Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:845/12.9 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:06/01/2023
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IRS.
CRÉDITO DE IMPOSTO POR DUPLA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL.
Sumário:A prova dos pressupostos do crédito de imposto por dupla tributação internacional pode ser realizada por qualquer meio admissível em Direito, salvo impugnação da sua veracidade.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃO
I- Relatório
R …………………………… veio deduzir impugnação judicial, na sequência do indeferimento expresso da reclamação graciosa que apresentara contra o acto tributário de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) nº …………………..547, do ano de 2009, no valor de €5.562,12, pedindo a anulação do acto tributário em causa, bem como do acto de indeferimento da reclamação graciosa que teve aquele acto como objecto. O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença proferida a fls.173 e ss. (numeração do processo em formato digital-sitaf), datada de 25-07-2022, julgou a impugnação procedente e anulou o acto tributário sindicado. A Fazenda Pública interpõe recurso contra a sentença em cujas alegação de fls. 202 e ss. (numeração do processo em formato digital - sitaf), alegou e formulou as conclusões seguintes:
A. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a Impugnação Judicial deduzida por R ………………………. e em consequência, anulou a liquidação adicional de IRS n.º ……………….547, relativa ao exercício de 2009.
B. Tendo presente a fundamentação aduzida pelo Tribunal a quo na Sentença recorrida, não pode, por diversas ordens de razão, a Recorrente conformar-se com a procedência da mesma, com fundamento na falta de impugnação do conteúdo e exatidão dos documentos apresentados pelo impugnante, pelo que os mesmos fazem prova plena.
C. No âmbito de um projeto alargado de controlo do crédito de imposto por dupla tributação internacional, por parte da Direção de Serviços das Relações Internacionais (DSRI), a AT efetuou correções à declaração de IRS de 2009, entregue pelo impugnante, mais concretamente no Anexo J, desconsiderando o montante declarado pelo mesmo como imposto pago no estrangeiro.
D. Estas correções operaram, no seguimento do impugnante não ter procedido à entrega de documentos, originais ou cópias autenticadas, emitidos pela autoridade fiscal do Estado da fonte dos rendimentos, neste caso Angola, comprovativos dos montantes inscritos no respetivo Anexo J, conforme determinado nas instruções de preenchimento deste anexo, não obstante ter sido notificado para o efeito, em 08-02-2011, através do ofício constante de fls 95 do PAT.
E. Neste ofício, foi solicitado ao impugnante declaração emitida ou autenticada pela autoridade fiscal de Angola, contendo a discriminação da natureza e dos montantes líquidos dos rendimentos obtidos nesse Estado, bem como do montante de imposto total a final pago e, sendo caso, do desconto suportado para regime de segurança social, para o ano de 2009.
F. Em resposta a esta notificação, o impugnante enviou documentos que não são válidos, não tendo, portanto, sido considerados pela AT, por não se tratarem de originais ou cópias autenticadas; não serem passados ou autenticados pela autoridade fiscal do Estado da fonte dos rendimentos; tratarem-se meramente de comprovativos da entidade patronal; não representarem os valores finais e totais de rendimento e/ou imposto para o ano de 2009, havendo divergência relativamente ao declarado em Portugal (o impugnante declarou € 8.600,58 e o valor apurado pela AT foi de €9.382,90, cfr. fls 67 do PAT) e não ter sido apresentada qualquer prova de que não tenha havido uma liquidação final no Estado da fonte dos rendimentos, nem enviado documento válido comprovativo de uma liquidação final de imposto.
G. Contrariamente ao entendido pelo Tribunal a quo, quando refere que “Quando interpelado pela AT, o Impugnante colaborou juntando os documentos que possuía e providenciando pelas traduções necessárias.” (sublinhado nosso), certo é que o impugnante nunca apresentou o que lhe foi solicitado, nem pela AT, nem pelo Tribunal a quo.
H. Isto porque, no âmbito de audiência de inquirição de testemunhas, em 21-09-2017, foi proferido despacho nos seguintes termos: “Atendendo a que a prova testemunhal agora não é suficiente nem apta a patentear os factos constantes dos autos, faculto à Exm.ª mandatária do impugnante um prazo de 45 dias para apresentar os documentos comprovativos de dedução do imposto emitida pelas autoridades angolanas em documento devidamente traduzido nos termos da lei portuguesa.” (sublinhado e negrito nossos).
I. Contudo, este documento nunca foi junto aos autos, conforme é assumido em sede de alegações de 120.º do CPPT, não obstante o impugnante ter vindo requerer em 06-11-2017, a prorrogação do prazo para apresentação do mesmo.
J. Também não pode a recorrente concordar, quando o Tribunal a quo refere que “Acresce que a AT presumiu verdadeira a declaração do Impugnante no que se refere aos rendimentos auferidos, sem necessidade de exibição de quaisquer documentos originais. Contudo, no que tange a imposto pago já não presumiu verdadeira a declaração apresentada pelo impugnante e sustentada pela documentação que este apresentou.”
K. Efetivamente os documentos emitidos pela entidade patronal, apenas declaram os rendimentos auferidos, sendo que estes não constituem prova suficiente do montante de imposto pago, pois apenas certifica que foi efetuada retenção, sendo que as retenções de imposto na fonte podem ser superiores ou inferiores ao montante de imposto efetivamente pago, a final, em Angola.
L. Por forma a se apurar o montante de imposto efetivamente pago em Angola, é necessário haver um cálculo final de imposto, uma liquidação, sendo que a prova desse montante só poderá ser feita através da competente nota de liquidação.
M. O conceito de imposto pago não é coincidente com o conceito de imposto retido, sendo que este último é tão só um adiantamento por conta do IRS do respetivo ano, efetuado a título não definitivo.
N. A jurisprudência tem vindo a debater esta questão, nomeadamente no acórdão proferido no processo n.º00434/09, de 02/22/2012, do Tribunal Central Administrativo do Norte.
O. Ora, como o próprio Tribunal a quo refere as alterações promovidas pela AT fundamentaram-se no facto da “Direção de Serviços das Relações Internacionais, que considerou que os documentos apresentados pelo Impugnante não são válidos (…) (sublinhado nosso).
P. Salvo melhor entendimento a douta sentença recorrida incorre em erro dos pressupostos de facto, resultante da incorreta valoração da factualidade assente, ao considerar que a AT não impugnou o conteúdo e a exatidão dos documentos em causa.
Q. Face a todos os elementos coligidos nos autos, deverá o presente Recurso ser considerado procedente e em consequência, manter-se na ordem jurídica o ato tributário em apreço por estar em conformidade com os normativos legais supracitados.
R. Pelo que, nestes termos se impõe a sua revogação e substituição por acórdão que, julgue procedente o presente recurso, e, consequentemente totalmente improcedente, a presente Impugnação Judicial».
X
O Recorrido, R …………………………., apresentou contra-alegações (requerimento de fls.219 e ss. numeração do processo em formato digital – sitaf), expendendo conclusivamente o seguinte:
“1.ª Constitui caso julgado, por falta de alegação, a decisão sobre a legitimidade do Pai do Recorrido para, na qualidade de seu representante fiscal, ter subscrito a reclamação graciosa que foi indeferida liminarmente pela AT.
2.ª A Recorrente usou critérios distintos ao presumir, por um lado, como verdadeira a declaração tout court de rendimentos do Recorrido auferidos em Angola, mas a exigir, por outro lado, documentos originais ou autenticados, ou declaração da Autoridade Fiscal Angolana, não se bastando com as cópias oportunamente facultadas.
3.ª A Recorrente não impugnou o teor e a veracidade dos documentos apresentados, quedando-se pela exigência referenciada no parágrafo anterior destas conclusões.
4.ª Não tendo a Recorrente questionado a exatidão dos documentos apresentados carece de fundamento legal a sua não aceitação para os devidos fins probatórios, fazendo as referidas cópias prova plena nos termos constantes dos artigos 368.º do Código Civil.
5.ª A Douta Sentença recorrida não enferma pois de erro dos pressupostos de facto, tendo sido feita pela Meritíssima Juiz a quo uma adequada valoração da factualidade assente.
6.ª A Meritíssima Juiz do Tribunal a quo decidiu pois corretamente e no estrito cumprimento da Lei, ao julgar procedente a impugnação deduzida pelo aqui recorrido, com a concomitante anulação do ato impugnado.»

X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal notificado para o efeito, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
X
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
X
II- Fundamentação
2.1. De Facto.
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:”
A) O ora Impugnante desenvolveu a sua actividade profissional em Angola no ano de 2009 - facto não controvertido.
B) O ora Impugnante procedeu à entrega da declaração de rendimentos modelo 3 relativa ao ano de 2009, em 14-05-2010, acompanhada do anexo J, relativo a rendimentos obtidos no estrangeiro, indicando como rendimento o montante de € 24.379,79 e como imposto pago no valor de € 8.600,58 – cf. fls. 102 a 108 do Processo Administrativo Tributário (PAT)
C) Em 05-03-2010, foi nomeado seu representante fiscal, A …………………….. - cf. Doc. 2, junto com a petição inicial e fls. 38 do PAT.
D) A representação fiscal de A ………………… relativa ao Impugnante cessou em 15-09-2011 - cf. Doc. 6, junto com a petição inicial e fls. 38 do PAT
E) Em 08-02-2011, através do ofício nº 2838 a Direcção de Serviços das Relações Internacionais notificou o representante do Impugnante na respectiva qualidade de representante fiscal, relativamente aos rendimentos auferidos no estrangeiro no ano de 2009, tendo solicitado o envio de documentos originais ou cópias autenticadas dos seguintes documentos:
«a) Declaração emitida pela autoridade fiscal de Angola, contendo a descriminação da natureza e dos montantes ilíquidos dos rendimentos obtidos nesse Estado (1), bem como do montante de imposto total e final pago (2) e, sendo o caso, do desconto suportado para regime de segurança social (3), para o ano em causa. b) Liquidação de imposto final aí obtida, bem como, sendo o caso, prova do reembolso recebido/imposto pago relativo a essa liquidação final. O envio dos documentos enunciados nesta alínea anula o envio dos referidos na alínea a), desde que contendo todos os elementos aí referidos.» - cf. fls. 95 do PAT.
F) Por ofício de 04-04-2011 com o n.°030879, a AT notificou o representante fiscal do Impugnante na respectiva qualidade, para exercer o direito de audição prévia relativamente à alteração dos elementos declarados na Declaração Modelo 3 de IRS do ano de 2009, em conformidade com os fundamentos da informação nº 1730/11, de 21-03-2011 da Direcção de Serviços das Relações Internacionais. – cf. fls. 61 e 62 do PAT.
G) Em 21-04-2011 foi exercido o direito de audição prévia – cf. fls. 57 a 60 do PAT.
H) Em 02-05-2011 foi elaborada a declaração oficiosa relativa ao IRS de 2009 do ora impugnante, tendo sido desconsiderado o montante de imposto pago no estrangeiro, no valor de € 8.600,58 – cf. fls. 49 a 51 do PAT.
I) Por ofício de 03-05-2011 com o n.° 039139, a Divisão de Liquidação e Cobrança de Impostos S/ Rendimento e Despesa da Direcção de Finanças de Lisboa, notificou o representante do Impugnante na respectiva qualidade de representante fiscal, da alteração dos elementos declarados na Declaração Modelo 3 de IRS, do ano de 2009, que se fundamentou na informação dos serviços com o seguinte teor :
«(…) Por ofício nº 6341, de 2011-03-28, da DSRI, foi enviada a informação nº 1730/2011, para efeitos de audição prévia, referente a crédito de imposto por dupla tributação internacional, do sujeito passivo R ……………………….., residente em Angola e representado em Portugal, por A ……………………. NIF ……………...
A DSRI notificou o sujeito passivo, nos termos do nº 1 do Artº 128º do CIRC, a apresentar documentos originais válidos, os quais não foram aceites, por não serem originais, nem serem emitidos pela autoridade fiscal competente, não comprovando o imposto pago no estrangeiro.
Por ofício nº 30879, de 2011-04-04, desta Divisão, foi o representante legal, notificado para efeitos de audição prévia nos termos do Artº 60º da Lei Geral Tributária.
Após a notificação recebida, o contribuinte respondeu, conforme requerimento anexo. Entrado nesta Direcção de Finanças em 2011-04-21, manifestando discordância, sem que tivesse entregue qualquer documento, para o que invoca normas do Código Civil (Artº 368º) e Lei Geral Tributária.
Nestes termos preponho que o projecto de alterações, se converta em definitivo, procedendo-se à correcção da liquidação, retirando-se o crédito de imposto. (…)» - cf. doc. 3, junto com a petição inicial e fls. 54 a 56 do PAT.
J) A AT procedeu à liquidação adicional de IRS de 2009 do ora impugnante e ao envio da respectiva nota de cobrança para pagamento da quantia de € 5.562,12, dirigida ao seu representante– cf. doc. 4, junto com a petição inicial.
K) A liquidação impugnada resulta de alterações efectuadas à Declaração Modelo 3 do lRS de 2009, em conformidade com os elementos constantes da Informação n° 1730/2011, prestada peia Direcção de Serviços das Relações Internacionais, em 21-03-2011, relativa à análise do crédito de imposto por dupla tributação internacional, tendo por objecto a declaração de rendimentos do ora Impugnante, referente ao ano de 2009 da qual consta o seguinte:
«1. No âmbito de um projecto aprovado superiormente relativo à análise do crédito de imposto por dupla tributação internacional, para o ano de 2009, foi o sujeito passivo R …………….. com o NIF ………………., notificado, ao abrigo do artigo 128.º do Código do IRS (obrigação de comprovar os elementos das declarações) para a apresentação dos documentos originais válidos, emitidos ou autenticados pelas respectivas autoridades fiscais do Estado da fonte dos rendimentos, que descriminem a natureza e montante do rendimento auferido, bem como o correspondente montante de imposto pago, a título final e total, para o referido ano de 2009.
2. Em resposta à notificação acima referida o sujeito passivo enviou documentos que não são válidos, pelos motivos seguintes:
a)Não se trata de originais ou cópias autenticadas;
b) Não são passados ou autenticados pela autoridade fiscal do Estado da fonte dos rendimentos;
c) Trata-se apenas de comprovativos da entidade patronal;
d) Não apresentam os valores finais e totais de rendimento e/ou imposto para os anos em causa, havendo divergências relativamente ao declarado em Portugal;
e) Não foi apresentada qualquer prova de que não tenha havido uma liquidação final no Estado da fonte dos rendimentos, nem enviado documento válido comprovativo duma liquidação final de imposto;
3. Assim, caso superiormente seja sancionado o presente entendimento, deverá o processo ser remetido à Direcção de Finanças de Lisboa, para efeitos de correcção da liquidação de IRS do ano de 2009, devendo ser retirado o crédito de imposto por dupla tributação internacional anteriormente atribuído, ao abrigo do artigo 65.º, n.º 4 do Código do IRS e com s fundamentos atrás enunciados, devendo ainda a mesma D.F. providenciar a respectiva notificação para efeitos do direito de audição prévia (…)» - cf. fls. 64 a 66 do PAT.
L) A liquidação impugnada foi paga em 24-08-2011 - cf. fls. 20 do PRG.
M) O representante do Impugnante, na qualidade em que foi notificado apresentou reclamação graciosa contra a liquidação supra referida, a qual deu entrada no competente Serviço de Finanças em 05-09-2011 (cfr. Doc. 5, junto com a petição inicial e fls. 3 a 7 do PRG.
N) A reclamação referida na alínea precedente foi indeferida por despacho de 16-11-2011 e foi notificada ao impugnante através do ofício C-3506 de 19-01-2012, recebida em 25-01-2012 – Cf. doc. 1, junto com a petição inicial e fls. 27 e 28 do PRG.
O) O indeferimento da reclamação fundamentou-se na seguinte informação: «1. Verificam-se os pressupostos quanto ao meio próprio (art.º 68º e 99º CPPT), e à tempestividade da reclamação (art.º 70º CPPT).
2. Quanto à legitimidade não se verifica o pressuposto do artº 9º do CPPT, conforme se apura dos seguintes factos:
3. O apresentante apesar de invocar o facto de ser representante legal do reclamante não apresenta qualquer documento a comprovar a qualidade invocada.
4. No cadastro do reclamante não figura qualquer representante.
5. Assim, esta reclamação carece de legitimidade
Em 10/11/2011 e atendendo ao exposto proponho:
a)Indeferimento liminar da presente reclamação;
b)A notificação ao reclamante do teor desta informação e despacho (…)» - cf. fls. 27 do PRG.
P) A presente impugnação deu entrada no Serviço de Finanças de Lisboa – 1, em 10-02-2012 (cf. fls. 4 do suporte físico dos autos).
Q) O impugnante juntou ao processo administrativo os documentos referentes ao ano de 2009, intitulados “Documento de Liquidação de Impostos” e “Documento de Arrecadação de Receitas”, com a auto-liquidação do imposto retido na fonte dos trabalhadores da B ……………….. Ltd, carimbados pela instituição bancária que os recepcionou, onde consta o nome do ora Impugnante, como trabalhador da Sociedade “ B …………………… Ltd “, a retenção na fonte do imposto que lhe foi efectuada sobre os respetivos rendimentos e o pagamento devido pela sua entidade empregadora junto das Autoridades Tributárias Angolanas (cf. fls. 72 a 64 do PAT).
R) O Impugnante juntou ao processo administrativo uma declaração subscrita pela sua entidade empregadora onde se refere o seguinte:
«(…) 2009 Angola Ano Fiscal (1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 2009)
Com base na minha revisão dos documentos do imposto de retenção na fonte mensal dos empregados da B ……………., confirmo que o seu imposto total sobre o rendimento de 2009 pago pelo período de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 2009 ascende a: Seu Valor de Imposto sobre o rendimento em 2009 foi de: = § 12,390 USD (…)» - cf. fls. 71 do PAT e pág. 88/SITAF.”
X
“Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.”
X
“A matéria de facto julgada provada foi a considerada relevante para a decisão da causa, assentando a convicção deste Tribunal no teor dos documentos integrantes do processo judicial, do processo administrativo tributário (PAT), do procedimento de reclamação graciosa (PRG) e do depoimento da testemunha, que se dão aqui como integralmente reproduzidos.”
X
2.2. De Direito.
2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre o alegado erro de julgamento, seja quanto à apreciação da matéria de facto, seja no que respeita ao enquadramento jurídico da causa.
A sentença julgou procedente a impugnação, determinando a anulação da liquidação adicional de IRS de 2009. Considerou, em síntese, que «[i]n casu, nenhuma das situações supra elencadas se verifica. O impugnante apresentou a sua declaração de rendimentos de 2009 dentro do prazo, declarou rendimentos obtidos em Portugal e no estrangeiro, bem como o respectivo montante do imposto retido. // Quando interpelado pela AT, o Impugnante colaborou juntando os documentos que possuía e providenciando pelas traduções necessárias. // Acresce que a AT presumiu verdadeira a declaração do Impugnante no que se refere aos rendimentos auferidos, sem necessidade de exibição de quaisquer documentos originais. Contudo, no que tange a imposto pago já não presumiu verdadeira a declaração apresentada pelo impugnante e sustentada pela documentação que este apresentou. // Ora, dispõe o artº 368º do C.Civil, sob a epígrafe (Reproduções mecânicas) que.: “As reproduções fotográficas ou cinematográficas, os registos fonográficos e, de um modo geral, quaisquer outras reproduções mecânicas de factos ou de coisas fazem prova plena dos factos e das coisas que representam, se a parte contra quem os documentos são apresentados não impugnar a sua exactidão”. // Ora, como consta dos autos a AT não impugnou o conteúdo e a exactidão dos documentos em causa, pelo que, os mesmos fazem prova plena dos elementos e informações deles constantes».

2.2.2. A recorrente censura o veredicto que fez vencimento na instância. Alega que não pode ser aceite o crédito de imposto pago em Angola, invocado pelo impugnante, porquanto o «[mesmo] enviou documentos que não são válidos, não tendo, portanto, sido considerados pela AT, por não se tratarem de originais ou cópias autenticadas; não serem passados ou autenticados pela autoridade fiscal do Estado da fonte dos rendimentos; tratarem-se meramente de comprovativos da entidade patronal; não representarem os valores finais e totais de rendimento e/ou imposto para o ano de 2009, havendo divergência relativamente ao declarado em Portugal (o impugnante declarou € 8.600,58 e o valor apurado pela AT foi de €9.382,90, cfr. fls 67 do PAT) e não ter sido apresentada qualquer prova de que não tenha havido uma liquidação final no Estado da fonte dos rendimentos, nem enviado documento válido comprovativo de uma liquidação final de imposto».
Apreciação. Está em causa nos autos liquidação adicional de IRS de 2009 por não aceitação do crédito de imposto declarado em virtude da dupla tributação internacional, tendo em conta o pagamento do imposto no Estado da fonte (Angola).
Determina o artigo 15.º/1, do CIRS, «[s]endo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território». Nos termos do artigo 81.º/1 (1), do CIRS, «[o]s titulares de rendimentos das diferentes categorias obtidos no estrangeiro têm direito a um crédito de imposto por dupla tributação internacional, dedutível até à concorrência da parte da colecta proporcional a esses rendimentos líquidos, considerados nos termos da alínea b) do n.º 6 do artigo 22.º, que corresponderá à menor das seguintes importâncias: // a) Imposto sobre o rendimento pago no estrangeiro; // b) Fracção da colecta do IRS, calculada antes da dedução, correspondente aos rendimentos que no país em causa possam ser tributados». A eliminação da dupla tributação jurídica internacional faz-se segundo «o método da imputação normal, que opera mediante a concessão, aos titulares de rendimentos das diferentes categorias obtidos fora do território português (…), de um crédito relativo ao imposto sobre o rendimento pago no estrangeiro por tais rendimentos» (2). Estes devem ser «considerados pelas respectivas importâncias ilíquidas dos impostos sobre o rendimento pagos no estrangeiro» (artigo 22.º/6, CIRS). «À colecta apurada é deduzido o crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional, correspondente ao imposto pago no estrangeiro em relação aos rendimentos aí obtidos, mas sujeito a um limite máximo» (3).
À data não existia convenção sobre dupla tributação celebrada entre o Estado português e a República de Angola (4).
A este propósito, constitui jurisprudência assente a de que, «[r]ecaindo o ónus da prova dos factos constitutivos do direito sobre quem o invoque (artigo 74º da LGT e 342º do C.C), era sobre o contribuinte que recaía a obrigação de demonstrar o direito a deduzir à colecta o montante relativo à dupla tributação internacional, ou seja, o imposto sobre o rendimento pago no estrangeiro (artigo 81º do CIRS). // Inexistindo qualquer prova que ateste o pagamento do imposto, não pode a Administração Tributária substituir-se ao contribuinte, diligenciando pela obtenção ab initio de prova que lhe competia a ele trazer para a declaração de rendimentos». (5) Mais se refere que a prova dos factos alegados pelo contribuinte está sujeita aos princípios da atipicidade dos meios de prova e da livre apreciação da prova (artigos 87.º/1 do CPA, antigo, e 410.º e 411.º do CPC). De harmonia com tais princípios, na falta de prescrição legal em sentido contrário, a prova dos factos alegados realiza-se através da valoração dos meios de prova disponíveis no processo, realizada através do cotejo livre e fundamentado dos mesmos.
Dos elementos coligidos nos autos resulta o seguinte:
i) A fundamentação do acto tributário resulta da alínea K), assentando na falta de demonstração, por parte do contribuinte, dos pressupostos do direito de crédito de imposto por dupla tributação internacional.
ii) O ora Impugnante procedeu à entrega da declaração de rendimentos modelo 3 relativa ao ano de 2009, em 14-05-2010, acompanhada do anexo J, relativo a rendimentos obtidos no estrangeiro, indicando como rendimento o montante de € 24.379,79 e como imposto pago no valor de € 8.600,58 (alínea B).
iii) Em 02-05-2011 foi elaborada a declaração oficiosa relativa ao IRS de 2009 do ora impugnante, tendo sido desconsiderado o montante de imposto pago no estrangeiro, no valor de € 8.600,58 (alínea H).
iv) O impugnante juntou ao processo administrativo os documentos referentes ao ano de 2009, intitulados “Documento de Liquidação de Impostos” e “Documento de Arrecadação de Receitas”, com a auto-liquidação do imposto retido na fonte dos trabalhadores da B…………………….Angola Ltd, carimbados pela instituição bancária que os recepcionou, onde consta o nome do ora Impugnante, como trabalhador da Sociedade “ B……………..Angola Ltd “, a retenção na fonte do imposto que lhe foi efectuada sobre os respetivos rendimentos e o pagamento devido pela sua entidade empregadora junto das Autoridades Tributárias Angolanas (alínea Q).
v) O Impugnante juntou ao processo administrativo uma declaração subscrita pela sua entidade empregadora onde se refere o seguinte:
«(…) 2009 Angola Ano Fiscal (1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 2009)
Com base na minha revisão dos documentos do imposto de retenção na fonte mensal dos empregados da B ……………. Petrolite, confirmo que o seu imposto total sobre o rendimento de 2009 pago pelo período de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 2009 ascende a: Seu Valor de Imposto sobre o rendimento em 2009 foi de: = § 12,390 USD (…)» - (alínea R).

Em face dos elementos coligidos no probatório, forçoso se torna concluir que o recorrido demonstrou o rendimento percebido, bem como os montantes do imposto retido e pago no Estado da fonte do rendimento. Através das declarações emitidas pela entidade empregadora, carimbadas pela instituição bancária que os rececionou, o recorrido comprovou a ocorrência de retenções na fonte por conta do Imposto sobre o rendimento angolano, bem como o acerto final do montante pago por conta do mesmo. Pelo que demonstrou a verificação dos pressupostos do direito ao crédito de imposto por si pago em Angola.

A alegação recursória da recorrente, ao centrar-se sobre a validade dos documentos juntos, não logra reverter o juízo de veracidade dos mesmos, dado que não ataca tal juízo de veracidade. Mais se refere que a postulada necessidade de um acto do Estado certificativo da liquidação global apurada significaria esquecer a função de liquidação, cobrança e entrega do imposto ao Fisco assegurada pelo substituto tributário (entidade patronal) e a consequente devolução de tarefas que a mesma implica. Para além de colidir com os princípios de aquisição e de valoração da prova já mencionados. Relevaria ainda, em caso de dúvida, a aplicação no caso do artigo 58.º da LGT, relativo ao princípio do inquisitório.

Em face do exposto, soçobra a presente intenção recursória, devendo ser confirmada a sentença sob escrutínio.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.

Dispositivo
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe.
Notifique.
(Jorge Cortês - Relator)



(1ª. Adjunta- Patrícia Manuel Pires)



(2º. Adjunto – Vital Lopes)
(1) “Crédito de imposto por dupla tributação internacional”.
(2) Paula Rosado Pereira, Manual de IRS, Almedina, 2019, p. 305.
(3) Paula Rosado Pereira, op. e loc. citados.
(4) Entretanto, através da Resolução da Assembleia da República n.º 23/2019, publicada no D.R. 1ª Série, n.º 32, de 14/02/2019, foi aprovada a Convenção sobre Dupla Tributação celebrada entre Portugal e Angola. V. “Tabela prática das convenções para evitar a dupla tributação celebradas por Portugal”, in
nfo.portaldasfinancas.gov.pt/pt/informacao_fiscal/convencoes_evitar_dupla_tributacao/convencoes_tabelas_doclib/Documents/Tabela_CDT_2009.pdf
(5) Acórdão do TCAN, de 22-02-2012, P. 00434/09.5BEMDL.