Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:09700/16
Secção:CT
Data do Acordão:12/15/2016
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURANÇA SOCIAL
TRABALHO DOMÉSTICO
SUBSÍDIO DE DESEMPREGO
Sumário:1) É competente a jurisdição administrativa e fiscal - mais exactamente os Tribunais Tributários - para a acção intentada pelo trabalhador contra a entidade patronal, pedindo o reconhecimento de que certas parcelas remuneratórias constituem matéria colectável pela Segurança Social e a consequente condenação a proceder aos respectivos pagamentos contributivos.
2) As contribuições obrigatórias para a Segurança Social constituem uma obrigação parafiscal.
3) Uma vez que a sentença do Tribunal de Trabalho de Portimão, relativa ao reconhecimento da relação laboral de serviço doméstico, foi proferida tendo apenas como ré a entidade empregadora, a mesma não constitui meio de prova da prestação de serviço por parte da autora/recorrida, oponível ao recorrente, Instituto da Segurança Social, IP.
4) A recorrida não efectuou a opção pela base de contribuição assente na remuneração efectivamente auferida, tendo em vista o acesso à protecção no desemprego, nem podia ter feito tal opção, porquanto, na data da prestação do serviço doméstico apresentava idade superior ao limite legal estabelecido para o exercício da opção mencionada.
5) Donde resulta que o subsídio de desemprego em causa não pode ser concedido.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I - Relatório

O Instituto da Segurança Social, IP interpõe o presente recurso jurisdicional contra a sentença proferida a fls. 183/189, que julgou procedente a acção intentada por I... contra M... e contra o Instituto da Segurança Social, IP, absolvendo a primeira ré da instância e condenando o segundo réu no reconhecimento do direito da autora ao pagamento de subsídio de desemprego, tendo em conta o tempo de trabalho prestado.

Nas alegações de recurso de fls. 211/217, o recorrente formula as conclusões seguintes:

1) O "Serviço Doméstico" obedece a um regime jurídico específico vertido no Decreto-Lei n.º 284/82, de 22 de julho; Decreto Regulamentar nº 43/82, de 22 de julho; Decreto-Lei nº 199/99, de 8 de junho; Decreto-Lei n.º 235/92, de 24 de outubro e actualmente também nos artigos 118º e 254º e seguintes do Código Contributivo.

2) O pagamento voluntário de contribuições com efeitos retroativos por trabalhadores do serviço doméstico que não tenham efetuado a declaração prevista no artigo 255 º, relativamente à atividade prestada em período anterior aos últimos 12 meses que antecedem o mês deste pagamento, só é considerada desde que o seu exercício seja comprovado por certidão de sentença resultante de ação do foro laboral intentada contra a entidade empregadora e a instituição gestora da segurança social (artigo 257º do Código Contributivo) e a ação n.º .../12 2TTPTM, intentada no Tribunal de Trabalho de Portimão, cuja sentença reconheceu que a Requerente trabalhou como empregada doméstica no período compreendido entre 20/07/2007 e 31/07/2010, não foi intentada também contra a entidade gestora de segurança social, conforme prescreve a alínea d) do nº 1 do artigo 256.º, e que se impõe, como forma de dificultar possíveis fraudes na obtenção dos requisitos que podem conduzir ao acesso indevido a prestações sociais.

3) O eventual reconhecimento da relação laboral no período compreendido entre 20/07/2007 e 31/07/2010, como empregada doméstica, não confere, ainda assim, à requerente o direito efectivo ao recebimento do subsídio de desemprego, tanto mais que à data do desemprego (01/08/2011) a requerente já tinha 66 anos de idade e, sendo certo que os trabalhadores do serviço doméstico só têm direito à proteção na eventualidade de desemprego quando a base de incidência contributiva corresponde à remuneração efectivamente auferida, nunca poderia ser essa a situação aplicável à requerente, por força do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 8º do Decreto Regulamentar nº 43/82, de 22 de julho, conjugado com o previsto no artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 199/99, de 8 de junho e também do artigo 118º do Código Contributivo.

4) E, também, porque o acesso a prestações sociais depende do prévio pagamento de contribuições (artigo 18º do Decreto Regulamentar n.º 1-A/2011, de 3 de jane iro e artigo 55 º da Lei nº 4/2007, de 16 de janeiro (Lei de Bases da Segurança Social), o que até à data também não aconteceu.

5) A sentença recorrida violou por erro de interpretação e omissão de aplicação, o disposto no Decreto Regulamentar nº 43/82, de 22 de julho (artigo 7 º e 8 º), conjugado com o previsto no artigo 28 º do Decreto-Lei nº 199/99, de 8 de junho, o disposto no artigo 18.º do Decreto Regulamentar nº1- A/2011, de 3 de janeiro e artigo 55.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro e o disposto nos artigos 118º, 187º e 254.º a 260º do Código Contributivo).

Não há registo de contra-alegações.


X

O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (fls. 230/231), suscitando a questão da incompetência absoluta deste TCAS, em razão da hierarquia, para conhecer do objecto do recurso.

Observado o contraditório prévio, cumpre decidir.

Sobre a incompetência em razão da hierarquia deste tribunal constitui jurisprudência assente a de que «[a] competência do tribunal afere-se face à pretensão formulada pelo autor na petição inicial, traduzida no binómio pedido/causa de pedir, ou seja, face ao quid disputatum e não em função do quid decisum, isto é, a competência determina-se pelo pedido do autor, irrelevando qualquer tipo de indagação acerca do mérito do mesmo. // (…) // O recurso não versa exclusivamente matéria de direito, se nas suas conclusões se questionar matéria factual, manifestando-se divergência, por insuficiência, excesso ou erro, quanto à factualidade provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer, ainda, porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos. (…) // O critério jurídico para destrinçar se estamos perante uma questão de direito ou uma questão de facto passa por saber se o recorrente faz apelo, nos fundamentos do recurso substanciados nas conclusões, apenas a normas ou princípios jurídicos que tenham sido na sentença recorrida supostamente violados na sua determinação, interpretação ou aplicação, ou se, por outro lado, também apela à consideração de quaisquer factos materiais ou ocorrências da vida real (fenómenos da natureza ou manifestações concretas da vida mesmo que do foro espiritual ou volitivo), independentemente da sua pertinência, merecimento ou acerto para a solução do recurso»(1).

No caso em exame, cotejando o teor das alegações de recurso, das mesmas resulta que o mesmo centra-se sobre o reconhecimento de que a autora desempenhou funções como empregada doméstica de M..., no período de 20.09.2007 a 30.07.2010, tendo em vista a obtenção do subsídio de desemprego como beneficiária da Segurança Social.

Compulsando o teor das presentes alegações, verifica-se que as mesmas não se centram apenas sobre o reconhecimento do direito ao pretendido subsídio de desemprego, mas também sobre o circunstancialismo fático que, no caso concreto, rodeia a referida aplicação.

Em face do relatado, não é possível concluir que «para solucionar a matéria alegada e controvertida pelas partes não se torna necessário fazer juízos sobre questões probatórias ou averiguar da materialidade alegada como eventualmente interessando a outras plausíveis soluções de direito»(2).

Donde resulta que o objecto do recurso jurisdicional em exame não versa exclusivamente sobre questões de direito, pelo que assiste competência, em razão da hierarquia, a este tribunal para dele conhecer.

Termos em que se julga improcedente a presente excepção dilatória da incompetência absoluta do TCAS para conhecer do objecto do recurso.


X

Colhidos os vistos legais, vem o processo à conferência para decisão.

X

II - Fundamentação.

2.1. De Facto.

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

a) A Requerente foi admitida por contrato verbal ao serviço da Requerida em 20/09/2007 até 31/07/2010, para executar as funções de empregada doméstica auferindo a quantia mensal líquida de €600 euros (cfr. fls. 29 dos autos).

b) Em 19/03/2013 foi proferida sentença no processo nº .../12.2TTPTM, pelo Tribunal de Trabalho de Portimão, onde se julgou válida a confissão da Requerida e se reconheceu que a Requerente “trabalhou para a Requerida como empregada doméstica desta no período compreendido entre 20/07/2007 e 31/07/2010, auferindo como contrapartida a remuneração líquida de €600” (cfr. fls. 29 a 34 dos autos).

c) Em 01/08/2010 foi feito contrato de trabalho a termo certo entre a Requerida e a Requerente (cfr. fls. 16 a 18 dos autos).

d) Em 08/07/2011 a Requerida comunicou por escrito à Requerente que o contrato referida na alínea precedente tinha como “data de caducidade”, o dia 31/07/2011 (cfr. fls. 19 dos autos).

e) Em 02/08/2011 a Requerente apresentou junto do Instituto de Segurança Social, pedido de subsídio de desemprego (cfr. fls. 56 dos autos).

f) Em 16/09/2011, foi emitida pelo Instituto de Segurança Social, notificação de projeto de decisão de indeferimento do pedido de subsídio de desemprego (cfr. fls. 22 dos autos).

g) Em 15/11/2011, a Requerente apresentou junto dos serviços do Instituto de Segurança Social, “denúncia de beneficiário” que aqui se dá por integralmente reproduzido (cfr. fls. 27 dos autos).

h) Em 13/04/2012 o Instituto de Segurança social enviou ofício à Requerente onde consta, nomeadamente, que “o pedido (…) só pode ser aceite com efeitos retroativos mediante a apresentação de sentença ou auto de conciliação judicial, como meio de prova relevante para a comprovação do efetivo exercício da atividade profissional” terminando com o indeferimento desse pedido (cfr. fls. 28 dos autos).

i) A Requerente é beneficiária da Segurança Social com o nº ... (cfr. fls. 58 dos autos).


X

Em sede de matéria de facto não provada, consignou-se:

«Entre 20/09/2007 e 31/07/2010, a Requerida efetuou o pagamento dos descontos para os serviços de Segurança Social. // Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registrar como não provados»


X

Em sede de fundamentação da matéria de facto, consignou-se na sentença o seguinte:

«Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se nos documentos juntos aos autos, cuja genuinidade não foi posta em causa.

Quanto aos factos não provados, tal resultou da falta de prova em contrário cujo ónus pertencia à Requerida».


X

Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:

j) No processo relativo à sentença referida em b), apenas consta como ré, M....

l) Do requerimento referido em g) consta, designadamente, que I..., beneficiária n.º... (…) prestou serviço na entidade empregadora M..., como doméstica, no período de 20.09.2007 a 30.07.2010» - fls. 27.

m) I... nasceu em 07.09.1944, em São Martinho da Amoreira, concelho de Odemira – fls. 146.

n) A acção referida em b) foi instaurada apenas contra M....


X

2.2. De Direito

2.2.1. Vem sindicada sentença proferida a fls. 183/189, que julgou procedente a acção intentada por I... contra M... e contra o Instituto da Segurança Social, IP, absolvendo a primeira ré da instância e condenando o segundo réu no reconhecimento do direito da autora ao pagamento de subsídio de desemprego, tendo em conta o tempo de trabalho prestado.

2.2.2. Para julgar procedente a presente acção e condenar o ora recorrente no reconhecimento do direito da autora ao pagamento de subsídio de desemprego, a sentença estruturou, em síntese, a argumentação seguinte:

«Do probatório resulta que a Requerente cessou a sua relação laboral com a Requerida em 31/07/2011, pelo que, para ter direito ao subsídio de desemprego deveria ter um período de 450 dias de trabalho por conta de outrem num período de 24 meses imediatamente anterior à data de desemprego, ou seja, desde 01/08/2009. // Mais resulta provado que a Requerente desde 20/09/2007 até 31/07/2010 exerceu funções de empregada doméstica, por conta da Requerida, conforme reconhecido por sentença do foro laboral. // Assim sendo, está preenchido o pressuposto dos 450 dias de trabalho por conta de outrem e o pressuposto de ser num período de 24 meses imediatamente anterior à data de desemprego. // Mais se verifica a existência do meio de prova - sentença do foro laboral intentada contra a entidade empregadora e a instituição gestora da segurança social para reconhecimento da relação de trabalho, respetivo período e remuneração auferida – que a Requerente obteve. // Pelo precedente, mostram-se preenchidos todos os requisitos para o reconhecimento do direito da Requerente ao subsídio de desemprego tendo em conta o período de tempo que a mesma exerceu funções de empregada doméstica para a Requerida, ou seja, desde 20/09/2007 até 31/07/2011».

2.2.3. O recorrente censura o veredicto que fez vencimento na instância, porquanto o mesmo terá desconsiderado o regime legal do pagamento voluntário das contribuições prescritas. Existe erro de julgamento quanto ao regime aplicável e quanto à apreciação da matéria de facto, porquanto não foi demonstrada nos autos a efectividade da prestação laboral por sentença transitada em julgado em acção intentada - para além de contra a entidade empregadora – contra o Instituto da Segurança Social, IP, conjuntamente.

Recorde-se que está em causa acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo, em matéria tributária, intentada por I..., ora recorrida, contra M... e contra o Instituto da Segurança Social, IP, através da qual a autora formula os pedidos seguintes:

a) Seja reconhecido o direito da autora às quotizações devidas à Segurança Social que se formaram na sequência da relação laboral que teve com a 1ª Ré, compreendida entre 02.09.2007 e 31.07.2010, num total de €2.244,00 e que, consequentemente, seja condenada a pagar tal quantia junto da Segurança Social, encetando as diligências necessárias à reconstituição de todo o período contributivo;

b) A 1.ª ré seja condenada a pagar à Segurança Social a quantia de €4.845, a título de contribuições devidas e não pagas referentes ao mesmo período contributivo; consequentemente,

c) Seja reconhecido à autora o direito ao pagamento da quantia de €12.309,04, a título de subsídio de desemprego.

A sentença sob escrutínio, uma vez absolvida da instância a 1.ª ré, por ilegitimidade processual passiva, considerou que estavam reunidos os pressupostos para a concessão do subsídio de desemprego, referido em c).

2.2.4. Antes de se proceder à análise dos fundamentos do recurso, importa precisar os termos em se exerce a competência da jurisdição fiscal para conhecer do objecto do presente litígio.

A este propósito, cabe referir que «a relação jurídica contributiva ou de quotização consiste numa obrigação de pagamento periódico de um valor pecuniário calculado de uma certa maneira, estabelecida na lei, para o financiamento dos regimes e do sistema de segurança social, e no correspondente direito da instituição de segurança social.” (...) “a estrutura interna da relação jurídica contributiva apresenta algumas particularidades (…); os sujeitos são os beneficiários e os contribuintes, por um lado, e as instituições de Segurança Social, por outro, (...) O objecto da relação jurídica é, por seu turno, a contribuição, calculada segundo determinados critérios legalmente estabelecidos. (…) Independentemente da relação entre o trabalhador e a entidade empregadora ser uma relação laboral, o que, verdadeiramente, está aqui em causa é a relação entre esta (como sujeito passivo da obrigação parafiscal) e o Estado - Segurança Social (como sujeito activo). // Será, pois, perspectivando essa relação jurídica contributiva que se alcança a competência dos Tribunais Tributários. (…) // a) É competente a jurisdição administrativa e fiscal - mais exactamente os Tribunais Tributários - para a acção intentada pelo trabalhador contra a entidade patronal, pedindo o reconhecimento de que certas parcelas remuneratórias constituem matéria colectável pela Segurança Social e a consequente condenação a proceder aos respectivos pagamentos contributivos. b) As contribuições obrigatórias para a Segurança Social constituem uma obrigação parafiscal»(3).

2.2.5. No que respeita aos fundamentos do recurso, importa referir o seguinte.

Está em causa uma relação de trabalho de serviço doméstico, iniciada em 20.09.2007 e terminada em 31.11.2011; o subsídio de desemprego foi solicitado em 02.08.2011.

Estatui o artigo 255.º do Código Contributivo que «[o] reconhecimento de períodos de atividade profissional pode determinar a inscrição com efeitos retroactivos nas situações em que ainda não fosse aplicável a obrigação de entrega de declaração de início de exercício da actividade».

Com base no disposto no preceito dos artigos 256.º/1/d) e 257.º do Código Contributivo, o recorrente defende que o reconhecimento da relação laboral por parte do tribunal de trabalho não lhe é oponível. Tese rejeitada por parte da sentença sob escrutínio.

O artigo 256.º/1/d), do Código Contributivo, determina que o reconhecimento de períodos de actividade profissional, requerido pelas entidades empregadoras faltosas ou pelos trabalhadores interessados, tem de resultar, no caso de comprovação por certidão de sentença, de sentença proferida em acção do foro laboral (para reconhecimento da relação de trabalho, respectivo período e remuneração auferida) intentada, quer contra a entidade empregadora, quer contra a instituição gestora da segurança social.

Assim, no Acórdão do TCAS, de 31.03.2011, P. 06467/10, consignou-se que «[p]ara se obter a autorização para pagar prestações prescritas à segurança social, nos termos do artº 9 do Dec-lei 124/84, é necessário que a sentença judicial ou o auto de conciliação sejam obtidos em processo judicial dirigido contra a segurança social, por ser esta a única entidade que tem legitimidade para contestar, porque é a única com interesse em contradizer» (4).

No caso dos autos, verifica-se que a sentença do Tribunal de Trabalho de Portimão foi proferida tendo apenas como ré a entidade empregadora, pelo que a mesma não constitui meio de prova da prestação de serviço por parte da autora/recorrida, oponível ao recorrente, nos termos do disposto nos artigos 256.º/1/d), e 257.º do Código Contributivo.

Ao julgar em sentido discrepante, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, pelo que não se pode manter, devendo ser substituída por decisão que julgue improcedente a acção.

Termos em que se julgam procedentes as presentes conclusões de recurso.

2.2.6. A segunda questão levantada pelo presente recurso jurisdicional respeita ao âmbito material da protecção requerida pelo trabalhador beneficiário da Segurança Social, ora recorrida.

«O contrato de serviço doméstico é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a outrem, com carácter regular, sob a sua direcção e autoridade, actividades destinadas à satisfação das necessidades próprias ou específicas de um agregado familiar, ou equiparado, e dos respectivos membros, nomeadamente: (…)»(5).

À data dos factos, vigorava o Decreto-Regulamentar nº 43/82, de 22 de Julho, aprovado na sequência do Decreto-Lei n.º 284/82, de 22 de Julho, cujo artigo 2.º estabelece que «[c]onstarão de decreto regulamentar as normas relativas ao esquema de segurança social do pessoal do serviço doméstico».

O artigo 1.º (“Campo de aplicação pessoal”) do Decreto-Regulamentar nº 43/82, de 22 de Julho, determinava que «[o]s profissionais do serviço doméstico e as respectivas entidades patronais são obrigatoriamente abrangidos, como beneficiários e contribuintes, pelo regime de previdência, a cujas regras ficam sujeitos, com as particularidades constantes deste diploma».

Do artigo 7.º (“Regime geral da incidência das contribuições”) resulta que «1. As contribuições serão calculadas com base numa importância correspondente a 70% do valor da remuneração mínima mensal garantida por lei aos profissionais do serviço doméstico. // 2. Para efeitos contributivos, os valores da remuneração por dia e por hora serão calculados sobre a importância que constitui a base de incidência referida no número anterior, de acordo com as seguintes fórmulas: (…)».

Nos termos do artigo 8.º (“Incidência contributiva sobre remunerações correspondentes a trabalho mensal em regime de tempo completo”): «1. As contribuições relativas aos beneficiários contratados ao mês em regime de tempo completo serão calculadas sobre o valor que serve de base de incidência, nos termos do n.º 1 do artigo 7.º. // 2. Mediante acordo escrito entre os beneficiários e as entidades patronais, comunicado até ao final do mês de Novembro de cada ano à respectiva instituição de segurança social, as contribuições poderão incidir, a partir do mês de Janeiro seguinte, sobre as remunerações efectivamente recebidas, desde que superiores ao montante previsto no número anterior, até ao limite de duas vezes e meia a remuneração mínima mensal garantida por lei aos profissionais do serviço doméstico. // 3. A opção pelo regime de incidência contributiva previsto no n.º 2 só pode ser formulada até o beneficiário perfazer 50 anos de idade».

Recorde-se que o artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 199/99, de 8 de Junho, diploma que aprova as taxas contributivas aplicáveis no âmbito do regime geral da segurança social dos trabalhadores por conta doutrem, distingue entre profissionais do serviço doméstico, cujo âmbito material de protecção abrange a eventualidade do desemprego e aqueles profissionais cujo âmbito material de protecção não abrange tal eventualidade.

Estatui o artigo 118.º (“Âmbito Material”) do Código Contributivo que «1. Os trabalhadores do serviço doméstico têm direito à protecção nas eventualidades de doença, parentalidade, doenças profissionais, invalidez, velhice e morte. // 2. Os trabalhadores do serviço doméstico têm ainda direito à protecção na eventualidade de desemprego quando a base de incidência contributiva corresponde a remuneração efectivamente auferida em regime de contrato de trabalho mensal a tempo completo».

Por seu turno, estabelece o artigo 120.º (“Base de incidência contributiva para trabalho mensal em regime de tempo completo”) do Código Contributivo, o seguinte:

«1. A base de incidência contributiva dos trabalhadores contratados ao mês em regime de tempo completo corresponde a uma vez o valor do IAS, sem prejuízo do disposto nos números seguintes. // 2. Mediante acordo escrito entre o trabalhador e a entidade empregadora, pode ser considerada como base de incidência a remuneração efetivamente auferida nos termos do disposto nos artigos 44.º e seguintes. // (…) // 5. A opção pela base de incidência prevista no n.º 2 só pode ser formulada se o trabalhador tiver idade inferior à prevista no mapa do anexo i e a capacidade para o exercício da atividade se encontre atestada por médico assistente» (sublinhado nosso).

O mapa i consta do anexo ao diploma, referindo para 2011, a idade de 56,5.

Por seu turno, o artigo 18.º (“Declaração de remunerações do serviço doméstico”) Decreto-Regulamentar n.º 1-A/2011, de 3 de Janeiro, que procede à regulamentação do Código Contributivo, estatui que: «[a] declaração de remunerações relativa aos trabalhadores do serviço doméstico é efectuada com o pagamento das contribuições e quotizações devidas».

O artigo 55.º (“Condições de acesso”) da Lei de bases da Segurança Social, aprovada Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro, estatui que «[s]ão condições gerais de acesso à protecção social garantida pelos regimes do sistema previdencial a inscrição e o cumprimento da obrigação contributiva dos trabalhadores e, quando for caso disso, das respectivas entidades empregadoras».

Do probatório resulta que a entidade empregadora da decorrida não efectuou o pagamento das contribuições devida para a Segurança Social; bem como que a recorrida não efectuou a opção pela base de contribuição assente na remuneração efectivamente auferida, tendo em vista o acesso à protecção no desemprego.

Mas, sobretudo, importa referir que a recorrida não podia ter feito tal opção, porquanto a mesma, na data da prestação do serviço doméstico (relação iniciada em 20.09.2007 e terminada em 31.11.2011) apresentava idade superior ao limite legal estabelecido para o exercício da referida opção (mais de cinquenta anos de idade)(6).

Donde resulta que o subsídio de desemprego em causa não pode ser concedido.

Ao julgar em sentido discrepante, a sentença recorrida não se pode manter na ordem jurídica, devendo ser substituída por decisão que julgue a acção improcedente.

Termos em que se julgam procedentes as presentes conclusões de recurso.


Dispositivo

Acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a acção, absolvendo o recorrente do pedido.

Custas pela recorrida, em ambas as instâncias, sem prejuízo do apoio judiciário (fls. 36).

Registe.

Notifique.

(Jorge Cortês - Relator)

(Cristina Flora - 1º. Adjunto)


(Ana Pinhol - 2º. Adjunto)


(1) Acórdão do TCAS, de 04.06.2013, P. 06465/13.

(2) Acórdão do TCAS, de 22.09.2009, P. 3314/09.

(3) Acórdão do Tribunal de Conflitos n.º 014/07, de 04.10.2007.

(4) E, no mesmo sentido, refere-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 09.01.2008, P. 6088/2005-4 que «O Centro de Segurança Social da Madeira tem legitimidade para ser demandado em acção destinada a demonstrar que o trabalhador do serviço doméstico prestou a sua actividade em período anterior aos últimos 12 meses; // Essa acção deve, também, ser proposta contra a entidade patronal.»

(5) Artigo 2.º/1, do Decreto-Lei nº 235/92, de 24 de Outubro – regime jurídico das relações de trabalho emergentes do contrato de serviço doméstico.

(6) Alínea l), do probatório.