Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03144/09
Secção:Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/28/2009
Relator:Eugénio Sequeira
Descritores:RECURSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO. NULIDADE. ELEMENTO SUBJECTIVO DO TIPO. NOTIFICAÇÃO. DISPENSA DE COIMA.
Sumário:1. Não é nulo o despacho administrativo que aplicou a coima quando o mesmo dá como provados os pertinentes factos donde resulta a infracção, indica as normas infringidas e punitivas e indica alguns dos elementos presentes na graduação da coima;
2. Na falta de qualquer prova em contrário, é de presumir (presunção de facto, natural), que o agente que praticou certos factos que consubstanciam uma contra-ordenação tributária, teve uma representação imperfeita ou uma não representação da realização do tipo de ilícito, sendo de lhe imputar subjectivamente o mesmo a título de mera negligência;
3. Na notificação do arguido para apresentar a sua defesa (art.º 70.º do RGIT), não tem que lhe serem indicados quais os elementos que irão servir para graduar a medida da coima a aplicar e nem a sua imputação subjectiva a título de dolo ou de negligência, podendo ser cumprida tal notificação com a simples remessa da cópia do auto de notícia (art.º 70.º n.º3 do RGIT);
4. A dispensa da pena tem como pressuposto, desde logo, que a prática da infracção não cause prejuízo efectivo à receita tributária, o que não acontece no caso de falta de envio do correspondente meio de pagamento do imposto auto-liquidado conjuntamente com a respectiva declaração periódica, em que tal falta causa sempre prejuízo na execução das receitas orçamentadas.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. Isto É E ..., Lda, identificada nos autos, dizendo-se inconformada com a sentença proferida pelo M. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa - 2.ª Unidade Orgânica - que negou provimento ao recurso interposto contra o despacho que lhe aplicara a coima de € 3.380,14, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


A) A douta sentença, ora em crise, padece de vários Vícios, desde logo a falta de fundamentação, não se percebe quais as provas que consubstanciaram a convicção do julgador, pois aquele apenas refere que "dos documentos e demais elementos dos autos, bem como do depoimento das testemunhas inquiridas, decorrem provados os factos seguintes.
B) Não enumerando em momento algum quais os documentos, quais os elementos e que testemunhas ou parte dos seus testemunhos, que constam dos autos foram considerados para a presente condenação, bem como exposição dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal ou seja, não contém a sentença, as menções referidas no n.º 2 do art.º 374.º do C.P.P, é nula por falta de fundamentação, nos termos do disposto no art.º 379.º n.º1 alínea a) do C.P.P, aplicado ao caso concreto por força das disposições conjugadas a alínea b) do art.º 3.º do RGIT e art.º 32.º e 41.º ambos do DL n.º 433/82 de 27/l0.
C) Existe erro, atendendo a que o tribunal a quo dá como provado a H) que houve atraso nos pagamentos efectuados por parte da V ... e que este cliente representava 60% da facturação total da empresa, para referir que - dificuldades de tesouraria não integram causa de exclusão da responsabilidade em sede de IVA (quantias previamente pagas pelos adquirentes), atendendo a que resulta do alegado pela recorrente que as dificuldades económicas da arguida se deveram aos atrasos no pagamento de alguns clientes, sobretudo da V ....
D) Logo há erro notório na apreciação da prova quando sendo usado um processo racional e lógico, se extrai de um facto dado como provado, uma conclusão ilógica, irracional, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum.
E) A arguida impugnou a decisão que fixou a coima, invocando para tanto as excepções dilatórias de - nulidade do processo por omissão de imputação de elementos subjectivos da contra-ordenação e - nulidade por omissão de elementos essenciais da infracção, assim estamos na presença uma notificação inquinada por violação do disposto no art.º 27.º e 79.º do Regime Geral das Infracções Tributárias.
F) Tendo a arguida invocado ambas as omissões na fase de impugnação judicial.
G) A contestação técnica da omissão dos elementos subjectivos de imputação (dolo ou negligência) da notificação administrativa pode desde logo redundar numa decisão absolutória da arguida, uma vez que o imposto apurado se encontra pago e foram liquidados juros moratórios, não resultando da conduta da arguida qualquer prejuízo para a fazenda nacional.
H) Diz taxativamente o douto aresto do STJ que “...É relevante para a sua defesa que o arguido conheça os factos que lhe são imputados, incluindo os que respeitam à verificação dos pressupostos da punição e à sua intensidade e ainda a qualquer circunstancia relevante para a determinação da sanção aplicável. . . ";
I) ...ao arguido sejam dados a conhecer não só os factos objectivos, mas também aqueles que traduzam a imputação subjectiva da contra-ordenação e, ainda, os que possam influir na medida da coima, sob pena de estar cometendo a nulidade prevista no Artigo 119.º, alínea c) do Código de Processo Penal...";
J) Na fase de impugnação administrativa, a arguida veio a invocar desde logo a nulidade da omissão dos seus direitos, no entanto o serviço tributário fez tábua rasa dessa nulidade invocada. É pois, nesta fase que cumpre apurar os elementos subjectivos do tipo e notificá-los ao infractor, para que este possa cabalmente defender-se e não em momento posterior, no Tribunal a quo, desvirtuando o processo, sendo contraproducente.
L) Atenta a conduta do M.P em processos similares, aventa-se a sua omissão de recurso obrigatório nos termos do disposto no art.º 446.º do C.P.P, aplicável ao caso sub Júdice por força da conjugação do disposto no art.º 32.º do DL n.º 433/82 de 27 de Outubro e art.º 3 do RGIT.
M) Ademais não consta na notificação da entidade administrativa a indicação dos elementos que contribuíram para a fixação do montante da coima, da análise da mesma não é possível apurar o porquê de se ter optado em concreto pelo valor da coima nela inserto, não concretizando os factos que considerou provados e que contribuíram para a fixação da coima, não fundamentando o porquê de se te optado por aquele valor e não pelo mínimo, logo, verifica-se a nulidade invocada pela arguida, não tendo sido respeitado o disposto no art.º 79.º do RGIT - nulidade insuprível.
N) Consagrada no art.º 63.º n.º1 alínea d) do supra citado diploma legal, ora tal nulidade, na medida em que inquina a acusação, ou seja a decisão que aplicou a coima, deve visualizar-se como excepção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito da causa pelo Tribunal. Cfr. AC. do STA – 2ª Secção 30/09/1999, rec. 23834 e AC. do STA – 2ª Secção 27/10/99, rec. 23619.
O) Ora, o Tribunal a quo aprecia esta arguição de nulidade por transcrição de excertos de dois acórdão, um do TAC Sul e outro do STA, não fazendo uma análise crítica e detalhada obre a situação em concreto, omitindo se a decisão que aplicou a coima obedece ou não aos requisitos do art.º 79.º do RGIT, pelo que, há nulidade de sentença por omissão de pronúncia sobre todas as questões colocadas e constantes das conclusões das alegações de direito oferecidas pela ora recorrente, nos termos do disposto na alínea d) do n.º1 artigo 668.º do Código de Processo Civil.
P) Embora entendamos que neste tipo de processos embora devendo reduzir-se ao mínimo toda a tramitação processual, tal diminuição não pode claramente resultar numa diminuição das garantias de defesa da arguida, como sucedeu no caso sub judice, sob pena de violação grosseira das garantias processuais que se encontram constitucionalmente consagradas, nomeadamente no artigo 32.º da C.R.P, cuja inconstitucionalidade se invoca desde já, para todos os legais efeitos.
Q) Por outro lado, faltando á decisão que aplicou a coima alguns dos requisitos taxativamente elencados no art.º 79.º do RGIT, o acto administrativo não está apto a produzir os efeitos desejados, não é definitivo e executório, devendo ser descaracterizado enquanto tal.
R) A sentença ora em crise padece de violação dos princípios da legalidade, prossecução do interesse público, protecção dos direitos e interesses dos cidadãos e igualdade de tratamento, motivos suficientes para que a ora recorrente refute frontalmente a conclusão do douto tribunal a quo de que as alegações da arguida improcedem, devendo a ora recorrente concluir que a nulidade do processo invocada na impugnação judicial, não procede porquanto foi respeitado o disposto no art.º 79.º do RGIT.
S) Entendimento diverso deste, REITERA-SE, levará certamente à secundarização do direito constitucionalmente consagrado de audição e defesa do arguido, favorecendo sem justificação o princípio da "bonus fides" processual;
T) Sendo pernicioso para a concepção de um verdadeiro Estado de Direito Democrático como é o nosso, a perversão do sacro princípio de audição e defesa do arguido em homenagem ao que poderá reputar-se mais importante, porque podemos ser tentados a proferir decisões sumárias sem que à arguida tenha sido dada a possibilidade de preparar a sua defesa;
U) Tendo perfeito conhecimento que "iura novit curia", mas por entendermos pertinente para a boa decisão do mérito da causa, a arguida supra cita várias decisões, de sentido diametralmente oposto ao ora em análise.

Nestes termos respeitosamente requer, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas. se dignem conceder provimento ao presente Recurso, e em consequência, ordenar a substituição da sentença ora em crise por uma outra que declare nulo todo o processo contra-ordenacional movido contra a ora recorrente Isto é Expresso - Serviço de Estafetas, Lda, ou ordene a aplicação oficiosa do art.º 32.º do RGIT.
Termos em que, P. e E. de V. Exas. A TÃO ACOSTUMADA JUSTIÇA !


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


O Exmo Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso, por não se verificarem os apontados vícios formais na sentença recorrida, nem erro na apreciação das provas, a decisão que aplicou a coima contém os seus elementos essenciais e que não ocorrem os fundamentos para a dispensa da pena.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Juízes Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se a decisão recorrida padece dos vícios formais de falta de fundamentação, de erro notório na apreciação da prova e de omissão de pronúncia; Se a decisão que aplica a coima contém todos os requisitos legais e bem assim se os mesmos lhe foram notificados para o seu direito de defesa; Se no caso se preenchem os pressupostos para a dispensa da coima; E se a sentença recorrida ofende os princípios contidos no art.º 32.º da CRP, da legalidade, prossecução do interesse público, da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos e da igualdade de tratamento.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório o M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
A) - Em 07/05/2005 foi levantado o auto de notícia de fls. 3 contra a arguida, ora recorrente, imputando-lhe a prática de uma infracção prevista e punida nos arts 40º, n° 1, al. a) e 26°, n° 1 do CIVA e 114°, n° 2 e 26°, n° 4 do RGIT, porquanto, registada em IVA no regime normal de periodicidade mensal - CAE 074872, não entregou, simultaneamente com a declaração periódica de IVA relativa ao período de 2005/01, cujo prazo de apresentação terminou em 10/03/2005, o imposto exigível, no montante de € 15.329,45;
B) - A arguida foi notificada, em 08/02/2006, nos termos e para os efeitos do art. 70º do RGIT;
C) - A arguida apresentou defesa escrita, nos termos que constam do articulado de fls. 7 a 10 e juntou documentos aos autos.
D) - Por despacho do chefe do serviço de finanças de Loures-1, datado de 26/06/2007, foi proferida a decisão sob recurso, que consta de fls. 20 e 21 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, a qual aplicou à arguida a coima de € 3.380.14;
E) - A arguida foi notificada da decisão, referida em D), em 13/07/2007;
F) - O imposto em falta, a que alude o auto de notícia, referido em A), e o despacho de aplicação da coima, referido em D), foi pago, em 14/10/2005, acrescido dos respectivos juros de mora e demais encargos.
G) - A recorrente tem um processo contabilístico complexo devido à quantidade de fornecedores que tem, já que recorre à prestação de serviços de diversos estafetas.
H) - Em 2005, com a entrada de um cliente novo (V ...) verificou-se um aumento substancial da actividade da recorrente, passando este cliente a representar cerca de 60% da facturação total da empresa, originando a entrega mensal de cerca de 25 a 27 mil papéis, pelos estafetas à empresa, sendo que não foram criados procedimentos para responder atempadamente às obrigações do IVA, circunstância que provocou o atraso em causa nos autos, aliada ao atraso nos pagamentos por parte do dito cliente.


4. Para negar provimento ao recurso judicial da decisão que aplicou à arguida a coima em causa, considerou o M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que a decisão que aplicou a coima não é nula, que a não menção da imputação subjectiva à arguida da infracção no caso a título de negligência não é elemento imprescindível nessa decisão e que a não entrega atempada do IVA sempre causa prejuízo à receita do Estado não podendo por isso ser dispensada da pena.

Para a arguida e ora recorrente, de acordo com a matéria das conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, contra todos estes fundamentos se vem insurgir, para além de imputar diversos vícios formais à própria sentença recorrida – falta de fundamentação, erro notório na apreciação da prova, omissão de pronúncia – que a notificação da decisão da entidade que lhe aplicou a coima não menciona quais os elementos em que se fundou para a aplicação da coima o que leva à sua nulidade e que a mesma sentença é violadora dos princípios da legalidade, prossecução do interesse público, protecção dos direitos e interesses dos cidadãos e igualdade de tratamento.

Vejamos então.
Quanto ao invocado vício formal da sentença recorrida de falta de fundamentação e de exame crítico das provas diremos, que a sentença recorrida sem ser um modelo de perfeição no que ao assunto tange (julgamento da matéria de facto e respectiva enumeração dos factos provados e não provados e quais os meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal), tendo em conta o disposto no art.º 374.º, n.º2 do Código de Processo Penal (CPP), ex vi do art.º 41.º do Dec-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (RGC), sem alcançar contudo o limiar da sua nulidade insuprível, quer porque tal falta não é absoluta (cfr. neste sentido o acórdão do STJ de 6.5.1992, publicado no Diário da República, II Série, de 6.8.1992), quer porque a mesma sentença refere, nela própria, nesse julgamento da matéria de facto, alguns dos elementos documentais donde tal factualidade provada emerge – cfr. suas alíneas A), C) e D) – pelo que não se observa a apontada nulidade, mas mera irregularidade sem influência no exame ou na decisão da causa.

Quanto ao invocado erro notório na apreciação da prova, por se haver dado como provado atrasos nos pagamentos de clientes da arguida e se extrai uma conclusão ilógica e irracional, ao não se concluir pela exclusão da ilicitude, como certeiramente observa o Exmo RMP, junto deste Tribunal, no seu parecer, já que não se mostra provado que o imposto em dívida à mesma arguida o fosse na data anterior à do incumprimento em causa nestes autos e a impedisse de, atempadamente, satisfazer o respectivo cumprimento da obrigação em falta, carecendo assim de demonstração qualquer relevo positivo entre esses atrasos de pagamento e o não cumprimento por parte da mesma da obrigação de entrega do imposto em causa, ou seja, dos autos não emerge factualidade provada que, em sede de causalidade adequada suporte a conclusão pertinente que os atrasos dos pagamentos fossem causa daquela não entrega do imposto nos cofres do Estado, não ocorrendo, também, o apontado erro notório.

De resto, como bem se observa no citado parecer, o invocado erro notório só pode incidir por relação entre os factos provados ou não provados e os respectivos suportes ou meios de prova [cfr. art.º 410.º, n.º2, c) do CPP], que não entre aqueles e as interpretações ou conclusões jurídicas deles extraídas.

Também a sentença recorrida não pode padecer do invocado vício formal de omissão de pronúncia por não ter apreciado se a decisão que aplicou a coima obedece ou não aos requisitos do art.º 79.º do RGIT, já que tal questão não deixou de ser tratada na mesma peça decisória, e logo a primeira a ser aí tratada, pelo que só mera distracção ou por leitura menos atenta, se pode vir afirmar ao contrário.

Na verdade, começa tal sentença, quanto à aplicação do direito:
A recorrente começa por alegar a nulidade da decisão recorrida, quer por omissão de imputação de elementos subjectivos da contra-ordenação na acusação, quer por omissão dos elementos essenciais da infracção.
Salvo melhor opinião, não lhe assiste razão.
É que, analisando o conteúdo da decisão, referida e dada por reproduzida em D) dos factos provados, constante de fls. 20 e 21 dos autos, verifica-se que a mesma contém todos os requisitos exigidos pelo art.º 79.º, n.º1, do RGIT, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5/6, pelo que, não ocorrendo a nulidade prevista no art.º 63.º, n.º1, alínea d), do mesmo diploma legal, não colhe nesta parte, a alegação da recorrente.
...
Improcedem assim, nesta medida, todos os vícios formais assacados à sentença recorrida.


4.1. Passemos agora a conhecer dos elementos que a decisão que aplica a coima deve, obrigatoriamente, conter.

Nos termos do disposto no art.º 79.º do RGIT, sob a epígrafe, Requisitos da decisão que aplica a coima, dispõe o seu n.º1 que a decisão que aplica a coima contém, sendo que a sua falta origina uma nulidade insuprível, art.º 63.º n.º1 d) do mesmo RGIT:
a) A identificação do infractor e eventuais comparticipantes;
b) A descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas;
c) A coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação;
d) ....

Esses elementos para a determinação da medida da coima, constam da norma do seu art.º 27.º e entre eles figuram, a gravidade do facto, a culpa do agente, a sua situação económica e deve exceder o benefício económico retirado da prática da contra-ordenação.

No caso, invoca a recorrente que tal despacho que lhe aplicou a coima não indica, concreta e circunstanciadamente, os elementos que contribuíram para a sua fixação e a sua imputação subjectiva a título de dolo ou negligência.

Porém, não tem razão.
Como desde logo se vê da matéria constante da alínea A) do probatório fixado e melhor se colhe dos autos, do referido despacho de fls 20 e 21, foram tidos em consideração na fundamentação da fixação da coima diversos e relevantes elementos, como seja a frequência da prática de infracções do mesmo tipo cometidas pela arguida, a culpa do agente a título de negligência (simples), a situação económica e financeira, que depois o decisor não terá deixado de, em bloco, ter tomado em conta para graduar a coima aplicável, contribuindo para a aumentar ou para a diminuir, embora se possa dizer, que tal despacho longe de ser um modelo de perfeição, apresenta alguma exiguidade de elementos referenciais e de vaguidade, embora em nosso entender se situe acima do limiar do exigível nas citadas normas aplicáveis do art.º 79.º n.º1 b) e c) – descrição sumária dos factos e indicação dose elementos que contribuíram para a sua fixação – já que expressamente, não deixa também, de indicar em concreto o imposto em falta resultante do cometimento da infracção - € 15.329,45 - não podendo por isso ter ocorrido essa invocada nulidade.

Também o despacho que lhe aplicou a coima lhe fez a sua imputação a título de negligência, como nele expressamente se diz, consistindo esta na formulação de um juízo de censura ao agente por não ter agido de outro modo, de acordo com o que a ordem jurídica e lhe impunha, conforme podia e devia (no âmbito de um dever geral de atenção, de cuidado, de consideração pelos interesses alheios).
O traço fundamental situa-se, pois, na omissão de um dever objectivo de cuidado ou diligência (não ter o agente usado aquela diligência exigida segundo as circunstâncias concretas para evitar o evento). Necessário ainda se torna que a produção do evento seja previsível (uma previsibilidade determinada de acordo com as regras da experiência dos homens, ou de certo tipo profissional de homens), e só a omissão desse dever impeça a sua previsão ou a justa previsão.

Como se pronuncia o Professor Jorge de Figueiredo Dias (1) ...
O facto negligente não é, simplesmente, uma forma atenuada ou menos grave de aparecimento do correspectivo facto doloso: é “outra coisa”, em suma é um aliud relativamente ao facto doloso correspondente...desenhando-se entre eles simplesmente uma fronteira a marcar o território onde acaba o dolo eventual e começa a culpa consciente, constituindo como que degraus de uma escada que se seguem uns aos outros...o facto doloso e o facto negligente têm, cada um, o seu tipo de ilícito e o seu tipo de culpa próprios e distintos.
...
O essencial da definição reside, porém, no proémio unitário, sendo aí que se contém o tipo de ilícito (a violação do cuidado a que, segundo as circunstâncias, o agente está obrigado, isto é, a violação do cuidado objectivamente devido) e o tipo de culpa (a violação do cuidado que o agente, segundo os seus conhecimentos e capacidades pessoais, está em condições de prestar).
...
Somente quando o tipo de ilícito negligente se encontra preenchido pela conduta tem então sentido indagar se o mandato geral de cuidado e previsão podia também ter sido cumprido pelo agente concreto, de acordo com as suas capacidades individuais, a sua inteligência e a sua formação, a sua experiência de vida e a sua posição social. Toda esta indagação ultrapassa já o nível do tipo de ilícito e situa-se no (e conforma o) tipo de culpa do facto negligente.
...
O elemento que parece conferir especificidade ao tipo de ilícito negligente é a violação, pelo agente, de um dever objectivo de cuidado que, no caso, sobre ele juridicamente impendia. Para os autores que destacam a “violação do cuidado objectivamente devido” como elemento específico dos tipos de ilícitos negligentes parece ficar próxima a ideia de que, com uma tal violação, é o desvalor de acção próprio do facto negligente que assim se revela; desvalor ao qual haveria de acrescer um desvalor de resultado traduzido na “ produção, causação e previsibilidade daquele”.
...
A não observância do cuidado objectivamente devido não torna perfeito, por si própria, o tipo de ilícito negligente, antes importa que ela conduza – como expressamente afirma o art.º 15.º do CP – a uma representação imperfeita ou a uma não representação da realização do tipo. Com estes elementos não parece impossível construir um “tipo subjectivo”, desde que se não se exaspere a tentativa – que julgamos presente em qualquer uma das concepções anteriormente expostas, embora porventura de forma não inteiramente assumida – de reconduzir necessariamente o tipo subjectivo a uma realidade psicológica ainda efectivamente existente na psique do agente e, na verdade, a uma qualquer forma de finalidade.
...
Em suma, na negligência consciente o tipo subjectivo residirá na deficiente ponderação do risco de produção do facto, na inconsciente na ausência de pulsão para a representação do facto. Tanto basta para, nesta base, se estar autorizado – se tal for dogmática e sistematicamente conveniente – a construir o “tipo subjectivo de ilícito negligente”.

A este respeito a decisão recorrida considerou que a AT lhe tinha imputado a infracção, não a título de dolo mas sim a título de mera negligência, por dos autos não resultar provado que a mesma não possa ter agido de acordo com a obrigação de entrega desse imposto nos cofres do Estado que sobre si impendia – cfr. art.º 15.º do Código Penal – não tendo pois, a decisão que lhe aplicou a coima constante de fls 20 e 21 dos autos lhe imputado tal infracção a título doloso, como também na mesma decisão recorrida considera ao se escrever:
...
“Os requisitos da decisão de aplicação de coima constam actualmente do art.º 79.º do R.G.I.Tributárias (cfr. art.º 212.º do C.P. Tributário), não vislumbrando o Tribunal que a decisão objecto do presente recurso padeça de qualquer nulidade (cfr. ac. STA – 2.ª Secção, 30/6/99, rec. 23834; ac. T.C.A. Sul – 2.ª Secção, 21/12/2005, processo n.º 806/05). No que, especificamente se refere aos elementos subjectivos da infracção deve constatar-se que a decisão de aplicação de coima se refere expressamente ao carácter negligente da conduta do arguido (cfr. n.º4 da matéria de facto provada).
...
Na verdade, como foi decidido no Ac. TCA-Sul de 21/12/05, proc. 00806/05, "A decisão condenatória em processo de contra-ordenação deve ser fundamentada mediante a inclusão dos requisitos referidos nas alíneas a) a c) do art.º 79.º n° 1, do RGlT- «identificação do infractor e eventuais comparticipantes», «descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas» e menção da «coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação» -, sob pena de nulidade nos termos do art. 63.º n° 1, alínea d) do mesmo diploma, esgotando-se aí as exigências de fundamentação, pois tais elementos são bastantes para que o interessado opte entre o conformar-se com a decisão ou o reagir contra ela. ".
E, ainda. como foi decidido no Ac. STA de 30/06/99, proc. 023834, "A não inclusão expressa na decisão de aplicação de coima de referência ao elemento subjectivo da infracção, no caso de imputação de infracção por negligência, não é elemento imprescindível da descrição sumária que deve constar daquela decisão. ".

Fundamentação com a qual também se concorda, assim improcedendo a matéria das citadas alíneas do recurso.

Em contrário do invocado na matéria da alínea M) das suas conclusões do recurso, a notificação do arguido dos factos apurados no processo de contra-ordenação, que mais não constitui do que a notificação para o mesmo apresentar a sua defesa, antes pois, da prolação do despacho que lhe irá aplicar a coima, não tem que lhe indicar que a infracção lhe irá, nesse mesmo despacho futuro, a seu imputada a título de negligência ou a título doloso, e nem quais os elementos que, futuramente, irão contribuir para a fixação da coima a aplicar, nem poderiam serem indicados por então ainda nem constarem da instrução dos autos, no caso, mas sim como dispõe, expressamente, a norma do art.º 70.º do RGIT, apenas dos «factos apurados no processo de contra-ordenação», e da «pena em que incorre», o que poderá ser efectuado pelo envio da cópia do auto de notícia, factos estes que a notificação em causa não deixou de, expressamente, mencionar como dela se vê de fls 5 dos autos, não sendo a decisão recorrida merecedora da crítica que a arguida lhe assaca ao também assim ter entendido e decidido, pelo que também não poderá deixar de improceder tal matéria.


4.2. Passemos agora a conhecer se a arguida pode ser dispensada da aplicação de qualquer coima nos termos do disposto no art.º 32.º do RGIT.

A situação fáctica subsumível à anterior norma do art.º 116.º da LGT (2) e hoje do art.º 32.º do RGIT, que previa a possibilidade de não aplicação de qualquer coima, desde que se verifiquem os requisitos aí previstos, e os quais são de verificação cumulativa, desde logo, pressupõe, que a prática da infracção não cause, prejuízo efectivo para a receita fiscal, o que não acontece no caso.

Na verdade, como bem se salienta na decisão recorrida, a falta de entrega ao Estado em tempo, do IVA cobrado aos seus clientes, que assim lhe não pertencia, mas ao Estado, causa necessariamente, prejuízo efectivo para a arrecadação da receita fiscal, só podendo tal mecanismo ser aplicado à violação dos deveres de cooperação que não ponham em causa a receita fiscal, como expende António Lima Guerreiro, in LGT anotada, Rei dos Livros, pág. 446, em anotação ao art.º 116.º e constitui jurisprudência deste Tribunal Como se pode ver do acórdão de 26.11.2002, recurso n.º 6857/02 e de 18.11.2003, recurso n.º 562/03, este tendo como relator o do presente. .

Esta norma é aliás, de semelhante conteúdo à do art.º 21.º do RJIFNA aprovado pelo Dec-Lei n.º 20.º-A/90, de 15 de Janeiro, quer na sua redacção inicial, quer na introduzida pelo Dec-Lei 394/93, de 24 de Novembro, em que igualmente permitia o afastamento excepcional da aplicação das coimas, desde que se verificassem os requisitos ali previstos, e semelhantes aos acima descritos referidos, depois, no art.º 116.º da LGT, como bem se expende no acórdão deste Tribunal n.º 6 857/02, de 26.11.2002, para cuja decisão com mais ampla fundamentação se remete.

Tal falta oportuna da entrega do imposto cobrado, causa, necessariamente, prejuízo na execução da despesa orçamentada por parte do Estado, não podendo este dispôr pontualmente dos meios financeiros necessários à execução do seu orçamento, desta forma podendo comprometer a respectiva execução das políticas definidas no mesmo, pelo que não pode beneficiar do regime previsto no art.º 116.º da LGT, ora constante no art.º 32.º n.º1 do RGIT, desta forma improcedendo a matéria das conclusões atinentes a tal questão.


4.3. Na matéria das conclusões P) e R) vem ainda a recorrente invocar a violação do art.º 32.º da CRP e dos princípios da legalidade, da prossecução do interesse público, da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos e igualdade de tratamento, não substanciando contudo como devia, tais invocadas violações, não se vendo assim, em que medida a sentença recorrida ou que norma ou normas aplicadas pela mesma podem colidir com tais princípios, pelo que ao seu arrimo não pode o recurso também deixar de improceder.


C. DECISÃO.
Nestes termos acorda-se em negar provimento e em confirmar a decisão recorrida.


Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em sete UCs (art.ºs 92.º n.º1 do RGCO e 87.º n.º1 b) do CCJ).


Lisboa, 28 de Outubro de 2009

(1) In Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, 2004, págs. 630 e segs.
(2) Esta norma bem como todo o Título V, capítulo I, Das infracções fiscais, art.ºs 106.º a 120.º, foi expressamente revogado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, pelo se art.º 2.º, alínea g), com entrada em vigor em 6.7.2001.