Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1087/18.5BELSB
Secção:2º JUÍZO – SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO
Data do Acordão:11/08/2018
Relator:HELENA CANELAS
Descritores:PROTEÇÃO INTERNACIONAL
ASILO
AUTORIZAÇÃO DE RESIDÊNCIA POR RAZÕES HUMANITÁRIAS (PROTEÇÃO SUBSIDIÁRIA)
PEDIDO INFUNDADO (TRAMITAÇÃO ACELERADA)
MOTIVOS NÃO PERTINENTES OU DE RELEVÂNCIA MÍNIMA
Sumário:I – O procedimento tendente à apreciação do pedido de proteção internacional não é submetido a instrução nem à apreciação do pedido de acordo com os critérios do artigo 18º quando deva ser sujeito a tramitação acelerada por o pedido ser considerado infundado, nos termos do artigo 19º da Lei nº 27/2008.
II – Neste desiderato as declarações prestadas pelo requerente da proteção internacional são um importante ponto de partida, já que à luz do procedimento, tal como ele se encontra legalmente gizado, é desde logo com base no relato aí prestado (juntamente com a documentação que seja apresentada e/ou recolhida), que a entidade nacional competente procede à primeira avaliação do pedido, submetendo-o, se assim o concluir, a tramitação acelerada, considerando o pedido infundado, ao abrigo do artigo 19º da Lei nº 27/2008.
III – Se a entidade administrativa competente considerou o pedido infundado ao abrigo do artigo 19º nº 1 alínea e) da Lei nº 27/2008, isto é, por os motivos invocados como fundamento da proteção internacional não serem pertinentes ou terem apenas relevância mínima para a análise do pedido, o que ao Tribunal cumpre aferir é se em face das declarações que prestadas pelo requerente o pedido de proteção internacional não devia ter sido considerado infundado com aquele fundamento.
IV – Se ao contrário do entendido pela entidade administrativa em face do narrado pelo requerente nas declarações prestadas no procedimento o pedido de proteção internacional não devia ter sido considerado infundado ao abrigo do artigo 19º nº 1 alínea e) da Lei nº 27/2008, o despacho administrativo impugnado deve ser anulado, e o pedido de proteção internacional deve ser apreciado pela entidade administrativa competente nos termos do disposto no artigo 18º da Lei nº 27/2008, efetuando, para tanto, as averiguações necessárias e a análise de todos os elementos pertinentes e toda a informação disponível (nº 1), tendo em conta especialmente: “…os factos pertinentes respeitantes ao país de origem, obtidos junto de fontes como o Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo, o ACNUR e organizações de direitos humanos relevantes, à data da decisão sobre o pedido, incluindo a respetiva legislação e regulamentação e as garantias da sua aplicação” (nº 2 alínea a)); a “…situação e circunstâncias pessoais do requerente, por forma a apreciar, com base nessa situação pessoal, se este sofreu ou pode sofrer perseguição ou ofensa grave” (nº 2 alínea b)) ou da “…possibilidade de proteção interna se, numa parte do país de origem, o requerente: i) Não tiver receio fundado de ser perseguido ou não se encontrar perante um risco real de ofensa grave; ou ii) tiver acesso a proteção contra a perseguição ou ofensa grave, tal como definida no artigo 5.º e no n.º 2 do artigo 7.º, puder viajar e ser admitido de forma regular e com segurança nessa parte do país e tiver expectativas razoáveis de nela poder instalar-se” (nº 2 alínea e)), sem prejuízo de outras averiguações a que possa ou deva haver lugar.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Proc. n.º 1087/18.5BELSB


Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO


R……, nacional da República Nacional do Congo (devidamente identificada nos autos), instaurou no Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa a presente ação urgente (prevista no artigo 22º da Lei nº 27/2008) contra o MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA visando a impugnação da decisão da Diretora Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (
Os atos de perseguição suscetíveis deSEF) que considerou infundado o pedido de concessão de proteção internacional que havia sido por ela requerida, peticionando a sua anulação bem como a concessão de asilo à recorrente, extensível aos seus filhos menores, ou subsidiariamente a autorização de residência por razões humanitárias, inconformada com a sentença de 20/07/2018 do Tribunal a quo que julgou totalmente improcedente a ação, dela interpõe o presente recurso, formulando as seguintes conclusões, nos seguintes termos:

("texto integral no original; imagem")


O recorrido contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso, com manutenção da sentença recorrida.

Remetidos os autos em recurso a este Tribunal, neste notificado nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146.º e 147.º do CPTA, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso, nos seguintes termos:
«(…)
4. Da análise aos presentes Autos, nomeadamente à Douta decisão de que se recorre, à motivação de recurso apresentada pelo Recorrente e bem assim à subsequente resposta do Recorrido, entende o Ministério Público que a Douta decisão de que se recorre procedeu a uma correcta apreciação dos factos trazidos ao conhecimento do Tribunal e à sua subsunção ao Direito, evidenciando clara e suficiente fundamentação, pelo que, salvo melhor opinião, não merece qualquer censura;
5. Efectivamente, a Douta decisão de que se recorre procedeu a uma correcta selecção dos factos trazidos ao conhecimento do Tribunal e bem assim à sua subsunção ao Direito, evidenciando clara e suficiente fundamentação;
6. Sendo certo que da motivação de recuso apresentada pela Recorrente não decorre qualquer argumentário que denote a necessária virtude para afastar a sólida fundamentação jurídica vertida na Douta decisão ora sob recurso;
7. Nessa linha, entende-se acompanhar, em toda a extensão, o sentido e fundamentação da resposta apresentada pela Recorrida, SEF, cujo argumentário se subscreve, sem prejuízo das considerações que seguem;
Assim,
8. Antes de mais, deverá referir-que, ao contrário do alegado pela Recorrente e como bem salientado na Decisão ora impugnada, não se verifica qualquer

défice instrutório em sede de correspondente Processo Administrativo

instruído pelo SEF, na justa medida em que ressalta do mesmo a realização de todas as pertinentes diligências tendentes a uma séria apreciação da pretensão da A. e ora Recorrente;
9. Acresce também a manifesta desadequação temporal existente entre a putativa ameaça sofrida pela Recorrente, alegadamente no seu país natal, e o exacto momento de pedido de concessão de asilo/protecção internacional solicitado em território nacional português;
10. Aliás, as próprias declarações prestadas pela Recorrente no âmbito do Processo Administrativo instruído pelo SEF são bem reveladoras de algumas insuficiências e mesmo contradições, o que demonstra, sem contestação, a consequente improcedibilidade do seu pedido formulado perante as autoridades portuguesas.»

Sendo que dele notificadas as partes nenhuma se apresentou a responder.
*
II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO/DESQUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo, ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.
No caso em face dos termos em que foram enunciadas pelo recorrente as conclusões de recurso, impõe-se aferir se o Tribunal a quo fez, nos moldes invocados pelo recorrente, errou ao julgar improcedente a ação.
*
III. FUNDAMENTAÇÃO

A – De facto
Na sentença recorrida foi dada como provada pela Mmª Juiz do Tribunal a quo a seguinte factualidade, nos seguintes termos ipsis verbis:

A) A requerente nasceu na República Democrática do Congo – ver paa.

B) A 13.6.2017 a requerente apresentou, junto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, um pedido de proteção internacional para si e para os filhos menores S…., nascida a 29.5.2010 – em Angola, e D…., nascido a 30.12.2014 – ver docs juntos aos autos e paa.

C) Foi ouvida em declarações, a 21.6.2017, nos termos que constam de fls 39 a 43 do paa, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

D) A 22.6.2017 foi elaborada a informação nº …./GAR/17 sobre o pedido da requerente, inserta a 44 a 51 do paa, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

E) Ato impugnado: A 22.6.2017 foi proferido despacho que considerou o pedido de asilo e o de autorização de residência por proteção subsidiária apresentado pela requerente como infundado, de acordo com o disposto no art 19º, nº 1, al e) da Lei nº 27/08, na redação dada pela Lei nº 26/2014, de 5.5 – ver fls 52 do paa.

F) A requerente foi notificada da decisão a 23.6.2017 – ver doc junto com a pi.

G) Litiga com apoio judiciário, com nomeação de patrono comunicada por ofício de 15.5.2018 – ver doc junto com a pi.


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B – De direito

1. Da decisão recorrida
R……, nacional da República Nacional do Congo, instaurou no Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa a presente ação urgente (prevista no artigo 22º da Lei nº 27/2008) contra o MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA visando a impugnação da decisão da Diretora Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) que considerou infundado o pedido de concessão de proteção internacional que havia sido por ela requerida, peticionando a sua anulação bem como a concessão de asilo à recorrente, extensível aos seus filhos menores, ou subsidiariamente a autorização de residência por razões humanitárias.
Por sentença de 20/07/2018 o Tribunal a quo julgou totalmente improcedente a ação.
Nela, após percorrer o quadro normativo aplicável, convocado para a decisão, assentou na seguinte fundamentação, que se passa a transcrever (vide pág. 9 ss. da sentença recorrida):
«(…)
Por despacho de 22.6.2017 o pedido da requerente foi indeferido com base no disposto no art 19º nº 1 e) da Lei 27/2008, 30.06, tendo-se considerado infundado quer o pedido de asilo quer o pedido de autorização de residência por protecção subsidiária.
Na fundamentação do indeferimento, constante da Informação nº …/GAR/17, considerou-se, nomeadamente, que:
· «a requerente apresenta um relato demasiado vago e ... contraditório entre si, caso em que a requerente declara nunca mais ter sabido do marido depois de o ter visitado na prisão e logo a seguir refere que falou com o marido ao telefone e foi até o marido que a aconselhou a deixar o país. ... Nestes termos evidencia-se que, a requerente alega factos que não lhe são diretamente imputáveis, uma vez que a alegada pertença a uma organização política de oposição ao Governo era manifestada pelo marido e não pela própria requerente.

· Além do mais salienta-se ainda a extemporaneidade do pedido de proteção formulado pela requerente, dado que os factos que relata remontam ao ano de 2013.

· Acresce que segundo informação recebida pelo responsável da Companhia aérea TAP em Brasília, a requerente entrou no Brasil a 20.9.2014, como turista, de nacionalidade angolana, tendo posteriormente adquirido a condição de residente permanente.

· O seu filho D…. nasceu no Brasil e no momento da saída daquele país consta o registo do seu passaporte brasileiro. Ora tal informação contraria as declarações prestadas pela requerente, retirando credibilidade ao seu relato».

A requerente não apresenta qualquer prova dos factos alegados, nem invoca qualquer situação que tenha ocorrido em particular com ela na República Democrática do Congo, de onde diz ter saído em 2013.
Por outro lado, viveu em Angola, pelo menos, cerca de um ano.
Sendo certo que a filha, nascida a 30.9.2010, vem indicado ter nascido em Angola.
Depois, desde 20.9.2014 viveu no Brasil, até vir para Portugal, em 13.6.2017.
Diz que o filho tem como pai um companheiro que teve no Brasil, onde entrou a 20.9.2014, mas o menor nasceu a 30.12.2014.
O relato da requerente é, no mínimo, contraditório e insuscetível de evidenciar indícios de perseguição ou perigo de regressar ao país de origem.
Mais, a requerente entrou no Brasil, em 20.9.2014, como turista, de nacionalidade angolana, tendo posteriormente adquirido a condição de residente permanente.
A ora requerente saiu do seu país, pelo menos, há mais de 4 anos, em 9.8.2013.
Desde que saiu do seu país até à sua entrada em território nacional – em 13.6.2017 – viveu em Angola e no Brasil.
Em qualquer um destes países fez vida, inclusive, teve relacionamentos que lhe permitiram aumentar a família.
Em nenhum destes países pediu proteção internacional e disse tê-los abandonado porque não tinha segurança em Angola nem no Brasil.
Assim, entre a saída da requerente do Congo e a data da entrada da mesma em território nacional já decorreu tempo suficiente para viver em Angola e no Brasil. O que significa que o país de residência da requerente não era, em 12.6.2017, a República Democrática do Congo, pois chegou a Portugal proveniente do Brasil, país onde permaneceu perto de três anos, anteriormente tinha residido, pelo menos, durante 11 meses em Angola (pois a filha tem data de nascimento no ano de 2010 e em Angola).
Pelo que não se extrai das declarações da requerente a existência de qualquer situação atual e demonstrativa que a sua esfera pessoal poderá vir a ser afetada por uma situação violadora dos direitos fundamentais, de modo a impossibilitá-la de regressar ao seu país de origem.
A requerente veio com dois filhos menores para Portugal em busca de melhores condições de vida, procurando integrar-se num país que lhe proporcione melhores condições de vida e de segurança, o que é legítimo, mas não constituem razões acolhidas pela Lei de Asilo que possa motivar a concessão de asilo peticionado ou até de proteção subsidiária.
A motivação essencial e determinante da requerente radica na busca de uma vida melhor, não tendo comprovado qualquer tipo de perseguição politica ou por quaisquer outras razões.
Mesmo a alegada manifestação que refere não esteve envolvida nela, e se tem ligação ao MLP não alega que daí lhe tenham resultado, na sua pessoa ou na pessoa dos filhos (que nem nasceram na República Democrática do Congo), quaisquer consequências negativas.
O que evidência a falta de prova de medidas individuais de natureza persecutória de que tenha sido vítima em consequência de atividade desenvolvida em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana, susceptíveis de fundamentar o direito de asilo na aceção dos arts 3º e 5º da Lei do Asilo.
Por conseguinte, o ato impugnado é legal ao julgar o pedido de asilo da requerente infundado, em conformidade com o previsto no art 19º, nº 1, al e) da Lei do Asilo.
De modo idêntico se conclui quanto ao pedido da requerente de Autorização de Residência por Protecção Subsidiária.
As declarações da requerente não permitem dizer que caso a mesma regresse ao seu país, na companhia dos filhos que nem identifica na petição inicial, corra o risco de pena de morte ou execução, tortura ou pena ou tratamento desumano ou degradante, nem que o seu regresso implique ameaça grave contra a vida ou a integridade física, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno ou de violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos, de acordo com o pressuposto no art 7º da Lei do Asilo.
De facto, não resulta, em concreto, das suas declarações, nada que permita aferir, fundamentadamente, do invocado risco de sofrer ofensa grave à sua integridade física, ou mesmo risco de morte, caso volte ao seu país de origem, a Republica Democrática do Congo.
A realidade da República Democrática do Congo, em 2013, quando a requerente saiu para Angola e à data do ato impugnado (22.6.2017 ou hoje), não é comparável, de todo, à do nosso país, em termos, económicos, de saúde, de política, de paz.
Mas, a requerente não alega nem prova que a sua situação possa ser elegível sequer para protecção subsidiária, por incorrer no art 19º, nº 1, al e) da Lei do Asilo.
E, consequentemente, o tribunal julga improcedente o pedido de impugnação do ato e bem assim o pedido de condenação na prática do ato devido.»

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2. Da análise e apreciação do recurso
2.1 Comecemos por fazer notar que nos termos do disposto no artigo 19º da Lei do Asilo (Lei nº 27/2008) a “… análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de proteção internacional é sujeita a tramitação acelerada e o pedido considerado infundado quando se verifique que:
a) O requerente induziu em erro as autoridades, apresentando informações ou documentos falsos ou ocultando informações ou documentos importantes a respeito da sua identidade ou nacionalidade suscetíveis de terem um impacto negativo na decisão;
b) É provável que, de má-fé, o requerente tenha destruído ou extraviado documentos de identidade ou de viagem suscetíveis de contribuírem para a determinação da sua identidade ou nacionalidade;
c) O requerente fez declarações claramente incoerentes e contraditórias, manifestamente falsas ou obviamente inverosímeis que contradigam informações suficientemente verificadas sobre o país de origem, retirando credibilidade à alegação quanto aos motivos para preencher os requisitos para beneficiar de proteção;
d) O requerente entrou ou permaneceu ilegalmente em território nacional e não tenha apresentado o pedido de proteção internacional logo que possível, sem motivos válidos;
e) Ao apresentar o pedido e ao expor os factos, o requerente invoca apenas questões não pertinentes ou de relevância mínima para analisar o cumprimento das condições para ser considerado refugiado ou pessoa elegível para proteção subsidiária;
f) O requerente provém de um país de origem seguro;
g) O requerente apresentou um pedido subsequente que não foi considerado inadmissível nos termos do artigo 19.º-A;
h) O requerente apresentou o pedido apenas com o intuito de atrasar ou impedir a aplicação de uma decisão anterior ou iminente que se traduza no seu afastamento;
i) O requerente representa um perigo para a segurança interna ou para a ordem pública;
j) O requerente recusa sujeitar-se ao registo obrigatório das suas impressões digitais de acordo com o Regulamento (UE) n.º 603/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, relativo à criação do sistema «Eurodac» de comparação de impressões digitais.”
2.2 No caso presente o pedido de proteção internacional foi considerado infundado pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras ao abrigo da alínea e) do nº 1 do artigo 19º da Lei do Asilo (Lei nº 27/2008), conforme expressamente vertido no despacho impugnado da Diretora do SEF de 22/06/2017 e na Informação nº …./GAR/17 em que se suportou (vide D) e E) do probatório – Docs. nº 1 juntos com a PI, fls. ..PA).
O que significa que foi entendido pela entidade administrativa competente que a requerente invocou apenas questões não pertinentes ou de relevância mínima para analisar o cumprimento das condições para ser considerado refugiado ou pessoa elegível para proteção subsidiária.
2.3 A Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho (Lei do asilo), com as alterações introduzidas pela Lei n.º 26/2014 (que a republicou), estabelece as condições e procedimentos de concessão de asilo ou proteção subsidiária e os estatutos de requerente de asilo, de refugiado e de proteção subsidiária, transpondo as Diretivas nºs 2011/95/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro, 2013/32/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, e 2013/33/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, e implementa a nível nacional o Regulamento (UE) n.º 603/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho para efeitos de aplicação efetiva do Regulamento (UE) n.º 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho.
O artigo 3.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, garante o direito de asilo “…aos estrangeiros e aos apátridas perseguidos ou gravemente ameaçados de perseguição, em consequência de atividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana(nº 1) bem como aos “…estrangeiros e os apátridas que, receando com fundamento ser perseguidos em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em por esse receio, não queiram voltar ao Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual(nº 2), esclarecendo que “…é irrelevante que o requerente possua efectivamente a característica associada à raça, religião, nacionalidade, grupo social ou político que induz a perseguição, desde que tal característica lhe seja atribuída pelo agente da perseguição.” (nº 4).
Sendo que nos termos do artigo 2º nº 1 da Lei nº 27/2008, de 30 de Junho apenas é considerado «refugiado» para os efeitos deste diploma “…o estrangeiro que, receando com razão ser perseguido em consequência de atividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana ou em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, convicções políticas ou pertença a determinado grupo social, se encontre fora do país de que é nacional e não possa ou, em virtude daquele receio, não queira pedir a proteção desse país, ou o apátrida que, estando fora do país em que tinha a sua residência habitual, pelas mesmas razões que as acima mencionadas, não possa ou, em virtude do referido receio, a ele não queira voltar, e aos quais não se aplique o disposto no artigo 9.º”.
fundamentar o direito de asilo “…devem constituir, pela sua natureza ou reiteração, grave violação de direitos fundamentais, ou traduzir-se num conjunto de medidas que, pelo seu cúmulo, natureza ou repetição, afetem o estrangeiro ou apátrida de forma semelhante à que resulta de uma grave violação de direitos fundamentais” (cfr. artigo 5º nº 1), os quais podem, nomeadamente assumir as seguintes formas:
- atos de violência física ou mental, inclusive de natureza sexual (artigo 5º nº 2 alínea a);
- medidas legais, administrativas, policiais ou judiciais, quando forem discriminatórias ou aplicadas de forma discriminatória (artigo 5º nº 2 alínea b);
- ações judiciais ou sanções desproporcionadas ou discriminatórias (artigo 5º nº 2 alínea c);
- recusa de acesso a recurso judicial que se traduza em sanção desproporcionada ou discriminatória (artigo 5º nº 2 alínea d);
- ações judiciais ou sanções por recusa de cumprir o serviço militar numa situação de conflito na qual o cumprimento do serviço militar implicasse a prática de crime ou ato suscetível de provocar a exclusão do estatuto de refugiado, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 9.º (artigo 5º nº 2 alínea e);
- atos cometidos especificamente em razão do género ou contra menores (artigo 5º nº 2 alínea f).
Tendo que existir, para efeitos do reconhecimento do direito de asilo, um nexo entre os motivos da perseguição e os atos de perseguição referidos no n.º 1 do artigo 5º ou a falta de proteção em relação a tais atos (cfr. artigo 5º nº 4).
2.4 Os motivos da perseguição que haverão de fundamentar o receio fundado de o requerente ser perseguido, devem ser apreciados, nos termos do disposto no artigo 2º nº 1 alínea n) da Lei nº 27/2008, tendo em conta as noções «Raça», «Religião», «Nacionalidade» e «Grupo», tal como ali são consideradas, em termos que:
- «raça» inclui, nomeadamente, considerações associadas à cor, à ascendência ou à pertença a determinado grupo étnico;
- «Religião» abrange, designadamente, o facto de se ter convicções teístas, não teístas e ateias, a participação ou a abstenção de participação em cerimónias de culto privadas ou públicas, quer a título individual, quer em conjunto com outras pessoas, noutros atos religiosos ou expressões de convicções, ou formas de comportamento pessoal ou comunitário fundadas em credos religiosos ou por estes impostas;
- «Nacionalidade» não se limita à cidadania ou à sua ausência, mas abrange também, designadamente, a pertença a um grupo determinado pela sua identidade cultural, étnica ou linguística, pelas suas origens geográficas ou políticas comuns ou pela sua relação com a população de outro Estado);
- «Grupo» entendido como um grupo social específico nos casos concretos em que os membros desse grupo partilham de uma característica inata ou de uma história comum que não pode ser alterada, ou partilham de uma característica ou crença considerada tão fundamental para a identidade ou consciência dos membros do grupo que não se pode exigir que a ela renunciem e
que esse grupo tenha uma identidade distinta no país em questão, porque é encarado como diferente pela sociedade que o rodeia.

Sendo considerados como agentes de perseguição (cfr. artigo 6º nº 1):
- o Estado;
- os partidos ou organizações que controlem o Estado ou uma parcela significativa do respetivo território;
- os agentes não estatais, se ficar provado que o Estado e os partidos ou organizações que controlem o Estado ou uma parcela significativa do respetivo território são incapazes ou não querem proporcionar proteção contra a perseguição, sendo que considera-se que existe proteção sempre que aqueles “…adotem medidas adequadas para impedir, de forma efetiva e não temporária, a prática de atos de perseguição por via, nomeadamente, da introdução de um sistema jurídico eficaz para detetar, proceder judicialmente e punir esses atos, desde que o requerente tenha acesso a proteção efetiva” (cfr. artigo 6º nº 2)
2.5 Por sua vez o nº 1 do artigo 7º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho dispõe que “…é concedida autorização de residência por razões humanitárias aos estrangeiros e aos apátridas a quem não sejam aplicáveis as disposições do artigo 3.º e que sejam impedidos ou se sintam impossibilitados de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, quer atendendo à sistemática violação dos direitos humanos que ai se verifique, quer por correrem o risco de sofrer ofensa grave”.
Sendo que o nº 2 deste artigo 7º densifica que para tais efeitos se considera «ofensa grave» nomeadamente “a pena de morte ou execução” (al. a)), a “tortura ou pena ou tratamento desumano ou degradante do requerente no seu país de origem” (al. b)) ou a “ameaça grave contra a vida ou a integridade física do requerente, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno ou de violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos” (al. c)).
E o artigo 8º considera que «o receio fundado de ser perseguido», nos termos do artigo 3.º, ou «do risco de sofrer ofensa grave», nos termos do artigo 7º, “…podem ter por base acontecimentos ocorridos ou atividades exercidas após a saída do Estado da nacionalidade ou da residência habitual, especialmente se for demonstrado que as atividades que baseiam o pedido de asilo constituem a expressão e a continuação de convicções ou orientações já manifestadas naquele Estado” (nº 1), não sendo todavia aplicável “…quando o receio ou o risco tiverem origem em circunstâncias criadas pelo estrangeiro ou apátrida após a sua saída do Estado da nacionalidade ou da residência habitual, exclusivamente com o fim de beneficiar, sem fundamento bastante, do estatuto de refugiado ou de proteção subsidiária” (nº 2).
2.6 A respeito da apresentação do pedido de proteção internacional dispõe o artigo 13º da Lei nº 27/2008 o seguinte:
1 - O estrangeiro ou apátrida que entre em território nacional a fim de obter proteção internacional deve apresentar sem demora o seu pedido ao SEF ou a qualquer outra autoridade policial, podendo fazê-lo por escrito ou oralmente, sendo neste caso lavrado auto.
2 - Qualquer autoridade policial que receba o pedido referido no n.º 1 remete-o ao SEF no prazo de quarenta e oito horas.
3 - O SEF informa imediatamente o representante do ACNUR e o Conselho Português para os Refugiados (CPR) enquanto organização não governamental que atue em seu nome da apresentação do pedido de proteção internacional, podendo estes contactar o requerente logo após a receção de tal comunicação com o objetivo de o informar sobre o respetivo procedimento, bem como sobre a sua possível intervenção no mesmo, a qual depende de consentimento do requerente.
4 - O requerente pode solicitar, até à decisão do pedido de proteção internacional, a sua extensão aos membros da família que o acompanhem, quer sejam menores ou maiores, devendo, neste caso, o pedido ser precedido de consentimento prévio expresso das pessoas a cargo, sob pena de inadmissibilidade.
5 - Antes de ser solicitado o consentimento prévio a que se refere o número anterior, os membros da família devem ser informados, em privado, das consequências processuais relevantes da apresentação de um pedido em seu nome e do direito que lhes assiste de apresentar um pedido de proteção internacional separado.
6 - O requerente menor pode apresentar um pedido em seu nome.
7 - O SEF procede ao registo do pedido de proteção internacional no prazo de três dias úteis após a apresentação do mesmo”.

E a respeito do conteúdo do pedido dispõe o artigo 15º da Lei nº 27/2008 o seguinte:
1 - O requerente deve apresentar todos os elementos necessários para justificar o pedido de asilo, nomeadamente:
a) Identificação do requerente e dos membros da sua família;
b) Indicação da sua nacionalidade, país ou países e local ou locais de residência anteriores;
c) Indicação de pedidos de proteção internacional anteriores;
d) Relato das circunstâncias ou factos que fundamentam a necessidade de proteção internacional.
e) Permitir a recolha das impressões digitais de todos os dedos, desde que tenha, pelo menos, 14 anos de idade, nos termos previstos no Regulamento (UE) n.º 603/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, relativo à criação do sistema “Eurodac” de comparação de impressões digitais;
f) Manter o SEF informado sobre a sua residência, devendo imediatamente comunicar a este serviço qualquer alteração de morada;
g) Comparecer perante o SEF quando para esse efeito for solicitado, relativamente a qualquer circunstância do seu pedido.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, deve ainda o requerente, juntamente com o pedido de asilo, apresentar os documentos de identificação e de viagem de que disponha, bem como elementos de prova, podendo apresentar testemunhas em número não superior a 10.”.

2.7 Em conformidade com o disposto no artigo 18º da Lei nº 27/2008, caso o pedido de proteção internacional não tenha sido, desde logo, considerado infundado (ao abrigo do disposto no artigo 19º) ou inadmissível (ao abrigo do disposto no artigo 19º-A), deve a apreciação do mesmo obedecer ao seguinte:
“Artigo 18.º
Apreciação do pedido
1 - Na apreciação de cada pedido de proteção internacional, compete ao SEF analisar todos os elementos pertinentes, designadamente as declarações do requerente, proferidas nos termos dos artigos anteriores, e toda a informação disponível.
2 - Na apreciação do pedido, o SEF tem em conta especialmente:

a) Os factos pertinentes respeitantes ao país de origem, obtidos junto de fontes como o Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo, o ACNUR e organizações de direitos humanos relevantes, à data da decisão sobre o pedido, incluindo a respetiva legislação e regulamentação e as garantias da sua aplicação;
b) A situação e circunstâncias pessoais do requerente, por forma a apreciar, com base nessa situação pessoal, se este sofreu ou pode sofrer perseguição ou ofensa grave;
c) Se as atividades do requerente, desde que deixou o seu país de origem, tinham por fim único ou principal criar as condições necessárias para requerer proteção internacional, por forma a apreciar se essas atividades o podem expor a perseguição ou ofensa grave, em caso de regresso àquele país;
d) Se é razoável prever que o requerente se pode valer da proteção de outro país do qual possa reivindicar a cidadania;
e) A possibilidade de proteção interna se, numa parte do país de origem, o requerente:
i) Não tiver receio fundado de ser perseguido ou não se encontrar perante um risco real de ofensa grave; ou
ii) Tiver acesso a proteção contra a perseguição ou ofensa grave, tal como definida no artigo 5.º e no n.º 2 do artigo 7.º, puder viajar e ser admitido de forma regular e com segurança nessa parte do país e tiver expectativas razoáveis de nela poder instalar-se.
3 - Constitui um indício sério do receio fundado de ser perseguido ou do risco de sofrer ofensa grave, o facto de o requerente já ter sido perseguido ou diretamente ameaçado de perseguição ou ter sofrido ou sido diretamente ameaçado de ofensa grave, exceto se existirem motivos fundados para considerar que os fundamentos dessa perseguição ou ofensa grave cessaram e não se repetirão.
4 - As declarações do requerente devem ser confirmadas mediante prova documental ou outros meios de prova admitidos em direito, a não ser que estejam reunidas cumulativamente as seguintes condições:
a) O requerente tenha feito um esforço autêntico para fundamentar o seu pedido;
b) O requerente apresente todos os elementos ao seu dispor e explicação satisfatória para a eventual falta de outros considerados pertinentes;
c) As declarações prestadas pelo requerente forem consideradas coerentes, plausíveis, e não contraditórias face às informações disponíveis;
d) O pedido tiver sido apresentado com a maior brevidade possível, a menos que o requerente apresente justificação suficiente para que tal não tenha acontecido;
e) Tenha sido apurada a credibilidade geral do requerente.”

2.8 Mas o procedimento tendente à apreciação do pedido de proteção internacional não é submetido a instrução nem à apreciação do pedido de acordo com os critérios do artigo 18º, quando deva ser sujeito a tramitação acelerada por o pedido ser considerado infundado, nos termos do artigo 19º da Lei nº 27/2008, que dispõe o seguinte:
“Artigo 19.º
Tramitação acelerada
1 - A análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de proteção internacional é sujeita a tramitação acelerada e o pedido considerado infundado quando se verifique que:
a) O requerente induziu em erro as autoridades, apresentando informações ou documentos falsos ou ocultando informações ou documentos importantes a respeito da sua identidade ou nacionalidade suscetíveis de terem um impacto negativo na decisão;
b) É provável que, de má-fé, o requerente tenha destruído ou extraviado documentos de identidade ou de viagem suscetíveis de contribuírem para a determinação da sua identidade ou nacionalidade;
c) O requerente fez declarações claramente incoerentes e contraditórias, manifestamente falsas ou obviamente inverosímeis que contradigam informações suficientemente verificadas sobre o país de origem, retirando credibilidade à alegação quanto aos motivos para preencher os requisitos para beneficiar de proteção;
d) O requerente entrou ou permaneceu ilegalmente em território nacional e não tenha apresentado o pedido de proteção internacional logo que possível, sem motivos válidos;
e) Ao apresentar o pedido e ao expor os factos, o requerente invoca apenas questões não pertinentes ou de relevância mínima para analisar o cumprimento das condições para ser considerado refugiado ou pessoa elegível para proteção subsidiária;
f) O requerente provém de um país de origem seguro;
g) O requerente apresentou um pedido subsequente que não foi considerado inadmissível nos termos do artigo 19.º-A;
h) O requerente apresentou o pedido apenas com o intuito de atrasar ou impedir a aplicação de uma decisão anterior ou iminente que se traduza no seu afastamento;
i) O requerente representa um perigo para a segurança interna ou para a ordem pública;
j) O requerente recusa sujeitar-se ao registo obrigatório das suas impressões digitais de acordo com o Regulamento (UE) n.º 603/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, relativo à criação do sistema «Eurodac» de comparação de impressões digitais.
2 - (Revogado.)”

2.9 Na situação dos autos o pedido de proteção internacional foi considerado infundado pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras ao abrigo da alínea e) do nº 1 do artigo 19º da Lei do Asilo (Lei nº 27/2008), como já se viu (cfr. D) e E) do probatório).
O que significa que foi entendido pela entidade administrativa competente que a requerente invocou apenas questões não pertinentes ou de relevância mínima para analisar o cumprimento das condições para ser considerado refugiado ou pessoa elegível para proteção subsidiária.
Em tal caso, o que importava ao Tribunal a quo apurar, era se aquela decisão do SEF (de considerar infundado o pedido de proteção internacional com tais fundamentos) padecia de alguma das causas de invalidade invocadas pela requerente na petição da ação, em termos que, ao invés de ter decidido como decidiu, haveria de ter prosseguido, após instrução, para apreciação do pedido à luz do artigo 18º da Lei nº 27/2008.
2.10 Neste desiderato as declarações prestadas pela requerente da proteção internacional são um importante ponto de partida, já que à luz do procedimento, tal como ele se encontra legalmente gizado, e desde logo com base no relato aí prestado pela requerente, juntamente com a documentação que seja apresentada e/ou recolhida, que a entidade nacional competente procede à primeira avaliação do pedido. Submetendo-o, se assim o concluir, a tramitação acelerada, considerando o pedido infundado, ao abrigo do artigo 19º da Lei nº 27/2008. Que foi, aliás, o que sucedeu.
2.11 Na situação dos autos, nas declarações que a requerente prestou perante a entidade administrativa competente, disse o seguinte:

("texto integral no original; imagem")

Atentando naquelas declarações foi elaborada a Informação nº …/GAR/17, em que se suportou o despacho impugnado, na qual se entendeu, designadamente o seguinte:
«(…)
("texto integral no original; imagem")
(…)
("texto integral no original; imagem")
(…)
("texto integral no original; imagem")
(…)»
2.12 A autora invocou na petição inicial da ação que o despacho impugnado incorreu em erro sobre os pressupostos (de facto e de direito).
A questão está em saber se em face das declarações que prestou no que tange ao motivo do receio de regresso ao país de origem, o pedido de proteção internacional não devia ter sido considerado infundado, como foi, ao abrigo do artigo 19º nº 1 alínea e) da Lei nº 27/2008 (vide designadamente artigo 18º e 19º da PI). Isto é, se os motivos que a requerente invocou como fundamento da proteção internacional, não são pertinentes ou têm relevância mínima, para a análise do pedido.
2.13 Não se trata, aqui, da eventual incoerência, contradição, manifesta falsidade ou inverosimilhança das declarações (situação que respeitará à distinta alínea c) do nº 1 do artigo 19º); nem do eventual desfasamento temporal entre a entrada ilegal em território nacional e o pedido de proteção internacional (situação que respeitará à alínea d) do nº 1 do artigo 19º); nem ainda da natureza segura (ou não) do país de origem (situação que respeitará à alínea f) do nº 1 do artigo 19º). O que se impõe saber, reitere-se, é se ao invés do decidido pela entidade administrativa competente, o teor das declarações prestadas pela requerente não devem ser considerado como não pertinente ou de relevância mínima para analisar do pedido de proteção internacional, que é afinal a situação a que se refere a alínea e) do nº 1 do artigo 19º da Lei nº 27/2008, em que se suportou a entidade requerida.
2.14 Ora, não pode ser considerada despiciendo o relato, assim feito, pela requerente, que reporta a agosto de 2013:
("texto integral no original; imagem")
Considerando ainda que respondeu do seguinte modo às seguintes perguntas:
("texto integral no original; imagem")
Narração que dá contexto ao momento em que saiu da República Democrática do Congo («fugiu», nas suas palavras), indo para Angola.
Sendo que à pergunta:
("texto integral no original; imagem")
Respondeu:
("texto integral no original; imagem")
2.15 Ora não se pode concluir, como o fez a entidade administrativa competente, que as circunstâncias narradas pela requerente consubstanciem “apenas questões não pertinentes ou de relevância mínima para analisar o cumprimento das condições para ser considerado refugiado ou pessoa elegível para proteção subsidiária”, que justifique ter-se por infundado o pedido de proteção internacional nos termos da alínea e) do nº 1 do artigo 19º da Lei nº 27/2008.
Lembre-se que nos termos do artigo 2º nº 1 da Lei nº 27/2008, de 30 de Junho é considerado «refugiado» para os efeitos deste diploma “…o estrangeiro que, receando com razão ser perseguido em consequência de atividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana ou em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, convicções políticas ou pertença a determinado grupo social, se encontre fora do país de que é nacional e não possa ou, em virtude daquele receio, não queira pedir a proteção desse país, ou o apátrida que, estando fora do país em que tinha a sua residência habitual, pelas mesmas razões que as acima mencionadas, não possa ou, em virtude do referido receio, a ele não queira voltar, e aos quais não se aplique o disposto no artigo 9.º”.
2.16 Assim, ao contrário do entendido pela entidade administrativa e corroborado pela sentença recorrida, em face do narrado pela requerente impunha-se que o pedido fosse apreciado ao abrigo do disposto no artigo 18º da Lei nº 27/2008. Efetuando-se, para tanto, as averiguações necessárias e a análise de todos os elementos pertinentes e toda a informação disponível (cfr. artigo 18º nº 1), tendo em conta especialmente: “…os factos pertinentes respeitantes ao país de origem, obtidos junto de fontes como o Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo, o ACNUR e organizações de direitos humanos relevantes, à data da decisão sobre o pedido, incluindo a respetiva legislação e regulamentação e as garantias da sua aplicação” (cfr. artigo 18º nº 2 alínea a)); a “…situação e circunstâncias pessoais do requerente, por forma a apreciar, com base nessa situação pessoal, se este sofreu ou pode sofrer perseguição ou ofensa grave” (cfr. artigo 18º nº 2 alínea b)) ou da “…possibilidade de proteção interna se, numa parte do país de origem, o requerente: i) Não tiver receio fundado de ser perseguido ou não se encontrar perante um risco real de ofensa grave; ou ii) tiver acesso a proteção contra a perseguição ou ofensa grave, tal como definida no artigo 5.º e no n.º 2 do artigo 7.º, puder viajar e ser admitido de forma regular e com segurança nessa parte do país e tiver expectativas razoáveis de nela poder instalar-se” (cfr. artigo 18º nº 2 alínea e)), sem prejuízo de outras averiguações a que possa ou deva haver lugar.
2.17 Não pode, pois, manter-se, pelos fundamentos expostos, a decisão proferida pelo SEF, contra a qual se insurgiu a recorrente, de considerar infundado ao abrigo do artigo 19º nº 1 alínea e) da Lei nº 27/2008 o seu pedido de proteção internacional. Nem, concomitante, a sentença do Tribunal a quo que julgando improcedente a impugnação daquela decisão administrativa, a manteve.
2.18 Razão pela qual merece provimento o presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e julgando-se procedente a impugnação dirigida à decisão da Diretora Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) de 22/06/2017
08-09-2016, a cuja anulação se procede (cfr. artigo 163º do CPA).
2.19 Tal não significa, porém, que o pedido de proteção internacional deva ser concedido, seja sob a forma de asilo, seja sob a forma de proteção subsidiária (autorização de residência por razões humanitárias), como propugna a recorrente. O que se impõe apenas, como se viu, é que o pedido de proteção internacional da requerente seja submetido para apreciação segundo os tramites do artigo 18º da Lei nº 27/2008. E é isso que se decide.
*

IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em conceder provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida e julgando-se procedente a impugnação dirigida ao despacho de 22/06/2017 da Diretora Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) que julgou o pedido de proteção internacional infundado, anular-se o mesmo, condenando-se o SEF a apreciá-lo segundo os tramites do artigo 18º da Lei nº 27/2008.
~
Sem custas – artigo 84º da Lei nº 27/2008, de 30 de Junho.
*
Notifique.
D.N.
Lisboa, 8 de novembro de 2018
Maria Helena Barbosa Ferreira Canelas (relatora)
Carlos Evêncio Figueiredo Rodrigues Almada Araújo
Paulo Heliodoro Pereira Gouveia