Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 1983/09.0BELRS |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 09/30/2019 |
Relator: | MÁRIO REBELO |
Descritores: | PRESSUPOSTOS DA TRIBUTAÇÃO EM IRC |
Sumário: | 1. A tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real. 2. A exigência constitucional de que a tributação incida fundamentalmente sobre o rendimento real não visa admitir tributação nas situações em que a empresa não teve qualquer rendimento, mas sim admitir a possibilidade de a tributação incidir sobre lucros presumivelmente realizados. 3. O CIRC proclama que o IRC incide sobre o lucro das sociedade comerciais ou civis sob forma comercial (cfr. Art.º 3º/1-a) CIRC). 4. Portanto, não sendo sujeito de qualquer rendimento, também não pode ser alvo de tributação. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: RECORRENTE: Autoridade Tributária e Aduaneira. b) Vejamos, para assim decidir entendeu o Tribunal a quo, baseando-se somente na alegada prova da inexistência de trabalhadores, que a sociedade H. .........., Lda não obteve, em relação aos anos de 1996 a 2002, quaisquer rendimentos razão pelo qual inexiste facto tributário que possibilite a tributação em sede de IRC. e) Com tal entendimento não nos podemos conformar porquanto entendemos que existem diversos tipos de rendimentos passiveis de originar rendimentos tributáveis das sociedades que não implicam a existência de funcionários.
d) Veja-se a titulo de exemplo, e entre outros, os rendimentos de capitais. e) Por outro lado entendemos ainda que a prova produzida nos autos não possibilitam concluir da forma como fez o decisor. f) Ou seja, para concluir pela não obtenção de rendimentos exigia-se ao Tribunal a quo a busca de comprovação para a sua conclusão, sendo que a prova carreada para os autos pelo impugnante não possibilita demonstrar a inexistência de actividade no período em que a invoca. g) E se é certo que competia ao impugnante demonstrar o que alega, e se mesmo não o tendo demonstrado obteve a procedência da acção, pugnamos por acórdão que revogue a sentença recorrida. h) E tanto mais concluímos que assim deve ser, porquanto observamos que não só no ano de 1997 foi entregue a declaração anual de IRC relativa ao ano de 1995, contrariando assim os factos dados como provados em relação a inexistência de actividade da sociedade, como, principalmente, se constata através dos documentos que aqui se juntam ao abrigo do previsto no art.º 651 do C.P.C, que durante o ano de 1997 a sociedade entregou declarações de IVA nas quais autoliquidou e entregou IVA nos cofres do Estado, tornando-se assim evidente a existência de actividade e rendimentos. i) Razões pelas quais aqui pugnamos por acórdão que anule a decisão tomada pelo Tribunal a quo e que se conforme com a correcção e legalidade dos actos de liquidação impugnados.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser reconhecida a legalidade da correcção efectuada e em consequência revogada a douta sentença que determinou a anulação dos actos tributários impugnados.
O recorrido contra alegou, sem formular conclusões. PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO. A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.
II QUESTÕES A APRECIAR. O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou no julgamento de facto e de direito ao julgar procedente a impugnação deduzida contra as liquidações oficiosas relativas aos anos de 1996 a 2002, com base na prescrição (liquidação oficiosa de 1996) e inexistência de fato tributário em relação aos restantes anos. III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO. A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação: 1. A, H. .........., Lda., iniciou a sua atividade em 01/03/1990, com CAE 051180, encontrando-se, então, enquadrada no Regime Geral de Determinação do Lucro Tributável - cfr. fls. 32 a 33 do processo de execução fiscal em apenso aos autos;
5. Em 09/11/2002, o Serviço de Finanças de Lisboa-… instaura o processo de execução fiscal nº .......... à sociedade H. .........., Lda., por dívidas de IRC, IVA, Coimas e acréscimos legais pelo valor total de € 105.956,50 – cfr. processo de execução fiscal em apenso aos autos; 11. Em 25/06/2008, o Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa-…, profere despacho a suspender o processo de execução fiscal – cfr. fls. 109 do processo de execução fiscal em apenso aos autos; depoimento de Jorge .......... no âmbito das declarações de parte. Não existem outros factos relevantes para a decisão que importe destacar como não provados. A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos não impugnados, expressamente referidos no probatório supra. IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO. Na douta petição inicial, alegou o IMPUGNANTE, entre o mais, a nulidade das liquidações oficiosas por preterição de formalidade essencial, por se basearem em facto tributário inexistente. Isto porque a sociedade devedora original cessou a atividade em 1996 e nos exercícios anteriores (1993 a 1995) apresentou prejuízo fiscal. Nos exercícios seguintes, a própria AT fixou sucessivamente a matéria colectável em € 735,78, mas na liquidação oficiosa de 1996 não respeitou as regras de apuramento do IRC ao não efectuar a dedução de prejuízos fiscais. Além disso, a sociedade devedora originária não foi validamente notificada da liquidação, o que implica a caducidade da liquidação. As liquidações em causa estão também prescritas. Instruído o processo, foi proferida sentença que julgou procedente a impugnação: Extinguiu a instância relativa a IRC/1996 por prescrição, anulou as liquidações oficiosas de IRC relativas a 1997 a 2002 por inexistência de facto tributário, e julgou prejudicada a apreciação das demais questões. O RECORRENTE sustenta que a sentença errou porque a prova produzida nos autos não permite ao decisor concluir como concluiu. Desde logo, há diversos tipos de rendimentos possíveis de originar matéria tributável que não implicam a existência de funcionários, como é o caso dos rendimentos de capitais (conclusões a) a d). E além disso, não só no ano de 1997 foi entregue a declaração anual de IRC relativa a 1995, contrariando assim os factos dados como provados em relação à inexistência de actividade da sociedade, como se constata que durante o ano de 1997 a sociedade entregou declarações de IVA nas quais auto liquidou e entregou IVA nos cofres do Estado, tornando-se assim evidente a existência de actividade e rendimentos (conclusões e) e segs). Requereu a junção de documentos, cuja admissibilidade nesta fase processual cabe decidir. É requerida a junção de 4 documentos que, alegadamente, contrariam a inexistência de actividade. Correspondem cópias de “prints” referentes resumo das declarações de IVA dos períodos 9701, 9703 e 9705 e rosto da declaração de IRC do ano de 1997. O Recorrido, por seu turno, entende que “...não é tempo de juntar tais documentos, uma vez que o citado art.º 651º do CPC remete para o disposto no art.º 425º do CPC. E a verdade é que se trata de consultas ao sistema, com dados que terão sido inseridos em 1997, que a Recorrente poderia ter junto desde logo com a contestação, pelo que não se verifica a circunstância em que a lei prevê a apresentação posterior de documentos.” Apreciemos. O recurso é o meio processual que se destina a impugnar as decisões judiciais, e nessa medida, o tribunal “ad quem” é chamado a reexaminar a decisão proferida e os seus fundamentos. Como refere António Santos Abrantes Geraldes, in Recurso no Novo Código de Processo Civil, 2.ª ed., 2014, Almedina, pp. 92 “(…) A natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão, determina uma importante limitação ao objecto, decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas. Na verdade, os recursos constituem mecanismos destinados à reapreciar as decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo se quando, nos termos já referidos, estas sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis. (…)“ Ou seja, o recurso como meio de impugnação de uma decisão judicial, apenas pode incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas. A conjugação do n.º 1 art.º 640.º e n.º1 do art.º 662.º do CPC afasta, também a possibilidade de o Tribunal de recurso com competência em matéria de facto efectuar um novo julgamento ao fazer recair sobre o recorrente o ónus de, primeiro, indicar os concretos pontos de facto que pretende ver modificados e, em segundo, indicar os concretos meios probatórios constantes do processo, do registo ou da gravação que imponham decisão diversa sobre aqueles pontos de facto. Dito isto, importará conhecer o regime legal que se aplica à junção de documentos, em sede de recurso. Nos termos do disposto no artigo 425º do Código de Processo Civil (CPC) “depois de encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento.” Determina, por sua vez, o nº 1 do artigo 651.º do mesmo diploma que ” as partes só podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º do CPC ou no caso da junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido em 1.ª instância.” Nos termos do artigo 108º/3 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e do artigo 423º/1 do CPC, a regra é a de os documentos serem apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes. Ou seja, com a petição inicial, caso visem fazer prova dos fundamentos da acção, podendo, contudo, ser apresentados até 20 dias antes da data que se realize a audiência final. No contencioso tributário a sua junção pode ser feita até ao encerramento da discussão da causa na 1ª instância, que ocorrerá com o termo do prazo para alegações. Todavia, a junção tardia originará o pagamento de uma multa, caso a parte não prove que os não pôde oferecer com o articulado. cfr. artº 423º/2 do CPC. Decorrido tal prazo, só serão admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária, em virtude de ocorrência posterior. cfr. art. 423.º/3 do CPC. Em sede de recurso e de acordo com os normativos acima citados, a junção de documentos assume carácter excecional, só devendo ser consentida nos casos especiais previstos na lei (artº 651º/1, CPC). Será assim possível, nesta sede, a junção de documentos com as alegações, quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento, em virtude de ter ocorrido superveniência objectiva [documento formado depois de ter sido proferida a decisão] ou subjectiva [documento cujo conhecimento ou apresentação apenas se tornou possível depois da decisão e ou se tenha revelado necessária em virtude do julgamento proferido]. Vide, entre outros, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014, p. 191 e segs. A sentença recorrida foi proferida em 30/1/2017, sendo que todos os documentos foram apresentados à AT no ano de 1997. Por conseguinte, o Recorrente não estava impedido de os apresentar até à data da sentença em primeira instância, podendo os mesmos influenciar a decisão recorrida. Tão pouco alega a sua superveniência e não pode invocá-la porque não se trata de uma superveniência objectiva nem subjectiva, pretendendo somente que este TCA proceda a novo julgamento da matéria de facto. Assim sendo, a junção dos documentos, em sede de recurso, não cumpre os requisitos previstos nos art.º 651.º do CPC, pelo que não se admite a sua junção, considerando-se estabilizada a matéria de facto fixada em primeira instância. Avancemos então para conhecimento das restantes questões que nos são colocadas. Entende o RECORRENTE que a sentença perfilha o entendimento de que não existindo trabalhadores ao serviço da devedora originária, estava impossibilitada de gerar rendimentos, razão pela qual se concluiu pela inexistência de facto tributário. Este entendimento é errado, porque, diz, existem diversos tipos de rendimentos possíveis de originar rendimentos tributáveis das sociedades que não implicam a existência de funcionários, dando a título de exemplo, os rendimentos de capitais. Na verdade, a sentença não diz que a devedora originária não obteve rendimentos por não ter de trabalhadores ao seu serviço. Diz mais do que isso. “A existência de rendimentos tributáveis é um pressuposto da constituição de qualquer relação jurídica de IRC, que se assume, precisamente, como um imposto sobre rendimentos, fundamentalmente reais, e não como um imposto de “porta aberta”. Acrescentamos apenas que de acordo com a Constituição (art.º 104º/2) a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real. A exigência de que a tributação incida fundamentalmente sobre o rendimento real não visa admitir tributação nas situações em que a empresa não teve qualquer rendimento, mas sim admitir a possibilidade de a tributação incidir sobre lucros presumivelmente realizados. De resto, e em consonância com a diretriz constitucional, também o CIRC proclama que o IRC incide sobre o lucro das sociedade comerciais ou civis sob forma comercial (cfr. Art.º 3º/1-a) CIRC). Por isso, não sendo sujeito de qualquer rendimento, não pode ser alvo de tributação. Concluímos assim, pela improcedência de todas as conclusões de recurso, confirmando-se a sentença recorrida. V DECISÃO.
Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAS em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Lisboa, 30 de setembro de 2019.
(Patrícia Manuel Pires) (José Vital Brito Lopes) |