Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:165/16.0BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:09/15/2022
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA
GERÊNCIA DE FACTO
Sumário:I- A responsabilidade subsidiária dos gerentes, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efectivo do cargo de gerente.
II- O n.º 1 do artigo 24.º da LGT exige para responsabilização subsidiária a gerência efectiva ou de facto, ou seja, o efectivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera gerência nominal ou de direito.
III- O ónus da prova da gerência de facto recai sobre a Fazenda Pública/Entidade Exequente.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO

Vem o IGFSS – Secção de Processo de Santarém interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou procedente a oposição à execução deduzida por Y..... contra a decisão de reversão proferida no processo de execução fiscal nº ….231 e apensos, instaurado originariamente contra a sociedade “M.... – C....., Lda.”, por dívidas de contribuições e cotizações do período de 03/2012 a 10/2012 no montante total de € 5.272,78.

O Recorrente, nas suas alegações formulou conclusões nos seguintes termos:

a) Na Douta Sentença recorrida, o Meritíssimo Juiz "a quo" considerou "Procedente a presente oposição por ilegitimidade do Oponente e, por consequência, determino a extinção do processo de execução fiscal aqui em causa no que à sua responsabilidade respeita, com as demais consequências legais".

b) In casu, com o devido respeito, que é muito, o Meritíssimo Juiz "a quo" andou mal ao considerar que no processo de execução fiscal em causa nos autos, o órgão de execução fiscal, aqui recorrente, não conseguiu fazer prova, como lhe competia, do exercício de facto da gerência pelo oponente, e daí a ilegitimidade do responsável subsidiário;

c) Só pode ter decidido de tal forma, porque ignorou ou não valorizou aspectos/factos fundamentais levados ao conhecimento do tribunal recorrido, quer por via da contestação, quer dos documentos que fazem parte integrante dos autos;

d) Consta nos autos, porque foi remetido ao Tribunal como fazendo parte integrante do processo de execução a que se reportam os autos, aquando da remessa da oposição judicial, o pedido de pagamento em prestações de 26 de maio de 2014, subscrito pelo então oponente, aqui recorrido;

e) Na própria contestação faz-se referência a tal facto ocorrido no âmbito do processo de execução fiscal em apreciação;

f) E, ainda, à sua deslocação às, então, instalações do Órgão de Execução Fiscal, encontrando-se tal registado no livro de presenças daquele órgão, no dia em que foi subscrito tal pedido prestacional.

g) É evidente o exercício da gerência pelo Oponente ao apresentar na referida data e no âmbito do processo de execução fiscal em causa, junto da entidade exequente, um requerimento para pagamento em prestações, assinado por aquele, enquanto gerente.

h) Ora, tal requerimento devia ter constituído prova inequívoca de que aquele exercia a gerência de facto e representava a sociedade perante terceiros

i) A apresentação do referido requerimento prestacional demonstra um compromisso assumido perante terceiros - Segurança Social, não podendo premiar-se a lógica das sociedades serem representadas por gerentes que, afinal, nunca são responsáveis pela gestão das mesmas.

j) Para integrar o conceito de gerência de facto, não será necessária a comprovação de atos diários e contínuos de gestão, bastando a prática de atos de relevo, como a apresentação de um requerimento prestacional.

k) O Meritíssimo Juiz "a quo" não considerou tal facto, nem a ele fazendo qualquer referência na Douta Sentença, da qual se recorre,

l) Ora, ao interpretar-se a alínea b) do n° 1 do art. 24º da Lei Geral Tributária no sentido da Douta Sentença, em que se desconsidera, ou melhor, se ignora, a entrega de um requerimento prestacional assinado pelo Oponente como ato de gestão que permite atribuir à mesma o exercício de funções de gerência, está-se a fazer uma interpretação inconstitucional, por violação do art. 2º da Constituição da República Portuguesa.

m) Entende o aqui recorrente que o Juiz "a quo" decidiu incorretamente ao ignorar aquele facto e considerar que do probatório não tinha resultado qualquer indício ou evidência de que o aqui recorrido tenha exercido efetivamente a gerência da sociedade devedora originária.

Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, ser revogada a Douta decisão recorrida e substituída por outra, assim se fazendo a Costumada Justiça!”.


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O Recorrido não apresentou contra-alegações.
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O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, a questão controvertida consiste em aferir se a sentença enferma de erro de julgamento de facto e de direito por deficiente apreciação dos factos considerados provados e violação das normas legais ao considerar o Oponente como parte ilegítima da execução fiscal.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“Com interesse para a decisão da causa, consideram-se provados pelos documentos constantes dos autos, não impugnados, e pela prova testemunhal produzida, os seguintes factos:

A. Em 17/10/2012 a SPE de Santarém do IGFSS instaurou contra a sociedade «M.... – C....., Lda.» o PEF n.º …..231 no valor de € 331,85. - (cfr. fls. 7 dos autos).

B. Com data de 10/01/2014 a DPE de Santarém emitiu em nome do ora Oponente ofício de notificação de que foi determinada contra si a reversão do PEF n.º …..231 e apensos, com a quantia exequenda de € 5.272,78 e para efeitos do exercício do direito de audição. – (cfr. doc. de fls. 19 dos autos).

C. Em data não concretamente apurada, o Coordenador da SPE de Santarém proferiu despacho de reversão do PEF n.º …..231 e apensos contra o ora Oponente com os seguintes fundamentos:
(…) Na sequência das diligências levadas a cabo por esta secção de processo executivo de Santarém do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, no âmbito do processo de execução referido em epígrafe, foi proposta a reversão da execução fiscal em relação ao gerente/administrador Y….. Procedeu-se à audiência de interessados através de carta registada, nos termos constantes do artigo 23.º, n.º 4 e 60.º da Lei Geral Tributária, fixando-se o prazo de 15 dias úteis para o exercício do direito de participação.
Terminado o prazo concedido para o efeito não veio o gerente/administrador, ora interessado, responder ou trazer ao processo qualquer elemento.
Em resultado das diligências efetuados no processo n.º 1401201200254231 e outros concluiu-se pela (inexistência ou insuficiência) de bens na titularidade da executada.
De acordo com a informação constante na base de dados da Segurança Social, verifica-se que é responsável pelo pagamento da dívida Y….., porquanto era gerente/administrador da executada nos períodos a que a divida se refere. (…).”. – (cfr. fls. 27 a 29 dos autos).

D. Em 09/04/2014 a SPE de Santarém remeteu ao Oponente, por via postal registado com aviso de receção, oficio de citação para o PEF n.º ….231 e apensos na qualidade de responsável subsidiário, rececionado em 24/04/2014. - (cfr. fls. 21 a 25 dos autos).

Encontra-se ainda provado com interesse que:

E. A contabilista certificada da sociedade «M.... – C....., Lda.» até 06/2013, não teve qualquer contacto com o Oponente nem viu qualquer documento por ele assinado, desconhecendo as suas funções na mesma. - (facto que se extrai do depoimento da testemunha S..... ).
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Factos não provados
Inexistem outros factos com relevo para a decisão a proferir que importe registar como não provados.
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Motivação da decisão de facto
A convicção do Tribunal quanto aos factos considerados provados e não provados resultou do exame dos documentos juntos aos autos e do depoimento da testemunha inquirida, conforme referido em cada uma das alíneas do probatório.
Quanto à prova testemunhal produzida foi ponderado e valorado o depoimento da testemunha S..... , contabilista certificada da sociedade devedora originária, que afirmou de forma clara e concisa, nunca ter conhecido o Oponente, não saber que funções tinha na empresa, nunca tendo visto quaisquer documentos por ele assinados. Este depoimento, prestados de forma isenta e sem contradições convenceu o Tribunal da sua veracidade.”

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IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

O Tribunal recorrido julgou a oposição procedente tendo considerado, em síntese, que o Oponente é parte ilegítima no processo executivo em apreço, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, por entender que o IGFSS – Secção de Processo de Santarém não logrou provar a gerência de facto pelo Oponente.

O Recorrente não se conforma com o decidido invocando, também em síntese, que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito ao ter considerado o Oponente, parte ilegítima na execução fiscal.

Entende o Recorrente que o Tribunal a quo incorre em erro de julgamento quanto à matéria de facto porquanto não considerou o requerimento referente ao pedido de pagamento prestacional subscrito pelo Oponente, que, no entendimento do Recorrente, deveria ter constituído prova inequívoca de que aquele exercia a gerência de facto e representava a sociedade perante terceiros (cfr. conclusões C) a H) das alegações).

Mais alega erro de julgamento quanto ao disposto na alínea b) do nº 1 do art. 24º da LGT dado o tribunal recorrido ter considerado que o Oponente era parte ilegítima da execução defendendo, em sede recursiva, que se mostra provada a gerência de facto pelo ora Recorrido, sendo este parte legítima na execução.

Vejamos então.

Quanto ao alegado erro quanto à matéria de facto, compulsados os presentes autos, nos termos e ao abrigo do preceituado no artigo 662.º do Código de Processo Civil, por estar documentalmente provado e ser pertinente para a boa decisão da causa e das questões colocadas em recurso, acorda-se em aditar ao probatório o seguinte facto:

“F) Em 26/05/2014 foi apresentado junto da Secção de Processo Executivo de Santarém do IGFSS, IP em nome de Y…., um pedido de plano prestacional (reversão) de 120 prestações no âmbito do processo executivo nº ….231 e apensos (fls. 19 do processo físico cujo teor se considera integralmente reproduzido);

Estabilizada a matéria de facto dos autos nos termos acima expostos, importa, então, aferir se a decisão recorrida padece de erro de julgamento por errada interpretação dos pressupostos de facto e de direito quanto à ilegitimidade do oponente.

Importa desde já salientar que estamos perante dívidas tributárias do ano de 2012, sendo-lhes aplicável o regime da responsabilidade subsidiária consagrado no art. 24º da LGT, destacando-se para o efeito, o disposto no nº 1 do art. 24º da Lei Geral Tributária que consagra o seguinte regime:

“1- Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.

O Tribunal a quo julgou procedente a oposição à execução tendo, tal como referido supra, considerado o Oponente, ora Recorrido, parte ilegítima da execução fiscal, tendo vertido na sentença recorrida a seguinte fundamentação:
No caso vertente, conforme resulta do probatório, foi alegada pelo IGFSS no despacho de reversão a gerência do Oponente, sendo essa alegação bastante para fundamentar a reversão, não se impondo a concretização dos factos de forma específica (cfr. neste sentido, acórdão do STA, Pleno, de 16/10/2013, proc. n.º 0458/13, disponível em www.dgsi.pt).
(…) Assim, e no pressuposto de que «os gerentes devem praticar os atos que forem necessários ou convenientes para a realização do objeto social» (cfr. artigo 259.° do Código das Sociedades Comerciais), a prova da gerência de facto implica geralmente a apresentação de documentos ou de testemunhas que atestem que o visado praticava, em nome da sociedade, atos que possam ser considerados como de gestão/administração da mesma, como será o caso de vincular a sociedade com a assinatura de documentos reveladores dessa vinculação perante terceiros.
Ora, no caso dos autos, conforme resulta dos factos assentes, o Oponente consta da base de dados da Segurança Social como gerente nominal da sociedade devedora originária, mas tal não assume relevância porquanto o que revela é a gerência efetiva, podendo alguém ser gerente de facto sem ser gerente de direito, pois, como já se disse, o que a lei, nomeadamente o artigo 24.º n.º 1 da LGT, exige é que os gerentes exerçam as funções de administração ou gestão - ainda que somente de facto – da sociedade.
Se não exercerem funções de administração ou de gestão, não podemos dizer que são gerentes ou administradores efetivos, que administram a sociedade, ou a gerem. E se não a administram nem a gerem, também não está nas suas mãos controlar a atividade da sociedade, contactar fornecedores, decidir a quem e o que pagar, contratar ou despedir empregados, e de um modo geral delinear o rumo societário.
Por essa razão, não poderão ser responsabilizados subsidiariamente pelas dívidas tributárias da devedora originária precisamente porque não existe qualquer nexo de causalidade entre estas e a ação do gerente «meramente de direito».
Ora, do probatório não resulta qualquer indicio e muito menos evidência de que o Oponente tenha exercido efetivamente a gerência da sociedade devedora originária, não sendo pelo facto de constar da base de dados da Segurança Social como Membro de Órgão Estatutário que demonstra, por si só, a gerência da sociedade.
Com efeito, como tem sido entendimento da jurisprudência, não obstante uma pessoa figurar nas declarações de uma sociedade ou nas suas próprias declarações de rendimentos, como tendo recebido rendimentos de trabalho dependente pagos por essa sociedade, ser indiciador, em abstrato, da sua nomeação como administrador, diretor ou gerente da sociedade, esse indício deve ser afastado quando não decorra dos autos que essa pessoa tenha, efetivamente, praticado qualquer ato nesse sentido (neste sentido, acórdãos do TCA Norte, de 12/06/2014, processos n.º 01942/10 e n.º 01944/10, disponíveis em www.dgsi.pt). (…)
Ademais, o que resulta da prova efetuada nos autos é que o Oponente foi apenas trabalhador da sociedade devedora originária, não sendo conhecido da sua contabilista certificada que, segundo afirmou, nunca o conheceu, não sabe o que fazia na empresa nem alguma vez viu qualquer documento por si assinado.
Perante este contexto, não se demonstrou de forma clara e inequívoca que o Oponente tenha sido abordado para se pronunciar, ou se tenha pronunciado sobre a política de vendas, tenha tido contactos com clientes ou contacto com trabalhadores ou tenha celebrado qualquer contrato em representação e no interesse da executada, ou vendido os seus produtos ou serviços, ou, ainda, celebrado qualquer prestação de serviços.
Não decorre dos autos ou da factualidade apurada que o Oponente tenha assinado, recebido ou expedido correspondência em nome da executada, nem que se tivesse arrogado gerente da mesma, ou que tivesse feito menção dessa qualidade junto de instituições bancárias, clientes, fornecedores ou trabalhadores da sociedade, no período a que respeitam as dívidas.
Efetivamente, como se referiu, só podem ser considerados gerentes de facto os sujeitos que se ingerem na atividade de gerentes de forma estável e com carácter de continuidade, no que se refere à representação societária.
E, ainda assim, e não obstante o IGFSS não ter cumprido o ónus probatório que sobre si impendia, a verdade é que a testemunha arrolada pelo Oponente, responsável pela contabilidade da sociedade executada, afastou completamente Oponente das lides societárias.
Portanto, ficou efetivamente demonstrado que, em momento algum o Oponente tenha exercido, de facto, o cargo de gerente da sociedade devedora originária. (…)”

Apreciando.


Do regime constante do art. 24.º, n.º 1 da LGT resulta que o chamamento dos “administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados”, os quais são subsidiariamente responsáveis em relação à dívida e solidariamente responsáveis entre si, depende da verificação do exercício efectivo de gerência, ou seja a existência de uma situação de gerência de facto (Acórdão do STA de 09/04/2014, proc. n.º 0954/13), não bastando a mera titularidade do cargo de gerente, isto é, a gerência nominal ou de direito.

Assim, a responsabilidade subsidiária dos gerentes e administradores, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efectivo do cargo de gerente ou administrador.

Como se salienta no Acórdão do STA, de 02/03/2011 no recurso nº 0944/10, “Como se conclui da inclusão nesta disposição das expressões «exerçam, ainda que somente de facto, funções» e «período de exercício do seu cargo», não basta para a responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respectivas funções, ponto este que é pacífico, a nível da jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo.

Assim, desde logo se vê que a responsabilidade subsidiária depende, antes de mais, do efectivo exercício da gerência ou administração, ainda que somente de facto, à semelhança do que o artigo 13.º do CPT também já consagrava”.

É também pacífico na jurisprudência o entendimento de que é à Fazenda Pública, neste caso ao IGFSS, IP., como titular do direito de reversão que compete fazer a prova da efectividade da gerência. Na verdade, ao abrigo do regime previsto no art.º 24.º, n.º 1, da LGT, já não existe qualquer presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, se dê por provado o efectivo exercício da função de gerente, pelo que compete ao IGFSS o ónus da prova desse pressuposto da responsabilidade subsidiária, aí se incluindo o exercício de facto da gerência.

Como também se referiu no já citado Acórdão do STA, de 02/03/2011 no recurso nº 0944/10 : “Na verdade, há presunções legais e presunções judiciais (arts. 350.º e 351.º do CC).

As presunções legais são as que estão previstas na própria lei.

As presunções judiciais, também denominadas naturais ou de facto, simples ou de experiência são «as que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos». (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 486; Em sentido idêntico, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 215-216, e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 2.ª edição, página 289.).

De facto, não há qualquer norma legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito.

No entanto, como se refere no acórdão deste STA de 10/12/2008, no recurso n.º 861/08, «o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.

E, eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pela revertida e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que isso, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido. (Sobre esta «certeza» a que conduz a prova, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 191-192.).

Mas, se o Tribunal chegar a esta conclusão, será com base num juízo de facto, baseado nas regras da experiência comum e não em qualquer norma legal.

Isto é, se o Tribunal fizer tal juízo, será com base numa presunção judicial e não com base numa presunção legal.»

Todavia, ainda que não seja possível partir-se do pressuposto de que com a mera prova da titularidade da qualidade de gerente que a revertida tinha não se pode presumir a gerência de facto, é possível efectuar tal presunção se o Tribunal, à face das regras da experiência, entender que há uma forte probabilidade de esse exercício da gerência de facto ter ocorrido.

Mas, por outro lado, na ponderação da adequação ou não de uma tal presunção em cada caso concreto, nunca há num processo judicial apenas a ter em conta o facto de a revertida ter a qualidade de direito, pois há necessariamente outros elementos que, abstractamente, podem influir esse juízo de facto, como, por exemplo, o que as partes alegaram ou não e a prova que apresentaram ou deixaram de apresentar. (…)

Como este Tribunal já afirmou em acórdão de 28/02/2007, no recurso n.º 1132/06, proferido em Pleno da Secção de Contencioso Tributário, «As presunções influenciam o regime do ónus probatório.

Em regra, é a quem invoca um direito que cabe provar os factos seus constitutivos. Mas, se o onerado com a obrigação de prova beneficia de uma presunção legal, inverte-se o ónus. É o que decorre dos artigos 342.º n.º 1, 350.º n.º 1 e 344.º n.º 1 do Código Civil.

Também aqui o que vale para a presunção legal não serve para a judicial. E a razão é a que já se viu: o ónus da prova é atribuído pela lei, o que não acontece com a presunção judicial. Quem está onerado com a obrigação de fazer a prova fica desonerado se o facto se provar mediante presunção judicial; mas sem que caiba falar, aqui, de inversão do ónus.

(…) Quando, em casos como os tratados pelos arestos aqui em apreciação, a Fazenda Pública pretende efectivar a responsabilidade subsidiária do gerente, exigindo o cumprimento coercivo da obrigação na execução fiscal inicialmente instaurada contra a originária devedora, deve, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, provar os factos que legitimam tal exigência.

Mas, no regime do artigo 13.º do CPT, porque beneficia da presunção legal de que o gerente agiu culposamente, não tem que provar essa culpa.

Ainda assim, nada a dispensa de provar os demais factos, designadamente, que o revertido geriu a sociedade principal devedora.

Deste modo, provada que seja a gerência de direito, continua a caber-lhe provar que à designação correspondeu o efectivo exercício da função, posto que a lei se não basta, para responsabilizar o gerente, com a mera designação, desacompanhada de qualquer concretização.

Este efectivo exercício pode o juiz inferi-lo do conjunto da prova, usando as regras da experiência, fazendo juízos de probabilidade, etc.

Mas não pode retirá-lo, mecanicamente, do facto de o revertido ter sido designado gerente, na falta de presunção legal.

A regra do artigo 346.º do Código Civil, segundo a qual «à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos», sendo então «a questão decidida contra a parte onerada com a prova», não tem o significado que parece atribuir-lhe o acórdão recorrido. Aplicada ao caso, tem este alcance: se a Fazenda Pública produzir prova sobre a gerência e o revertido lograr provar factos que suscitem dúvida sobre o facto, este deve dar-se por não provado. Mas a regra não se aplica se a Fazenda não produzir qualquer prova.”.

Desde logo se salienta que, de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo acima mencionada, mesmo nas situações de comprovada gerência de direito, a entidade exequente não pode alhear-se da prova quanto à efectividade da gerência, sem prejuízo de o julgador poder inferir o exercício dessa gerência da globalidade da prova produzida.

Importa então apurar se a prova produzida nos presentes autos permite concluir pelo exercício da gerência de facto por parte do Recorrido, como alega o Recorrente.


Do probatório resulta o chamamento do Recorrido à execução na qualidade de responsável subsidiário como consta do teor do despacho de reversão transcrito na alínea C) do probatório, que, atento ao seu teor e no que à gerência de facto concerne nada se afirma, mencionando-se apenas que “De acordo com a informação constante na base de dados da Segurança Social, verifica-se que é responsável pelo pagamento da dívida Y…, porquanto era gerente/administrador da executada nos períodos a que a dívida se refere.”.

E do facto F) por nós aditado apenas resulta provada a apresentação de um pedido prestacional constando expressamente (reversão) e a identificação do sujeito revertido, encontrando-se ainda assinado pelo revertido sem qualquer menção à qualidade de gerente e sem carimbo relativo à sociedade executada, o que nos permite concluir que tal requerimento de pagamento em prestações não se refere à sociedade executada mas sim ao próprio revertido, tenho sido apresentado a título pessoal e não em representação da sociedade, e assim sendo, tal pedido de pagamento em prestações não releva para a prova da gerência de facto.

Ademais, mesmo que se entendesse que a apresentação desse requerimento seria em nome da sociedade, ainda assim a prática de tal acto não relevaria para a conclusão da gerência de facto pelo Oponente porquanto apenas se traduziria na prática de um acto isolado.

Na verdade a prova da gestão de facto tem de ser evidenciada por referência a actos praticados pelos potenciais revertidos, susceptíveis de demonstrar esse efectivo exercício de funções, entendendo-se como tal a prática de actos com caráter de continuidade, efectividade, durabilidade, regularidade, com poder de decisão e com independência.

Com efeito, para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respetivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, não podendo a mesma ser atestada pela prática de actos isolados, mas antes pela existência de uma atividade continuada. Dir-se-á, portanto, que a gerência é, assim, antes do mais, a investidura num poder.

Destarte, consistindo a gerência de facto de uma sociedade comercial no efetivo exercício das funções que lhe são inerentes e que passam pela vinculação e representação da sociedade, nomeadamente, através das relações com os clientes, com os fornecedores, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade, ter-se-á de concluir face a todo o exposto que, in casu, nada foi demonstrado no sentido de o Recorrido ser um órgão actuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo pacto social, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros.

Não concordamos com a relevância dada pelo Recorrente ao requerimento de pagamento em prestações, com base no qual pretende atribuir força suficiente para se considerar verificado o exercício da gerência de facto por parte do Recorrido. Na verdade, tal como referido anteriormente, mesmo a entender-se que se tratava de apresentação de requerimento em nome da sociedade executada, tal facto, por si só, não é suficiente para que se possa inferir que o oponente tenha efectivamente exercido a gerência da sociedade devedora originária, já que se trata, claramente, da prática de um acto isolado.

E na verdade tal facto, per se, desacompanhado de actos que manifestem e exteriorizem a vontade societária não permitem ilidir o ónus probatório que impende sobre a administração tributária.


Do exposto resulta que, tal como decidido pelo Tribunal a quo, o Recorrido é parte ilegítima na execução fiscal, não constituindo a interpretação sufragada na sentença recorrida qualquer violação do art. 2º da CRP, sendo improcedentes todos os fundamentos invocados pelo Recorrente.

Conclui-se assim que o presente recurso não merece provimento, mantendo-se a sentença recorrida.


V- DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.

Custas a cargo do Recorrente em ambas as instâncias.


Lisboa, 15 de Setembro de 2022

Luisa Soares

Vital Lopes

Susana Barreto