Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:89/19.9BCLSB
Secção:CA
Data do Acordão:11/07/2019
Relator:CRISTINA SANTOS
Descritores:DISCIPLINA DESPORTIVA - IMPUTAÇÃO E PUNIÇÃO DO CLUBE A TÍTULO DE AUTORIA – EXECUÇÃO MATERIAL DO ILÍCITO POR SÓCIO OU SIMPATIZANTE DO CLUBE.
Sumário:1. Por disposição expressa do artº 35º do Regulamento das Competições organizadas pela LPFP/2017, a titularidade do dever, colocada na esfera jurídica do clube desportivo sob a forma especial de dever de garante, constitui o fundamento da responsabilidade disciplinar do clube por delito de omissão do dever de evitar o resultado jurídico desvalioso tipificado nos artºs. 187º e 182º do RD –LPFP/2017 no contexto do “terreno de jogo” e “dentro dos limites do recinto desportivo”.
2. Tal significa que a entidade administrativa com poderes regulamentares – a Liga, LPFP – quis vincular a autoria pelo cometimento dos ilícitos disciplinares dos artºs. 182º e 187º do RD –LPFP/2017 à violação do dever jurídico de garante da observância dos deveres elencados no artº 35º do Regulamento Disciplinar das Competições da LPFP/2017.
3. Consequentemente, recai sobre a pessoa colectiva, i.e, sobre o clube desportivo a imputação de autoria dos ilícitos descritos nos artºs. 182º e 187º do RD –LPFP/2017 por violação dos deveres normativamente elencados no âmbito do dever jurídico de garante que incumbe ao próprio clube desportivo.
4. O que significa que o sócio ou simpatizante executor do ilícito disciplinar tem de ser uma pessoa singular devidamente identificada no processo disciplinar através da sua identidade civil para, por seu intermédio, se fazer a imputação funcional do comportamento ilícito do sócio ou simpatizante, devidamente identificado, ao clube desportivo, na exacta medida em que, nos termos expostos, o critério da autoria repousa na titularidade dos deveres elencados no artº 35º do Regulamento Disciplinar das competições organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional/2017.
5. Não é juridicamente admissível presumir a qualidade de sócio ou simpatizante do clube relativamente à pessoa singular desconhecida e, como tal, não existente no processo, que executa os actos materiais tipificados nos artºs. 182º/187º do RD–LPFP/2017, que é o sócio ou simpatizante do clube, e que assim concretiza a infracção, nos termos já expostos, materializando o comportamento proibido pelo tipo de ilícito disciplinar.
6. Se não se sabe quem é a pessoa singular, porque não está identificada no processo disciplinar, não é possível fazer derivar por presunção e dar como provado que a pessoa em causa é sócia ou simpatizante do clube desportivo para efeitos de imputação da autoria à pessoa colectiva.
7. Por força do artº 32º nº 2 e 10 da Constituição, no direito sancionatório, seja criminal seja disciplinar, não se presume a autoria do tipo de ilícito, o que se presume, a partir de uma base fáctica provada (base da presunção), são comportamentos expressos em factos susceptíveis de imputação subjectiva ou objectiva.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: S…………………… e B………………………SAD, sociedade com os sinais nos autos, inconformada com o acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral do Desporto de 23.05.2019, dele vem recorrer ao abrigo do regime constante do artº 8º nºs. 1 e 4 da Lei 74/2013, 06.09 com as alterações introduzidas pela Lei 33/2014, 16.06, concluindo como segue:

A. O processo disciplinar é um procedimento sancionatório de natureza pública, que deve procurar a descoberta da verdade e a boa decisão da causa no respeito pelos princípios constitucionais da audiência e da defesa, traduzidos no direito de o arguido ser ouvido e de carrear para o processo todos os factos e provas susceptíveis de influírem no sentido da decisão final.
B. Impõe-se assim ao julgador o dever de levar à decisão de facto não só os factos contidos na acusação que resultem provados no processo, mas também todos os factos alegados pela defesa e igualmente demonstrados nos autos, documental e testemunhalmente, que sejam necessários para a descoberta da verdade e para o apuramento da responsabilidade disciplinar.
C. Compulsada a deliberação condenatória, verifica-se, todavia, que na parte dedicada aos factos considerados provados nenhuma referência é feita à factualidade alegada e demonstrada pela defesa relativa às acções e medidas preventivas ou de vigilância adoptadas com carácter regular ou ocasionalmente para este jogo tendo por fim prevenir e combater a violência associada ao desporto.
D. Por tal motivo, a deliberação recorrida viola o direito de defesa.
E. Impunha-se, com, os fundamentos melhor descritos em sede de Alegações, dar como provada a seguinte factualidade:
1. “A S………………. SAD desenvolve, regularmente, acções de prevenção e sensibilização nas áreas da ética no desporto, da violência, do racismo, da xenofobia e da intolerância nos espectáculos desportivos, designadamente, através de:
a. visitas e realização de acções pedagógicas em escolas;
b. desenvolvimento de campanhas publicitárias que promovem o desportivismo (cf. doc. I junto com Memorial);
c. divulgação sonora de mensagens antes dos jogos realizados no Estádio do ……………. a apelar para o comportamento desportivamente correcto dos adeptos (cf. doc. 2 junto com Memorial);
d. divulgação e afixação de cartazes no Estádio do S………… e no estádio dos clubes visitados com conteúdo dissuasor daquele tipo de comportamentos (cf. does. 3 a 10 juntos com Memorial);
e. acções de sensibilização do Oficial de Ligação aos Adeptos junto dos sócios e adeptos da S……………….. SAD para a adopção de conduta conforme ao espírito desportivo durante os espectáculos desportivos;
f. colaboração activa da S………………. SAD com as forças de segurança com vista à identificação de condutas antidesportivas e dos seus autores;
g. apresentação de propostas ao Ministério da Administração Interna e à Secretaria de Estado do Desporto para alteração da lei de combate à violência no desporto (cf. does. 11 e 12 juntos com Memorial);
h. participação em seminários e debate destinados ao tema do combate à violência (cf. does. 13, 14 e 15 juntos com Memorial);
i. emissão regular de comunicados a condenar a violência associada ao desporto, mesmo que a ela surja associado o nome de adeptos afectos ao S………….. (cf. 17 junto com Memorial) (cf. art. 4° e 5° do Memorial)"
F. Mais, conforme melhor se discorreu em sede de Alegações, resultou, igualmente, provado que:
G. Pelo que se impunha dar como provada a seguinte factualidade:
1. A Demandante mantém sistema de videovigilância com mais de 400 câmaras; sistema esse que é superior a todos os demais instalados nos restantes estádios das competições profissionais (cf. doc. 16 junto com Memorial);
2. A Demandante adopta medidas de controlo e vigilância no Estádio do S……………… com recurso, em média, a mais de 400 assistentes de recinto desportivo, número superior ao presente nos demais estádios das competições profissionais - em jogos de risco elevado, como o S…………….. vs S…………….. ascende a 458; (referido pela Testemunha Rui ………….. no seu Depoimento);
3. A Demandante instalou, em 2011, de forma pioneira em Portugal, caixa de segurança destinada a adeptos das equipas visitantes, num investimento aproximado de 350.000,00€ (medida, à data, muito criticada pelos clubes adversários, mas, entretanto, acolhida e imposta pelo próprio Regulamento de Competições da LPFP);
4. A Demandante colabora activamente com as forças de segurança na identificação/referenciação de comportamentos e adeptos de risco;
5. A Demandante recorre, a expensas próprias, à contratação dos serviços da Unidade Cinotécnica do Grupo de Operações Especiais da PSP para detecção de artefactos e engenhos pirotécnicos nas bancadas, no dia do jogo, antes da abertura de portas;
6. A Demandante nos jogos disputados fora do Estádio do S……………, a S…………… SAD faz-se sempre acompanhar pelo Director de Segurança e ou pelo Director de Segurança Adjunto e pelo Oficiai de Ligação aos Adeptos, modo a poder, através de acção de esforço conjunto com o clube visitado e com as forças de segurança, criar condições acrescidas de segurança para os adeptos e prevenir quaisquer comportamentos antidesportivos de intolerância, racismo, xenofobia, violência e ou de falta de fair play”.
7. A Demandante promoveu e participou em reuniões preparatórias do jogo (depoimento prestado pela testemunha Rui ………….);
8. A Demandante prestou toda a informação relevante às forças de segurança;
9. A Demandante reuniu previamente com os grupos de sócios mais relevantes para sensibilizar para a observância do espírito desportivo e para a não adopção de comportamentos de indisciplinar;
10. A Demandante depois do jogo, como forma de reacção aos confrontos verificados entre adeptos e forças de segurança, a S…………… SAD propôs à PSP e à Junta de Freguesia medidas, que o próprio S……………. custeou, para retirar baias da via pública, substituindo-as por pinos fixos, precisamente para prevenir que estas baias pudessem servir de “armas de arremesso” sobre elementos das forças de segurança em dias de jogo (cf fotografias juntas com Memorial apresentado pela Demandante no âmbito do Processo Disciplinar).
11. A Demandante a decisão referida na precedente alínea foi tomada logo após os acontecimentos do aludido jogo, realizado a 15 de Abril de 2018, tendo a medida sido concluída no mês seguinte, mal a S…………… obteve autorização da Junta de Freguesia (cf. email datado de 24/05/2018 junto com Memorial apresentado no Processo Disciplinar)”.
H. Importa, por fim, com os fundamentos melhor elencados em sede de Alegações, dar como provado que “os conflitos descritos nos Autos, ocorreram entre adeptos pertencentes ao Grupo Organizado de Adeptos “No Name Boys”, devendo-se exclusivamente a questões extra-futebol, portanto a fenómenos não conexos com a competição desportiva ou a própria Demandante".
I. A resposta dada aos factos acima alegados impõe que se expurgue da factualidade dada como provada os factos vertidos nos pontos 11, 12 e 14 da matéria de facto provada. Por outro lado, a deliberação recorrida, ao apreciar a prova e ao concluir que a S………… SAD é responsável pelas agressões cometidas sobre os agentes da PSP (vide itens 5), 6) e 8) da “IV. Fundamentação de facto. §1. Factos provados”, afasta-se das regras da experiência comum e das máximas da lógica e da razão, violando o princípio da livre apreciação da prova.
J. Nos termos da Constituição e da Lei, o regime jurídico do combate à violência no desporto assenta num modelo colaborativo com responsabilidades repartidas entre Estado, Federação, Liga e Clubes.
K. Se a criminalidade subsiste no desporto, tal responsabilidade é de todos: em primeira linha, do Estado, mas é também da Federação, da Liga, dos Clubes e dos adeptos.
L. O disposto no nº 2 do art. 17º, RD-LPFP e, bem assim, na Secção VI - “Infracções dos espectadores" (arts. 172º a 187ºr todos do RD-LPFP) são ilegais e inconstitucionais, quando interpretados no sentido de que os clubes podem ser responsabilizados em qualquer uma destas situações, de resto, subsidiárias:
a) quando estejam em causa pessoas que não têm qualquer relação jurídica com esses clubes;
b) sem que se exija a demonstração da identidade dos autores materiais da infracção e, ainda, a sua qualidade de sócio desses clubes e, dir-se-á até,
c) sem que se exija a demonstração de que o clube é autor (material ou moral) ou cúmplice na acção infraccional dos seus sócios, sempre por violação dos arts. 10° a 15º do Código Penal e arts. 29º, 30º, nº 3 e 32º, nºs 3 e 10, todos da CRP.
M. Se é certo que nos termos da lei e dos regulamentos desportivos recaem sobre os clubes deveres in formando e deveres in vigilando e se é certo, ainda, que a Demandada cumula sempre, como condições de punibilidade, as acções dos espectadores e as omissões dos clubes, a verdade é que nenhuma norma faz a ligação entre umas e outras, não sendo pois possível, em termos de exegese jurídica da norma “incriminadora”, identificar quais os deveres que devem ser tidos em conta para que se saiba que, sempre que esses deveres sejam omitidos, é possível aplicar a norma que prevê a punição pela conduta infraccional dos espectadores, sendo que tal lacuna, salvo o devido respeito, determina a insusceptibilidade de punição dos clubes pelas condutas dos espectadores.
N. A S…………….. SAD cumpriu os deveres in formando e in vigilando que sobre si impendiam na qualidade de promotora do espectáculo desportivo.
O. Não dispunha, no caso concreto, a S…………… SAD de poder para, na prática, prever e evitar as agressões a agentes da PSP, por não lhe ser humana e praticamente possível garantir, apesar de todos os esforços e medidas tomados, a não verificação das agressões.
P. A S……………… SAD actuou com todo o cuidado e diligência que lhes eram exigíveis, não tendo tido qualquer possibilidade de prever o preenchimento do tipo, nem contribuído de modo algum para a produção do resultado típico. Pelas mesmas razões, não dispunha das capacidades para, por si, evitar o sucedido.
Q. Num Estado de Direito e Democrático compete às forças públicas de segurança identificar e deter os concretos infractores.
R. Se a PSP não identifica os infractores nem faculta à S…………… essa informação, não pode a S…………. aferir sobre se tais infractores são ou não sócios do S…………. e, por isso, podem ou não ser disciplinarmente punidos no âmbito associativo.
S. Não tendo a S………….. SAD violado qualquer dever legal ou regulamentar, nomeadamente os que constam na conclusão da Acusação e do Acórdão recorrido, inexiste qualquer conduta ilícita omissiva que fundamente a responsabilidade disciplinar da arguida à luz das infracções que lhe são imputadas.
Nestes termos e nos mais de Direito deve o presente Recurso ser considerado procedente e, consequentemente ser o Acórdão Recorrido revogado e substituído por outro deste Tribunal que, contemplando a pretensão ora aduzida:
a) absolva a Recorrente da infracção disciplinar que lhe é imputada;
b) declare a inconstitucionalidade dos artigos 182º nº 2, 186º nºs. 1 e 2, e 187º nº 1 b), do RDLPFP, nº 1 do artigo 127ª do RDLPFP 2017, quando interpretados no sentido de consagrarem uma responsabilidade objectiva dos Clubes, SAD’ss ou SDUQ’s, por violação do disposto no artigo 32º, da CRP.


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A Federação Portuguesa de Futebol contra-alegou, concluindo como segue:


1. O presente Recurso de Apelação foi interposto pela Recorrente do Acórdão do Tribunal Arbitral do Desporto, datado de 23 de maio de 2019, que confirmou a decisão do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, de sancionar a ora Recorrente pela prática das infrações disciplinares p. e p. pelos artigos 182º, nº 2 e 187º, nº 1, alínea b) do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional.
2. Em causa nos presentes autos está o comportamento incorreto dos adeptos da S……. e a responsabilização desta sociedade anónima desportiva por violação de deveres a que estava adstrita de modo a evitar a ocorrência de tais comportamentos.
3. Sinteticamente, de acordo com toda a prova carreada para os autos e, em especial, de acordo com o relatório de policiamento desportivo, registaram-se agressões entre adeptos do GOA "No Name Boys" e de seguida aos elementos policiais, bem como outros comportamentos incorretos por parte dos mesmos adeptos, tais como derrubar caixotes do lixo e vidrões. A Recorrente não coloca em causa que estes factos aconteceram, nem que foram os seus adeptos a praticar tais factos, coloca em causa, sim, que tenha qualquer responsabilidade sobre o comportamento levado a cabo por outras pessoas.
4. Com efeito, entende a Recorrente que cabia ao Conselho de Disciplina provar (adicionalmente ao que consta do Relatório de Policiamento Desportivo da PSP) que a Recorrente violou deveres in formando e in vigilando dos seus adeptos, tendo de fazer prova de que houve uma conduta omissiva. Isto é, entende que cabia ao Conselho de Disciplina fazer prova de um facto negativo, o que, como se sabe, não é possível.
5. Assim, o Relatório de Policiamento Desportivo da PSP, atento o seu conteúdo, é perfeitamente suficiente e adequado para sustentar a punição da Recorrente nos casos concretos.
6. Ademais, importa ainda tomar em linha de conta que os relatórios das forças policiais, por serem exarados por "autoridade pública" ou "oficial público", no exercício público das "respetivas funções" (para as quais é competente em razão da matéria e do lugar), constituem documento autêntico (artº 363º, nº 2 do Código Civil), cuja força probatória se encontra vertida nos artigos 369º e ss. do Código Civil. Com efeito, tal relatório faz «prova plena dos factos que referem como praticados peia autoridade ou oficial público respetivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas perceções da entidade documentadora» (cf. artº 371º, nº 1 do Código Civil). Tal valor probatório apenas pode ser afastado com base na sua falsidade (artº 372º, nºs l do Código Civil), sendo que, no contexto processual penal e nos termos do artº 169º do CPP, se consideram «provados os factos materiais constantes de documento autêntico ou autenticado enquanto a autenticidade do documento ou a veracidade do seu conteúdo não forem fundadamente postas em causa».
7. Isto não significa que tais relatórios contenham uma verdade completamente incontestável: o que significa é que o conteúdo dos mesmos conjuntamente com a apreciação do julgador por via das regras da experiência comum, são prova suficiente para que o Conselho de Disciplina forme uma convicção acima de qualquer dúvida de que a Recorrente incumpriu os seus deveres.
8. Para abalar essa convicção, cabia ao clube apresentar contraprova, colocando em causa aquela veracidade. Essa é uma regra absolutamente clara no nosso ordenamento jurídico, prevista desde logo no artigo 346º do Código Civil.
9. Sucede que, não basta alegar de forma vaga e genérica, sem juntar prova referente a quaisquer medidas concretas levadas a cabo pela mesma e que, in casu, seriam aptas a evitar o resultado: o mau comportamento dos seus adeptos/simpatizantes no jogo dos autos.
10. Não resulta provado que os conflitos sub judice sejam alheios à competição desportiva ou à própria Recorrente. Tal sucede, porque alegações vagas e genéricas de que estamos perante uma questão "extra-desportiva" ou que estamos perante uma disputa entre pessoas provenientes de dois "bairros" não são aptas a provar a natureza desportiva ou não dos conflitos sub judice.
11. Ainda, no que diz respeito a este particular, atente-se que a inexigibilidade de determinadas motivações para que uma sociedade desportiva seja sancionada pelo mau comportamento dos respetivos sócios e simpatizantes resulta de forma muito clara do RD da LPFP aprovado, como se aduziu, em Assembleia Geral da LPFP, de que faz parte a Recorrente. Neste sentido, veja-se o disposto nos artigos 172º, 182º e 187º do RD da LPFP.
12. De igual forma, resulta claro, não apenas da Lei nº 39/2009, mas também do RD e RC da LPFP, quais são os deveres a que a Recorrente se encontra adstrita no que à prevenção da violência diz respeito, pelo que, dúvidas não subsistem quanto aos deveres a que a mesma se encontra adstrita, nem tão-pouco que, pela violação dos mesmos lhe deve ser (e foi) assacada responsabilidade disciplinar.
13. Entendeu, e bem, o Tribunal o quo, que as medidas adotadas pela Recorrente se revelaram insuficientes para preencher o cumprimento de todas as obrigações a que se encontra adstrita.
14. Ainda que se entenda - o que não se concede - que o Conselho de Disciplina não tinha elementos suficientes de prova para punir a Recorrente, a verdade é que o facto (alegada e eventualmente) desconhecido - a prática de condutas ilícitas por parte de adeptos da Recorrente e a violação dos respetivos deveres - foi retirado de outros factos conhecidos.
15. Refira-se, aliás, que este tipo de presunção é perfeitamente admissível nesta sede e não briga com o princípio da presunção de inocência, ao contrário do que refere a Recorrente, de acordo com jurisprudência, quer dos tribunais comuns, quer dos tribunais administrativos.
16. Há ainda que notar que o próprio Tribunal Arbitral do Desporto, por várias outras ocasiões, já se pronunciou em sentido diverso ao entendimento sufragado pela Recorrente, assim como o STA por sete vezes em sede de recurso de revista e o TCA Sul uma vez em sede de recurso de apelação.
17. Carece de fundamento a alegação de que as normas previstas nos artigos 17º, nº 2 e 17º a 187º do RD da LPFP são inconstitucionais, porquanto o próprio Tribunal Constitucional já se pronunciou em matéria em tudo idêntica, defendendo a responsabilidade subjetiva neste âmbito, o que se revela conforme à CRP.
18. O TAD apenas poderia alterar a sanção aplicada pelo Conselho de Disciplina da FPF se se demonstrasse a ocorrência de uma ilegalidade manifesta e grosseira - limites legais à discricionariedade da Administração Pública, neste caso, limite à atuação do Conselho de Disciplina da FPF.
19. Assim, não existindo nenhum vício que possa ser imputado ao acórdão do Conselho de Disciplina que levasse à aplicação da sanção da anulabilidade por parte deste
20. Tribunal Arbitral, andou bem o Colégio de Árbitros ao decidir manter a condenação da Recorrente pela infração p. p. pelo artigo 182.2, n.e 2.2 e 187.9, i, a|. b) do RD da LPFP.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, deve ser negado provimento ao Recurso Jurisdicional e, consequentemente, ser mantido 0 Acórdão Arbitral recorrido, assim se fazendo o que é de lei e de Justiça.


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Substituídos os vistos legais pela entrega das competentes cópias aos Exmos Juízes Desembargadores Adjuntos, vem para decisão em conferência.


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Pelo Tribunal Arbitral foi julgada provada sob os nºs. 1 a 15 a seguinte factualidade:

1. No dia 15 de Abril de 2018, no Estádio S………., realizou-se o jogo a contar para a 30ª jornada da Liga NOS, oficialmente identificado pelo nº 13005 (203.01.266), que opôs a S…………….. - Futebol SAD e a F………………….. - Futebol, SAD.
2. No âmbito do referido jogo, no que respeita ao comportamento dos adeptos visitados, registaram-se agressões entre adeptos do GOA "No Name Boys" e de seguida aos elementos policiais.
3. Entre as 18h00 e 22h30, antes do início do encontro, na Praça Centenário, existiram alguns focos de tensão e agressões físicas entre os elementos do GOA "No Name Boys".
4. No decorrer do encontro, na bancada onde o GOA "No Name Boys" se encontrava, ocorreu a alteração da ordem pública por duas vezes, entre adeptos pertencentes ao GOA, sendo necessária a intervenção verbal por parte dos elementos policiais para serenar os ânimos.
Após o final do encontro, foi determinado aos adeptos do referido GOA para abandonarem a bancada, tendo estes começado a abandonar o local.
Porque um deles continuou sentado no espaço afirmando que não saía, outros, que adotavam comportamento diferente voltaram para trás, insurgindo-se contra os elementos policiais, pelo que houve necessidade de efectuar uma vaga de dispersão, por forma a que os adeptos abandonassem o estádio.
5. Já no exterior do estádio, mas ainda no interior do complexo desportivo, os mesmos derrubaram caixotes do lixo e vidrões ali existentes, começando a arremessar garrafas de vidro e outros objectos, em direcção dos elementos policiais (e de outros adeptos que ali circulavam), pelo que houve necessidade de efectuar uma vaga de dispersão, vindo os adeptos a concentrarem-se na Praça Centenário.
Posteriormente verificou-se a necessidade de esterilizar a referida Praça.
Desta ocorrência foi lavrado auto de notícia com o NPP 180329/2018 e NUIPC 66/18.7P5LSB.
6. Na saída de adeptos do GOA "No Name Boys" do interior da bancada os mesmos agrediram por diversas vezes, com murros e pontapés, um elemento policial, pelo que foi necessário efetuar uma vaga de dispersão, utilizando-se de meios coercivos de baixa potencialidade letal, nomeadamente o uso de bastões.
7. Depois, porque permaneciam na Praça Centenário, foi feito um varrimento dos adeptos que ali se encontravam a fim de se poder fechar o portão do complexo desportivo.
Aquando da chegada destes adeptos ao mencionado portão que dá acesso à Avª Machado dos Santos, um destes arremessou uma grade de ferro contra os elementos policiais, pelo que foi intercetado e detido conforme o Auto de Notícia por detenção com o NPP 178970/2018 e NUIPC 65/18.9P5LSB.
8. Ainda dentro do recinto desportivo quando os adeptos se encontravam no interior a abandonar as bancadas, elementos policiais que se encontravam no interior da porta 10, foram informados que adeptos que estavam a abandonar as bancadas se encontravam em desordem entre eles, pelo que ali se deslocaram para verificar.
Aquando da sua chegada, os adeptos começaram a ficar agressivos para com a força de segurança, pelo que houve necessidade de recorrer à força física necessária para repor a ordem pública.
Ao encaminhar todos os adeptos para as portas de segurança que dão acesso ao corredor de saída do estádio, encontrava-se uma lona (da coreografia usada pelo GOA) no solo o que dificultava que todos alcançassem a porta.
Quando os policiais tentavam passar pela porta os adeptos começaram a fechar a mesma, retaliando. Houve ferimentos em policiais - o Agente M/141615 ficou com o braço entalado na porta;
Agente M/156574 tentou libertar o colega, altura em que adeptos lhe puxaram o cacete de ordem pública e pelo chapéu tendo- o levado consigo, bem como uma das platinas do ombro esquerdo.
No seguimento desta ação foram-lhe danificadas luvas, vindo durante este período a ser agredido com socos e pontapés.
Recebeu tratamento médico no Hospital de Santa Maria;
Agente M/142221 ficou com dores num dos joelhos, não tendo, no entanto, necessidade de receber tratamento hospitalar.
Destas ocorrências foi lavrado auto de notícia com o NPP 183860/2018 e NUIPC 1244/18.4PYLSB.
9. A "Praça Centenário" corresponde a zona de acesso ao estádio, aí se encontrando as respetivas bilheteiras.
10. Os adeptos da Demandante ofenderam, assim, o corpo de vários outros adeptos da Arguida e de vários Agentes da PSP, alguns dos quais necessitaram de assistência hospitalar.
11. A Demandante não preveniu ou impediu, de forma suficiente e eficaz, tais comportamentos, não garantindo ou procedendo no sentido de os seus adeptos e/ou simpatizantes se absterem dos mesmos, pois, não acautelou, preveniu, formou, zelou e incentivou o espírito ético e desportivo junto destes, especialmente, junto dos grupos organizados de adeptos.
12. A omissão da Arguida levou à ocorrência dos fatos referidos nos supra referidos pontos 3, 4, 5 e 6.
13. A Demandante providenciou a exibição, aquando do jogo, nos painéis/ecrãs instalados próximo do limite do terreno de jogo do estádio em que aquele decorreu, mensagens com os seguintes dizeres: "Diz não à pirotecnia/Diz não ao arremesso de objetos".
14. A Demandante agiu de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que o seu comportamento, ao não cumprir com o seu dever de acautelar, precaver, formar, zelar e incentivar o espírito ético e desportivo dos seus adeptos, especialmente junto dos grupos organizados, constituía comportamento previsto e punido pelo ordenamento jus-disciplinar desportivo, não se abstendo, porém de o realizar.
15. Na presente época desportiva, à data dos factos, a Demandante já havia sido sancionada, por decisão definitiva ria ordem jurídica desportiva, pelo cometimento de diversas infrações disciplinares.


Por referência a prova testemunhal que identifica a fls. 43 e 44 do acórdão, o Tribunal Arbitral deu ainda como provada a seguinte factualidade:

16. Quando na qualidade de clube visitado, [a Demandante] exibe faixas com mensagens contra o uso de violência;
17. Toma habitualmente medidas de prevenção e profiláticas;
18. Desenvolve o projeto "B……….. faz bem", que visa a intervenção junto de escolas, no sentido de fomentar os valores anti violência e incentivar a prática desportiva;
19. Realiza reuniões periódicas com os elementos proeminentes dos grupos de adeptos, no sentido de minimizar qualquer tipo de comportamento menos adequado.
20. Foi feita reunião de segurança relativa ao jogo no dia 09;
21. A informação com o número de autocarros, áreas de serviço para paragens foi enviada (como é) com uma semana de antecedência para as instituições que colaboram a nível de segurança;
22. Tinham um total de 446 elementos de segurança privada requisitados à P…………..;
23. Têm 457 câmaras só no complexo do estádio;
24. A PSP pede sempre imagens de videovigilância e levou-as na hora.




DO DIREITO


Por acórdão de 23.05.2019 o TAD julgou improcedente o recurso interposto pela ora Recorrente S………………. SAD da decisão de 02.OUT.2018 proferida em via de recurso hierárquico impróprio nº 10-18/19 pelo Pleno do Conselho de Disciplina – Secção Profissional da Federação Portuguesa de Futebol, ora Recorrida (artº 287º nº 1 RD –LPFP/2017).
Na decisão de 02.OUT.2018 a ora Recorrente S………………….. SAD foi condenada na pena de multa de 113 UC, no valor total de €8.645,00 em aplicação do factor de ponderação de 0,75 (artº 36º nº 2 RD–LPFP/2017), pelo cometimento das infracções disciplinares p.p. nos artºs. 187º nº 1 b) [comportamento incorrecto do público] e 182º nº 2 [agressões graves a espectadores e outros intervenientes] do RD –LPFP/2017, regulamento disciplinar emitido em via da competência outorgada pelo artº 29º nº 2 DL 248-B/2008, 31.12.


a. ilícito disciplinar;

Diz-nos Eduardo Correia: “(..) na medida em que as penas disciplinares são um mal infligido a um agente, devem (..) em tudo quanto não esteja expressamente regulado, aplicar-se os princípios que garantem e defendem o indivíduo contra todo o poder punitivo (..)”(1).
Por seu turno, José Beleza dos Santos sustenta: “(..) As sanções disciplinares têm fins idênticos aos das penas crimes; são, por isso, verdadeiras penas: como elas reprovam e procuram prevenir faltas idênticas por parte de quem quer que seja obrigado a deveres disciplinares e essencialmente daquele que os violou. (..) aquelas sanções têm essencialmente em vista o interesse da função que defendem, e a sua actuação repressiva e preventiva é condicionada pelo interesse dessa função, por aquilo que mais convenha ao seu desempenho actual ou futuro (..) No que não seja essencialmente previsto na legislação disciplinar ou desviado pela estrutura específica do respectivo ilícito, há que aplicar a este e seus efeitos as normas do direito criminal comum. (..)”(2).
Do que vem dito decorre que, semelhantemente ao que acontece em direito penal, o quid de ilícito traduz o comportamento não querido pelo ordenamento jurídico, por reporte ao catálogo de deveres gerais como era o caso do artº 3º nºs. 3 e 4 alíneas a) a h) do DL 24/84 de 16.01 do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local (=ED) e dos nºs. 2 a 11 do artº 3º do Estatuto Disciplinar aprovado pela Lei nº 59/2008 de 09.09, do artº 73º nº 2 als. a) a j) da Lei nº 35/2014 de 20.06 e, presentemente, os deveres gerais que constituem infracção disciplinar nos termos do artº 183º por definição do artº 73º da Lei 35/2014, 20.07 (Lei Geral do Trabalho em Funções Pública - LTFP), enunciação que não segue a técnica da tipificação do comportamento não querido pela norma, técnica própria do ilícito penal, cfr. artº 1º Código Penal.
O que não significa que o princípio da legalidade e consequente função garantística de direitos subjectivos públicos esteja arredada do direito sancionatório disciplinar.(3).

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O ordenamento punitivo disciplinar desconhece o regime da tipicidade, antes opera mediante o elenco de substantivos identificativos das qualidades abstractas requeridas no desenvolvimento da relação jurídica funcional, designadamente, de emprego público que, no que respeita à LTFP ao ED são dez, explicitados por recurso à técnica legislativa da descrição de conteúdo de cada um dos deveres do catálogo e respectiva enumeração de parâmetros comportamentais esperados, no sentido permissivo e proibitivo.
Todo este labor legislativo é traduzido mediante a descrição normativa do desvalor de acção e de resultado no domínio do ilícito disciplinar por adopção de conceitos gerais e indeterminados, jurídicamente expressivos do conteúdo da relação funcional em causa, v.g.laboral (e, portanto, vinculativos).
O que outorga à autoridade administrativa no exercício da competência disciplinar, uma vez definidos quais os factos provados, uma margem de livre apreciação, subsunção e decisão, operações todas elas jurisdicionalmente sindicáveis no que concerne à definição do efeito jurídico no caso concreto (validade do acto), v.g. quanto à existência material dos pressupostos de facto.(4)

*
O que significa que em sede disciplinar, o facto não assume a qualidade jurídica de facto típico tal como em sede criminal, porque não existe qua tale na descrição material da hipótese normativa, na medida em que esta recorre a conceitos substantivos das qualidades abstractas, em ordem a identificar e definir o comportamento não querido pela norma, mas é evidente que tem de existir factualidade ilícita e culposa subsumível a tais conceitos.
A operação de subsunção da factualidade provada ao conceito identificado pelos substantivos que qualificam os deveres gerais, em ordem a aplicar ao caso concreto a consequência jurídica definida pela norma, passa, assim, por dois planos:
· primeiro: pela interpretação e definição de conteúdo dos conceitos indeterminados que consubstanciam os deveres gerais;
· segundo: pelo juízo de integração ou inclusão dos factos apurados na previsão do normativo aplicável e consequente concretização dos referidos conceitos normativos.
Das transcrições doutrinais se retira que o direito sancionatório disciplinar pune os comportamentos que, consubstanciados pela factualidade apurada e definida no concreto procedimento disciplinar, em juízo subsuntivo não integrem as qualidades abstractamente descritas nos conceitos normativos dos deveres gerais elencados e acima citados.
Feito o enquadramento jurídico que compete em matéria de ilícito disciplinar, vejamos agora o enquadramento jurídico que compete em matéria do presente recurso.


b. conceito de infracção disciplinar - artºs. 182º/187º Reg. Disciplinar da LPFP/2017 - artº 35º do Reg. Competições da LPFP/2017;

O conceito normativo de infracção disciplinar adoptado no artº 17º do RD –LPFP/2017 é o seguinte:
Artigo 17º
Conceito de infracção disciplinar
1. Considera-se infracção disciplinar o facto voluntário, por acção ou omissão, e ainda que meramente culposo, que viole os deveres gerais ou especiais previstos nos regulamentos desportivos e demais legislação aplicável.
2. A responsabilidade disciplinar objectiva é imputável nos casos expressamente previstos.

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Os artºs. 182º nº 2 e 187º nº 1 b) do RD–LPFP/2017 pelos quais a ora Recorrente S…………… SAD foi condenada têm a seguinte redacção:

Artigo 182º
Agressões graves a espectadores e outros intervenientes
1. O clube cujo sócio ou simpatizante, designadamente sob a forma coletiva ou organizada, agrida fisicamente espectador ou elemento da comunicação social ou pessoa presente dentro dos limites do recinto desportivo, antes, durante ou depois da realização do jogo, de forma a causar lesão de especial gravidade, quer pela sua natureza, quer pelo tempo de incapacidade, é punido com a sanção de realização de jogos à porta fechada a fixar entre o mínimo de um e o máximo de dois jogos e, acessoriamente, na sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 25 UC e o máximo de 100 UC.
2. Se a agressão prevista no número anterior não causar lesão de especial gravidade, o clube é punido com a sanção de multa de montante a fíixar entre o mínimo de 25 UC e o máximo de 100 UC.

Artigo 187º
Comportamento incorreto do público
1. Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, o clube cujos sócios ou simpatizantes adotem comportamento social ou desportivamente incorreto, designadamente através do arremesso de objetos para o terreno de jogo, de insultos ou de atuação da qual resultem danos patrimoniais ou pratiquem comportamentos não previstos nos artigos anteriores que perturbem ou ameacem perturbar a ordem e a disciplina é punido nos seguintes termos:
a) o simples comportamento social ou desportivamente incorreto, com a sanção de multa a fixar entre o mínimo de 5 UC e o máximo de 15 UC;
b) o comportamento não previsto nos artigos anteriores que perturbe ou ameace a ordem e a disciplina, designadamente mediante o arremesso de petardos e tochas, é punido com a sanção de multa a fixar entre o mínimo de 15 UC e o 66 máximo de 75 UC.
2. Na determinação da medida da pena prevista na alínea a) do nº 1 do presente artigo não será considerada a circunstância agravante de reincidência prevista nos artigos 52.° e 53.°, n.° 1 alínea a) do presente regulamento.
3. Se do cumprimento social ou desportivamente incorreto resultarem danos patrimoniais cuja reparação seja assumida pelo clube responsável e aceite pelo clube lesado, através de acordo dado a conhecer ao delegado da Liga, não há lugar à aplicação da sanção prevista no n.° 1.

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Conforme Regulamento das Competições organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional/2017 adoptado ao abrigo do artº 29º nº 1 do Regime Jurídico das Federações Desportivas aprovado pelo DL 248-B/2008, 31.12, no tocante à segurança nos estádios de futebol os clubes desportivos estão sujeitos à observância dos seguintes deveres:

Artigo 35.º
Medidas preventivas para evitar manifestações de violência e incentivo ao fair-play

1. Em matéria de prevenção de violência e promoção do fair-play, são deveres dos clubes:
a) assumir a responsabilidade pela segurança do recinto desportivo e anéis de segurança;
b) incentivar o espírito ético e desportivo dos seus adeptos, especialmente junto dos grupos organizados;
c) aplicar medidas sancionatórias aos seus associados envolvidos em perturbações da ordem pública, impedindo o acesso aos recintos desportivos nos termos e condições do respetivo regulamento ou promovendo a sua expulsão do recinto;
d) proteger os indivíduos que sejam alvo de ameaças e os bens e pertences destes, designadamente facilitando a respetiva saída de forma segura do complexo desportivo, ou a sua transferência para setor seguro, em coordenação com os elementos da força de segurança;
e) designar o coordenador de segurança;
f) garantir que são cumpridas todas as regras e condições de acesso e de permanência de espectadores no recinto desportivo;
g) relativamente a quaisquer indivíduos aos quais tenha sido aplicada medida de interdição de acesso a recintos desportivos, pena de privação do direito de entrar em recintos desportivos ou sanção acessória de interdição de acesso a recintos desportivos:
i. impedir o acesso ao recinto desportivo;
ii. impedir a obtenção de quaisquer benefícios concedidos pelo clube, associação ou sociedade desportiva, no âmbito das previsões destinadas aos grupos organizados de adeptos ou a título individual.
h) usar de correção, moderação e respeito relativamente a outros promotores de espetáculos desportivos e organizadores de competições desportivas, associações, clubes, sociedades desportivas, agentes desportivos, adeptos, autoridades públicas, elementos da comunicação social e outros intervenientes no espetáculo desportivo;
i) não proferir ou veicular declarações públicas que sejam suscetíveis de incitar ou defender a violência, o racismo, a xenofobia, a intolerância ou o ódio, nem tão pouco adotar comportamentos desta natureza;
j) zelar por que dirigentes, equipa técnica, jogadores, pessoal de apoio, ou representantes dos clubes ajam de acordo com os preceitos das alíneas h) e i);
k) não apoiar, sob qualquer forma, grupos organizados de adeptos, em violação dos princípios e regras definidos na Lei n.º 39/2009, de 30 de julho, com a redação dada pela Lei n.º 52/2013, de 25 de julho;
l) zelar por que os grupos organizados de adeptos apoiados pelo clube participem do espectáculo desportivo sem recurso a práticas violentas, racistas, xenófobas, ofensivas ou que perturbem a ordem pública ou o curso normal, pacífico e seguro da competição e de toda a sua envolvência, nomeadamente, no curso das suas deslocações e nas manifestações que realizem dentro e fora de recintos;
m) manter uma lista actualizada dos adeptos de todos os grupos organizados apoiados pelo clube fornecendo-a às autoridades judiciárias, administrativas e policiais competentes para a fiscalização do disposto na presente lei;
n) a requisição de policiamento e pagamento dos respetivos encargos, nos termos previstos no decreto-lei n.º 216/2012, de 9 de outubro;
o) desenvolver acções de prevenção socioeducativa, nos termos da lei;
p) designar e comunicar ao IPDJ a lista de coordenadores de segurança, para efeitos da lei n.º 39/2009, de 30 de julho, com a redação dada pela lei n.º 52/2013, de 25 de julho;
q) corrigir e/ou implementar as medidas de segurança recomendadas pelas entidades policiais competentes;
r) manter um registo sistematizado e actualizado dos filiados no grupo organizado de adeptos do respetivo clube, de acordo com o designado na lei, e remetê-lo trimestralmente para o IPDJ;
s) reservar, nos recintos desportivos que lhe são afectos, uma ou mais áreas específicas para os filiados dos grupos organizados de adeptos;
t) instalar e manter em funcionamento um sistema de videovigilância, de acordo com o preceituado nas leis aplicáveis;
u) dispor, nos recintos desportivos que lhe são afetos, de acessos especiais para pessoas com deficiência ou incapacidades;

2. Para efeito do disposto na alínea f) do número anterior, e sem prejuízo do estabelecido no artigo 24.º da lei n.º 39/2009, de 30 de julho e no Regulamento de prevenção da violência constante do Anexo VI, são considerados proibidos todos os objectos, substâncias e materiais susceptíveis de possibilitar actos de violência, designadamente:
a) bolas, chapéus-de-chuva, capacetes;
b) animais, salvo cães guia ou cães polícia quando permitido o seu acesso nos termos da lei;
c) armas de qualquer tipo, munições ou seus componentes, bem como quaisquer objectos contundentes, nomeadamente facas, dardos, ferramentas ou seringas;
d) projécteis de qualquer tipo tais como cavilhas, pedaços de madeira ou metal, pedras, vidro, latas, garrafas, canecas, embalagens, caixas ou quaisquer recipientes que possam ser arremessados e causar lesões;
e) objectos volumosos como escadas de mão, bancos ou cadeiras;
f) substâncias corrosivas ou inflamáveis, explosivas ou pirotécnicas, líquidos e gases, fogo-de-artifício, foguetes luminosos (very-lights), tintas, bombas de fumo ou outros materiais pirotécnicos;
g) latas de gases aerossóis, substâncias corrosivas ou inflamáveis, tintas ou recipientes que contenham substâncias prejudiciais à saúde ou que sejam altamente inflamáveis;
h) apontadores laser ou outros dispositivos luminosos que sejam capazes de provocar danos físicos ou perturbar a concentração ou o desempenho dos atletas e demais agentes desportivos.

3. Os clubes, seus dirigentes, delegados, jogadores, técnicos e funcionários, bem como os árbitros e demais agentes desportivos devem abster-se de, antes, durante e após a realização dos jogos, por intermédio dos órgãos da comunicação social ou por outro meio, proferir declarações que incitem à prática de violência.
4.. Os dirigentes e funcionários das sociedades desportivas e dos clubes fundadores não podem participar, na qualidade de intervenientes regulares, em programas televisivos que se dediquem exclusiva, ou principalmente, à análise e comentário do futebol profissional.
5. Quando os dirigentes e funcionários das sociedades desportivas e dos clubes fundadores participem, na qualidade de convidados, nos programas referidos no número anterior, apenas podem analisar e comentar aspectos positivos do jogo e das competições, abstendo-se de analisar e de comentar decisões da equipa de arbitragem, comportamentos de jogadores, treinadores, outros agentes desportivos ou do público, quando esteja em causa algum aspecto susceptível de causar um impacto negativo na imagem e percepção pública de um jogo em particular, das competições profissionais ou da Liga ou dos seus associados.
6. Para além do disposto nos números anteriores, os clubes visitados, ou considerados como tal, devem proceder à colocação, em todas as entradas do estádio, de um mapa-aviso, de dimensões adequadas, com a descrição de todos os objectos ou comportamentos proibidos no recinto ou complexo desportivo, nomeadamente invasões do terreno de jogo, arremesso de objectos, uso de linguagem ou cânticos injuriosos ou que incitem à violência, racismo ou xenofobia, bem como a introdução e ingestão de bebidas alcoólicas, estupefacientes ou material produtor de fogo-de artifício ou objectos similares, e quaisquer outros susceptíveis de possibilitar a prática de actos de violência.

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Feitas as transcrições normativas, voltemos ao caso concreto.


c. imputação e punição do clube a título de autoria – execução material do ilícito por sócio ou simpatizante do clube;

Atenta a conformação substantiva dos artºs. 182º nº 2 [agressões graves a espectadores e outros intervenientes] e 187º nº 1 b) [comportamento incorrecto do público] do RD–LPFP/2017, interessa aqui destacar a circunstância de o efeito jurídico punitivo do poder disciplinar recair sobre o clube desportivo - no caso, sobre a pessoa colectiva empresarial na medida em que se trata de uma SAD.
Efectivamente, por disposição expressa do artº 35º do Regulamento das Competições organizadas pela LPFP/2017, a titularidade do dever, colocada na esfera jurídica do clube desportivo sob a forma especial de dever jurídico de garante (em que o omittere é equiparado ao facere - artº 10º nºs 1 e 2 CP), constitui o fundamento da responsabilidade disciplinar do clube por delito de omissão imprópria do dever de evitar o resultado jurídico desvalioso tipificado nos artºs. 182 e 187º do RD –LPFP/2017 no contexto do “terreno de jogo” e “dentro dos limites do recinto desportivo”.
Ou seja, a imputação ao clube do delito omissivo impróprio por violação do dever jurídico de garante plasmado no artº 35º do Regulamento das Competições da Liga está associada à imputação e punição desse mesmo clube pelos ilícitos disciplinares comissivos (por acção) tipificados nos artºs. 182º nº 2 [agressões graves a espectadores e outros intervenientes] e 187º nº 1 b) [comportamento incorrecto do público] do Regulamento Disciplinar da Liga (RD–LPFP/2017), na exacta medida em que a consumação requer a produção de um resultado em sentido material (proibido), concretizado pelo comportamento de um sócio ou simpatizante do clube.
Isto é, o dever jurídico de garante que onera a esfera jurídica do clube desportivo configura um dos pressupostos jurídicos do juízo subjectivo de imputação jurídica e punição do clube a título de autoria pelo cometimento dos ilícitos praticados pelo terceiro (o sócio ou simpatizante) nos termos dos artºs. 182º e 187º do RD –LPFP/2017, com fundamento na violação pelo clube do dever jurídico de garante da observância dos deveres elencados no artº 35º do Regulamento das Competições da LPFP/2017.
O que significa que a entidade administrativa com poderes regulamentares – a Liga, LPFP – quis vincular a autoria pelo cometimento dos ilícitos disciplinares dos artºs. 182º e 187º do RD–LPFP/2017 à violação pelo clube do dever jurídico de garante da observância dos deveres elencados no artº 35º do Regulamento das Competições da LPFP/2017 no âmbito.
Consequentemente, recai sobre a pessoa colectiva, i.e, sobre o clube desportivo a imputação de autoria dos ilícitos descritos nos artºs. 182º e 187º do RD–LPFP/2017 por violação dos deveres normativamente elencados no âmbito do dever jurídico de garante que incumbe ao próprio clube desportivo.
Estamos, assim, fora do paradigma clássico do direito sancionatório, seja criminal seja disciplinar, assente sobre uma construção individual tanto do lado do agente como do lado do titular do bem jurídico ofendido, isto é, utilizando a expressão cunhada por Figueiredo Dias, “Caim matou Abel”.

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Nesta construção jurídica de ilícito imputado a pessoas colectivas, que constitui uma novidade no âmbito do ilícito disciplinar mas já há muito conhecida do direito criminal e contra-ordenacional interno, v.g. do direito penal da empresa, cumpre atender a um aspecto muito específico: é que a infracção ao dever apenas se concretiza quando ocorre a materialização do comportamento não querido pela norma regulamentar que descreve o tipo de ilícito disciplinar. (5)
Materialização evidenciada por parte da pessoa singular nomeada nas normas que descrevem o comportamento proibido pelo tipo de ilícito disciplinar - no caso trazido a recurso, a pessoa singular em causa é o sócio ou simpatizante do clube, conforme determinado nos artºs. 182º/187º do RD –LPFP/2017.
É o sócio ou simpatizante do clube quem materializa o ilícito disciplinar imputado ao clube desportivo a título de autoria, ao realizar uma das diversas descrições materiais de acção dolosa constantes dos artºs. 182º e 187º do RD-LPFP/2017 associadas à violação do dever jurídico de garante do clube desportivo no âmbito do elenco de deveres especificados no citado artº 35º do Regulamento das Competições da LPFP/2017.
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Aplicando o que vem de ser dito ao caso concreto, a imputação de autoria do ilícito disciplinar ao clube desportivo ora Recorrente só se concretiza no momento em que
· “(..) os sócios ou simpatizantes adotem comportamento social ou desportivamente incorreto, designadamente através do arremesso de objetos para o terreno de jogo, de insultos ou de atuação da qual resultem danos patrimoniais ou pratiquem comportamentos não previstos nos artigos anteriores que perturbem ou ameacem perturbar a ordem e a disciplina (..) – artº 187º nº 1 RD –LPFP/2017
· “(..)os sócios ou simpatizantes adoptem (..) o simples comportamento social ou desportivamente incorrecto (..)” - artº 187º nº 1 a) RD –LPFP/2017
· “(..)os sócios ou simpatizantes adoptem (..)o comportamento não previsto nos artigos anteriores que perturbe ou ameace a ordem e a disciplina, designadamente mediante o arremesso de petardos e tochas (..)” - artº 187º nº 1ba) RD –LPFP/2017
· “(..) o sócio ou simpatizante, designadamente sob a forma coletiva ou organizada, agrida fisicamente espectador ou elemento da comunicação social ou pessoa presente dentro dos limites do recinto desportivo, antes, durante ou depois da realização do jogo, de forma a causar lesão de especial gravidade, quer pela sua natureza, quer pelo tempo de incapacidade (..)” – artº 182º nº 1 RD–LPFP/2017
· “(..)Se a agressão prevista no número anterior não causar lesão de especial gravidade (..)” - artº 182º nº 2 RD–LPFP/2017
isto é, no momento em que o sócio ou simpatizante do clube desportivo realiza uma das acções dolosas descritas na norma regulamentar, e não qualquer outra.
O que significa que o sócio ou simpatizante executor do ilícito disciplinar tem de ser uma pessoa singular devidamente identificada no processo disciplinar através da sua identidade civil para, por seu intermédio, se fazer a imputação funcional do comportamento ilícito do sócio ou simpatizante, devidamente identificado, ao clube desportivo (pessoa colectiva), pelas duas razões já expostas:
a. por um lado, a pessoa singular está ligada funcionalmente ao clube pela sua qualidade de sócio ou simpatizante
b. e, por outro, o critério da autoria do clube face aos ilícitos dos artºs. 182º e 187º RD –LPFP/2017 repousa na titularidade dos deveres elencados no artº 35º do Regulamento das Competições organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional/2017.
Ou seja, não só é juridicamente obrigatório carrear para o processo disciplinar os meios de prova referentes aos factos que configuram o comportamento não querido pela norma (no caso, desvalor de acção e de resultado de ilícito comissivo doloso dos artºs. 182º e 187º RD–LPFP/2017) como também é obrigatório carrear o meio probatório relativo à identificação da pessoa singular que realizou a acção em contrário do dever legal (imputação subjectiva da acção ao sujeito executor) e da sua ligação funcional ao clube desportivo em função da sua qualidade de sócio ou simpatizante (imputação da autoria ao clube), nos exactos termos das normas incriminadoras do clube a título de autoria, v.g. artºs. 182º/187º do RD–LPFP/2017.

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Do quadro normativo que vem de ser exposto decorre, como condição necessária, a exigência de identificação processual do sócio ou simpatizante do clube, na medida em que essa identificação pessoal constitui, a par do dever de garante já referido, um dos pressupostos jurídicos do juízo subjectivo de imputação e punição do clube a título de autoria pelo cometimento dos ilícitos praticados pelo terceiro (o sócio ou simpatizante) nos termos dos artºs. 182º e 187º do RD–LPFP/2017, com fundamento na violação pelo clube do dever de garante da observância dos deveres elencados no artº 35º do Regulamento Disciplinar das Competições da LPFP/2017.
A exigência de identificação processual do sócio ou simpatizante do clube faz parte do discurso jurídico fundamentador exarado no Acórdão nº 730/95 (Guilherme da Fonseca) do Plenário do Tribunal Constitucional, tirado em 14.DEZ.1995 no processo nº 328/91.
Em análise ao regime da interdição dos recintos desportivos previsto no DL 270/89, 18.08 – regime actualmente previsto no artº 176º por referência aos artºs. 173º/174º do Regulamento Disciplinar das Competições da LPFP/2017 - o citado Acórdão nº 730/95 do TC destaca a identificação civil do sócio ou simpatizante que executa os actos materiais descritos nas normas tipificadoras do ilícito disciplinar, nos segmentos que se transcrevem, sendo o negrito e sublinhados nossos:
“(..) convém reter que as sanções referidas nos artigos 3º a 6º do Decreto-Lei nº 270/89 são aplicadas aos clubes desportivos, por condutas ilícitas e culposas das respectivas claques desportivas (assim chamadas e que são os sócios, adeptos ou simpatizantes, como tal reconhecidos) condutas que se imputam aos clubes, em virtude de sobre eles impenderem deveres de formação e de vigilância que a lei lhes impõe e que ele não cumpriram de forma capaz. (..)
(..) Não é, pois, em suma, uma ideia de responsabilidade objectiva que vinga in casu, mas de responsabilidade por violação de deveres. Afastada desde logo aquela responsabilidade objectiva pelo facto de o artigo 3º exigir, para aplicação da sanção de interdição dos recintos desportivos, que as faltas praticadas pelos espectadores nos recintos desportivos possam ser imputadas aos clubes.
E no mesmo sentido milita a referência que nesse mesmo preceito (7º) e no artº 6º (nºs 1 e 2) é feita ao clube responsável (pelos distúrbios).
Por fim o processo disciplinar que se manda instaurar (artigo 4º) servirá precisamente para se averiguar todos os elementos da infracção, sendo que, por essa via, a prova de primeira aparência pode vir a ser destruída pelo clube responsável (por exemplo, através da prova de que o espectador em causa não é sócio, simpatizante ou adepto do clube). (..)”

*
Evidentemente que o “reconhecimento” do espectador no quadro dos “sócios, adeptos ou simpatizantes” do clube, bem como a prova de que o “espectador em causa não é sócio, simpatizante ou adepto do clubetem implícito o pressuposto de que não se trata de alguém desconhecido, pelo contrário, constitui um requisito essencial do juízo de imputação do ilícito disciplinar ao clube desportivo (pessoa colectiva), que no processo disciplinar haja notícia e resulte provada a identidade de quem se trata através da identificação civil da pessoa física.
Cabe, pois, importar para o juízo sancionatório no plano disciplinar os modelos de imputação do facto criminal à pessoa colectiva.(6)
Para este efeito seguindo, com as devidas adaptações, o direito objectivo nesta matéria, de acordo com o regime subsidiário em matéria de direito adjectivo por disposição expressa do artº 16º nº 1 do Regulamento Disciplinar das Competições da LPFP/2017, em matéria de direito adjectivo, das disposições do regime disciplinar dos trabalhadores da Administração Pública consagrado na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, Lei 35/2014, 20.06 (LTFP), conjugada com o disposto, em matéria sancionatória disciplinar, no artº 201º nº 2, LTFP que procede ao reenvio para os princípios de processo penal.
O que significa que onde forem omissos o processo comum ou os processos especiais do presente Regulamento Disciplinar das Competições da LPFP/2017 rege o disposto no Código de Processo Penal.


d. presunções relativas – excepções ao princípio in dubio pro reo;

Por força do artº 32º nº 2 e 10 da Constituição, no direito sancionatório, seja criminal seja disciplinar, não se presume a autoria do tipo de ilícito, o que se presume, a partir de uma base fáctica provada (base da presunção), são comportamentos expressos em factos susceptíveis de imputação subjectiva ou objectiva.
Dito de outro modo, não é juridicamente admissível presumir a qualidade de sócio ou simpatizante do clube relativamente à pessoa singular desconhecida e, como tal, não existente no processo, que executa os actos materiais tipificados nos artºs. 182º/187º do RD–LPFP/2017, que é o sócio ou simpatizante do clube, e que assim concretiza a infracção, nos termos já expostos, materializando o comportamento proibido pelo tipo de ilícito disciplinar.
Se não se sabe quem é a pessoa singular, porque não está identificada no processo disciplinar, não é possível fazer derivar por presunção e dar como provado que a pessoa em causa é sócia ou simpatizante do clube para efeitos de imputação da autoria ao clube desportivo.

*
Vejamos o regime da presunção em sede sancionatória.

No campo das presunções judiciais em matéria sancionatória maxime de natureza criminal, importa atender às considerações exaradas no Acórdão do STJ de 19.06.2019 tirado no procº 881/16.6 JAPRT-A.P1.S1 (Pires da Graça):
“(..) O artigo 127º do CPP estabelece três tipos de critérios para avaliação da prova, com características e natureza completamente diferente: uma avaliação da prova inteiramente objectiva quando a lei assim o determinar, (o caso dos documentos autênticos), outra, também objectiva, quando for imposta pelas regras da experiência, finalmente umas outra, eminentemente subjectiva, que resulta da livre convicção do julgador.
Porém não há que confundir o grau de discricionariedade implícito na formação do juízo e valoração do julgador com o mero arbítrio: a livre ou íntima convicção do juiz não poderá ser nunca puramente subjectiva ou emotiva, e, por isso, há-de ser fundamentada, racionalmente objectivada e logicamente motivada, de forma a susceptibilizar controlo.
A livre apreciação da prova liberta do rígido sistema da prova tarifada, ou prova legal, realiza-se obedecendo a critérios lógicos e objectivos, determinando uma convicção racional e, por isso objectivável e explicável. (v. vg acs do STJ de: 4 de Novembro de 1998, 21 de Janeiro de 1999 e 18 de Janeiro de 2001, respectivamente na CJ, Acs do STJ VI, tomo 3, 201; SAASTJ nº 27, 38; nº 47, 88.
Costuma distinguir-se entre prova directa e prova indiciária, referindo-se aquela ao thema probandum, aos factos a provar, e respeitando a prova indirecta ou indiciária a factos diversos (instrumentais) do tema probatório, mas que possibilitam, pelo uso das regras da experiência, extrair ilações no domínio do thema probandum, de convicção racional e objectivável do julgador.
O princípio da legalidade da prova perfilhado pelo artº 125º do CPP considera “admissíveis as provas que não forem proibidas por lei.” (..)
Nas provas admissíveis são incluídas as presunções judiciais (ou seja, «as ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido»: art. 349.º do CC).
Daí que a circunstância de a presunção judicial não constituir «prova directa» não contraria o princípio da livre apreciação da prova, que permite ao julgador apreciar a «prova» (qualquer que ela seja, desde que não proibida por lei) segundo as regras da experiência e a livre convicção do tribunal (art. 127.º do CPP). Não está, por isso, vedado às instâncias, ante factos conhecidos, a extracção – por presunção judicial – de ilações capazes de «firmar um facto desconhecido. (..)”.

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Feito o devido enquadramento, voltemos ao caso concreto.

Como já referido, por disposição expressa do artº 16º nº 1 do Regulamento Disciplinar das Competições da LPFP/2017 em matéria de direito adjectivo, nomeadamente sobre meios de prova admissíveis no processo disciplinar, regem subsidiariamente as disposições do regime disciplinar dos trabalhadores da Administração Pública consagrado na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, Lei 35/2014, 20.06 (LTFP).
Por sua vez, nesta matéria sancionatória disciplinar o artº 201º nº 2, LTFP procede ao reenvio para os princípios de processo penal, o que significa que onde forem omissos o processo comum ou os processos especiais do presente Regulamento Disciplinar das Competições da LPFP/2017 rege o disposto no Código de Processo Penal, nomeadamente em sede de diligências indispensáveis à instrução do processo.
Em juízo de indispensabilidade impõem-se as diligências instrutórias que possibilitem o exercício do contraditório por parte do clube desportivo no tocante à imputação de autoria por violação do dever geral de garante relativamente aos deveres consagrados no artº 35º do Regulamentor das Competições da LPFP/2017 em razão do cometimento pelo sócio ou simpatizante da matéria delitual descrita nas normas sancionatórias dos artºs. 182º/187º do RD –LPFP/2017.
De modo que em matéria de presunções cabe observar o regime consagrado no Código de Processo Penal.

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Diz-nos a doutrina da especialidade neste ramo do Direito que,
“(..) As presunções constituem, em processo penal, excepções ao princípio in dubio pro reo. Como excepções devem ser interpretadas nos precisos termos textuais da lei, não podendo ser aplicadas analogicamente. (..)
As presunções legais relativas fazem inverter o ónus da prova. Em obediência à presunção, o julgador terá de dar o facto como provado, no caso de incerteza. “A presunção legal relativa tem natureza processual e actua, precisamente, quando, incerto o facto probando (mas somente quando incerto) o legislador permite, perante essa incerteza, a equiparação de um facto indiciante a um facto presumido incerto, da prova do primeiro fazendo derivar então as mesmas consequências que teriam lugar com a prova do segundo.
E assim, as presunções simples ou naturais são meios lógicos de apreciação das provas, são meios de convicção. Cedem perante a simples dúvida sobre a exactidão no caso concreto” (Cavaleiro de Ferreira, Curso, II) (..)” (7)
Exactamente por isso, diz-se no Acórdão do STJ de 16.05.2019 tirado no procº nº 27908/16.6 T8LSB.L1.S1 (Rosa Tching) que,
“(..) o erro na livre apreciação das provas, salvo quando, nos termos do artigo 674.º, n.º 3, do CPC, a utilização desse critério de valoração ofenda uma disposição legal expressa que exija espécie de prova diferente para a existência do facto ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova, ou ainda quando aquela apreciação ostente juízo de presunção judicial revelador de manifesta ilogicidade, ofensivo de qualquer norma legal ou extraído a partir de factos não provados (..) [configuram] verdadeiros erros de direito (..)”.

A nosso ver, é o que ocorre nas circunstâncias do caso trazido a recurso.

Não surte dúvidas que o segmento normativo do artº 182º nº 1 RD–LPFP/2017sob a forma colectiva ou organizada” se refere às claques dos clubes do futebol.
Todavia, não se suscitam dúvidas quanto a que nenhum dos citados normativos (182º/187º) estabelece expressamente a presunção de que a execução dos factos ilícitos descritos tem como efeito jurídico automático a operatividade da imputação da autoria ao clube, desde que tais factos sejam cometidos a partir do ajuntamento de pessoas das claques dos clubes, estilo “no name boys”, “juventude leoninaet altri, acantonadas num determinado espaço do estádio desportivo aquando da realização do jogo.
Uma interpretação nestes termos, de considerar a imputação da autoria ao clube e consequente punição um efeito automático decorrente da materialização dos eventos ilícitos constantes da previsão dos citados normativos (182º/187º) do RD–LPFP/2017, equivaleria a assumir que a entidade regulamentar consagrou uma assunção automática da posição de garante do clube desportivo e, consequentemente, de autoria,
Consequentemente, equivaleria a atribuir a autoria por responsabilidade disciplinar objectiva do clube por decorrência do cometimento dos factos ilícitos descritos nas normas sancionatória, factos oriundos do ajuntamento de pessoas da claque desportiva em tumulto, presumindo que todas aquelas pessoas têm a qualidade funcional (de ligação ao clube) exigida pela norma, isto é, de “sócios ou simpatizantes”.

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Todavia, como já referido, a responsabilidade objectiva mostra-se afastada pela circunstância de os normativos em causa (182º/187º) do RD–LPFP/2017) exigirem para efeito de imputação aos clubes e punição destes por factos ocorridos nos recintos desportivos, que as faltas sejam praticadas por espectadores sócios ou simpatizantes do clube.
Por esta razão, porque as normas exigem a imputação da qualidade pessoal de sócio ou simpatizante ao clube especificamente objecto da punição, não é admissível, do ponto de vista jurídico, presumir a qualidade de sócio ou simpatizante relativamente a pessoa que nem se sabe quem é no processo disciplinar, para efeitos de operatividade da ligação funcional do (desconhecido) sócio ou simpatizante ao clube desportivo nos termos consignados nos artºs. 182º/187º do RD–LPFP/2017.
Por esta razão, porque as normas exigem a imputação da qualidade pessoal de sócio ou simpatizante ao clube especificamente objecto da punição, do ponto de vista jurídico não é admissível, presumir a qualidade de sócio ou simpatizante relativamente a pessoa que nem se sabe quem é por não estar identificada no processo disciplinar, para efeitos de operatividade da ligação funcional do (desconhecido) sócio ou simpatizante ao clube desportivo nos termos consignados nos artºs. 182º/187º do RD–LPFP/2016.
Efectivamente, a interpretação dos artºs. 182º/187º do RD–LPFP/2017 no sentido
(i) da imputação de autoria ao clube por efeito automático da concretização dos ilícitos disciplinares comissivos descritos nos citados artigos (182º/187º), cometidos por pessoa física cuja identidade é desconhecida,
(ii) presumindo a qualidade funcional de “sócio ou simpatizante” (ligação ao clube) exigida pela norma (182º/187º) relativamente a essa pessoa física de identidade desconhecida,
(iii) associando à concretização dos ilícitos (182º/187º) o efeito automático de imputação ao clube do delito omissivo impróprio de violação do dever jurídico de garante (artº 35º do Regulamento das Competições da LPFP/2016),
configura-se inconstitucional, por violação do princípio da presunção de inocência em sede de processo disciplinar, à luz do regime constante do artº 32º nºs. 2 e 10 CRP.

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No mesmo sentido o acórdão deste TCAS tirado em 09.MAI.2019 no rec. nº 42/19.2BCLSB no segmento do discurso jurídico fundamentador que se transcreve:
“(..)Na verdade, também perfilhamos o entendimento expresso pela recorrente e já supra afirmado, de que nos relatórios de jogo, prova documental nos autos que beneficia da presunção de verdade, não se descreve um único facto relativamente ao que fez ou não fez o clube, por referência a concretos deveres legais ou regulamentares, nem tão-pouco se descreve por que forma essa actuação do clube facilitou ou permitiu o comportamento que é censurado; sendo a actuação culposa um dos "demais elementos das infracções" que se impunha à FPF, aqui recorrida, provar, sempre se mostrava prejudicada a condenação do Clube por falta de preenchimento de pressuposto legal exigido pelos arts. 186º 2 e 187º l a) e h) do RD.
Daí, pois, se concorde que é inconstitucional, por violação do princípio jurídico- constitucional da culpa (art. 2º da CRP) e do princípio da presunção de inocência, presunção de que o arguido beneficia em processo disciplinar, inerente ao seu direito de defesa (arts. 32º 2 e 10 da CRP), a interpretação dos artºs 13º f) e 186º 2 e 187º 1 a) e h) do RDLPFP no sentido de que a indicação, com base em relatórios da equipa de arbitragem ou do delegado da Liga, de que sócios ou simpatizantes de um clube praticaram condutas social ou desportivamente incorrectas é suficiente para, sem mais, dar como provado que essas condutas se ficaram a dever à culposa abstenção de medidas de prevenção de comportamentos dessa natureza por parle desse clube, o que desde já se argui, para todos os efeitos e consequências legais: e inconstitucional, porque, materialmente, na prática, significa impor ao clube uma responsabilidade objectiva por facto de outrem (2º e 30º 3 da CRP). (..)”.

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Pelos fundamentos expostos conclui-se que a decisão de 02.OUT.2018 proferida em via de recurso hierárquico impróprio nº 10-18/19 pelo Pleno do Conselho de Disciplina – Secção Profissional da Federação Portuguesa de Futebol se mostra inquinada de vício de violação de lei por erro de facto e de direito sobre os pressupostos, passível de anulação nos termos do artº 163º nº 1 CPA.

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Tudo visto, não se acompanha o entendimento sustentado no Acórdão do TAD de 23.05.2019 de considerar preenchidos “(..) os requisitos de responsabilidade subjectiva que os artigos 182º e 187º exigem para a condenação do clube por comportamentos de adeptos (..)” julgando-se procedente a questão trazida a recurso no item L b) das conclusões e prejudicadas todas as demais questões suscitadas pela solução dada à antecedente.


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Termos em que acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em,

a. julgar procedente o recurso interposto pela sociedade S……………………………SAD,
b. anular a decisão de 02.10.2018 proferida em via de recurso hierárquico impróprio nº 10-18/19 pelo Pleno do Conselho de Disciplina – Secção Profissional da Federação Portuguesa de Futebol e
c. revogar o acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral do Desporto de 23.05.2019.

Custas a cargo do Recorrido

Lisboa, 07.NOV.2019


(Cristina dos Santos) ……………………………………………….
(relatora por vencimento)


(Sofia David) ….……………………………………………………
(declaração de voto)


(Pedro Figueiredo) ………………………………………………….
(VOTO VENCIDO)




Declaração de voto:

Voto a decisão, com a qual concordo integralmente.

Sem embargo, daria também procedência ao recurso por entender que, no caso, não está verificada a culpa do Clube de futebol ou a violação culposa dos seus deveres de conduta.

Nos termos do art.° 17.° do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portugal (RD) “1. Considera-se infração disciplinar o facto voluntário, por ação ou omissão, e ainda que meramente culposo, que viole os deveres gerais ou especiais previstos nos regulamentos desportivos e demais legislação aplicável.
2. A responsabilidade disciplinar objetiva é imputável nos casos expressamente previstos.”
Prescreve o artigo 182.° do RD o seguinte: “Agressões graves a espectadores e outros intervenientes
1. O clube cujo sócio ou simpatizante, designadamente sob a forma coletiva ou organizada, agrida fisicamente espectador ou elemento da comunicação social ou pessoa presente dentro dos limites do recinto desportivo, antes, durante ou depois da realização do jogo, de forma a causar lesão de especial gravidade, quer pela sua natureza, quer pelo tempo de incapacidade é punido com a sanção de realização de jogos à porta fechada a fixar entre o mínimo de ume o máximo de dois jogos e, acessoriamente, na sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 25 UCe o máximo de 100 UC.
2. Se a agressão prevista no número anterior não causar lesão de especial gravidade, o clube é punido com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 25 UCe o máximo de 100 UC.”
Determina o art.° 187.°, n.° 1, als. a) e b), do RD, o seguinte: “Comportamento incorreto do público
1. Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, o clube cujos sócios ou simpatizantes adotem comportamento social ou desportivamente incorreto, designadamente através do arremesso de objetos para o terreno de jogo, de insultos ou de atuação da qual resultem danos patrimoniais ou pratiquem comportamentos não previstos nos artigos anteriores que perturbem ou ameacem perturbar a ordem e a disciplina é punido nos seguintes termos:
a) o simples comportamento social ou desportivamente incorreto, com a sanção de multa a fixar entre o mínimo de 5 UC e o máximo de 15 UC;
b) o comportamento não previsto nos artigos anteriores que perturbe ou ameace a ordem e a disciplina, designadamente mediante o arremesso de petardos e tochas, é punido com a sanção de multa a fixar entre o mínimo de 15 UC e o máximo de 75 UC. “
Nos termos do art.° 35,° do Regulamento das competições organizadas pela Liga Portugal (RC) “1. Em matéria de prevenção de violência e promoção do fair-play, são deveres dos clubes:
a) assumir a responsabilidade pela segurança do recinto desportivo e anéis de segurança;
b) incentivar o espírito ético e desportivo dos seus adeptos, especialmente junto dos grupos organizados;
c) aplicar medidas sancionatórias aos seus associados envolvidos em perturbações da ordem pública, impedindo o acesso aos recintos desportivos nos termos e condições do respetivo regulamento ou promovendo a sua expulsão do recinto;
d) proteger os indivíduos que sejam alvo de ameaças e os bens e pertences destes, designadamente facilitando a respetiva saída de forma segura do complexo desportivo, ou a sua transferência para setor seguro, em coordenação com os elementos da força de segurança;
e) designar o coordenador de segurança;
f) garantir que são cumpridas todas as regras e condições de acesso e de permanência de espetadores no recinto desportivo;
g) relativamente a quaisquer indivíduos aos quais tenha sido aplicada medida de interdição de acesso a recintos desportivos, pena de privação do direito de entrar em recintos desportivos ou sanção acessória de interdição de acesso a recintos desportivos:
i. impedir o acesso ao recinto desportivo;
ii. impedir a obtenção de quaisquer benefícios concedidos pelo clube, associação ou sociedade desportiva, no âmbito das previsões destinadas aos grupos organizados de adeptos ou a título individual.
h) usar de correção, moderação e respeito relativamente a outros promotores de espetáculos desportivos e organizadores de competições desportivas, associações, clubes, sociedades desportivas, agentes desportivos, adeptos, autoridades públicas, elementos da comunicação social e outros intervenientes no espetáculo desportivo;
i) não proferir ou veicular declarações públicas que sejam suscetíveis de incitar ou defender a violência, o racismo, a xenofobia, a intolerância ou o ódio, nem tão pouco adotar comportamentos desta natureza;
j) zelar por que dirigentes, equipa técnica, jogadores, pessoal de apoio, ou representantes dos clubes ajam de acordo com os preceitos das alíneas h) e i);
k) não apoiar, sob qualquer forma, grupos organizados de adeptos, em violação dos princípios e regras definidos na lei n.° 39/2009, de 30 de julho, com a redacção dada pela lei n.° 52/2013, de 25 de julho;
l) zelar por que os grupos organizados de adeptos apoiados pelo clube participem do espetáculo desportivo sem recurso a práticas violentas, racistas, xenófobas, ofensivas ou que perturbem a ordem pública ou o curso normal, pacífico e seguro da competição e de toda a sua envolvência, nomeadamente, no curso das suas deslocações e nas manifestações que realizem dentro e fora de recintos;
m) manter uma lista atualizada dos adeptos de todos os grupos organizados apoiados pelo clube fornecendo-a às autoridades judiciárias, administrativas e policiais competentes para a fiscalização do disposto na presente lei;
n) a requisição de policiamento e pagamento dos respetivos encargos, nos termos previstos no decreto-lei n.° 216/2012, de 9 de outubro;
o) desenvolver ações de prevenção socioeducativa, nos termos da lei;
p) designar e comunicar ao IPDJ a lista de coordenadores de segurança, para efeitos da lei n.° 39/2009, de 30 de julho, com a redação dada pela lei n,° 52/2013, de 25 de julho;
q) corrigir e/ou implementar as medidas de segurança recomendadas pelas entidades policiais competentes;
r) manter um registo sistematizado e atualizado dos filiados no grupo organizado de adeptos do respetivo clube, de acordo com o designado na lei, e remetê-lo trimestralmente para o IPDJ;
s) reservar, nos recintos desportivos que lhe são afetos, uma ou mais áreas específicas para os filiados dos grupos organizados de adeptos;
t) instalar e manter em funcionamento um sistema de videovigilância, de acordo com o preceituado nas leis aplicáveis;
u) dispor, nos recintos desportivos que lhe são afetos, de acessos especiais para pessoas com deficiência ou incapacidades;
2. Para efeito do disposto na alínea f) do número anterior, e sem prejuízo do estabelecido no artigo 24.° da lei n.° 39/2009, de 30 de julho e no Regulamento de prevenção da violência constante do ANEXO Vi, são considerados proibidos todos os objetos, substâncias e materiais suscetíveis de possibilitar atos de violência, designadamente:
a) bolas, chapéus-de-chuva, capacetes;
b) animais, salvo cães guia ou cães polícia quando permitido o seu acesso nos termos da lei;
c) armas de qualquer tipo, munições ou seus componentes, bem como quaisquer objetos contundentes, nomeadamente facas, dardos, ferramentas ou seringas;
d) projéteis de qualquer tipo tais como cavilhas, pedaços de madeira ou metal, pedras, vidro, latas, garrafas, canecas, embalagens, caixas ou quaisquer recipientes que possam ser arremessados e causar lesões;
e) objetos volumosos como escadas de mão, bancos ou cadeiras;
f) substâncias corrosivas ou inflamáveis, explosivas ou pirotécnicas, líquidos e gases, fogo-de-artifícío, foguetes luminosos (very-lights), tintas, bombas de fumo ou outros materiais pirotécnicos;
g) latas de gases aerossóis, substâncias corrosivas ou inflamáveis, tintas ou recipientes que contenham substâncias prejudiciais à saúde ou que sejam aitamente inflamáveis;
h) apontadores laser ou outros dispositivos luminosos que sejam capazes de provocar danos físicos ou perturbar a concentração ou o desempenho dos atletas e demais agentes desportivos.
3. Os clubes, seus dirigentes, delegados, jogadores, técnicos e funcionários, bem como os árbitros e demais agentes desportivos devem abster-se de, antes, durante e após a realização dos jogos, por intermédio dos órgãos da comunicação social ou por outro meio, proferir declarações que incitem à prática de violência.
4. Os dirigentes e funcionários das sociedades desportivas e dos clubes fundadores não podem participar, na qualidade de intervenientes regulares, em programas televisivos que se dediquem exclusiva, ou principalmente, à análise e comentário do futebol profissional.
5. Quando os dirigentes e funcionários das sociedades desportivas e dos clubes fundadores participem, na qualidade de convidados, nos programas referidos no número anterior, apenas podem analisar e comentar aspetos positivos do jogo e das competições, abstendo-se de analisar e de comentar decisões da equipa de arbitragem, comportamentos de jogadores, treinadores, outros agentes desportivos ou do público, quando esteja em causa algum aspeto suscetível de causar um impacto negativo na imagem e perceção pública de um jogo em particular, das competições profissionais ou da Liga Portugal ou dos seus associados.
6. Para além do disposto nos números anteriores, os clubes visitados, ou considerados como tal, devem proceder à colocação, em todas as entradas do estádio, de um mapa-aviso, de dimensões adequadas, com a descrição de todos os objetos ou comportamentos proibidos no recinto ou complexo desportivo, nomeadamente invasões do terreno de jogo, arremesso de objetos, uso de linguagem ou cânticos injuriosos ou que incitem à violência, racismo ou xenofobia, bem como a introdução e ingestão de bebidas alcoólicas, estupefacientes ou material produtor de fogo-de artificio ou objetos similares, e quaisquer outros suscetíveis de possibilitar a prática de atos de violência, ”

O Recorrente foi punido por infracção aos art.°s 187.°, n.° 1, al. b), e 182.°, n.° 2, do RD.

Vem sendo defendido pelo STA que não ocorre aqui uma situação de responsabilidade objectiva, mas, sim, subjectiva, que depende da verificação da culpa do Clube, decorrente da infracção dos seus deveres de cuidado.

Neste sentido, remetemos, para o Ac. do STA n.° 033/18.0BCLSB, de 21-02-2019, que decidiu o seguinte: “não estamos in casu, pois, perante uma responsabilidade objetiva já que o regime previsto nos arts. 11a, 19°, 20a, 127°, 187°, n° 1, als. a) e b), do RD/LPFP-2017 em articulação, nomeadamente, com os arts. 06.°, al. g), e 09.°, n.° 1, al. m), do RPV/RC/LPFP-2017 e com o que resulta do demais quadro normativo atrás convocado, observa o princípio da culpa, tanto mais que em sua decorrência apenas se sancionam os clubes de futebol ou as suas sociedades desportivas pelos comportamentos incorretos do seu público havidos em violação por aqueles dos deveres que sobre os mesmos impendiam.
69. Daí que, no contexto, o princípio constitucional da culpa, enquanto servindo, igualmente, de elemento conformador e basilar ao Estado de direito democrático, e tendo como pressuposto o de que qualquer sanção configura a reação à violação culposa de um dever de conduta, considerado socialmente relevante e que foi prévia e legalmente imposto ao agente, não se mostra minimamente infringido, tanto mais que será no quadro do processo disciplinar a instaurar [cfr. arts. 212.° e segs., 225 ° e segs., do RD/LPFP-2017] que se terão de averiguar e apurar todos os elementos da infração disciplinar, permitindo, como se refere no citado acórdão do TC, que «por esta via, a prova de primeira aparência pode vir a ser destruída pelo clube responsável (por exemplo, através da prova de que o espectador em causa não é sócio, simpatizante ou adepto do clube)».
(,..) 2, Para o efeito, aportando prova demonstradora, designadamente, de um razoável esforço no cumprimento dos deveres de formação dos adeptos ou da montagem de um sistema de segurança que, ainda que não sendo imune a falhas, conduza a que estas ocorrências e condutas sejam tendencialmente banidas dos espetáculos desportivos, assumindo ou constituindo realidades de carácter excecional.».
Vide também, entre vários, os Acs. do STA n.° 01/18.2BCLSB, de 19-06-2019, n.° 073/18.0BCLSB, de 02-05-2019, n.° 040/18.3BCLSB, de 04- 04-2019 ou n.° 030/18.6BCLSB, de 04-04-2019.
Assim, para o Clube ser punido nos termos dos indicados preceitos terá de resultar provado no procedimento disciplinar que foram omitidos os deveres que lhe incumbiam, de prevenir e reprimir eventuais condutas incorrectas dos seus sócios, adeptos ou simpatizantes, designadamente, que foram omitidos os deveres gerais que vêm previstos no art.° 35.° do RC, ou algum dos deveres específicos aí indicados.
Ou seja, seguindo a indicada jurisprudência do STA, para a punição do Clube não basta a ocorrência de comportamentos e condutas incorrectas, perpetradas pelos sócios, adeptos ou simpatizantes, que estejam atestadas em relatórios oficiais, mas é, também, preciso ficar provado no procedimento disciplinar que o indicado Clube omitiu deveres de vigilância e cuidado, porque não levou a cabo as condutas necessárias para efectivar os deveres indicados no art,° 35.° do RC.
Terá que ficar provado no procedimento disciplinar que o Clube tinha de ter adoptado determinadas acções visando a prevenção e repressão das condutas incorrectas dos seus sócios e simpatizantes e que omitiu esse seu dever jurídico. A culpa do Clube tem de ser uma culpa efectiva, não uma culpa presumida.
Têm de existir factos no procedimento punitivo que comprovem uma efectiva abstenção do Clube em adoptar certos comportamentos ou acções, que constituíssem um dever jurídico, fossem os adequados a obstar à violência e às condutas impróprias dos sócios, adeptos ou simpatizantes do Clube.
Como se refere na decisão ora tomada, no caso, estar-se-á a punir por um ilícito omissivo impróprio ou comissivo por omissão, em que o resultado se inclui no próprio tipo legal.
Por conseguinte, no facto delitual exige-se incluída quer a acção adequada a produzir o indicado resultado, como a omissão adequada a evitá-lo.
Tal como decorre dos art.°s 17°, 182.°, 187.° do RD e 35.° do RC, o Clube tem um dever de garante face à actuação dos seus sócios, adeptos e simpatizantes. Tal dever estará justificado pela proximidade entre estes e o Clube e pela possibilidade do Clube assumir o domínio do facto ou uma posição de controlo sob os referidos sócios, adeptos e simpatizantes.
Assim sendo, tal com se julga através do presente Acórdão, para a punição do Clube terá de resultar provada a ligação funcional, ou de proximidade ao Clube, do sócio ou simpatizante que cometeu as condutas impróprias, com a sua identificação processual.
Mas, para além disso, terá também que ficar provado nos autos que existiu um comportamento, comissivo ou omissivo, imputável ao Clube, que originou um risco na verificação do resultado que se pretendia evitar, ou que o Clube provocou ou potenciou esse resultado com a omissão dos seus deveres jurídicos.
Ora, nada disso ficou provado na decisão recorrida.
Nessa decisão não foi dado por assente, por provado, um único facto concreto relativo à materialização da violação pelo Clube dos deveres de prevenir e reprimir eventuais condutas incorrectas dos sócios, adeptos ou simpatizantes, por se ter abstido, em termos efectivos {e não presumidos) da prática de certas acções, comportamentos ou actividades.
Na verdade, o que se deu por provado em 11,12 e 14, não se reconduz a uma realidade fáctica, mas a meras afirmações conclusivas e a juízos de valor que não podem ser atendidos enquanto realidades existentes, da vida.
As afirmações contidas em tais segmentos do julgamento de facto incluem, também, desde logo, a solução da questão jurídica que se dirime nos presentes autos e que é o objecto do litígio ou thema decidendum, a saber, acerca do dever jurídico de vigilância e cuidado.
Portanto, consideramos que o vem vertido nos pontos 11,12 e 14 deve ser expurgado do julgamento de facto e dado por não escrito, pois não se reconduz a realidades da vida mas a conclusões e a juízos de valor, genéricos e conclusivos sobre que encerram matéria de Direito ou subsunções jurídicas.
Como se explica no Ac. do STJ n.° 306/12,6TTCVL.C1.S1, de 29-04-2015 “Dispunha o n.° 4 do art, 646° do C.P.C./1961 (disposição que não foi mantida, ao menos em termos de directa correspondência, na disciplina homóloga da nova Codificação [7 Ante a sua eliminação, vem-se entendendo poder manter-se o mesmo entendimento das coisas interpretando, a contrario sensu, o actual n.° 4 do art. 607°, segundo o qual, na fundamentação da sentença, o Juiz declara quais os factos que julga provados...]) que se têm por não escritas as respostas do Tribunal sobre questões de direito ... assim como as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.
Não se contemplava a circunstância de se tratar - ...como, em parte, no caso - de matéria (respostas de facto) vaga, genérica e conclusiva.
Foi-se consolidando, porém, na produção jurisprudencial - ...por se ter admitido que assume feição de recorte jurídico a operação de escrutinar se determinada proposição de facto tem ou não natureza conclusiva o entendimento de que [8 Usamos as palavras do paradigmático Acórdão desta Secção, de 23.9.2009, tirado na Revista n.° 238/06.7TTBRG.S1, consultável no site da DGSI.PT, secundadas por tantos outros Arestos, dentre eles, v.g., o prolatado no Proc. n.° 30/08.4TTLSB.L1.S1, de 19.4.2012.] "...não porque tal preceito contemple expressamente a situação de sancionar como não escrito um facto conclusivo, mas (...) porque, analogicamente, aquela disposição é de aplicar a situações em que em causa esteja um facto conclusivo, as quais, em rectas contas, se reconduzem à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos, objecto de alegação e prova, e desde que a matéria se integre no thema decidendum. - Cf. também, em idêntico sentido, entre muitos, os Acs. do STA n.° 659/12.6TVLSB.L1.S1, de 28-09-2017 ou n.°4073/04.9TBMAI.P1, de 03-11-2009.
Tudo o que se levou ao ponto 11. da fundamentação de facto da sentença recorrida são conclusões sucessivas baseadas em afirmações genéricas e abstractas.
Naquele ponto não se indica quais os comportamentos concretos que não foram tomados pelo ora Recorrente ou quais os comportamentos que foram insuficientes.
Também não se indica que condutas é que ficaram por tomar que acautelariam, preveniriam ou formariam o espírito ético e desportivo junto dos adeptos.
Basicamente, naquele ponto resolve-se também todo o litígio afirmando a omissão dos deveres legais de vigilância e cuidado do Clube.
Quanto ao afirmado no ponto 12, é um juízo totalmente conclusivo e de Direito e configura, ainda, uma subsunção jurídica
Conclui-se que por terem sido omitidos os deveres legais de vigilância e cuidado que vinham afirmados em 11, ocorreram as condutas dos sócios, adeptos ou simpatizantes pelas quais o Clube é punido.
Identicamente, o afirmado em 14 é uma mera conclusão.
Portanto, todas aquelas afirmações haviam de ser dadas por não escritas, pois delas não se extraem quaisquer factos.
No restante, da decisão recorrida não resulta nenhum facto assente, por provado, relativo a uma concreta e específica omissão do Clube quanto a deveres de formação dos seus sócios, adeptos ou simpatizantes, visando o incentivo do espírito ético e desportivo, uma maior polidez de trato ou de expressão oral, ou a contenção da violência individual e colectiva.
Aliás, a decisão recorrida não invoca que esteja comprovada a efectiva abstenção de certos comportamentos do Clube.
Tal decisão limita-se a afirmar, conclusivamente, que o Clube violou os seus deveres de cuidado e vigilância, sem indicar, concretamente, como se efectivou ou em que termos se efectivou a abstenção que se afirma conclusivamente.
A decisão recorrida não deu por provados factos que atestem a omissão de certas e determinadas medidas de segurança, ou relativos à não prolação de regulamentos internos que punam os sócios, adeptos ou simpatizantes quando incorrectos e violentos, sendo a prolação desses regulamentos exigível.
Na decisão recorrida não vem provada a omissão de algum concreto comportamento do Recorrente que concorresse para a prevenção da violência dos adeptos.
Não vem provada a omissão de comportamentos do Recorrente que impedissem aquela violência ou que concorressem para a sua diminuição ou abolição.
Não vem dado por provada a omissão de concretas medidas formativas, de sensibilização dos adeptos e grupos organizados, de educação dos mesmos, de formação para o espírito ético e desportivo, para a civilidade, ou de formação para a não violência, para o pacifismo e para o fair play.
Não vem provado que o Clube punido não tenha aplicado medidas sancionatórias aos seus associados envolvidos em perturbações da ordem pública.
Não vem dado por provado que o Clube tenha omitido comportamentos concretos relativos à protecção dos outros utentes do Estádio ou de outros indivíduos ou que não tenha cooperado com as forças de segurança ou requisitado e pago o necessário policiamento.
Não vem provado que o Clube punido não tenha designado um coordenador de segurança. Não está provado que o Clube punido tenha incumprido regras concretas relativas às condições de acesso e de permanência de espectadores no recinto desportivo.
Não vem provado que o Clube que foi punido tenha permitido, não tenha evitado ou não tenha impedido a entrada no recinto desportivo de sócios que antes tenham sido punidos por praticarem actos de violência.
Não está provado que o Clube punido tenha incitado à violência ou à intolerância por via de qualquer concreto comportamento que tenha sido adoptado, antes, durante e depois do jogo.
A contrario, no ponto 13 vem afirmado um facto concreto que nos faz concluir pela adopção pelo Recorrente de uma medida em prol do cumprimento dos seus deveres legais de cuidado e vigilância.
Isto é, conforme o facto 13, o Clube punido, aquando do jogo, foi exibindo nos painéis/ecrãs 'Instalados próximo do limite do terreno de jogo do estádio em que aquele decorreu, mensagens com os seguintes dizeres: "Diz não à pirotecnia/Diz não ao arremesso de objetos".
O cumprimento de tais deveres decorre, também, dos factos n.°s 16 a 24, designadamente quando ali se refere a exibição de faixas com mensagens contra o uso da violência, a tomada habitual, pelo Clube, de medidas de prevenção e profilácticas contra a violência, o desenvolvimento de um projecto formativo nesse sentido, a realização de reuniões periódicas com as claques para minimizar os comportamentos inadequados dos respectivos membros, a feitura de reunião de segurança e a tomada de diversas medidas de segurança, que incluía a contratação de 446 elementos de segurança à P…….., a colocação de 457 câmaras de vigilância no complexo do Estágio ou a cedência imediata das imagens de videovigilância à PSP.
Por conseguinte, atendendo à matéria de facto apurada nos autos não podemos concluir pela violação de quaisquer obrigações formativas do Clube ou pela omissão de determinadas condutas que lhe fossem exigíveis.
Ou seja, atendendo à factualidade provada nos autos não podemos concluir pela violação comprovada de nenhum dever de vigilância por banda do Clube.
Nessa mesma medida, não podemos concluir pela verificação do pressuposto culpa efectiva (não valendo em termos disciplinares, a existência de uma culpa meramente presumida, por aqui regerem os princípios de direito penal que a tal se opõem).
Atendendo à factualidade apurada nos autos não se pode concluir que o Clube tenha tomado alguma actuação que possa ser a causa da violência ocorrida, ou que tenha omitido determinada conduta, que lhe era exigível e que seria adequada a evitar o resultado. *
Frente à factualidade apurada, apenas se pode concluir que o Clube adoptou medidas tendentes a controlar a actuação dos sócios, adeptos e simpatizantes.
Mais se assinale que a violência e as condutas que vêm reportadas nos autos ocorreram fora do Estádio, na via pública e não dentro deste.
Frise-se, que tal como parece decorrer assente da jurisprudência do STA, aqui não existe uma responsabilidade objectiva, nem uma culpa presumida, por a tal responsabilidade e culpa se oporem os princípios de direito penal e disciplinar e o art.° 32.°, n.° 2, da CRP.
Logo, seguindo a indicada jurisprudência do STA, porque para a punição do Clube nos termos do citado art.º 187.° do RD é necessária a culpa subjectiva, uma culpa in vigilando, não estando provados nos autos e designadamente na decisão punitiva, factos que permitam concluir pela violação de tal dever de cuidado, é a indicada decisão inválida e anulável, por erro nos pressupostos de facto e de Direito.
Como já se indicou, dos autos não está assente um único facto concreto e especificado que indicie o incumprimento do dever de vigilância ou de cuidado do Clube.
Mas estão provados vários factos que induzem que o Clube tomou medidas para prevenir e evitar a violência entre sócios, adeptos ou simpatizantes.
Assim, estes últimos factos descaracterizam os que se pudessem retirar dos relatórios oficiais, designadamente, afastam a presunção da violação do indicado dever de vigilância ou de cuidado do Clube, por se terem verificado comportamentos incorrectos e agressões perpetradas por um grupo de pessoas, presumíveis sócios e simpatizantes do Clube.
Os factos atestados em tais relatórios presumem-se verdadeiros, mas, no caso dos autos, tais relatórios nada atestam quanto a concretas condutas omissivas do Clube visado.
Os relatórios ora em questão apenas atestam a existência de desacatos, incorrecções, agressões e actos de violência ocorridos.
A partir da existência de tais actos, admite-se que possa ocorrer uma presunção de culpa do Clube, por a este caber, nos termos do art.0 35.° do RC, prevenir a violência antes, durante a após o jogo e lhe estar associado um dever de promoção do espírito desportivo.
Mas, no caso dos autos, face aos factos provados, ficou afastada aquela presunção, pois todos os factos assentes apontam no sentido de que o Clube adoptou um conjunto de medidas que visavam a prevenção de actos de violência e a promoção do espírito desportivo.
Em suma, a presunção que resultaria dos Relatórios oficiais, de que o Clube não cumpriu o seu dever geral de prevenir a violência e de promover o espírito desportivo entre os sócios, adeptos e simpatizantes, ficou afastada pelos factos 14 e 16 a 24.
No mais, atendendo aos factos provados nos autos não se pode concluir que o Recorrente, através da sua conduta, tenha contribuído de forma culposa ou censurável para o resultado desvalioso.
Igualmente, não são indicados nos autos quaisquer concretos comportamentos do Clube, ora Recorrente, que tenham sido contrários às normas insertas no RD e no RC, nomeadamente ao art.° 35.° do RC.
Por fim, também não vem provado nos autos o incumprimento de certos deveres de cuidado por banda do Clube Recorrente, pois não se deu por assente que este Clube tenha omitido alguma conduta que corporizasse o invocado dever de vigilância e cuidado.
Consequentemente, nestes autos não ficou provada a culpa do Clube, ainda que a título de negligência, por falta de cumprimento dos seus deveres de cuidado e vigilância.
Assim, também por estas razões revogaria a decisão recorrida e julgaria a decisão sancionatória como inválida e anulável, por padecer de nos pressupostos de facto e de Direito, por dos autos não resultarem factos concretos e especificados em que se possa alicerçar a culpa do Clube e a presunção de presunção de veracidade dos relatórios, prevista no artigo 13.°, al. f), do RD ter ficado abalada por via dos factos provados em 14 e 16 a 24.
Razões por que se faz a presente declaração de voto, sem embargo de também se acompanhar, no restante e na sua integralidade, a fundamentação adoptada no presente Acórdão.

Lisboa, 07 de Novembro de 2019.

(Sofia David)





Voto de vencido

Voto vencido, nos termos do projeto de acórdão que elaborei e com os fundamentos aí expressos, donde se retiram as seguintes passagens:

"A utilização de presunções judiciais no direito e processo sancionatórios não contraria os princípios estruturantes da culpa e da presunção de inocência, posto que quando a "consistência da conexão causal entre o que se conhece e o que não se apurou de uma forma direta atinge um determinado grau que permite ao julgador inferir este último elemento, com o grau de probabilidade exigível em processo penal, a presunção de inocência resulta ilidida por uma presunção de significado contrário, pelo que não é possível dizer que a utilização deste meio de prova atenta contra a presunção de inocência ou contra o princípio in dubio pro reo (. . .) a presunção de inocência é superada por uma presunção de sinal oposto prevalecente, não havendo lugar a uma situação de dúvida que deva ser resolvida a favor do réu" (acórdão do TC n.º 391/2015, de 12/08/2015, disponível em https://www.tribunalconstitucional.pt).


Tal orientação está longe de ser inovadora, antes se ancorando num historial de decisões do Tribunal Constitucional no sentido da compatibilidade com a presunção geral de inocência e com o princípio in dubio pro reo da prova de um facto poder resultar do funcionamento de uma presunção, conforme ali enunciadas, vejam-se:

- o acórdão n.º 38/86, que decidiu não julgar inconstitucionais as normas dos artigos 169.º, § 1.º, e 557.º do Código de Processo Penal (de 1929) e as do artigo 2.º, n.º 2 e seu § único, do Decreto-Lei n.º 35 007, de 13 de outubro de 1948, que se referiam à "fé em juízo" do auto de notícia em processo sumário;
- o acórdão n.º 448/87, que decidiu não julgar inconstitucional a norma do artigo 26.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 85-C/75, de 26 de fevereiro (Lei de Imprensa), que havia como autor do escrito ou imagem o diretor da publicação e o responsabilizava como autor do crime;
- o acórdão n.º 246/96, que decidiu não julgar inconstitucionais as normas do artigo 22.º, n.05 1 e 2, do Regime Jurídico das Infrações Fiscais Aduaneiras, quanto a presumir não nacionais as mercadorias detidas sem os documentos e selos legalmente exigíveis;
- o acórdão n.º 276/2004, que decidiu interpretar, nos termos do disposto no artigo 80.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, o artigo 152.º, n.º 1, do Código da Estrada (com correspondência nos atuais n.0s 2 e 3 do artigo 171.º), que estabelecia a presunção ilidível do proprietário ou possuidor do veículo ser o seu condutor.

Como igualmente se aponta no citado acórdão n.º 391/2015, a utilização da prova indireta ou por presunções "assenta num processo lógico de inferência" e numa "valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita ao julgador objetivar a apreciação dos factos e proceder a uma efetiva motivação da decisão", como tal compatível com o dever de fundamentação.

Os citados artigos relativos às imputadas infrações têm de ser conjugados com a referenciada presunção de veracidade dos factos constantes das declarações e relatórios da equipa de arbitragem e do delegado da Liga e dos autos de flagrante delito lavrados pelos membros da Comissão de Instrutores, e por eles percecionados no exercício das suas funções, enquanto a veracidade do seu conteúdo não for fundadamente posta em causa.

Aqui sim, cumpre ter em consideração o artigo 17.º, n.º 1, do RDLPFP, que considera infração disciplinar o facto voluntário, por ação ou omissão, e ainda que meramente culposo, que viole os deveres gerais ou especiais previstos nos regulamentos desportivos e demais legislação aplicável.
Quanto aos deveres que se impunham observar, igualmente não assiste razão a recorrente. (. . .)
Ressalta dos factos dados como assentes que:

- antes do início do encontro ocorreram agressões físicas entre elementos do GOA "No Name Boys";
- no decorrer do encontro, elementos desse GOA agrediram por diversas vezes um elemento policial, com murros e pontapés;
- após o final do encontro, ainda no interior do complexo desportivo, elementos desse GOA derrubaram caixotes do lixo e vidrões ali existentes, arremessaram garrafas de vidro e outros objetos em direção a elementos policiais e outros adeptos;
- na Praça Centenário um destes elementos arremessou uma grade de ferro contra os elementos policiais;
- no interior do recinto desportivo, adeptos tentaram fechar a porta 10, provocando ferimentos em elementos das forças de segurança.

Factos estes que alicerçaram a condenação da recorrente pela prática das infrações previstas nos artigos 182.º, n.º 2, e 187.º, n.º 1, al. b), do RDLPFP, por referência à violação dos deveres ínsitos nos citados artigos 35.º, n.º 1, als. a), b), c) e o), e 49.º, n.º 1, ambos do RCLPFP, e nos artigos 6.º, als. c) e p), e 10.º, n.º 1, al. o), do Regulamento de Prevenção da Violência, constantes do Anexo VI do RCLPFP.

Esta condenação não assenta em responsabilidade objetiva, mas antes na responsabilização do clube por violação de deveres a que se encontrava vinculado, em função do decidido em sede de matéria de facto, resultante da prova produzida e da utilização de presunções, a que nada obstam os preceitos da Lei Fundamental invocados.

Os adeptos que cometeram as agressões físicas pertenciam ao GOA do SL B......... com a denominação "No Name Boys", conforme atestado nos relatórios do jogo.


Competia então à recorrente infirmar tal factualidade, o que manifestamente não fez.

Consta da matéria de facto dada como assente, é certo, que a recorrente tomou algumas medidas de prevenção da violência, através da exibição de faixas com mensagens, do desenvolvimento de projeto que visa fomentar os valores anti violência, da realização de reuniões periódicas com os elementos proeminentes dos grupos de adeptos, da realização de reunião de segurança relativa ao jogo no dia 9, da requisição de um total de 446 elementos de segurança privada, da existência de 457 câmaras no complexo do estádio, e da entrega atempada à PSP das imagens de videovigilância.


Será esta prova demonstradora de um razoável esforço no cumprimento dos deveres de formação dos adeptos ou da montagem de um sistema de segurança que, ainda que não sendo imune a falhas, conduza a que estas ocorrências e condutas sejam tendencialmente banidas dos espetáculos desportivos, assumindo ou constituindo realidades de carácter excecional (como se equaciona no já citado aresto do STA de 26/09/2019)?

A resposta é necessariamente negativa, sabendo-se que na época desportiva em questão, à data dos factos, a recorrente já havia sido sancionada, por decisão definitiva na ordem jurídica desportiva, pelo cometimento de diversas infrações disciplinares.

E igualmente se encontra demonstrada na matéria de facto dada como assente a insuficiência e falta de eficácia destas medidas, que não impediram os atos praticados pelos elementos do GOA do SL B..............

Pelo que, não tendo os deveres legalmente impostos à recorrente sido cabalmente cumpridos, por forma a evitar o cometimento daqueles factos, ressalta que incorreu na prática das sobreditas infrações.


Conclusão a que se chega sem vislumbrar uma interpretação desconforme aos invocados princípios constitucionais.


Atente-se que, em sede de fiscalização da constitucionalidade de normas do Decreto­ Lei n.º 270/89, de 18 de agosto, que estabeleceu medidas preventivas e punitivas de violência associada ao desporto, e do anterior Regulamento Disciplinar, aprovado na assembleia geral extraordinária da FPF de 18/08/1984, com alterações introduzidas na assembleia geral extraordinária de 04/08/1990, o TC pronunciou-se quanto a tais questões (acórdão n.º 730/ 95, de 14/12/1995, disponível em https:/ hvww.tribunalconstitucional.pt /), não discernindo em normas paralelas às que agora estão em causa uma ideia de responsabilidade objetiva, mas sim de responsabilidade por violação de deveres, desde logo por se exigir para a aplicação da sanção da interdição dos recintos desportivos, que as faltas praticadas pelos espectadores nos recintos desportivos possam ser imputadas aos clubes, servindo o processo disciplinar para "averiguar todos os elementos da infração, sendo que, por esta via, a prova de primeira aparência pode vir a ser destruída pelo clube responsável (por exemplo, através da prova de que o espectador em causa não é sócio, simpatizante ou adepto do clube). Com o que não pode dar-se como verificada a tese sustentada pelo requerente da violação do princípio da culpa."

Acolhe-se aqui a orientação consensual da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, de que são exemplos mais recentes os acórdãos de 02/05/2019, proc. n.º 073/18.0BCLSB, de 04/04/2019, proc. n.º 030/18.6BCLSB, de 04/04/2019, proc. n.º 040/18.3BCLSB, de 21/02/2019, proc. n.º 33/18.0BCLSB, e de 26/09/2019, proc. n.º 076/18.4BCLSB (todos disponíveis em http://www.dgsi.pt), conforme lapidarmente sumariado neste último:

- a presunção de veracidade dos factos constantes dos relatórios dos jogos elaborados pelos delegados da Liga Portuguesa Futebol Profissional [LPFP] que tenham sido por eles percecionados, estabelecida pelo art. 13.º, al. f), do Regulamento Disciplinar da LPFP [RD/LPFP], conferindo ao arguido a possibilidade de abalar os fundamentos em que ela se sustenta mediante a mera contraprova dos factos presumidos, não infringe os comandos constitucionais insertos nos arts. 02.º, 20.º, n.º 4, e 32.º, n.ºs 2 e 10, da CRP e os princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo.

- a responsabilidade disciplinar dos clubes e sociedades desportivas prevista no art. 187.º do referido RD/LPFP pelas condutas ou os comportamentos social ou desportivamente incorretos que nele se mostram descritos e que foram tidos pelos sócios ou simpatizantes de um clube ou de uma sociedade desportiva e pelos quais estes respondem não constitui uma responsabilidade objetiva violadora dos princípios da culpa e da presunção de inocência.

- a responsabilidade desportiva disciplinar ali prevista mostra-se ser, in casu, subjetiva, já que estribada numa violação dos deveres legais e regulamentares que sobre clubes e sociedades desportivas impendem neste domínio e em que o critério de delimitação da autoria do ilícito surge recortado com apelo não ao do domínio do facto, mas sim ao da titularidade do dever que foi omitido ou preterido.

Acolhendo-se o entendimento aí propugnado, cumpre concluir que improcedem todas as questões convocadas pela recorrente, sendo de manter a sua condenação pela prática das infrações previstas nos artigos 182.º, n.º 2, e 187.º, n.º 1, al. b), do RDLPFP, por referência à violação dos deveres ínsitos nos citados artigos 35.º, n.º 1, als. a), b), c) e o), e 49.º, n.º 1, ambos do RCLPFP, e nos artigos 6.º, als. c) e p), e 10.º, n.º 1, al. o), do Regulamento de Prevenção da Violência, constantes do Anexo VI do RCLPFP."

Quanto às considerações da douta posição que fez vencimento, afigura-se de realçar que o regime infracional dos presentes autos se aproxima mais do regime contraordenacional, no âmbito do qual a jurisprudência constitucional se tem pronunciado no sentido do afastamento da exigência de determinabilidade do tipo predominante no direito criminal, em função da diferente natureza dos ilícitos, da censura e das sanções, vejam-se, v.g. os acórdãos do Tribunal Constitucional n.º8 344/93, 666/1994, 278/1999, 160/2004, 537/2011, 635/2011 e 85/2012 (disponíveis em https: //www.tribunalconstitucional.pt /).

E veja-se também o Parecer do Conselho Consultivo da PGR n.º P000112013, votado em 10/07/2013, no qual se analisa em profundidade a doutrina e jurisprudência sobre a temática, e onde se conclui, designadamente, (no ponto 5) que a responsabilidade contraordenacional das pessoas coletivas assenta numa imputação direta e autónoma, quer o fundamento dessa responsabilidade se encontre num "defeito estrutural da organização empresarial" (defective corporate organization) ou "culpa autónoma por défice de organização", quer pela imputação a uma pessoa singular funcionalmente ligada à pessoa coletiva, mas que não precisa de ser identificada nem individualizada, e (ponto 6) resultar a imputação da infração à pessoa coletiva de se considerar autor desta o sujeito que tiver violado (por ação ou por omissão) a proibição legal ou o dever jurídico cuja violação a lei comina com contraordenação, solução que é coerente com o facto de no Direito contraordenacional a ilicitude não assentar numa censura ético-jurídica mas sim na violação de um dever legal (disponível em http: / /www.dgsi.pt).

Pelas razões explanadas, seria de manter o julgamento de improcedência do presente recurso.

Lisboa, 6 de novembro de 2019

(Pedro Nuno Figueiredo)





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(1) Eduardo Correia, Direito Criminal, I, Almedina, 1971, pág. 37.
(2) José Beleza dos Santos, Ensaio sobre a introdução ao direito criminal, Atlântida Editora SARL/1968, págs. 113 e 116.
(3) Luís Vasconcelos Abreu, Para o estudo do procedimento disciplinar no direito administrativo português vigente: as relações com o processo penal, Almedina, Coimbra/1993,pág.30; Francisco Liberal Fernandes, Autonomia colectiva dos trabalhadores da administração - Crise do modelo clássico de emprego público, Boletim da Faculdade de Direito, Studia Iuridica, 9, Coimbra/1995, págs.146/147.
(4) Mário Esteves de Oliveira, Lições de Direito Administrativo – FDL/1980, págs.621e 787; Bernardo Diniz de Ayala, O défice de controlo judicial da margem de livre decisão administrativa, Lex, 1995, pág. 91.
(5) Susana Aires de Sousa, Questões fundamentais de direito penal da empresa, Almedina/2019, págs.64- 65, 81-87; José de Faria Costa, Direito penal, INCM/2017, págs. 260-265.
(6) Susana Aires de Sousa, Questões fundamentais … págs. 89-91.
(7) Maia Gonçalves, Código de Processo penal, - anotado e comentado, Almedina/2005, comentário ao artº 126º CPP, pág. 315