Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:317/23.6BEFUN
Secção:CT
Data do Acordão:03/14/2024
Relator:HÉLIA GAMEIRO SILVA
Descritores:RECLAMAÇÃO DE ATOS DO ÓRGÃO DE EXECUÇÃO FISCAL
EFEITOS DO RECURSO
ERRO NA FORMA DO PROCESSO
CONVOLAÇÃO
Sumário:I. A jurisprudência deste STA consolidou-se no sentido de que a reclamação com subida imediata mantém o efeito suspensivo do ato reclamado ou mesmo da execução fiscal sob pena de inutilidade prática e consequente violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, constitucionalmente consagrado no artigo 268.º, n.º 4, da CRP, efeito que, deve manter-se até que a decisão a proferir na reclamação judicial transite em julgado.
II. O erro na forma do processo, constitui uma nulidade de conhecimento oficioso, decorrente do uso de um meio processual inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo, aferida pelo pedido.
III. Se o pedido formulado é tempestivo e adequado à nova forma do processo, atenta a natureza judicial do processo de execução fiscal impõe-se a convolação da petição inicial de reclamação de ato do órgão de execução fiscal em requerimento dirigido ao órgão da execução fiscal.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contra-Ordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul

1 – RELATÓRIO

M…, LDA., melhor identificada nos autos, citada no processo de execução fiscal n.º 2810202301190059, no valor de € 6.673.253,42, instaurado no Serviço de Finanças do Funchal 1, vem reclamar ao abrigo do disposto no artigo 276.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

O Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) do Funchal, por decisão de 15 de dezembro de 2023, absolveu da instância a Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira no pedido atinente à repetição da citação, julgou a reclamação de ato improcedente, por não provada e, em consequência, manteve o ato reclamado.

Inconformada, a reclamante M…, Lda., veio recorrer, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:

«1. O presente recurso tem como objeto a sentença proferida no âmbito de reclamação de atos do órgão de execução fiscal, na parte em que se decidiu: (i) na apreciação da matéria de exceção invocada pela Exma. RFP, pela ocorrência de um erro na forma do processo quanto ao pedido de repetição da citação, sem haver lugar à convolação no meio adequado; (ii) na apreciação da matéria de facto carreada para os autos, pela fixação do ponto 3 do probatório, que capta, de forma equívoca, o objeto, os pedidos e as causas de pedir da reclamação; e (iii) na apreciação da matéria de direito, pela improcedência da reclamação quanto ao pedido de anulação dos atos reclamados, assente na desadequação da fundamentação.

B. O Tribunal a quo não compreendeu o objeto, os pedidos e as causas de pedir da reclamação, o que condicionou a apreciação da matéria de exceção, dos factos e da fundamentação de direito: dos segmentos decisórios recorridos perpassa a ideia de que, o ato reclamado é o ato de citação, individualmente considerado, com total independência do teor imediatamente lesivo das decisões tomadas pelo órgão de execução textualmente referidas nesse ato, e o pedido de repetição da citação, na medida em que concretiza a sanação de formalidades da citação. Não é verdade.
C. Nas presentes alegações refutam-se os segmentos decisórios recorridos identificados, e, em caso de provimento do presente recurso, caso este Tribunal ad quem, dentro dos seus poderes de cognição, venha a conhecer do mérito da reclamação, remete-se, por brevidade, para tudo quanto se disse na petição, nomeadamente para o Capítulo III da p.i. (arts. 23.° a 184.°), e para o pedido de reenvio prejudicial sugerido no Capítulo III das presentes alegações, por tudo quanto respeita aos fundamentos que não façam parte do objeto do recurso, sem prejuízo da possibilidade prevista nos nos 2 e 3 do artigo 665.° do CPC, aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.° e artigo 281.° do CPPT.

D. Os erros de julgamento incorridos têm um denominador comum: a total incompreensão do objeto da reclamação, dos pedidos formulados e das causas de pedir, no caso concreto, compulsados todos os articulados constantes dos autos e a prova documental junta aos autos.

E. A reclamação apresentada tem como objeto três decisões do órgão de execução fiscal, passíveis de autonomização, e que essencialmente constam textualmente do ato de citação para o processo ou são inferidas desse ato e da ausência de resposta a pedidos formulados pela executada previamente. As decisões são (i) a de não admissão da possibilidade de prestação de garantia idónea, (ii) a de não admissão da possibilidade de pagamento da dívida em prestações, (iii) e ainda a de não reconhecer qualquer efeito suspensivo a eventual oposição à execução a deduzir.

F. A primeira decisão contraria frontalmente as normas processuais aplicáveis à execução fiscal no nosso ordenamento jurídico, com total independência da natureza das dívidas exequendas em causa, nomeadamente as contidas nos artigos 169.° e 190.°, n.° 2 do CPPT e 52.° da LGT, a segunda decisão nos artigos 189.° e 196.° e seguintes do CPPT, e a terceira decisão nos artigos 169.°, 204.° e 212.° do CPPT. Nenhuma destas decisões tem amparo noutro normativo, orientação jurisprudencial ou princípio, conforme densificado nos arts. 36.° a 58.° das presentes alegações. 

G. Foram formulados dois pedidos ao Tribunal a quo: o de anulação de cada uma dessas decisões contidas no ato de citação, mediante a apreciação da ilegalidade das mesmas à luz das normas processuais aplicáveis ao processo de execução fiscal, da ausência de regulamentação nacional específica em cobrança coerciva de auxílios de Estado, e da regulamentação e jurisprudência europeias nesta matéria, e, concluindo pela ilegalidade das decisões, lesivas dos direitos e interesses desta, a ordenar a reposição da legalidade com estas decisões, nomeadamente através da repetição do ato de citação expurgadas as decisões inquinadas de ilegalidade por ser a única medida de reposição da legalidade plausível, à luz do n.° 1 do artigo 100.° da LGT.

H. Não obstante essas decisões constarem do ato de citação, por ter sido o momento e o local processuais escolhidos pelo órgão de execução fiscal para delas dar conhecimento à executada, as mesmas não perdem a sua autonomia enquanto decisões sindicáveis na reclamação, na medida em que, o órgão de execução, ao recusar, na citação, o efeito suspensivo pleno no processo executivo em que a dívida exequenda tenha origem ou causa em auxílios de Estado, cada uma delas corresponde a uma atuação ilegal explícita daquele órgão e que afeta os direitos e interesses legítimos da executada.

I. Essas decisões resultam da interpretação que o órgão da execução fez da regulamentação europeia e nacional existente sobre a recuperação dos auxílios de Estado em causa, e que é entendimento preconizado pela AT e pela Exma. RFP na sua resposta, no sentido de não ser possível obter efeito suspensivo no processo executivo em causa, em derrogação das normas aplicáveis, mas sem que tal pudesse advir da aplicação de dispositivo legal ou de princípio norteador.

J. Não é por essas decisões constarem do ato de citação que se está perante nulidades nominadas da citação, na aceção dos artigos 191.° do CPC, subsidiariamente aplicável, e 165.°, n.° 2; nulidades essas que a jurisprudência dos nossos tribunais superiores tem vindo a subsumir em casos bem distintos do que aquele que nos ocupa, nomeadamente a não indicação do prazo de reação ou a errónea identificação da dívida exequenda.

K. A ilegalidade da interpretação do órgão de execução quanto às dívidas exequendas com origem ou causa na recuperação de auxílios de Estado perpetuada nas decisões reclamadas não se confunde com a eventual ilegalidade ou nulidade do ato de citação, que comunica aquelas à executada, vedando quaisquer possibilidades de ter efeito suspensivo no processo executivo; quando muito a segunda ilegalidade é consequência natural da primeira; a que tem de ser discutida a montante na reclamação é a primeira, para depois ser reposta a legalidade.

L. Os argumentos esgrimidos na reclamação e revisitados nos Capítulos II e III das presentes alegações, que têm por referência, para além das normas processuais que vimos atrás, a regulamentação europeia e nacional aplicável, os princípios e o lastro jurisprudencial europeu e constitucional evocáveis, assim como o próprio regime da reclamação (em detalhe, o artigo 278.°, nos 3, 6 e 8 do CPPT), apontam todos no sentido de que devem ser asseguradas as garantias vedadas, daí que as decisões tomadas pelo órgão de execução sejam reclamáveis e devam ser substituídas por outras conformes com as normas legais e os princípios citados.

M. A reclamação tem como causas de pedir a admissibilidade da prestação de garantia para suspensão do processo de execução fiscal (com a indicação do valor a garantir), do pagamento em prestações e da dedução de oposição à execução com efeito suspensivo, o que foi previamente decidido negar pelo órgão de execução fiscal

N. Tendo em conta a prova documental produzida nos autos (documentos nos 1, 3, 4 e 5), e os princípios de interpretação das declarações negociais aplicáveis à interpretação das peças processuais constantes dos autos (petição inicial e os articulados subsequentes, assim como a resposta da Exma. RFP, e o requerimento inicial e os articulados da providência cautelar apensa), impugna-se expressamente o facto dado como provado no ponto 3. do probatório da sentença recorrida, por erro na apreciação da matéria de facto, em cumprimento do artigo 640.° do CPC, aplicável ex vi artigo 2.° do CPPT.

O. Os concretos meios probatórios atrás identificados impõem que o ponto 3. seja alterado do seguinte modo: “3. Recebida a citação pela aqui Reclamante, em que não era admitida a prestação de garantia com vista à suspensão do processo de execução fiscal em causa, o pagamento da dívida em, prestações, nem era reconhecido o efeito suspensivo da eventual oposição à execução a deduzir, considerando a natureza da dívida exequenda (pontos 3 e 4 da citação) veio a mesma apresentar a presente reclamação, formulando como pedidos o de anulação das decisões reclamação e o de repetição da citação como medida de reposição da legalidade, e como causas de pedir a admissibilidade de prestação de garantia para suspensão do processo de execução fiscal (com a indicação do valor da dívida para esse efeito), a admissibilidade do pagamento em prestações e admissibilidade de efeitos suspensivos do processo de execução fiscal da eventual oposição à execução a deduzir (cfr. teor da p.i. de reclamação e articulados, documentos n.os 1, 3 a 5 da p.i. e processo de execução fiscal em suporte virtual)”.
P. As três decisões do órgão de execução fiscal, que consubstanciam atos praticados em sede de execução fiscal pelo órgão competente com imediata lesividade para os direitos e interesses legítimos da executada, isto é, com repercussão negativa imediata na sua esfera, por não poder ser diferida por meios administrativos de impugnação, constituem o objeto da presente reclamação, não se podendo deixar de reconhecer à executada “o direito de solicitar imediatamente a intervenção do tribunal, como modo de assegurar a tutela judicial”, ao abrigo do artigo 103.°, n.° 2 da LGT, dos artigos 276.° e seguintes do CPPT, e dos artigos 20.° e 268.°, n.° 4, ambos da CRP como, aliás, sancionado pelo STA no Acórdão de 24-04-2019, prolatado no processo n.° 1956/18.2BEBRG.

Q. Se aquela não reage diretamente, com a sua reclamação, contra o ato de citação propriamente dito, “mas expressamente e diretamente contra o ato que indeferiu” a prestação de garantia, de pagamento em prestações ou de efeito suspensivo a eventual oposição, “imputando-lhe vícios próprios”, atos estes praticados “no âmbito de execução fiscal pelo respetivo órgão competente e potencialmente lesivo, logo reclamável (artigo 276.° do CPPT), e não há erro na forma do processo”, conforme decidiu o TCAN no Acórdão de 13-04-2023, proferido no processo n.° 00088/23.6BEBRG.

R. Estando na presença de um “comportamento imediatamente lesivo dos direitos do executado, este pode arguir essa ilegalidade diretamente perante o juiz e através do meio processual previsto no artigo 276.° e segs. do CPPT, não tendo previamente que suscitar a questão perante o órgão da execução fiscal”, citando o STA (processo n.° 1956/18.2BEBRG), razão pela qual a reclamação deverá ser julgada a final procedente, por se entender ser o meio processual adequado à satisfação da pretensão da ora Recorrente.

S. E caso se viesse a entender que tais vícios das decisões deveriam ser subsumidos, ao invés, a nulidades de citação, por resultarem de preterição de formalidades essenciais do ato de citação, no que não se concede, mas que apenas se admite por mero dever de patrocínio, os nossos tribunais superiores já entenderam que quando tais nulidades são invocadas como vícios invalidantes “do próprio acto reclamado ao abrigo do artigo 276.° do CPPT, deve[m] ser analisada[s] por constituir[em] fundamento da ilegalidade do despacho reclamado, sendo do conhecimento oficioso e pode[m] ser arguida[s] até ao trânsito em julgado (artigo 165.°, n.° 4 do CPPT)”, como consta do Acórdão do STA de 02-04-2014, proferido no processo n.° 0217/14, citado no Acórdão do TCAS de 29-092022, processo n.° 24/22.7 BEALM. No limite, dentro do controlo judicial que é exigido neste contexto, sempre se poderia ter conhecido dessas irregularidades por terem sido arguidas enquanto vícios geradores da ilegalidade das decisões reclamadas.

T. E caso assim não se admitisse, ainda que com condição subsidiária, a reclamação deveria ter sido convolada em requerimento de arguição de nulidades, seja porque foi apresentada no prazo de 10 dias, dentro do prazo legalmente previsto para o dito requerimento, seja porque a Exma. RFP admitiu essa possibilidade no processo; seja porque o mesmo Tribunal decidiu, noutro processo com o n.° 318/23.4BEFUN, que a convolação sempre seria de se impor à luz dos artigos 98.°, n.° 4 do CPPT, e 97.°, n.° 3 da LGT, “uma vez que o efeito jurídico pretendido assim com os respetivos fundamentos de facto e de direito em que assenta” são adequados ao requerimento, como também ensinou o STA nos Acórdãos de 17-03-2004 e de 04-03-2015, proferidos nos processos n.os 0929/03 e 01271/13, respetivamente.

U. O Tribunal a quo deveria ter ainda apreciado, em homenagem aos princípios da economia processual e da tutela jurisdicional efetiva, a legalidade das decisões reclamadas, cuja anulação havia sido peticionada e, ponderadas, com rigor, as normas processuais, a regulamentação europeia e nacional aplicável à recuperação de auxílios de Estado, assim como os princípios e o lastro jurisprudencial europeu e constitucional aplicáveis, deveria ter rejeitado a inadmissibilidade das garantias identificadas que perpassa das decisões reclamadas, e concluído pela ilegalidade dessas decisões, que deveriam ser substituídas por outras conformes.

V. Até porque essa ilegalidade, contrariamente ao afirmado pelo órgão recorrido, afeta o processo executivo na sua substância, que a reclamação teve subida imediata para o tribunal de primeira instância, sendo tramitada como processo urgente, pela iminente situação de prejuízo irreparável, sancionada pelo próprio, e reconhecido o efeito suspensivo da reclamação admitido no n.° 8 do artigo 278.° do CPPT, porquanto o objeto da mesma, pelas matérias a tratar, afeta a totalidade da tramitação da execução.

W. Em qualquer caso, e a título meramente subsidiário, para o caso de este Tribunal ad quem concluir no sentido da existência de uma dúvida contendente com o Direito da União, que justifique a suspensão da instância, para pronúncia pelo Tribunal de Justiça, ao abrigo do mecanismo de cooperação jurisdicional ínsito ao artigo 267.° do TFUE, sugere-se a este douto Tribunal a elaboração de questão ou questões, com as formulações propostas no art. 126.° das presentes alegações.

X. Por tudo o que vem dito nestes autos, e considerando o disposto no n.° 2 do artigo 286.° do CPPT, mais se requer que seja atribuído efeito suspensivo do recurso interposto da sentença recorrida, ainda que proferida numa reclamação de subida imediata, urgente, que afeta a totalidade da tramitação da execução, com o alcance possível para o processo executivo em causa (até à decisão definitiva da reclamação), por forma a evitar ou pelo menos a minorar os prejuízos irreparáveis já identificados que poderão resultar do efeito meramente devolutivo do recurso, nomeadamente com a promoção de diligências executivas, na sua pendência, sem que se justifique a prestação de garantia para o efeito.

NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO DEVE O PRESENTE RECURSO SER ADMITIDO E CONCEDIDO PROVIMENTO, POR PROVADO E FUNDADO, COM A CONSEQUENTE REVOGAÇÃO DOS SEGMENTOS DECISÓRIOS RECORRIDOS CONSTANTES DE SENTENÇA PROFERIDA NOS PRESENTES AUTOS E SUBSTITUIÇÃO DESTES POR OUTROS EM QUE SE:

1) JULGUE A PRESENTE RECLAMAÇÃO DE ATOS DO ÓRGÃO DE EXECUÇÃO FISCAL UM MEIO PROCESSUAL ADEQUADO À APRECIAÇÃO DOS DOIS PEDIDOS FORMULADOS: O DE ANULAÇÃO DAS DECISÕES RECLAMADAS, CONSTANTES DO ATO DE CITAÇÃO, E O DE ORDEM DE REPETIÇÃO DESSE ATO, COMO ÚNICA MEDIDA DE REPOSIÇÃO DA LEGALIDADE PLAUSÍVEL, COM A SUPRESSÃO DESSAS DECISÕES ILEGAIS, NOS TERMOS E COM OS FUNDAMENTOS SUPRA INVOCADOS;

2) ALTERE O PONTO 3. DO PROBATÓRIO NO SENTIDO DE CAPTAR DEVIDAMENTE O OBJETO, OS PEDIDOS E AS CAUSAS DE PEDIR DA RECLAMAÇÃO, NOS TERMOS E COM OS FUNDAMENTOS SUPRA INVOCADOS;

3) JULGUE PROCEDENTE A RECLAMAÇÃO DE ATOS DO ÓRGÃO DE EXECUÇÃO FISCAL, POR PROVADA E FUNDADA, NOS TERMOS E COM OS FUNDAMENTOS SUPRA INVOCADOS, COM TODAS AS DEVIDAS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.

MAIS SE REQUER QUE SEJA CONCEDIDO O EFEITO SUSPENSIVO AO PRESENTE RECURSO.

MAIS SE REQUER QUE SEJA CONCEDIDA A DISPENSA DO PAGAMENTO DO REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA.»


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A Recorrida (Autoridade Tributária e Assuntos Ficais da RAM), devidamente notificada para o efeito, não apresentou contra-alegações.

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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal, nos termos do artigo 289.º, n. º1 do CPPT, vem manifestar-se em concordância com o sentido da decisão que julgou improcedente a reclamação.

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Com dispensa de vistos legais, atento o carácter urgente dos presentes autos, vêm os mesmos submetidos à conferência desta Subsecção para decisão.

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2 – OBJECTO DO RECURSO

Antes de mais, importa referir que, independentemente das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões do recorrente nas alegações de recurso que se determina o âmbito de intervenção do tribunal (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho).

Assim e constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo a já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Termos em que, atento o alegado, as questões sob recurso que, em concreto, importa conhecer são as de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento:
a. ao decidir pela verificação de erro na forma de processo quanto ao pedido de repetição da citação, sem haver lugar à convolação no meio adequado;
b. na apreciação da matéria de facto, quanto ao ponto 3. fixado do probatório e,
c. quanto à decisão de improcedência da reclamação relativamente ao pedido de anulação dos atos reclamados, assente na desadequação da fundamentação.

Por fim, importa ainda verificar se o Tribunal errou ao fixar o efeito do recurso, como meramente devolutivo ou se, como solicita agora Recorrente, deveria ter-lhe sido fixado o efeito suspensivo.


3 - FUNDAMENTAÇÃO

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
«1. Pelo Serviço de Finanças do Funchal - 1 foi instaurado contra M…, LDA., o processo de execução fiscal n.° 281…., por dívidas de IRC - recuperação de auxílios (cfr. processo de execução fiscal em suporte virtual);

2. Aquele Serviço de Finanças enviou então a citação do processo de execução fiscal à aqui Reclamante (cfr. processo de execução fiscal em suporte virtual);

3. Recebida a citação pela aqui Reclamante, veio a mesma apresentar a presente reclamação, formulando como pedidos o de anulação do ato reclamado e o de repetição da citação, e como causas de pedir que a citação não fixou o valor da dívida para efeitos de prestação de garantia para suspensão do processo de execução fiscal, que proibiu o pagamento em prestações e que determinou que a oposição não terá efeitos suspensivos do processo de execução fiscal (cfr. teor da p.i. de reclamação e processo de execução fiscal em suporte virtual).


*

Factos não provados:

Inexistem factos não provados com relevo para a decisão da causa.


*

Motivação:

A convicção do Tribunal assentou na apreciação crítica dos documentos autênticos e particulares juntos, os quais não foram impugnados, conforme referenciado em cada alínea do probatório, tudo fundamentado no n.° 2 do art.° 34.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário e no n.° 1 dos art.°s 369.°, 370.° e 371.°, todos do Código Civil (documentos produzidos pela Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira) e no n.° 1 dos art.°s 373.°, 374.° e 376.°, todos também do Código Civil (documentos particulares).»


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Da alteração ao probatório

Nas conclusões N. e O. do salvatério a Recorrente vem, ao abrigo do preceituado no artigo 640º do CPC, impugnar o conteúdo do ponto 3. do probatório, por erro na apreciação da matéria de facto e pede que o conteúdo do referido ponto 3. passe a ter a seguinte redação:

“Recebida a citação pela aqui Reclamante, em que não era admitida a prestação de garantia com vista à suspensão do processo de execução fiscal em causa, o pagamento da dívida em, prestações, nem era reconhecido o efeito suspensivo da eventual oposição à execução a deduzir, considerando a natureza da dívida exequenda (pontos 3 e 4 da citação) veio a mesma apresentar a presente reclamação, formulando como pedidos o de anulação das decisões reclamação e o de repetição da citação como medida de reposição da legalidade, e como causas de pedir a admissibilidade de prestação de garantia para suspensão do processo de execução fiscal (com a indicação do valor da dívida para esse efeito), a admissibilidade do pagamento em prestações e admissibilidade de efeitos suspensivos do processo de execução fiscal da eventual oposição à execução a deduzir (cfr. teor da p.i. de reclamação e articulados, documentos n.os 1, 3 a 5 da p.i. e processo de execução fiscal em suporte virtual).”

Ora, não obstante seja aceite por este tribunal que a redação do facto impugnado deva ser reformulada, por não refletir detalhes relevantes do ofício de citação, a verdade é que a redação proposta pelo Recorrente se revela desadequada por conter juízos conclusivos, que não devem/podem constar da matéria de facto provada, pela simples razão de que “juízos” não são “factos”.

Assim, ao abrigo dos poderes conferidos pelo artigo 652º do CPC, altera-se a redação do ponto 3. da materialidade fixada, que passará a ter a seguinte redação:

“3) Por ofício datado de 27/09/2023, emitido pelos serviços da AT, a Reclamante foi citada no âmbito do processo de execução fiscal nº 281…, do qual consta o que a seguir, para o que aqui releva, se transcreve:

“Fica citado(a)1 da instauração do processo de execução fiscal identificado para cobrança da seguinte dívida:

1) A dívida em causa decorre do processo de recuperação dos auxílios de Estado concedidos a empresas da Zona Franca da Madeira 2, podendo ser consultada na sua área reservada do Portal das Finanças 3.

2) A contar da presente citação deverá pagar a totalidade da dívida no montante total de € 6.673.253,42, no prazo de 30 dias, (…);

3) Pode ainda, no referido prazo de 30 dias, querendo:

a) Requerer Dação em Pagamento 4, através de bens móveis e imóveis;

b) Apresentar Oposição Judicial 5, com os fundamentos previstos da lei não revestindo este meio de defesa carácter suspensivo da execução atendendo à natureza da dívida em causa.

4) Face às características da dívida, não poderá requerer o pagamento em prestações.

Nota:
1 Citação – artigos 189º, 190º e 192º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (…).
2 Decisão (UE) 2022/1414 da Comissão de 4 de dezembro de 2020 relativa ao regime de auxílios SA.21259 (2018/C) (ex-2018/NN) aplicado por Portugal a favor da Zona Franca da Madeira (ZFM) — Regime III, publicado no Jornal Oficial da União Europeia nº L217/49 de 28-08-2022.
3 Área reservada no Portal das Finanças(…)
4 Dação em Pagamento – artigo 201º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (…).
5 Oposição – artigo 204º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (…).
6 As custas foram calculadas em função da fase processual e dos encargos.
O Director de Finanças”

Tudo cfr. documento de Citação Pessoal integrante do processo instrutor - pag. 212 a 310 do SITAF – que aqui se dá, aqui, por integralmente reproduzido.

Estabilizada a matéria de facto, prosseguimos.

De direito

Encetamos a nossa análise pela apreciação do pedido na parte que se reporta ao efeito a fixar ao presente recurso jurisdicional.

Com efeito, no despacho de admissão do recurso o Tribunal a quo fixou-lhe o efeito meramente devolutivo, com o qual, como vimos, a Recorrente não concorda por considerar que o recurso deve ter efeito suspensivo face aos elevados prejuízos que resultam da atribuição do efeito meramente devolutivo.
Assim e acolhendo o que a este propósito se disse no Acórdão do STA de 02/04/2020 – proc. 0600/19.5BELLE, “[O]s recursos podem dois efeitos: devolutivo ou suspensivo. Todos os recursos têm efeito devolutivo, que consiste na devolução da competência para conhecer da questão decidida ao tribunal de hierarquia superior, para que este anule ou reveja a decisão recorrida, revogando-a ou confirmando-a; quanto à eficácia da decisão recorrida na pendência do recurso, ela em nada é afetada, tudo se passando como se o recurso não tivesse sido interposto, podendo, em regra, a decisão recorrida ser executada de imediato. O efeito suspensivo, que pode acrescer ao efeito devolutivo, manifesta-se por dois modos, que podem ocorrer simultaneamente: efeito suspensivo da decisão, que impede a execução da sentença ou a produção dos efeitos por ela visados, e efeito suspensivo da marcha do processo, que implica que o processo não prossiga no tribunal onde foi proferida a decisão até estar decidido o recurso (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Áreas Editora, 2011, 6.ª edição, volume IV, nota 10 ao art. 279.º, pág. 332, e notas 6 a 9 ao art. 286.º, págs. 508 a 510. Cfr. AMÂNCIO FERREIRA, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 2009, 9.ª edição, págs. 186/187.).
Nos termos do disposto no n.º 2 do art. 286.º do CPPT, «Os recursos têm efeito meramente devolutivo, salvo se for prestada garantia nos termos do presente Código ou o efeito devolutivo afectar o efeito útil dos recursos».
Porque no caso não foi prestada garantia, o efeito suspensivo só poderá ser decretado ao abrigo da segunda parte da norma transcrita. Assim, será que o mero efeito devolutivo afecta o efeito útil do recurso?
Como bem salientou o Procurador-Geral-Adjunto no seu parecer, estamos perante um processo de reclamação de acto que subiu imediatamente a tribunal, ao abrigo do disposto no art. 278.º do CPPT. Ora, se é certo que actualmente (()Após as alterações introduzidas pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2013, na alínea n) do n.º 1 do art. 97.º do CPPT (que passou a dizer «O recurso dos actos praticados na execução fiscal, no próprio processo ou, nos casos de subida imediata, por apenso», quando anteriormente dizia «O recurso, no próprio processo, dos actos praticados na execução fiscal») e na alínea d) do art. 101.º da LGT (que passou a dizer «O recurso dos actos praticados na execução fiscal, no próprio processo ou, nos casos de subida imediata, por apenso», quando antes dizia «O recurso, no próprio processo, dos actos praticados na execução fiscal») – a subida da reclamação a tribunal deixou de ser efectuada no próprio processo de execução fiscal, passando a sê-lo por apenso. De igual modo, as alterações introduzidas no art. 278.º do CPPT pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2015 – eliminação, na epígrafe da norma, da referência ao “efeito suspensivo” e previsão no n.º 5 de que «A cópia do processo executivo que acompanha a subida imediata da reclamação deve ser autenticada pela administração tributária») o efeito suspensivo dessa reclamação sobre a execução fiscal não tem consagração legal expressa, a jurisprudência deste Supremo Tribunal consolidou-se no sentido de que a reclamação com subida imediata mantém o efeito suspensivo do acto reclamado ou mesmo da execução fiscal (()Que, antes das alterações referidas na nota anterior, decorria, de facto, da remessa do processo de execução fiscal a tribunal, como salienta JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., IV volume, anotação 2 d) ao art. 278.º, págs. 302/303), sob pena de inutilidade prática e consequente violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, constitucionalmente consagrado no art. 268.º, n.º 4, da CRP (()Cfr. entre muitos outros e por mais recentes, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 21 de Fevereiro de 2018, proferido no processo com o n.º 91/18, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/a58f7880e2f3cc3 e8025823d00565c63;
- de 20 de Junho de 2018, proferido no processo com o n.º 480/18, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/a3eb60b6ea69023f802582b4004bb488;
- de 26 de Junho de 2019, proferido no processo com o n.º 23/18.3BEBJA (821/18), disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d32ba0c39ecb9d 758025842c0051c950;).
Ora, esse efeito suspensivo, que, no caso, é não só do acto reclamado como do próprio processo de execução fiscal (()estando em causa a validade da citação, o efeito suspensivo da reclamação sobre o acto reclamado implica a suspensão da própria execução fiscal), deve manter-se até que a decisão a proferir na reclamação judicial transite em julgado.
Assim, é de deferir a pretensão da Recorrente, de alteração do efeito do recurso”. – fim de citação

Dito isto e de volta à situação que nos ocupa, damos conta que a reclamação subiu imediatamente, tendo sido invocado o prejuízo irreparável (278º do CPPT).

Assim e seguindo o entendimento jurisprudencial acabado de expor, torna-se, para nós, imperioso concluir que o efeito do recurso decorrente da subida imediata da reclamação do ato do órgão de execução deve ser o efeito suspensivo.

Termos em que se revoga o despacho que conferiu o efeito meramente devolutivo ao presente recurso jurisdicional, fixando-se, ao invés, efeito suspensivo.


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Vejamos agora o que nos apraz dizer quanto ao julgamento levado a efeito pelo TAF do Funchal conducente entendimento de que os autos se encontram feridos por erro na forma de processo quer quanto ao pedido de repetição da citação insuscetível de convolação para a forma de processo adequado, quer na apreciação da matéria de facto carreada para os autos, quer ainda, quanto à decisão de improcedência da reclamação relativamente ao pedido de anulação dos atos reclamados, assente na desadequação da fundamentação, tal como deixamos enunciado em sede de delimitação do objeto do recurso.

Antes de principiar a apreciação do pedido que nos vem formulado importa referir que estas questões foram suscitadas a este Tribunal em outros processos em tudo idênticos ao que aqui nos ocupa, sendo também as mesmas as partes processuais, idêntica a decisão recorrida e, em tudo iguais, as conclusões recursivas.

Por assim ser, acolhemos, o que se deixou dito por este TCA Sul no acórdão proferido, nesta mesma sessão de julgamento, no processo n.º 319/23.2BEFUN, cuja Relatora é aqui 2.ª Adjunta e que, por concordância e facilidade, aqui seguiremos.

Alega a Recorrente que o Tribunal a quo não compreendeu o objeto, dos pedidos e as causas de pedir da reclamação, circunstância que, na sua opinião, terá condicionado a apreciação efetuada na sentença recorrida e que o ato reclamado não é a sanação das formalidades da citação.

Explicita que a reclamação tem como objeto três decisões do órgão da execução fiscal, passíveis de autonomização e que constam, textualmente, afirma, do acto de citação, ou são inferidas desse ato e da ausência de resposta a pedidos formulados pela executada previamente, nomeadamente:

i) a da não admissão da possibilidade de prestação de garantia idónea;

ii) a de não admissão da possibilidade de pagamento da dívida em prestações;

iii) e a de não reconhecer qualquer efeito suspensivo a eventual oposição à execução a deduzir.

Pretende que seja considerado adequado o meio processual utilizado e que seja julgada procedente a reclamação, por provada e fundada

Vejamos então.

Resulta dos autos que a presente reclamação foi deduzida tendo por objeto o ato (de citação) praticado pelo Serviço de Finanças do Funchal -1 que não fixou o valor da dívida para efeitos de prestação de garantia para suspensão do processo de execução enquanto a liquidação do imposto subjacente à execução está a ser discutida judicialmente e, consequentemente, não facultou a possibilidade contida no artigo 169º do CPPT, como também proibiu o pagamento em prestações e determinou que a oposição à execução (artigo 204º do CPPT) não terá efeitos suspensivos da execução.

O pedido formulado na petição inicial pela ora Recorrente foi o seguinte:

“se requer a V. Exª que julgue procedente a presente Reclamação, devendo ser anulado o ato reclamado e repetida a citação contendo o valor a garantir para uso da faculdade contida no artigo 169º do CPPT, a possibilidade de o pagamento ser feito em prestações, como ainda o efeito suspensivo da eventual oposição à execução deduzida nos termos do artigo 204º do CPPT.”

A sentença recorrida julgou procedente a exceção de erro na forma de processo, suscitada pela AT, com a seguinte fundamentação:

“(…)

Quanto à exceção do erro na forma do processo, o que resulta da p.i. é que foram formulados pela Reclamante dois pedidos diferentes: o de anulação do ato reclamado e o de repetição da citação.
Daqui resulta que se aquele primeiro pedido de anulação do ato reclamado é próprio do presente meio processual - dado que é precisamente a anulação de um ato que se pretende com a apresentação do presente meio impugnatório, o de repetição da citação já não o é, antes sendo competente para o mesmo o Órgão de Execução Fiscal onde tramitar o processo de execução fiscal.

Ocorre então, de facto, um erro na forma do processo, mas apenas quanto ao pedido de repetição da citação.

Sucede que, tendo sido formulado um (outro) pedido próprio deste meio, o erro na forma do processo importa apenas a nulidade parcial do processo, sem que haja lugar à convolação no meio adequado para o conhecimento ou apreciação do pedido desadequado (neste caso, a convolação em requerimento de repetição da citação junto do Órgão de Execução Fiscal). Com efeito, sendo naquela parte nulo o presente processo, por erro na forma de processo, nos termos do n.° 1 do art.° 193.° do Código de Processo Civil, aplicável ex vi al. e) do art.° 2.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, não se procede ainda assim à convolação da p.i. em requerimento junto do Órgão de Execução Fiscal, precisamente porque também foi formulado um pedido próprio do meio “reclamação”, antes se considerando assim sem efeito o pedido para o qual o presente processo não é adequado, e absolvendo-se nessa parte a Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira da instância (cfr. al. b) do n.° 1 do art.° 278.° e al. b) do art.° 577.°, ambos do Código de Processo Civil, aplicável ex vi al. e) do art.° 2.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário) (…)” – fim de citação

Entendeu assim a sentença recorrida dar sem efeito o pedido para o qual o processo não é adequado, e absolveu da instância, nessa parte, a AT.

Neste ponto recuperamos o texto do Acórdão proferido no processo n.º 319/23.2BEFUN nesta sessão, que como dissemos, vimos seguindo e donde, por similitude e concordância, transcrevemos:

Da leitura da p.i., como vimos supra, resulta cristalino que a ora Recorrente identificou como acto reclamado o acto de citação, sendo que, o pedido efectuado foi de anulação do acto reclamado, para além do pedido de repetição da citação, de acordo com as pretensões da Recorrente.

Assim, a questão principal a averiguar é se deve, ou não, ser mantido o decidido relativamente ao erro na forma de processo.

A jurisprudência dos Tribunais Superiores tem, reiteradamente, afirmado que a reclamação judicial de acto praticado pelo órgão da execução fiscal, e no respectivo âmbito, constitui uma verdadeira acção impugnatória incidental da execução fiscal, formulada no decurso de execução pendente. E que, a reclamação tem como objecto determinado acto praticado pelo órgão da execução fiscal com vista à apreciação da validade do mesmo.

Tal processo de reclamação, previsto no artigo 276.º e seguintes do CPPT, visa a apreciação da legalidade de actuação do órgão da execução fiscal à luz da fundamentação do acto por este praticado.

Por outro lado, tem sido entendimento uniforme da jurisprudência dos tribunais superiores que a citação ocorrida no âmbito de um processo de execução fiscal não pode ser directamente sindicada junto do tribunal tributário, sendo necessário, previamente, que a arguição de nulidades ou ilegalidades assacadas à citação seja efectuada perante o órgão da execução fiscal, através de requerimento dirigido ao Chefe do Serviço de Finanças.

Apenas do eventual indeferimento de tal requerimento poderá o interessado reclamar, junto do tribunal, ao abrigo do preceituado no artigo 276º do CPPT.

Neste sentido, entre outros, veja-se o que se escreveu no Acórdão do STA de 24/07/2013, proferido no âmbito do processo nº 1220/13:

“(…) No que tange à causa de pedir que gira em torno da nulidade/falta de citação dos reclamantes no processo de execução, como é sabido, tal questão terá de ser arguida no próprio processo de execução fiscal (artigo 198° do CPC e 103°, n° 1 LGT), sendo que do indeferimento dessa arguição cabe reclamação para os tribunais tributários, nos termos dos artigos 276° do CPPT e 103° n° 2 da LGT.(…)”

Regressando ao caso dos autos, da leitura da p.i., concretamente do pedido efectuado, em conjunto com o corpo da alegação que constitui a causa de pedir, constata-se que o Recorrente, ali Reclamante, coloca em causa a citação por si recebida, pretendendo que a mesma seja repetida, depois de sanadas as invocadas ilegalidades.

Ora, muito embora a sentença recorrida tenha entendido ser a reclamação o meio processual adequado a apreciar do pedido de anulação da citação, como supra vimos, só assim será depois de a questão ser colocada perante o órgão da execução fiscal, o que, manifestamente, não sucedeu.

E esta apreciação prévia diz respeito tanto ao pedido de anulação, como ao pedido de repetição da citação.

Se o órgão da execução fiscal concluir que tem razão o executado, relativamente às irregularidades invocadas, naturalmente, repetirá a citação devidamente sanada daquelas.

Entendemos, pois, contrariamente ao entendimento preconizado na sentença recorrida que a petição inicial deverá ser convolada em requerimento de arguição de nulidade da citação dirigido ao órgão da execução fiscal, de modo a que este se pronunciar quanto ao ali invocado.

Refere, ainda, a Recorrente que o ofício de citação incorpora 3 outras decisões, que seriam, também, reclamadas.

Não tem razão.

Por um lado, a reclamação prevista no artigo 278º do CPPT consubstancia um ataque a um acto concreto, individualizado e dirigido ao reclamante.

Por outro lado, não se vislumbra que as menções constantes da citação configurem actos reclamáveis, praticados no âmbito do processo de execução fiscal.

Mais, dos autos resulta que a Recorrente requereu a prestação de garantia, sob a forma de fiança, com vista à suspensão do processo executivo, não havendo notícia que tenha sido decidido. Note-se que está nas mãos da Recorrente reagir perante a omissão de decisão, utilizando os meios legais previstos para o efeito.” – fim de citação

Dito isto, concluímos, como o fez o acórdão citado, no sentido de conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, determinar a convolação da petição inicial em requerimento de arguição de nulidade da citação dirigido ao órgão da execução fiscal e determinar a baixa dos autos à primeira instância para que remeta os autos ao Serviço de Finanças competente, ao que se provirá na parte do dispositivo do presente aresto.

Fica prejudicado o conhecimento do demais invocado no presente recurso


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Quanto ao pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça

Decorre do disposto no n.º 7 do artigo 6.º, do RCP que “[N]nas causas de valor superior a € 275000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.

Estamos, por conseguinte, perante uma dispensa de carater excecional que, nos mesmos moldes, em que se encontra previsto para o agravamento (n.º 7 do artigo 7.º do mesmo RCP), depende de avaliação casuística do julgador, devendo ter lugar aquando da fixação das custas ou, requerida, em caso de omissão, através de requerimento de reforma da decisão, ou em sede de recurso — vide, neste sentido, o Acórdão do Pleno da Secção do CT do STA, proferido em 15/10/2014, no processo n.º 01435/12.

Não restam, assim, dúvidas de que o pagamento do remanescente da taxa de justiça nas ações de valor superior a € 275 000, pode ser dispensado, desde que a especificidade das circunstâncias relativas ao caso concreto o justifiquem atendendo-se, como nos diz a norma legal citada, à complexidade da causa e à conduta das partes, entendendo-se que o momento em que deve apreciar a questão é aquele em que é proferida a decisão relativamente às custas, que é, em regra, corresponde ao da decisão final.

Dissecando as circunstâncias do caso em análise, damos, desde logo conta, que aqui, se mostram preenchidos os pressupostos para proceder à requerida dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do n.º 7 do artigo 6.º do RCP, ou seja:

Ä O valor da causa corresponde a montante superior a € 275 000, mais precisamente em € 6.673.253,00.

Ä A decisão não exigiu elaboração técnica, nem de elevada especialização jurídica para além, da atividade normal, que pudesse considerar-se suscetível de justificar o pagamento do remanescente da taxa de justiça, correspondente a uma ação daquele valor.

Ä O comportamento processual das partes foi normal e de colaboração com os Tribunais, não resultando do processo que tenham sido promovidos expedientes de natureza dilatória ou tenham sido praticados atos inúteis, limitando-se estas ao exercício dos direitos processuais legalmente previstos na tutela dos seus direitos, em cumprimento das respetivas atribuições, guiando-se as partes pelos princípios da cooperação e da boa fé.

Termos em que se conclui pela verificação dos referidos pressupostos, e bem assim, pela circunstância de se verificar justificada a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida, conforme pedido formulado pela requerente, impondo-se o deferimento do pedido de ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 7, do RCP.

4 - DECISÃO
Em face do exposto, acordam, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais deste Tribunal Administrativo Sul, em:

I. Revogar o despacho que fixou ao recurso efeito meramente devolutivo, fixando-se efeito suspensivo;

II. Conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, determinar a convolação da petição inicial em requerimento de arguição de nulidade da citação dirigido ao órgão da execução fiscal e ordenar a baixa dos autos à primeira instância para que remeta os autos ao Serviço de Finanças competente.

Custas pela Recorrida, com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Registe e Notifique.

Lisboa, 15 de março de 2024


Hélia Gameiro Silva – Relatora
Lurdes Toscano - 1.ª Adjunta
Isabel Vaz Fernandes - 2.ª Adjunta
(Com assinatura digital)