Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 704/10.0BELRS |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 04/29/2021 |
Relator: | ANA CRISTINA CARVALHO |
Descritores: | GERÊNCIA DE FACTO INACTIVIDADE |
Sumário: | I – Cabe à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária, como o efectivo exercício de funções de administração ou gestão pelo Oponente.
II – A prova da inactividade da sociedade executada principal não constitui fundamento de oposição, contudo, constitui facto instrumental com relevo para a apreciação da questão central em discussão relativa ao exercício efectivo, ou não, da gerência pelo oponente, em conjugação com os demais elementos de prova. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul I - RELATÓRIO A Fazenda Pública, inconformada com a sentença do Tribunal Tributário (TT) de Lisboa que julgou procedente a acção de oposição deduzida por J... à execução fiscal n.° ....., que contra si reverteu enquanto responsável subsidiário por dívidas de IVA, IRC e coimas da devedora originária I....., S.A., NIPC ......, dela veio interpor o presente recurso formulando, para o efeito, as seguintes conclusões: «A) In casu, com elevado respeito pelo respeitoso areópago a quo, na humilde perspectiva jurídica do aqui Recorrente, deveria ter sido dada uma maior acuidade ao escopo do vertido nos arts. 24.º e art. 74.º ambos da LGT; art. 342.º do CCivil; art. 204.º do CPPT; B) assim como, deveria ter sido melhor valorado e considerado pelo respeitoso Areópago a quo, o acervo documental constante dos autos, maxime: A constante de fls. 59 a 62, fls. 57 a 65, fls. 85, fls. 83, assim como a factualidade dada como assente nos itens 2), 4), 5), 17), 18) e 21) do probatório. C) Tudo, devidamente condimentado com o Princípio da Legalidade, o Princípio da Justiça, o Principio da Igualdade de Armas e do Contraditório, conjugadamente com a Jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, para que, D) Se pudesse aquilatar pela IMPROCEDÊNCIA DA OPOSIÇÃO aduzida pela Recorrida, maxime, para que melhor se pudesse inferir pela legitimidade do Oponente no âmbito das execuções fiscais. E) Aliás, tudo assim, conforme melhor é explanado e plasmado do item 16º ao 42.º das Alegações de Recurso que supra se aduziram e das quais as presentes Conclusões são parte integrante. F) Consequentemente, salvaguardado o elevado respeito, o respeitoso Areópago a quo, preconizou erro de julgamento. G) O sobredito “erro de julgamento” (consubstanciado na errada valoração e consideração do acervo probatório constante dos autos) foi como que causa adequada para que fosse preconizada uma errada interpretação e aplicação do direito ao caso vertente.
NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, e com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido total provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a sentença proferida com as devidas consequências legais. CONCOMITANTEMENTE, Apela-se desde já à vossa sensibilidade e profundo saber, pois, se aplicar o Direito é um rotineiro ato da administração pública, fazer justiça é um ato místico de transcendente significado, o qual poderá desde já, de uma forma digna ser preconizado por V. as Ex.as, assim se fazendo a mais sã, serena, objectiva e acostumada JUSTIÇA!» * O Oponente apresentou contra-alegações, nas quais formula as seguintes conclusões: «i. ) Cabia à AT o ónus de alegar e provar que a culpa do Administrador na insuficiência do património da sociedade executada ou da imputabilidade da concreta falta de pagamento das dívidas em questão. ii. ) O oponente, ora Recorrido, logrou ter demonstrar que não exerceu, de facto, a gerência da sociedade. iii. ) A douta sentença deve ser mantida nos seus precisos termos, porquanto que outra não podia ser a decisão da instância recorrida, na justa medida em que se aplicou exemplarmente o disposto na lei com base num exemplar exame crítico e de livre apreciação da prova, sustentada numa suficiente e necessária matéria de facto conducente a esta decisão.
Termos em que, deve negar-se provimento ao presente recurso, e manter-se, pois, a mui douta decisão recorrida nos seus precisos termos, com todos os efeitos legais daí decorrentes, como 6 de Lei e de Justiça. Assim decidindo, Vossas Excelências Farão Sã, Serena e Objectiva JUSTIÇA.» * Foi dada vista ao Ministério Público, e neste Tribunal Central Administrativo, a Procuradora–Geral Adjunta pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso. * Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência para apreciação e decisão. * II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente no âmbito das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir: i) se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, por errada valoração da prova, por não ter considerado provado o exercício da gerência de facto com base na prova documental constantes dos autos; ii) se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito ao julgar que o recorrido é parte ilegítima na execução.
III - FUNDAMENTAÇÃO III – 1. De facto
É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida: «1. No dia 24/09/2001 foi outorgada escritura de constituição da sociedade I....., S.A., NIPC ....., tendo como objeto a construção e comercialização de imóveis - cfr o documento de fls. 56. * Consta ainda da mesma sentença que «Não ficaram por provar quaisquer factos alegados que se mostrem relevantes para a presente decisão, considerando as várias soluções plausíveis de direito.» e que«A convicção do Tribunal quanto a todos os factos vertidos formou-se com base na posição expressa pelas partes nos respetivos articulados, na análise do teor dos documentos pontualmente invocados, que não foram impugnados e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, e nos depoimentos das testemunhas ouvidas, quando e conforme indicado a propósito de cada facto. O Tribunal faz fé no depoimento de ambas as testemunhas ouvidas, pois ambas depuseram com espontaneidade, sem contradições - seja dentro do próprio depoimento seja entre os respetivos depoimentos, que muitas vezes se confirmaram mutuamente - e, apesar do extremo nervosismo inicial da testemunha J....., de modo credível.». * III – 2. De direito
Antes de mais, para melhor percebermos o alcance do recurso jurisdicional que nos vem dirigido importa ter presente o âmbito da decisão proferida. Está em causa a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a oposição deduzida pelo revertido, ora recorrido, por considerar que, no caso, se verificou a ilegitimidade do oponente e, com este fundamento, julgou procedente a oposição e declarou extintos, em relação ao oponente, os processos de execução fiscal. A recorrente insurge-se contra a sentença alegando que «deveria ter sido melhor valorado e considerado pelo respeitoso Areópago a quo, o acervo documental constante dos autos, maxime: A constante de fls. 59 a 62, fls. 57 a 65, fls. 85, fls. 83, assim como a factualidade dada como assente nos itens 2), 4), 5), 17), 18) e 21) do probatório.» Pretende a recorrente que o Tribunal recorrido deveria ter extraído dos documentos que identifica, datados de 2001, bem como dos factos provados, conclusão diversa, julgando o recorrido parte legítima na execução, com a consequente improcedência da acção (cf. conclusões A) a E)). Contudo não lhe assiste razão. Os documentos a que se refere a recorrente, correspondem à escritura de constituição da sociedade e respectivo registo comercial que, só por si, são imprestáveis para comprovar o exercício efectivo das funções de gerência, na medida em que da gerência de direito não se presume a gerência de facto. Por outro lado, a sociedade obrigava-se com a assinatura de um, de entre três a cinco administradores que deveriam compor o Conselho de Administração, não constituindo a assinatura do recorrido imprescindível (cf. ponto 4 do probatório). Pretende a recorrente extrair o mesmo efeito da assinatura pelo recorrido da acta da Assembleia Geral de 26/9/2001, da qual resulta que o recorrido foi eleito Presidente do Conselho de Administração da executada, bem como da assinatura da declaração de início de actividade, datada de 10/10/2001. Ora, tendo em conta que a reversão foi operada ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, a prova que cumpre o ónus a cargo da AT, constituiria a prova de factos donde se extraísse a convicção de que o recorrido era gerente de facto no momento em que se verificou o termo do prazo legal de pagamento ou entrega das dívidas tributárias e não factos que lhe são anteriores. Recorde-se que as dívidas em cobrança coerciva respeitando aos anos de 2002 a 2008, Da conjugação da nomeação de direito para as funções de administração com os actos praticados em 2001, não se poderá inferir o efectivo exercício de tais funções. Além do mais, resulta provado que a sociedade executada principal não exerceu qualquer actividade. Embora não constitua fundamento de oposição, constituiu um facto instrumental (cf. artigo 607.º n.º 4 do CPC), a acrescer aos demais, do qual o Juiz a quo extraiu, e bem, a ilação de que não houve exercício de funções de administração da sociedade executada (cf. ponto 23 da matéria de facto). Não se trata de um fundamento, como pretende a recorrente, mas antes da atendibilidade de um facto instrumental com relevo para dele extrair uma ilação que constitui a questão central em discussão no processo. Da utilização desse facto como prova indirecta do não exercício de funções pelo recorrido, não resulta nenhuma subversão das regras processuais aplicáveis como pretende a recorrente. Com base na experiência comum, é de concluir, a partir da prova da inactividade da sociedade, que o recorrido não exerceu de facto as funções de administração da sociedade executada no período relevante, aqui em causa. Tanto mais que as dívidas em cobrança coerciva resultam de liquidações oficiosas de IVA e coimas e custas por falta de entrega de declarações de IRC e das declarações periódicas de IVA. Retomando a questão dos documentos invocados pela recorrente constantes de fls. 59 a 62, fls. 57 a 65, fls. 85, fls. 83, apenas é possível extrair factos que ocorreram em 2001, pelo que, deles não poderia resultar a valoração da prova no sentido pretendido pela recorrente. Como bem sublinhou o Juiz a quo na sentença recorrida, o ónus da prova do efectivo exercício das funções de gerência pelo recorrido recai sobre a AT e do «(…) o facto de alguém ter sido nomeado gerente de uma sociedade pode servir de base a uma presunção judicial desse exercício efectivo, sempre que a apreciação que o julgador possa fazer das demais circunstâncias do caso concreto, nomeadamente as posições assumidas no processo e as provas produzidas, lhe permitam concluir, através das regras da experiência, por uma forte probabilidade de tal gestão ter, de facto, sido exercida. (…) Como informa o probatório, no período a que se reportam as dívidas exequendas o oponente constava no registo comercial como Presidente do Conselho de Administração da sociedade devedora originária, a qual se obrigava com a assinatura de qualquer um dos três membros do Conselho de Administração. Por outro lado, resulta do facto provado n.º 21 que o oponente assinou no dia 10/10/2001, a declaração fiscal de início de actividade da sociedade revertida, factualidade que, num primeiro momento, aponta no sentido do oponente ter exercido, de facto, as funções de gestão da sociedade. Porém, não só as dívidas se reportam a momento posterior a esta data, como resulta igualmente da prova testemunhal produzida que a sociedade em causa não teve actividade económica alguma (facto provado n.º 23), não tendo sido, por conseguinte, praticados quaisquer actos de gestão no período relevante [2003/2006]. Além disso, a conjugação da factualidade apurada permite concluir que o oponente não passou de mero testa-de-ferro de J....., dissimulado “dono” da sociedade em causa, e que teria sobre si um ascendente tanto por seu sogro, como por ser seu “Patrão”. Acresce que, apesar de ser Presidente apesar de ser Presidente do Conselho Administração, a sua assinatura não era necessária à administração quotidiana da sociedade [facto provado n.º 4], que o oponente não era remunerado pelo exercício do mandato e que o mesmo não efectuava descontos para a segurança social pela executada originária, pois era trabalhador – encarregado de armazém – de outra empresa do se sogro, onde trabalhava a tempo inteiro [factos provados n.ºs 11 e 20]. Assim em face de toda a prova produzida, julgamos que o oponente logrou demonstrar que era alheio à gestão da devora originária, a qual, se viesse a iniciar laboração, seria exercida por J....., então seu sogro.» O julgamento assim efectuado, compatibilizou toda a matéria de facto adquirida nos autos e extraiu, como lhe competia, as ilações a que chegou, com base nas regras da experiência comum. Assim sendo, como pensamos que é, atentas as especificidades do caso concreto, como o Tribunal a quo evidenciou, é de sufragar o entendimento de que a AT não demonstrou o que lhe competia, isto é, que o revertido era administrador de facto da devedora originária no período temporal aqui em causa, não oferecendo dúvidas que é à Fazenda Pública, enquanto titular do direito de reversão, que cabe fazer a prova do exercício da gerência. Esta apreciação, nem condimentada com os princípios invocados pela recorrente nas conclusões C) e D), conduzem ao resultado que a recorrente pretende. Com efeito, não basta invocar genericamente os princípios da legalidade, da justiça, da igualdade de armas e do contraditório e afirmá-los «conjugadamente com a Jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores» para concluir pela legitimidade do recorrido e pela improcedência da oposição. Impunha-se uma concretização mínima que explicitasse de que forma o julgamento sob apelação põe em causa tais princípios. Na verdade, a apreciação da matéria de facto provada, efectuada na sentença recorrida, mostra-se bem fundamentada e em linha com a jurisprudência reiterada dos tribunais superiores, sendo de confirmar. Assim, sem necessidade de outras considerações, importa julgar improcedentes as conclusões apreciadas. Da errada valoração da prova pretendia a recorrente extrair ainda a errada interpretação e aplicação do direito ao caso vertente, conforme resulta das conclusões F) e G). Contudo, não sendo invocadas questões que suportem tais conclusões das alegações de recurso, a referida asserção está votada ao insucesso, porquanto, não existindo erro na valoração da prova, como se viu, cai por terra a tese defendida pela recorrente relativa ao erro de julgamento de direito. * Vigorando o princípio da causalidade na determinação da responsabilidade pelas custas, conforme resulta do disposto no artigo 527.º do CPC, recai sobre quem lhe tiver dado causa. No caso dos autos a responsabilidade pela tributação do processo deve recair sobre a Fazenda Púbica em ambas as instâncias porque ficou vencida no recurso nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais. IV – CONCLUSÕES
I – Cabe à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária, como o efectivo exercício de funções de administração ou gestão pelo Oponente. II – A prova da inactividade da sociedade executada principal não constitui fundamento de oposição, contudo, constitui facto instrumental com relevo para a apreciação da questão central em discussão relativa ao exercício efectivo, ou não, da gerência pelo oponente, em conjugação com os demais elementos de prova. * V - DECISÃO
Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente. Registe e Notifique. Lisboa, 29 de Abril de 2021.
A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, as Senhoras Desembargadoras Ana Pinhol e Isabel Fernandes, integrantes da formação de julgamento, têm voto de conformidade com o presente Acórdão. Ana Cristina Carvalho |