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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:9/17.5BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:02/23/2017
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:I.R.C.
NOÇÃO DE CUSTOS.
CONCEITO DE PREJUÍZO FISCAL.
MENOS-VALIAS. CONCEITO.
CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA.
ACTIVO IMOBILIZADO DA EMPRESA. NOÇÃO.
VIDA ÚTIL DE UM ELEMENTO DO ACTIVO IMOBILIZADO.
REINTEGRAÇÃO OU AMORTIZAÇÃO. NOÇÃO.
REGIME GERAL DAS REINTEGRAÇÕES E AMORTIZAÇÕES. ARTºS.27 E SEG., DO C.I.R.C.
REVISÃO DO PLANO OFICIAL DE CONTABILIDADE OPERADA PELO DEC.LEI 410/89, DE 21/11.
NOVA FORMA DE CONTABILIZAÇÃO DAS OPERAÇÕES DE LOCAÇÃO FINANCEIRA.
DEC.LEI 420/93, DE 28/12.
Sumário:1. Para o conceito fiscal de custo vale a definição constante do aludido artº.23, do C.I.R.C., a qual, depois de nos transmitir, de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo. Estamos perante um conceito de custo que se pode considerar comum ao balanço fiscal e ao balanço comercial. A definição fiscal de custo, como conceito mais amplo do que sejam os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão objectiva entre a actividade desta e as despesas que, inevitavelmente, daqui decorrerão. E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para tal efeito. Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico.
2. Constitui prejuízo fiscal o saldo negativo entre os proveitos ou ganhos e demais variações patrimoniais positivas e os custos ou perdas e demais variações patrimoniais negativas susceptíveis de concorrer para o lucro tributável de um sujeito passivo de I.R.C. num dado período de tributação. O prejuízo fiscal é, em princípio, um corolário da periodização do lucro tributável, isto é, constitui, tendencialmente, uma mera consequência da particular extensão temporal do período por referência ao qual se determina a obrigação de imposto (cfr.cfr.artº.47, do C.I.R.C.).
3. Prevê o artº.23, nº.1, al.i), do C.I.R.C., que são considerados custos ou perdas, nomeadamente as menos-valias realizadas. Deve entender-se que a mera menção a “menos-valias realizadas” na al.i), do nº.1, do referido artº.23, do C.I.R.C., não confere, só por si, a aquisição de todos os requisitos para os valores assim considerados serem aceites como componentes negativas do rédito, pois que não podem deixar de ficar, como acontece com todos os demais custos ou perdas na mesma norma enumerados, sujeitos ao escrutínio do corpo do nº.1, do referido preceito, portanto que se afigurem como comprovadamente indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
4. Segundo a doutrina a menos-valia pode definir-se como uma perda de valor económico de um activo empresarial devido a causas físicas (deterioração), técnicas (obsolência) ou económicas, sendo estas derivadas de uma baixa de preço no mercado. Em sede de I.R.C., o legislador dispõe que são consideradas menos-valias realizadas (por contraposição às menos-valias latentes) as perdas sofridas relativamente a elementos do activo imobilizado mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere (cfr.artº.43, nº.1, do C.I.R.C.). As menos-valias são dadas pela diferença entre o valor de realização, líquido dos encargos que lhe sejam inerentes, e o valor de aquisição deduzido das reintegrações ou amortizações praticadas (cfr.artº.43, nº.2, do C.I.R.C.). O valor de realização é definido nas diversas alíneas do nº.3, do artº.43, do C.I.R.C.
5. O contrato de locação financeira encontra-se actualmente regulado pelo dec.lei 149/95, de 24/6 (cfr.anteriormente o dec.lei 171/79, de 6/6), diploma que sofreu alterações posteriores, podendo definir-se como o contrato pelo qual uma das partes se obriga, contra retribuição, a conceder à outra o gozo temporário de uma coisa, adquirida ou construída por indicação desta e que a mesma pode comprar, total ou parcialmente, num prazo convencionado, mediante o pagamento de um preço determinado nos termos do próprio contrato. A locação financeira pode considerar-se um contrato nominado misto, dado conter elementos da compra e venda e da locação.
6. O activo imobilizado da empresa é o conjunto de bens que revestem um carácter de permanência, ou seja, os bens que a empresa pretende manter por mais do que um exercício económico. Nesta perspectiva, o Plano Oficial de Contabilidade (P.O.C. aprovado pelo dec.lei 410/89, de 21/11, diploma aplicável ao caso "sub judice"), classificava o activo imobilizado de acordo com a sua natureza - imobilizações financeiras, corpóreas e incorpóreas. Tais elementos caracterizam-se pela sua aptidão para contribuírem para as operações do ente empresarial em causa durante um determinado período de tempo, sendo que, com algumas excepções, essa aptidão vai decrescendo ao longo da sua vida útil.
7. A vida útil de um elemento do activo imobilizado é, para efeitos fiscais, o período durante o qual se reintegra ou amortiza totalmente o seu valor - cfr.artº.3, nº.1, do dec.reg.2/90, de 12/1.
8. Torna-se, por isso, necessário reconhecer ao nível dos custos dos diversos exercícios em que decorre a vida útil dos bens do activo imobilizado a expressão monetária da mencionada depreciação. O processo de imputação aos resultados dos exercícios contabilísticos anuais do custo de aquisição dos bens do activo imobilizado designa-se por reintegração ou amortização, o qual deve ser elaborado de forma racional e sistemática, devendo estruturar-se em estrita observância do princípio contabilístico do balanceamento dos custos com proveitos.
9. O regime geral das reintegrações e amortizações dos elementos do activo imobilizado encontrava consagração nos artºs.27 e seg., do C.I.R.C., em 1994 (cfr.artºs.28 e seguintes do actual C.I.R.C.; artºs.30 e seg. do anterior C.C.Industrial).
10. A revisão do Plano Oficial de Contabilidade operada pelo dec.lei 410/89, de 21/11, estabeleceu uma nova forma de contabilização das operações de locação financeira.
11. Se resultava do regime vigente em 1993 (cfr.dec.lei 420/93, de 28/12) que o bem objecto de locação financeira integrava o activo da entidade locadora era esta que praticava as reintegrações, pelo que, o valor a ter em conta no apuramento da mais valia é a diferença entre o valor pago pela sociedade impugnante para adquirir o veículo e o valor de venda do mesmo. O legislador pretendeu alterar a vantagem para o locador de ver reconhecido, em termos fiscais, o custo inerente à amortização de bens de acordo com o período do contrato, passando o custo relativo à amortização de bens a ser considerado, tendo em conta o período de vida útil do bem. Este regime pretende concretizar o princípio da neutralidade fiscal, uma vez que o tratamento contabilístico-fiscal é idêntico ao seguido nos casos de aquisição directa do bem. Donde decorre, em consequência, que a parte da renda correspondente à amortização financeira não deverá influenciar o lucro tributável a apurar pelo locatário (cfr.artº.23, nº.2, do C.I.R.C.). Em contrapartida, serão aceites como custo para efeitos fiscais os que resultam das reintegrações e amortizações efectuadas às taxas legalmente permitidas.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal visando sentença proferida pelo Mmº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.132 a 143 do presente processo, através da qual julgou procedente a impugnação intentada pela sociedade recorrida, “S... - Comércio e Serviços, S.A.”, tendo por objecto acto de liquidação adicional de I.R.C., relativo ao ano de 1994 e através do qual foi reduzido o prejuízo fiscal declarado para o montante de 31.405.217$00/€ 156.648,56, na parte que respeita ao valor das mais-valias e menos-valias fiscais apuradas na venda de activos do imobilizado corpóreo.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.170 a 179 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-A douta decisão de que se recorre não traduz uma correcta valoração e interpretação da matéria fáctica dada como provada, nem tão pouco uma correcta interpretação e aplicação da lei e do direito atinentes, em prejuízo da apelante. Na verdade;
2-Entendeu o respeitoso tribunal a quo que “nos casos em que o locatário não exerça a opção de compra, ou sendo o contrato resolvido antes do seu termo, a entrega pelo locatário ao locador dos bens objecto de locação financeira dá lugar a uma perda ou um ganho, consoante as amortizações financeiras tenham sido, respectivamente, maiores ou menores que as amortizações fiscais praticada. Estes resultados assim obtidos, de acordo com o art° 43, n° 6, a), CIRC, não se consideram mais-valias ou menos-valias fiscais”;
3-Porém, com tal entendimento não pode a apelante conformar-se, porquanto consubstancia uma correcta interpretação e aplicação da lei e do direito, em prejuízo da mesma parte processual;
4-Na verdade, a inspecção tributária, após análise à declaração Modelo 22 de IRC, do exercício de 1994, efectuou diversas correcções, entre elas a correcção inerente à redução de Menos Valia Fiscal nos termos do art. 42° do CIRC, no montante de 207.774$00;
5-Ora, conforme consta de fls. 22, 25 e 26, do processo administrativo, a inspecção efectuou a correcção contestada, considerando encontrar-se o cálculo para a sua determinação incorrecto, sendo o mesmo inerente à viatura com a matrícula ..., perante o facto do valor líquido actualizado, não ter sido obtido pela diferença entre o valor de aquisição de Esc.2.260.796$00 e as reintegrações praticadas de Esc. 565.199$00, origem do valor de Esc.1.695.597$00 como devia e sim o valor de prestações vincendas de contrato de locação financeira entretanto rescindido de Esc. 1.903.371$00, não tendo aceitado como dedução fiscal nos termos do art. 42° e 44° do CIRC, tal montante de Esc.207.774$00;
6-Neste pendor, no que ao cálculo da Mais Valia de Esc.207.774$00 necessário se torna atender ao Valor de Aquisição em 1993 e Valor de Amortizações praticadas na viatura ..., constante do aludido Mapa foram, respectivamente, de Esc. 2.260.796$00 e de Esc.565.199$00, considerando o Valor de Realização de Esc. 2.000.000$00, obtém-se o montante de Mais Valia de Esc. 207.774$00, nos termos do artigo 42° do CIRC, ao tempo, montante este corrigido anteriormente pela inspecção;
7-Assim sendo, bem andou a AT ao considerar que ao valor da aquisição havia que deduzir as reintegrações praticadas, para assim apurar a mais-valia realizada;
8-Face a tudo quanto vai dito, as vicissitudes elencadas, estão comprovadas, e referenciadas, não tendo sido devidamente relevadas pelo Tribunal a quo, pois que, a tê-lo sido, o itinerário decisório a implementar pelo respectivo areópago decerto que teria sido outro;
9-Outrossim, decidindo como decidiu, o Tribunal a quo não apreciou correctamente a prova produzida e que faz parte do processo, fazendo, por isso, errada aplicação das normas legais supra vazadas;
10-Por conseguinte, salvo o devido respeito, que muito é, o Tribunal a quo, lavrou em erro de interpretação e aplicação do direito e dos factos, nos termos supra explanados, assim como não considerou nem valorizou como se impunha a prova documental que faz parte dos autos em apreço;
11-Com o devido respeito, que muito é, decidindo como decidiu, o Tribunal a quo não apreciou correctamente a prova produzida e que faz parte do processo, fazendo, por isso, errada aplicação das normas legais supra vazadas;
12-Deve ser admitido o presente recurso e revogada a douta decisão da primeira instância, substituindo-a por outra que julgue improcedente a impugnação judicial, com todas as consequência legais. Todavia, em decidindo, Vossas Excelências farão a costumada Justiça!
X
Não foram produzidas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de se negar provimento ao presente recurso (cfr.fls.188 a 190 dos autos).
X
Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.134 a 137 dos autos - numeração nossa):
1-A sociedade impugnante, “S... - Comércio e Serviços, S.A.”, com o n.i.p.c. …, foi objecto de acção de inspecção interna tendo por objecto a declaração de IRC por si apresentada, respeitante ao exercício de 1994 (cfr.documentos juntos a fls.20 a 28 dos presentes autos; informação exarada a fls.129 a 136 do processo administrativo apenso);
2-De tal acção inspectiva resultaram correcções à declaração modelo 22 apresentada pela impugnante, relativas, além do mais, a desconsideração de custos resultantes de reintegrações e amortizações de bens adquiridos em estado de uso, no exercício de 1993, sobre os quais a impugnante efectuou amortizações em 1994 tendo por base aquelas e que os serviços de inspecção consideraram excessivas (cfr.documentos juntos a fls.20 a 28 dos presentes autos; informação exarada a fls.129 a 136 do processo administrativo apenso);
3-Foram ainda efectuadas correcções relativas a menos valias no montante de Esc. 207.774$00/€ 1.036,37, que não foram aceites, geradas pela venda do veículo com a matrícula ..., que os serviços de inspecção entenderam incorrectamente calculada, por ter sido considerada como "valor líquido actualizado" a importância de Esc. 1.903.371$00, correspondente às prestações vincendas do contrato de locação financeira, entretanto rescindido, em vez de considerada a diferença entre o valor de aquisição de Esc.2.260.786$00 e as reintegrações praticadas de Esc.565.199$00, o que daria origem ao valor de Esc.1.695.597$00 (cfr.documentos juntos a fls.20 a 28 dos presentes autos);
4-A referida correcção fundamentou-se no seguinte:
"aquele valor não é aceite como dedução fiscal nos termos dos artigos 42.° e 44.° do CIRC.
L33- Com a publicação do DL 420/93, de 28/12, as rendas de locação financeira passaram a ter, a partir de 1 de Janeiro de 1994, um regime fiscal influenciado pela nova forma de contabilização da locação financeira, mantendo-se, contudo, sob o ponto de vista fiscal, o regime vigente até 31/12/93 para os contratos celebrados até àquela data" para o efeito foi elaborado o mapa modelo 40, "no qual se verifica que o contribuinte deduziu indevidamente na linha 33 do quadro 17, as seguintes importância: 152.399$00 relativa à amortização financeira referente ao contrato n.° 931620 da C.... Dado que a viatura ... objecto deste contrato foi alienada no exercício de 1994, não foi efectuada a amortização contabilística e, por conseguinte, não há que deduzir ao resultado os custos que teriam sido contabilizados e, por conseguinte, não há que deduzir o regime fiscal anterior, nos termos do n.° 3 do artigo 4o do DL 420/93"
(cfr.documentos juntos a fls.20 a 28 dos presentes autos);
5-A impugnante adquiriu a viatura com a matrícula ... em regime de leasing financeiro em 1993, pelo preço de Esc.2.260.796$00/€ 11.276,80 (cfr.documento junto a fls.16 dos presentes autos; informação exarada a fls.129 a 136 do processo administrativo apenso);
6-A impugnante vendeu a referida viatura em 1994 pelo valor de Esc.2.000.000$00/€ 9.975,96 (cfr.documento junto a fls.16 dos presentes autos; informação exarada a fls.129 a 136 do processo administrativo apenso);
7-Em 3/7/1997, foi emitida a liquidação adicional de IRC n.° … referente ao exercício de 1994, integrando, além de outras, as correcções referidas nos nºs.2 e 3 supra, na qual se reduziu o valor do prejuízo fiscal declarado da quantia de 39.837.537$00, para o montante de 31.405.217$00/€ 156.648,56 (cfr.documento junto a fls.109 dos presentes autos; informação exarada a fls.129 a 136 do processo administrativo apenso);
8-A impugnante conformou-se com parte das correcções efectuadas e deduziu reclamação graciosa relativamente às correcções do prejuízo fiscal declarado identificadas nos nºs.2 e 3 supra (cfr.articulado junto a fls.2 a 5 do processo de reclamação graciosa apenso);
9-A impugnante deduziu a presente acção em 25/3/1998 (cfr.data de entrada aposta a fls.2 dos presentes autos);
10-Em 15/9/2003 foi o presente processo distribuído no extinto Tribunal Tributário de 1ª. Instância de Lisboa (cfr.data de distribuição aposta a fls.1 dos presentes autos);
11-A Fazenda Pública foi notificada para contestar em 28/6/2005 (cfr.documentos juntos a fls.113 a 115 dos presentes autos);
12-Em sede de apreciação da petição inicial, por despacho de 16/1/2006, a Administração Fiscal revogou parcialmente o acto impugnado quanto às correcções no valor de Esc.11.621.787$00/€ 57.969,23, a que alude o nº.2 supra, mantendo o acto relativamente à correcção identificada no nº.3 (cfr.informação, parecer e despacho juntos a fls.129 a 137 do processo administrativo apenso).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “...Com interesse para a decisão da causa, inexistem factos alegados e não provados...”.
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A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame crítico das informações e dos documentos, não impugnados, que constam dos autos, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu, em síntese, julgar procedente a impugnação pela sociedade recorrida intentada, assim anulando o acto de liquidação de I.R.C., na parte objecto dos presentes autos (cfr.nº.7 do probatório).
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Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O recorrente discorda do decidido sustentando, em síntese e como supra se menciona, que a A. Fiscal efectuou a correcção contestada, considerando encontrar-se o cálculo para a determinação das mais e menos-valias incorrecto, em relação à viatura com a matrícula ..., perante o facto do valor líquido actualizado, não ter sido obtido pela diferença entre o valor de aquisição de Esc.2.260.796$00 e as reintegrações praticadas de Esc. 565.199$00, origem do valor de Esc.1.695.597$00, como devia, e sim o valor das prestações vincendas do contrato de locação financeira entretanto rescindido de Esc. 1.903.371$00, assim não tendo aceite como dedução fiscal nos termos dos artºs.42 e 44, do C.I.R.C., o montante de Esc.207.774$00. Que ao cálculo da mais-valia de Esc. 207.774$00, necessário se torna atender ao valor de aquisição em 1993 e ao valor de amortizações praticadas na viatura ..., respectivamente, de Esc.2.260.796$00 e de Esc.565.199$00, mais se considerando o valor de realização de Esc.2.000.000$00, obtém-se o citado montante da mais-valia de Esc.207.774$00, nos termos do artº.42, do C.I.R.C. Que o Tribunal “a quo” lavrou em erro de interpretação e aplicação do direito aos factos (cfr.conclusões 1 a 11 do recurso), com base em tal alegação pretendendo consubstanciar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal pecha.
A base de incidência do I.R.C. encontra-se consagrada no artº.3, do C.I.R.C., sendo, nos termos do seu nº.2, definido o lucro tributável como o resultante da “diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código”.
Por outro lado, é no artº.17 e seg. do mesmo diploma que se consagram as regras gerais de determinação do lucro tributável, especificando-se no artº.23 quais os custos que, como tal, devem ser considerados pela lei.
Para o conceito fiscal de custo vale a definição constante do aludido artº.23, do C.I.R.C., a qual, depois de nos transmitir, de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo. Estamos perante um conceito de custo que se pode considerar comum ao balanço fiscal e ao balanço comercial. A definição fiscal de custo, como conceito mais amplo do que sejam os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão objectiva entre a actividade desta e as despesas que, inevitavelmente, daqui decorrerão. E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para tal efeito (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/2/2012, proc.4690/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.5721/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/5/2014, proc.7524/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; J. L. Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, Lex Lisboa 2000, 2ª. Edição, pág.237 e seg.; António Moura Portugal, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, pág.101 e seg.).
Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/2/2012, proc.4690/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc. 5721/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/5/2014, proc.7524/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, anotado e comentado, Rei dos Livros, 5ª.edição, 1996, pag.206 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, a A. Fiscal baseou a correcção à matéria colectável objecto do presente processo no entendimento de que a menos-valia declarada pela sociedade recorrida derivada da venda de viatura com a matrícula ..., que havia adquirido em 1993, no âmbito de um contrato de locação financeira celebrado, deveria resultar da diferença entre o valor de aquisição da viatura e o valor das reintegrações praticadas em relação a tal elemento do activo imobilizado corpóreo, no montante de Esc.565.199$00, o que daria origem ao valor de Esc.1.695.597$00, que não a quantia declarada de Esc.1.903.371$00, em consequência do que, o prejuízo fiscal apurado pela sociedade recorrida foi reduzido em Esc.207.774$00 (cfr.nºs.3 e 4 do probatório).
O Tribunal "a quo" decidiu que tal correcção ao prejuízo fiscal declarado da sociedade impugnante/recorrida era ilegal, visto padecer do vício de violação de lei, mais exactamente dos artºs.23, nº.2, e 42, nº.6, al.a), ambos do C.I.R.C.
Vejamos quem tem razão.
A questão a decidir nos presentes autos prende-se com a legalidade da correcção decorrente do cálculo da menos-valia no montante de Esc.207.774$00, gerada pela venda do veículo com a matrícula ..., pertencente ao activo imobilizado corpóreo da sociedade recorrida, importando saber se o conceito de "valor líquido actualizado" se apura pela subtracção entre o valor de aquisição de Esc.2.260.786$00 e as reintegrações praticadas de Esc.565.199$00, o que daria o valor de Esc.1.695.597$00, como defende o recorrente, ou pelo valor de Esc.1.903.371$00, correspondente ao valor das prestações vincendas do contrato de locação financeira pagas antecipadamente em virtude do acionamento da opção de compra do veículo, como defende a sociedade recorrida.
Constitui prejuízo fiscal o saldo negativo entre os proveitos ou ganhos e demais variações patrimoniais positivas e os custos ou perdas e demais variações patrimoniais negativas susceptíveis de concorrer para o lucro tributável de um sujeito passivo de I.R.C. num dado período de tributação. O prejuízo fiscal é, em princípio, um corolário da periodização do lucro tributável, isto é, constitui, tendencialmente, uma mera consequência da particular extensão temporal do período por referência ao qual se determina a obrigação de imposto (cfr.artº.46 e seg., do C.I.R.C., em vigor em 1995; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/4/2012, proc.5315/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 25/9/2012, proc.5073/11; J. L. Saldanha Sanches e Outros, Reestruturação de Empresas e Limites do Planeamento Fiscal, Coimbra Editora, 2009, pág.111 e seg.; F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, anotado e comentado, Rei dos Livros, 5ª.edição, 1996, pag.405 e seg.).
Prevê o artº.23, nº.1, al.i), do C.I.R.C., que são considerados custos ou perdas, nomeadamente as menos-valias realizadas.
Deve entender-se que a mera menção a “menos-valias realizadas” na al.i), do nº.1, do referido artº.23, do C.I.R.C., não confere, só por si, a aquisição de todos os requisitos para os valores assim considerados serem aceites como componentes negativas do rédito, pois que não podem deixar de ficar, como acontece com todos os demais custos ou perdas na mesma norma enumerados, sujeitos ao escrutínio do corpo do nº.1, do referido preceito, portanto que se afigurem como comprovadamente indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 17/4/2012, proc.5315/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 25/9/2012, proc.5073/11; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 14/4/2016, proc.5631/12).
Segundo a doutrina a menos-valia pode definir-se como uma perda de valor económico de um activo empresarial devido a causas físicas (deterioração), técnicas (obsolência) ou económicas, sendo estas derivadas de uma baixa de preço no mercado (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/4/2016, proc.5631/12; José María Lozano Irueste, Dicionário abreviado de Economia, Campo das Letras, 1999, pág.170 e seg.).
Em sede de I.R.C., o legislador dispõe que são consideradas menos-valias realizadas (por contraposição às menos-valias latentes) as perdas sofridas relativamente a elementos do activo imobilizado mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere (cfr.artº.42, nº.1, do C.I.R.C.). As menos-valias são dadas pela diferença entre o valor de realização, líquido dos encargos que lhe sejam inerentes, e o valor de aquisição deduzido das reintegrações ou amortizações praticadas (cfr.artº.42, nº.2, do C.I.R.C.). O valor de realização é definido nas diversas alíneas do nº.3, do artº.42, do C.I.R.C. (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/4/2016, proc.5631/12; Rui Duarte Morais, Apontamentos ao I.R.C., Almedina, Novembro de 2009, pág.144 e seg.; F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, anotado e comentado, Rei dos Livros, 5ª.edição, 1996, pag.369 e seg.).
“In casu”, resulta do probatório que a sociedade impugnante/recorrida adquiriu veículo automóvel através de contrato de locação financeira, o qual passou a fazer parte do activo imobilizado corpóreo (cfr.nºs.3 e 5 da matéria de facto supra exarada).
Faz-se referência, em primeiro lugar, ao contrato de locação financeira.
Ora, a locação financeira encontra-se regulada, fundamentalmente, pelo dec.lei 149/95, de 24/6 (cfr.anteriormente o dec.lei 171/79, de 6/6), diploma que sofreu alterações posteriores, podendo definir-se como o contrato pelo qual uma das partes se obriga, contra retribuição, a conceder à outra o gozo temporário de uma coisa, adquirida ou construída por indicação desta e que a mesma pode comprar, total ou parcialmente, num prazo convencionado, mediante o pagamento de um preço determinado nos termos do próprio contrato. A locação financeira pode considerar-se um contrato nominado misto, dado conter elementos da compra e venda e da locação (cfr.ac.R.Lisboa, 20/9/94, C.J., 1994, IV, pág.88 e seg.; ac.R.Lisboa 24/1/2012, proc.1741/10.0TBCLD-A.L1-1; ac.T.C.A.Sul, 13/3/2012, proc. 5125/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/2/2013, proc.5713/12).
Por outro lado, tal veículo automóvel fazia parte do activo imobilizado corpóreo da sociedade impugnante/recorrida.
O regime geral das reintegrações e amortizações dos elementos do activo imobilizado encontrava consagração nos artºs.27 e seg., do C.I.R.C., em 1993/94 (cfr.artºs.28 e seguintes do actual C.I.R.C.; artºs.30 e seg. do anterior C.C.Industrial).
O activo imobilizado das empresas é o conjunto de bens que revestem um carácter de permanência, ou seja, os bens que a empresa pretende manter por mais do que um exercício económico. Nesta perspectiva, o Plano Oficial de Contabilidade (P.O.C. aprovado pelo dec.lei 410/89, de 21/11, diploma aplicável ao caso "sub judice"), classificava o activo imobilizado de acordo com a sua natureza - imobilizações financeiras, corpóreas e incorpóreas (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 25/9/2012, proc. 5073/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/5/2014, proc.2832/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 4/6/2015, proc.8630/15; José María Lozano Irueste, Dicionário abreviado de Economia, Campo das Letras, 1999, pág.139 e seg.; Manuel M. Fernandes Pires, Glossário de Direito Fiscal, Dislivro, 2007, pág.17).
Por outras palavras, os elementos do activo imobilizado (por contraposição ao activo circulante) são os recursos que uma empresa utiliza para realizar as suas operações (objecto social) e que não se destinam a venda no âmbito da sua actividade operacional. Tais elementos caracterizam-se pela sua aptidão para contribuírem para as operações do ente empresarial em causa durante um determinado período de tempo, sendo que, com algumas excepções, essa aptidão vai decrescendo ao longo da sua vida útil.(1)Torna-se, por isso, necessário reconhecer ao nível dos custos dos diversos exercícios em que decorre a vida útil dos bens do activo imobilizado a expressão monetária da mencionada depreciação. O processo de imputação aos resultados dos exercícios contabilísticos anuais do custo de aquisição dos bens do activo imobilizado designa-se por reintegração ou amortização, o qual deve ser elaborado de forma racional e sistemática, devendo estruturar-se em estrita observância do princípio contabilístico do balanceamento dos custos com proveitos. Assim se pode definir reintegração como o processo de registo contabilístico do valor do consumo anual dos elementos do activo imobilizado corpóreo, valor este que podia imputar-se como custo de exercício para efeitos fiscais nos termos do decreto regulamentar 2/90, de 12/1 (cfr.anteriormente a portaria 737/81, de 29/8), o qual fixa as taxas máximas e mínimas a ter em conta para aquele efeito, assim como outras regras relacionadas com o problema contabilístico das reintegrações e amortizações. De um modo geral, pode dizer-se que sendo o lucro das empresas o resultado da diferença entre proveitos e custos de determinado exercício, não poderia deixar de compreender-se entre estes custos o consumo respeitante aos bens do activo imobilizado que contribuíram para a produção e, consequentemente, para a obtenção de proveitos do mesmo exercício (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 5/7/2012, rec.658/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/5/2014, proc. 2832/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 4/6/2015, proc.8630/15; F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, anotado e comentado, Rei dos Livros, 5ª.edição, 1996, pag.227; J. A. R. Martins Barreiros e outros, Código da C. Industrial, 2ª. Edição, Rei dos Livros, 1986, pág.263; J.L.Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, Coimbra Editora, 3ª. Edição, 2007, pág.397 e seg.).
O regime constante da portaria 737/81, de 29/8, era, em síntese, o seguinte:
1-Os bens reavaliados ao abrigo de legislação específica de carácter fiscal são tomados para efeitos de cálculo das respectivas reintegrações pelo valor que daquela reavaliação tiver resultado (artº.1);
2-Considera-se como período máximo de vida útil de um elemento do activo imobilizado o que se deduz de uma taxa de reintegração ou de amortização igual a metade das taxas aplicáveis (artº.4);
3-Considera-se como período mínimo de vida útil de um elemento do activo imobilizado o que se deduz das taxas aplicáveis (artº.4);
4-Os períodos máximo e mínimo de vida útil contam-se a partir do início da utilização dos elementos a que respeitam (artº.4);
5-Não são aceites como custos ou perdas para efeitos fiscais as reintegrações ou amortizações praticadas para além do período máximo de vida útil, ressalvando-se os casos devidamente justificados e aceites pela Direcção-Geral das Contribuições e Impostos (artº.4);
6-O cálculo das reintegrações e amortizações do exercício faz-se, em regra, pelo método das quotas constantes (cfr.artº.4);
7-A quota anual de reintegração e amortização que pode ser aceite como custo do exercício determina-se aplicando as taxas fixadas nas tabelas anexas à Portaria (artº.5).
Por outro lado, dir-se-á que a utilização do método de quotas constantes não implica uma taxa de reintegração fixa, podendo o contribuinte optar pelas taxas que constam das tabelas anexas a este diploma ou por taxas até metade das indicadas. Se forem adoptadas taxas distintas destas, se a taxa for superior à indicada na tabela, as reintegrações ou amortizações não serão consideradas como custos, na parte em que excedam o limite que resulta da aplicação dessa taxa e, se for utilizada uma taxa inferior a metade da taxa correspondente à indicada nas tabelas, as reintegrações posteriores ao máximo de vida útil, que resulta da aplicação de metade da taxa prevista, também não serão consideradas como custos fiscais. Se o contribuinte utilizar a taxa máxima de reintegração ou amortização (a taxa indicada na tabela, para o caso), o período de vida útil dos respectivos elementos do activo imobilizado será o mínimo legalmente admissível, para efeitos de custos fiscais. Nestes casos, a reintegração total atingir-se-á em metade do período máximo de vida útil legalmente admissível, que seria o que resultaria da aplicação de metade da taxa indicada na tabela. Isto significa que os elementos do activo imobilizado podem estar completamente reintegrados (com o consequente esgotamento do respectivo período de vida útil concretamente relevante para efeitos fiscais), mas não ter sido esgotado o período máximo de vida útil legalmente admissível, que seria o que resultaria da aplicação da taxa mínima de reintegração anual (metade da indicada na tabela). Sucede isso, quando o contribuinte optou pela aplicação da taxa máxima de reintegração anual e, por isso, a reintegração total é atingida em metade do tempo em que seria atingida se optasse pela aplicação da taxa mínima.
Já o dec.reg.2/90, de 12/1, promoveu a actualização das normas reguladoras das reintegrações e amortizações do activo imobilizado, as quais foram aplicáveis aos períodos de tributação iniciados a partir de 1/1/1989, sendo que o cálculo das reintegrações e amortizações do exercício se deve fazer, igualmente e em regra, pelo método das quotas constantes (cfr.artº.4, nº.1, do dec.reg.2/90, de 12/1; artº.28, nº.1, do C.I.R.C.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/5/2014, proc.2832/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 4/6/2015, proc.8630/15; F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, anotado e comentado, Rei dos Livros, 5ª.edição, 1996, pag.231; Henrique Quintino Ferreira, Reintegrações e Amortizações do Activo Imobilizado das Empresas para efeitos de IRS e IRC, 4ª. edição, 1997, Editora Rei dos Livros, pág.58 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, conforme resulta do preâmbulo do citado dec.lei 410/89, de 21/11, a adesão de Portugal à Comunidade Europeia determinou a necessidade de se proceder a alguns ajustamentos em matérias contabilísticas, de acordo com o previsto na Directiva 781/660/CEE (4a Directiva), que implicaram a revisão do Plano Oficial de Contabilidade, aprovado pelo dec.lei 47/77, de 7/2, e legislação complementar.
A revisão do Plano Oficial de Contabilidade operada pelo dec.lei 410/89, de 21/11, estabeleceu uma nova forma de contabilização das operações de locação financeira. O artº.4, do mesmo diploma, determinou que enquanto não fosse alterado o plano de contas para as empresas que se dediquem a operações de locação financeira, permanecia suspensa a entrada em vigor da contabilização prevista no capítulo 12, “Notas explicativas”, conta 42, por um período máximo de três anos. Tal suspensão veio a ser alargada para 4 anos, entrando em vigor a 1 de Janeiro de 1994, nos termos do nº.2, do artigo único do dec.lei 29/93, de 12/2.
Como resulta do seu preâmbulo, dessa nova forma de contabilização decorreram importantes consequências quanto ao regime fiscal da locação financeira, quer para o locador, quer para o locatário, as quais foram incorporadas no sistema fiscal através das alterações ao C.I.R.C., constantes do dec.lei 420/93, de 28/12.
O artº.4, nº.1, do dec.lei 420/93, de 28/12, estabeleceu um regime de transição segundo o qual, as alterações relativas ao regime fiscal da locação financeira e relocação produzem “efeitos a partir de 1 de Janeiro de 1994, sem prejuízo da continuação da aplicação do regime fiscal até essa data em vigor, designadamente o decorrente do n.° 1 do artigo único do Decreto-Lei 29/93, de 12 de Fevereiro, aos contratos de locação financeira celebrados no decurso da sua vigência, desde que os bens objecto desses contratos tenham sido recepcionados pelo locatário antes do termo do exercício de 1993.”.
Mais estabeleceu o nº.2, da mencionada disposição legal que os ajustamentos contabilísticos de transição, relativos aos contratos de locação financeira mobiliária e imobiliária celebrados até 31 de Dezembro de 1993, que se encontrem nas condições referidas naquele nº.1, não podem determinar um resultado fiscal diferente do que resultaria se não se procedesse àqueles ajustamentos. Assim, da entrada em vigor do diploma em causa não pode resultar para a impugnante/recorrida um resultado diferente daquele que resultaria se não se procedesse aos ajustamentos legais.
Importa, por isso, analisar qual o regime vigente em 31/12/1993. Assim, a redacção da alínea f) do nº.1, do artº.41, do C.I.R.C. que vigorava no dia 31/12/1993 determinava o seguinte:
1-Não são dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como custos ou perdas do exercício:
(...)
f) As rendas de locação financeira relativas a imóveis na parte correspondente ao valor dos terrenos ou de que não seja aceite reintegração nos termos da alínea b) do n° 1 do artigo 32° e, bem assim, as rendas de locação financeira de viaturas ligeiras de passageiros e de barcos de recreio e de aviões de turismo na parte em que não seja aceite reintegração nos termos da alínea f) do n°1 do citado artigo».
Por sua vez, a alínea f), do nº.1, do artº.32, do C.I.R.C., para o qual remetia, como se acabou de ver, a referida alínea f) estipulava que:
«Não são aceites como custos:
f) As reintegrações das viaturas ligeiras de passageiros na parte correspondente ao valor de aquisição excedente a 4.000.000$00, (...) desde que tais bens não estejam afectos a empresas exploradoras de serviço público de transportes ou não se destinem a ser alugados no exercício da actividade normal da empresa sua proprietária».
A alínea f), do nº.1, do artº.41, do C.I.R.C., havia sido alterada pelo artº.2, do dec.lei 138/92, de 17/6, criando nela uma subalínea 2). No entanto, esta redacção foi inicialmente suspensa até 1/01/1994, pelo artigo único do dec.lei 29/93, de 12/2, e, antes que cessasse essa suspensão, revogada pelo artº.3, do dec.lei 420/93, de 28/12. O que significa que a versão vigente em 31/12/1993 era a originária.
Por último, o artº.23, do C.I.R.C., na redacção decorrente da mencionada alteração produzida pelo dec.lei 420/93, de 28/12, estabelece que:
“(...)
2-No caso das rendas de locação financeira, não é aceite como custo ou perda do locatário a parte da renda destinada a amortização financeira.”.

Exposto o quadro legal aplicável, avancemos.
A A. Fiscal considerou que ao valor da aquisição havia que deduzir as reintegrações praticadas, para assim apurar a mais-valia realizada, vector que subjaz à correcção impugnada.
Contudo, não lhe assiste razão.
Com efeito, se resultava do regime vigente em 1993 que o bem objecto de locação financeira integrava o activo da entidade locadora era esta que praticava as reintegrações, pelo que, o valor a ter em conta no apuramento da mais valia é a diferença entre o valor pago pela sociedade impugnante para adquirir o veículo e o valor de venda do mesmo.
O legislador pretendeu alterar a vantagem para o locador de ver reconhecido, em termos fiscais, o custo inerente à amortização de bens de acordo com o período do contrato, passando o custo relativo à amortização de bens a ser considerado, tendo em conta o período de vida útil do bem. Este regime pretende concretizar o princípio da neutralidade fiscal, uma vez que o tratamento contabilístico-fiscal é idêntico ao seguido nos casos de aquisição directa do bem. Donde decorre, em consequência, que a parte da renda correspondente à amortização financeira não deverá influenciar o lucro tributável a apurar pelo locatário (cfr.artº.23, nº.2, do C.I.R.C.). Em contrapartida, serão aceites como custo para efeitos fiscais os que resultam das reintegrações e amortizações efectuadas às taxas legalmente permitidas.
Tanto assim é que, nos casos em que o locatário não exerça a opção de compra, ou sendo o contrato resolvido antes do seu termo, a entrega pelo locatário ao locador dos bens objecto de locação financeira dá lugar a uma perda ou um ganho, consoante as amortizações financeiras tenham sido, respectivamente, maiores ou menores que as amortizações fiscais praticadas. Estes resultados assim obtidos, de acordo com o artº.42, nº.6, al.a), do C.I.R.C., não se consideram mais-valias ou menos-valias fiscais.
Em conclusão, a liquidação objecto dos presentes autos, na parte impugnada, padece do vício de violação de lei, concretamente dos artºs.23, nº.2, e 42, nº.6, al.a), do C.I.R.C., na versão em vigor em 1993/94, nesta medida se confirmando a decisão do Tribunal "a quo".
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
X
Sem custas, devido a isenção subjectiva do recorrente.
X
Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 23 de Fevereiro de 2017



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto)


(1) a vida útil de um elemento do activo imobilizado é, para efeitos fiscais, o período durante o qual se reintegra ou amortiza totalmente o seu valor - cfr.artº.3, nº.1, do dec.reg.2/90, de 12/1; Gil Fernandes Pereira, Tratamento Fiscal e Contabilístico das Provisões, Amortizações e Reavaliações, 8ª. edição, 2006, pág.177 e seg.