão, de 28/07/2000, relativamente à elegibilidade das despesas no âmbito das operações co-financiadas pelos Fundos estruturais, na redação dada pelo Regulamento (CE) n.º 448/2004, da Comissão, de 10/03/2004.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

“1- Em 13.11.2002, apresentou um projecto de investimento, junto do IFAP, no âmbito do Programa Agro – Medida 3 - Acção 3.1. – Apoio à Sivicultura, projecto cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr. docº 1, junto com a p.i., e admissão por acordo).

2– O projecto, supra, foi aprovado em 28.02.2003, com o nº. 2002.61.0020550 (cfr. docº. 2, junto com a p.i., e admissão por acordo).

3 – Mediante deliberação do Conselho Directivo do IFAP, foi determinada a entrega pela A. da quantia de 338.996,95 euros, calculados sobre a quantia de Euros: 257.743,04, acrescidos dos juros (à taxa anual de 4%), calculados desde 19.03.2003 a 12.06.2012 (cfr. docº. 3, junto com a p.i., e admissão por acordo).

4 – Em 27.03.2003, foi celebrado o contrato de atribuição de ajuda, alterado em 16.02.2004 (cfr. docº. 4 junto com a p.i., e admissão por acordo).

5 – No dia 22.08.2011, o IFAP remeteu à A. oficio, no qual suscitou a questão de elegibilidade do pagamento/reembolso de parte das despesas associadas ao projecto, oficio cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr. docº. 5 junto com a p.i., e admissão por acordo).

6 – O ofício supra foi acompanhado e fundamentado na informação nº. 20/DAI/UMAT/2010, de 06.01.2010, cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr. docº 6 junto com a p.i., e admissão por acordo).

7 – A A. exerceu direito de audiência prévia (cfr. docº. 7 junto com a p.i., e admissão por acordo).

8 – A norma nº. 22/2005, relativa ao Programa Agro, tem o teor do docº. junto como nº 8 com a p.i., cujo teor aqui se dá por reproduzido, cujo ponto 8.2.2 reporta-se a elegibilidade da despesa (cfr. docº. 8 junto com a p.i., e admissão por acordo).

A convicção do Tribunal fundamentou-se na prova documental, supra identificada, e na admissão por acordo das partes.

Nada mais logrou-se provar com interesse ou relevância para a decisão da presente causa.”.

DE DIREITO

Considerada a factualidade fixada, importa, agora, entrar na análise do fundamento do presente recurso jurisdicional.

Erro de julgamento de direito, em violação do § 3.º do n.º 1 do artigo 32.º do Regulamento (CE) n.º 1260/1999 do Conselho, segundo a expressão dada no Regulamento (CE) n.º 1685/2000, da Comissão, de 28/07/2000, relativamente à elegibilidade das despesas no âmbito das operações co-financiadas pelos Fundos estruturais, na redação dada pelo Regulamento (CE) n.º 448/2004, da Comissão, de 10/03/2004

Vem a Entidade Demandada a juízo recorrer da sentença recorrida por discordar quanto à interpretação nela seguida relativamente à matéria da elegibilidade das despesas no âmbito das operações co-financiadas pelos Fundos estruturais, invocando o erro de julgamento quanto à interpretação seguida de que o Regulamento (CE) n.º 1685/2000, da Comissão, de 28/07, com a redação dada pelo Regulamento (CE) n.º 448/2004, da Comissão, de 10/03/2004, refere que a comprovação despesas pode ser feita por faturas pagas, exigindo-se que as despejas hajam sido efetivamente pagas e se mostrem conformes com o conteúdo do projeto, não relevando para efeitos de não elegibilidade da despesa o desfasamento das datas entre o pedido de pagamento e o efetivo pagamento.

Alega que a resolução unilateral do contrato de atribuição de ajuda se baseia no facto de a liquidação das despesas não estarem debitadas à data do pedido de pagamento, contrariando a regra de elegibilidade n.º 1 do Regulamento (CE) n.º 1685/2000, da Comissão, de 28/07, com a redação dada pelo Regulamento n.º 448-A/2004, da Comissão, de 10/03.

Sustenta que de acordo com o disposto no § 3.º do n.º 1 do artigo 32.º do Regulamento (CE) n.º 1290/1999 do Conselho, de 21/06/1999, exige-se que as despesas estejam efetivamente pagas, só sendo elegíveis as despesas apresentadas às quais se reconheça o efetivo pagamento, como veio a ter expressão no Regulamento n.º 1685/2000, do Conselho, de 28/07/2000.

Defende que tais regras são aplicáveis à data do pedido de pagamento da ajuda, pelo que é nesse momento e não depois, que a despesa deve estar paga e documentado esse pagamento por certos meios.

No caso dos três pedidos de pagamento, a despesa foi paga em momento posterior, pelo que, não estando as despesas efetivamente pagas pelo beneficiário na data da apresentação dos pedidos de pagamento, nunca as mesmas podiam ser elegíveis para efeitos de atribuição de ajuda, porque a ajuda consiste num reembolso de despesas efetuadas e não no financiamento de despesas a efetuar.

Vejamos.

Compulsando a matéria de facto que foi dada como provada no julgamento de facto, extrai-se que que em 13/11/2002 a Autora apresentou à Entidade Demandada um projeto de investimento, através do qual se candidatou à Medida 3, Ação 3.1. – Apoio à Silvicultura, do Programa Operacional Agricultura e Desenvolvimento Rural – Programa AGRO, o qual foi aprovado por despacho datado de 28/02/2003.

Mediante deliberação do Conselho Diretivo do IFAP foi determinada a entrega da quantia de € 338.996.95, calculada sobre a quantia de € 257.743,04, acrescida de juros, calculados desde 19/03/2003 a 12/06/2012.

Entre as partes, em 27/03/2003, foi celebrado contrato de atribuição de ajudas, ao abrigo do Programa AGRO, Medida 3, posteriormente alterado em 16/02/2004.

Em 22/08/2011 o IFAP remeteu ofício à Autora em que suscitou a questão da elegibilidade do pagamento e o reembolso de parte das despesas associadas ao projeto, acompanhado da informação dos serviços, datada de 06/01/2010, tendo sido exercido o direito de audiência prévia da Autora.

Tendo presente a factualidade descrita, a sentença ora recorrida decidiu pela procedência do pedido deduzido pela Autora, com a qual o Recorrente não se conforma.

No presente recurso coloca-se como questão decidenda o erro de julgamento da sentença recorrida em relação à elegibilidade de despesas, fundando-se a resolução unilateral do contrato de atribuição de ajuda celebrado entre o Recorrente e a Autora no facto de a liquidação das despesas não estarem debitadas à data do pedido de pagamento, em violação da regra de elegibilidade n.º 1 do Regulamento CE n,º 1685/2000, da Comissão, de 28/07, com a redação dada pelo Regulamento CE n.º 448-A/2004, da Comissão, de 20 de março.

A questão concretamente colocada consiste em saber se as despesas relativas às faturas desconsideradas pelo IFAP devem ser tidas como efetivamente pagas no momento do pedido de pagamento de ajuda, ou seja, se aquando a apresentação do pedido de pagamento da ajuda a despesa tem de estar executada e efetivamente paga.

Resulta dos elementos factuais apurados nos autos, em relação aos quais não existe controvérsia entre as partes – nos termos dos factos assentes em 5 e 6 do probatório da sentença recorrida, que dão por reproduzidos os documentos 5 e 6, juntos com a petição inicial –, que aquando a apresentação dos 1.º, 2º e 3.º pedidos de pagamento, apresentados em 14/07/2003, em 13/05/2004 e em 03/03/2005, respetivamente, foram apenas apresentadas faturas, que foram pagas por cheques emitidos e pagos em data posterior e por transferência bancária, realizada em data posterior ao pedido.

O que significa que os meios de pagamento utilizados pela Autora para a realização das despesas do projeto foram emitidos ou debitados em data posterior à apresentação do pedido de pagamento.

No presente caso está em causa não apenas a data do débito do cheque, mas a própria data de emissão do cheque, assim como a data da realização da transferência bancária, ocorridas em data posterior à apresentação do pedido, significando que na data em que o pedido foi apresentado a despesa não estava efetivamente paga, mas apenas faturada.

Nos termos do enquadramento jurídico aplicável aos autos, está em causa o disposto no Regulamento (CE) nº 1685/2000 da Comissão, de 28/07/2000, o qual por sua vez veio dar execução ao Regulamento (CE) nº 1260/1999 do Conselho, de 21/06/1999.

Dando execução, nos termos do disposto no artigo 53.º ao Regulamento (CE) n.º 1260/1999 do Conselho de 21/06, foi aprovado o Regulamento n.º 1685/2000 da Comissão, de 28/07/2000, posteriormente alterado pelo Regulamento (CE) n.ºs 1145/2003 da Comissão de 27/06 e pelo Regulamento (CE) n.º 448/2004 da Comissão de 10/03/2004, relativo à elegibilidade das despesas no âmbito das operações cofinanciadas pelos Fundos Estruturais, conforme regras gerais definidas no artigo 30.º do Regulamento n.º 1260/99.

No plano nacional, a execução do Regulamento (CE) n.º 1260/1999 operou-se com a publicação do D.L. n.º 163-A/2000 de 27/07, que estabeleceu as regras gerais de aplicação do Programa Operacional de Agricultura e Desenvolvimento Rural, abreviadamente designado por AGRO, tendo cada medida sido objeto de regulamentação específica.

O Anexo ao Regulamento (CE) n.º 1685/2000 fixa as regras de elegibilidade das despesas, sendo estabelecida como primeira regra que as despesas tenham sido efetivamente pagas: Regra nº 1.1. “os pagamentos executados pelos beneficiários finais, nos termos do nº 1, terceiro paragrafo, do artigo 32º do Reg. (CE) nº 1260/1999 (seguidamente designado «regulamento geral», serão pagamentos em dinheiro, salvo as excepções indicadas no ponto 1.”, na redação dada pelo Regulamento n.º 448/2004 (CE) de 10/03/2004.

De acordo com o previsto no ponto 2.1º, parágrafo, do referido Anexo, em regra geral, os pagamentos executados pelos beneficiários finais, declarados como pagamentos intermédios e pagamentos do saldo final, devem ser comprovados pelas respetivas faturas pagas.

Se tal não for possível, os pagamentos devem ser comprovados por documentos contabilísticos de valor probatório equivalente.

Tem ainda aplicação o ponto 8.2. da norma 22 do Programa Agro, a que se reporta o ponto 8 da matéria de facto assente na sentença, que define as regras gerais relativas aos procedimentos em matéria de acompanhamento da execução das candidaturas aprovadas no âmbito do Programa Agro.

Como se extrai do 8.2.2. dessa norma, “É despesa elegível a despesa efetivamente paga (…)”, considerando-se despesa efetivamente paga a “que corresponde ao pagamento efetuado por um promotor, devidamente justificado por documentos de despesa com menção de quitação (facturas e recibos ou documentos contabilísticos de valor probatório equivalente).”.

Precisa-se que de acordo com esta norma, cuja aplicação ao caso dos autos não se mostra questionada pelas partes, importa a apresentação da fatura e do recibo de pagamento ou documento equivalente, não bastando a mera fatura.

Perante este enquadramento jurídico e a factualidade que temos por assente, urge saber se o ato impugnado viola a Regra da Elegibilidade n.º 1 anexa ao Regulamento (CE) n.º 1685/2000 da Comissão, de 28/07 e a citada Norma n.º 22/2005, no seu ponto 8.2.2, que determinou o reembolso da quantia de € 257.743,04 acrescida de juros legais, num total de € 330.297,24, desde a data em que as ajudas foram colocadas à disposição do beneficiário até à data da elaboração do ofício.

Como supra se referiu, em causa está a elegibilidade das despesas pagas através de cheques datados de 31/03/2004 e de 15/11/2005, que, no entanto, apenas vieram a ser descontados em 07/04/2004 e em 21/11/2005, relativamente a pedidos de pagamentos solicitados em 14/07/2003 e de 03/03/2005, respetivamente, e ainda da transferência bancária realizada em 15/11/2004, relativa ao pedido de pagamento de 13/05/2004, ou seja, três pedidos de pagamento todos em data anterior à despesa efetivamente paga.

Ora, mostra-se assente nos termos dos factos assentes em 5 e em 6 do julgamento de facto que todas as faturas a que se reporta cada pedido de pagamento são anteriores a esse pedido de pagamento, mas que cada um dos meios de pagamento é posterior, por os dois cheques e a transferência bancária terem data de emissão e de realização posterior ao pedido de pagamento.

O que significa que as despesas realizadas apesar de terem sido faturadas antes, foram efetivamente pagas depois do pedido de pagamento de saldo.

No presente caso não se trata apenas da data do débito do cheque ser posterior ao pedido de pagamento, por esse se tratar de facto que não é controlável pela Autora, nem a ela imputável, mas de a própria emissão dos cheques e de a transferência bancária serem posteriores aos pedidos de pagamento.

Por isso, os cheques e a transferência bancária em causa foram realizados efetivamente em data posterior a ter sido solicitado o pedido de pagamento dos apoios à entidade competente.

No caso a que se reportam os autos, não foi apenas o desconto dos cheques que ocorreu depois de terem sido emitidas as faturas e solicitados os pedidos de pagamento, mas a própria emissão dos cheques que ocorreu posteriormente a esses pedidos.

Como se decidiu no Acórdão do STA, de 11/10/2018, Proc. n.º 02773/11.6BEPRT 0501/18, num caso idêntico ao presente:

O cheque, por natureza, é um dos meios ou ordem de pagamento à vista, representativo de numerário, que é comum utilizar aquando de pagamentos imediatos – cfr. artºs 28º e 29º da Lei Uniforme relativa aos cheques.

É assertivo que a finalidade das ajudas pagas no âmbito do Programa AGRO, é a de reembolsar o beneficiário das despesas realizadas e não a de conceder capital para o financiamento de um determinado projecto; daí que, não sendo o cheque apresentado a desconto no período elegível, não se concretiza nesse período, a saída de numerário que a efectiva realização das despesas e o pagamento visam acautelar.”.

No entanto, no presente caso e ao contrário do que ocorrera no processo a que se refere o Acórdão do STA antecedente, os cheques foram não apenas descontados, como também emitidos após a data da solicitação dos pedidos de pagamento, assim se comprovando que a despesa em causa não foi realizada e paga antes da solicitação dos pedidos de pagamento.

É relevante que a despesa haja sido paga, ou seja, realizada, como um gasto ou custo que tenha ocorrido, o que não caso dos autos não ocorreu.

Os pedidos de pagamento devem ser formulados para reembolsar uma despesa realizada e não como forma de adiantamento de capital, pelo que, o que releva são despesas ou custos já realizados.

Exigindo a lei que essa despesa para além de realizada, esteja paga, exige-se que a respetiva obrigação esteja cumprida.

Como o cumprimento se presume com a quitação, segundo o artigo 786.º, n.º 1 do Código Civil, a prova do cumprimento da obrigação é feita através do recibo de quitação.

Apurando-se no presente caso que os cheques e a transferência bancária foram realizados após a apresentação dos pedidos de pagamento, por os cheques terem data de emissão posterior, assim como a transferência bancária, forçoso se impõe concluir que o respetivo pagamento efetivo ou a realização da despesa por parte da Autora ocorreu depois de ser formulado esse pedido de pagamento ao ora Recorrente.

O que significa que na data em que os pedidos de pagamento dirigidos ao Recorrente foram apresentados, a despesa não estava realizada, nem paga.

Nestes termos, nestas situações a despesa terá necessariamente de considerar-se inelegível, por violação do disposto na Regra da Elegibilidade n.º 1, anexa ao Regulamento CE n.º 1685/2000, com a última redação dada pelo Regulamento CE n.º 448/2004, que estipula que a despesa apenas é elegível quando efetivamente paga.

Assim, no caso sub judice será de concluir pela violação das regras de elegibilidade das despesas.

Não se desconhecendo o Acórdão do TCAN, de 19/02/2016, Proc. n.º 00547/11.3BECBR, nem o Acórdão do STA, de não admissão da revista, de 29/06/2016, Proc. n.º 748/16, não se acompanha a linha interpretativa naquele seguida.

Antes se acolhe, a doutrina do Acórdão do STA, de 11/10/2018, Proc. n.º 02773/11.6BEPRT / 0501/18, nos termos do qual:

I - A Regra da Elegibilidade nº 1 anexa ao Reg. CE nº 1685/2000 estipula que a despesa apenas é elegível quando efectivamente paga.

II - Deve considerar-se que existiu pagamento efectivo da despesa cuja elegibilidade é questionada, se a mesma se mostrar comprovada pela emissão, no período elegível, da respectiva factura, do cheque para pagamento da mesma e do correspondente recibo de quitação.”.

Atento o exposto, será de conceder provimento ao recurso, por provados os seus fundamentos, em revogar a sentença recorrida e em julgar a ação improcedente, mantendo-se a decisão administrativa impugnada.


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Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. De acordo com a Regra da Elegibilidade n.º 1 anexa ao Regulamento (CE) n.º 1685/2000 da Comissão, de 28/07 e a Norma n.º 22/2005, no seu ponto 8.2.2, as despesas elegíveis têm de ser efetivamente pagas, sendo despesa efetivamente paga a que corresponde ao pagamento efetuado, devidamente justificada por documentos de despesa com menção de quitação (faturas e recibos ou documentos contabilísticos de valor probatório equivalente.

II. Comprovando-se que os cheques têm data de emissão e a transferência bancária foi realizada em data posterior à solicitação dos pedidos de pagamento, significa que as despesas realizadas, apesar de terem sido faturadas antes, foram efetivamente pagas depois do pedido de pagamento de saldo.

III. Tal acarreta a violação das regras de elegibilidade de despesas mo âmbito do Programa Agro – Medida 3.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, por provados os seus fundamentos, revogando-se a sentença recorrida que julgou a ação procedente e, e consequência, em julgar a ação improcedente, mantendo o ato impugnado na ordem jurídica.

Custas pela Recorrida em ambas as instâncias.

Registe e Notifique.

A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do D.L. n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do D.L. n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Juízes que integram a formação de julgamento, os Desembargadores, Pedro Marques e Alda Nunes.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)