Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1225/05.8BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:09/20/2018
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:AUTORIZAÇÃO DE INTRODUÇÃO NO MERCADO DE MEDICAMENTOS GENÉRICOS
INFARMED
COMPETÊNCIA
PATENTE
Sumário:I - Nem antes nem depois do DL 176/2006, de 31-08, foi atribuída ao INFARMED competência para apreciar questões relacionadas com os direitos de propriedade industrial referentes aos medicamentos de referência que possam ser afectados pela introdução no mercado de medicamentos genéricos com o mesmo princípio activo
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

I - RELATÓRIO

Infarmed, Autoridade Nacional da Farmácia e do Medicamento, IP (Infarmed), W..., Farmacêutica Portugal, Lda (W...), M... – Investigação, Desenvolvimento e Fabricação Farmacêutica, Lda, (M...), R... – Comércio de Indústria de Produtos Farmacêuticos, Lda (R...), e G... Farmacêutica, SA (G...), vieram interpor recurso do Acórdão do TAF de Sintra, que julgou procedente a presente acção e anulou, por vício de défice de instrução, 10 actos do Conselho de Administração (CA) do Infarmed, de Autorização de Introdução no Mercado (AIM) dos medicamentos denominados Fosamax e Fosamax 70 mg, contendo como substâncias activas o Ácido Alendrónico, nas dosagens de 10 mg e 70 mg, respectivamente, a saber, três actos de AIM do medicamento genérico contendo como substância activa o Ácido Alendrónico, na dosagem de 10 mg a favor da R..., C... Farma Unipessoal, Lda (C...) e A... Produtos Farmacêuticos, S.A (A...) e de 7 actos de AIM do medicamento genérico contendo como substância activa o Ácido Alendrónico, na dosagem de 70 mg a favor da R..., C..., A..., W... e G....

A fls. 2776 e ss. (esta e a restante numeração é relativa ao processo em suporte físico) foi interposto recurso pela R... do despacho de fls. 2567 e 2568, que julgou o TAF materialmente incompetente para o pedido de reconhecimento da nulidade da patente n.º 94... e determinou a rejeição do requerimento da R... de fls. 1858, assim como, a fls. 3218 e ss., 3257 e ss., 3300 e ss. e 3312 e ss., foram interpostos recursos pela R..., pela M..., pelo Infarmed e pela W..., respectivamente, do despacho saneador de fls. 3128 e ss., impugnando-se a decisão de julgar improcedente a excepção de incompetência material dos tribunais administrativos. Estes recursos foram, depois, admitidos por despacho de fls. 3836 e ss. e foram conhecidos pelo TCAS, por Acórdão de fls. 3994 e ss.
Porém, através daquele Ac. do TCAS julgou-se que só havia de ser conhecida a questão da (in)competência do tribunal administrativo e que as restantes questões suscitadas nos recursos só poderiam ser conhecidas a final. Nesse Acórdão é, pois, indicado que “não se toma conhecimento das conclusões das alegações das Recorrentes” atinentes às outras excepções, que foram apreciadas no saneador e que se apartam da excepção de incompetência material.
Assim, estão ainda por conhecer - subsistindo os recursos nessa parte - as questões suscitadas pela M..., no recurso de fls. 3258 e ss, relativas ao julgamento havido no despacho saneador e concernente à improcedência das excepções de falta de interesse em agir, de ilegitimidade da A. e da natureza prejudicial da nulidade da patente.
Igualmente, ficaram por conhecer as questões suscitadas pelo recurso da W..., de fls. 3312 e ss. e relativas à ilegitimidade da A.
Quanto aos recursos apresentados pela R... e pelo Infarmed, conforme o seu teor, cingem-se à indicada questão da incompetência material, que ficou julgada pelo Ac. do TCAS.

Em suma, há agora também que conhecer dos recursos interpostos pela M... e pela W..., relativamente ao despacho saneador e quanto às questões acima referidas.

Em alegações relativas ao recurso do despacho saneador interposto pela M..., são formuladas as seguintes conclusões: “1. O douto despacho saneador não apreciou a excepção de incompetência do Tribunal em razão da matéria e de falta de interesse em agir da A. e/ou não fundamentou o indeferimento dessas excepçoes, dado que a arguição de tais excepções fundava-se na divergência entre a causa de pedir e o efeito jurídico efectivamente pretendido pela A. e o pedido que a mesma nominalmente formulou, e esta questão não foi apreciada pela douta decisão, que se limitou a sindicar a conformidade formal aparente daquele pedido com os pressupostos para competência da jurisdição administrativa, tão pouco tendo fundamentado tal entendimento;
2. Entende a Recorrente que cabe aos Tribunais o dever de assegurar que os litígios sejam dirimidos nas instâncias que a Lei designa de competentes para a apreciação das questões de facto e direito que efectivamente as partes pretendem ver decididas, e em que terão de ser dilucidadas para se lograr tal decisão;
3. Pelo que, para apuramento da competência em razão da matéria, o julgador não se pode bastar com uma aparente adequação formal do pedido à jurisdição pretendida pela A., mas deverá exigir a adequação dessa jurisdição ao objecto da causa encarado sob um ponto de vista qualitativo - o da natureza da relação substancial pleiteada',
4. E igual exigência deverão os Tribunais ter na apreciação do interesse processual, porque de igual modo lhes cabe assegurar que apenas tenham acesso aos órgãos jurisdicionais aqueles que demonstrem ter um legítimo interesse que só por tais órgãos possa ser acautelado;
5. O efectivo pedido pretendido pela A. não é o ostensivamente apresentado como tal, mas o que se encontra enunciado na causa de pedir, a saber a violação, por parte dos aludidos medicamentos genéricos, dos direitos de propriedade industrial da A. conferidos pela sua patente n. ° 94….;
6. Uma vez que não fora a existência dessa (alegada) violação dos direito privativos conferidos pela patente que lhe foi concedida pelo Instituto da Propriedade Industrial, ao abrigo do Código da Propriedade Industrial, não assistiria à A. qualquer interesse, seja processual, seja no sentido comum da palavra (i.e. proveito), para promover a anulação das AIM;
7. Pelo que, prevendo a alínea 0 do n.° 1 do art.° 89.° da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais que as acções de declaração em que a causa de pedir verse sobre propriedade industrial, em qualquer das modalidades previstas no Código da Propriedade Industrial, competem aos Tribunais do Comércio, viola essa norma entendimento que permita a decisão da questão sub judice na jurisdição administrativa;
8. Viola ainda o n.° 1 do art.° 211.° e o n.° 3 do art.° 212.° da Constituição da República Portuguesa, e a segunda parte do n.° 1 do art.° l.° do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais entendimento que permita o alargamento da competência dos tribunais administrativos a uma questão de direito privado, que opõe entes de direito privado, e nos quais o interesse público não existe, uma vez que os direitos derivados da Propriedade Industrial são privados, tão pouco tendo a R. entre as suas incumbências (vd. art.° 6.° do Decreto-Lei n.° 495/99, de 18.11) a apreciação e a defesa dos direitos privados derivados da Propriedade Industrial;
9. Conforma, assim, a conduta processual da A. uma efectiva fraude à Lei, dado aquela ter formulado um pedido que só nominalmente corresponde ao efeito jurídico por ela efectivamente pretendido, com vista a evitar a jurisdição e a forma processual que a Lei impõe para concretização do efeito jurídico por ela prosseguido, a qual, à luz do princípios gerais do Direito, designadamente o da boa fé, não é admissível;
10. Termos em que não devia ter sido considerado pelo Tribunal o pedido nominalmente formulado pela A., mas antes o efeito jurídico por ela realmente prosseguido, e, em consequência, ter sido declarada procedentes as arguidas excepções de incompetência do Tribunal em razão da matéria e de falta de interesse em agir e ilegitimidade da Autora, art.°s 13.°, 14.°, e l.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e 101.°, 111.°, 26.° e 288.°, n.° 1, alíneas a) e d) do Código de Processo Civil.
11. Mesmo assim não se entendendo, encontrando-se pendente, na competente jurisdição (Tribunal de Comércio) um pedido de nulidade da patente, cuja probabilidade já foi igualmente reconhecida em providência cautelar, tal questão apresenta-se como prejudicial sendo que, atento o princípio da especialização, a instância deveria sempre ser suspensa, art° 15° do C.P.T.A..”

Em alegações relativas ao recurso do despacho saneador interposto pela W..., são formuladas as seguintes conclusões: “1.Nos termos do disposto no artigo 89.º n. 1, alínea f), da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, os Tribunais do Comércio são os tribunais competentes, em razão da matéria, para preparar e julgar as acções de declaração em que a causa de pedir verse sobre propriedade industrial, em qualquer das modalidades previstas no Codigo da Propriedade Industrial.
2.A Autora invoca que a concessão às contra-interessadas das autorizações de introdução no mercado (AIM) de vários medicamentos genéricos contendo como substância activa o Ácido Alendrónico, nas dosagens de 10 mg e 70 mg, viola os seus alegados direitos de propriedade industrial, por ser, alegadamente, titular de um direito de propriedade industrial em vigor sobre aquela substância activa, protegida pela patente n» 94306, pelo que a causa de pedir dos presentes autos assenta, efectiva e, mesmo, exclusivamente, na alegada violação de um direito de propriedade industrial em vigor de que a Autora é alega ser titular sobre a substância activa Acido Alendrónico, protegida pela patente n.° 94…,
3. 0 Tribunal Administrativo não é competente em razão da matéria, tal como foi decidido, numa situação análoga à dos presentes autos, na douta decisão do 1.° Juízo Liquidatário do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, de 11 de Novembro de 2004 (Processo n.° 929/1998).
4. A Autora intentou a presente acção em infracção das regras de competência material, o que determina a incompetência absoluta do tribunal, com a consequente absolvição da instância ou remessa para outro tribunal, pelo que o douto despacho saneador de que se recorre, ao julgar improcedente a invocada excepção dilatória de incompetência absoluta do Tribunal Administrativo, violou o disposto no artigo 89.°, n.° 1, alínea f), da Lei n.° 3/99, de 13 de Janeiro.
5. A Autora não é parte na relação material controvertida relativa à concessão das autorizações de introdução no mercado (AIM) de vários medicamentos genéricos contendo como substância activa o Ácido Alendrónico, nas dosagens de 10 mg e 70 mg, nem é titular de um interesse directo e pessoal relativamente à validade das mesmas, na medida em que estas não são lesivas de quaisquer direitos ou interesses legalmente protegidos da Autora, uma vez que a sua simples concessão, sem comercialização, não viola os direitos de propriedade industrial alegados pela Autora.
6. A Autora não tem legitimidade para impugnar as autorizações de introdução no mercado (AIM) dos vários medicamentos genéricos contendo como substância activa o Ácido Alendrónico, por não ser titular de um interesse directo e pessoal nessa impugnação, tal como foi decidido, numa situação análoga à dos presentes autos, na douta decisão do Io Juízo Liquidatário do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, de 11 de Novembro de 2004 (Processo n.° 929/1998).
7. A Autora é parte ilegítima na presente Acção Administrativa Especial, o que determina a absolvição da instância, pelo que o douto despacho saneador de que se recorre, ao julgar improcedente a invocada excepção dilatória de ilegitimidade da Autora, violou o disposto nos artigos 9.° e 55.°, do CPTA.”

Em contra-alegações relativas aos recursos do despacho saneador são formuladas pela M..., S... e D…., Lda (M...) as seguintes conclusões: “A. Uma vez que o presente recurso sobe em separado, nos termos resultantes da aplicação conjugada dos artigos 736.° e 737.° do Código de Processo Civil, não se pode deixar de considerar que à sua interposição deve ser atribuído efeito meramente devolutivo, e não suspensivo, como pretendem alguns dos Recorrentes, uma vez que, de acordo com o número 1 do artigo 740.° do Código de Processo Civil, apenas têm efeito suspensivo, para além dos indicados no número 2 dessa norma, os agravos “que subam imediatamente nos próprios autos ” o que não é o caso presente;
B. Através da acção administrativa especial a que respeitam os presentes autos, a Autora, ora Recorrida — titular da AIM dos medicamentos “Fosamax” e Fosamax 70 mg. , cuja substância activa é o Ácido Alendrónico, nas dosagens de 10 mg. e 70 mg., respectivamente, e titular da licença de exploração da PT 94… que protege essa mesma substância activa - impugnou vários actos administrativos de AIM de medicamentos genéricos contendo também como substância activa o Ácido Alendrónico, praticados pelo INFARMED a favor de diversas empresas;
C. Os vícios imputados pela MSD aos actos impugnados na petição inicial foram, sintética e designadamente:
(i) a nulidade por violação do direito fundamental de audiência prévia da Autora,
(ii) a anulabilidade por violação do disposto no artigo 19.°, n° 1, alínea b) do Estatuto do Medicamento (aplicável ex vi artigo 20.° deste mesmo Estatuto), em virtude de os actos impugnados terem autorizado a introdução no mercado de medicamentos genéricos apesar de subsistirem direitos de propriedade industrial em vigor, de que a MSD é titular, sobre a respectiva substância activa, em desrespeito, portanto, de um pressuposto estabelecido naquela norma, e
(iii) por último, a anulabilidade por violação do princípio da imparcialidade e da obrigação de recolha de todo o material relevante para a decisão; 
D. Atendendo aos vícios imputados pela Autora aos actos impugnados na petição inicial, a grande questão de fundo que se coloca no presente processo é a de saber se o artigo 19.°, n° 1, alínea b) do Estatuto do Medicamento, aplicável ex vi artigo 20.° do mesmo Estatuto, impõe como pressuposto essencial da atribuição de uma AIM a um medicamento genérico a caducidade dos “(...) direitos de propriedade industrial relativos às respectivas substâncias activas ou processos de fabrico" e, consequentemente, impõe ao órgão competente para conceder a AIM, a obrigação de verificar se tal pressuposto se encontra preenchido, sendo convicção da MSD que a resposta não poderá deixar de ser inequivocamente positiva, devendo conduzir à anulação ou declaração de nulidade dos actos impugnados;
E. Para além da infundada construção do “pedido deslocado na causa de pedir” sustentada pelo INFARMED e pela M..., os Recorrentes incorrem num lapso manifesto quanto àquela que é a causa de pedir da MSD nos presentes autos, uma vez que esta não assenta na invocação da violação dos seus direitos de propriedade industrial, mas antes nas concretas causas de invalidade apontadas aos actos impugnados ou na invalidade geral dos mesmos;
F. Assentando a causa de pedir da MSD nas ilegalidades acima referidas e não na violação dos seus direitos de propriedade industrial, resulta claro que nos termos do disposto na alínea b) do número 1 do artigo 4.° do ETAF, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra tem plena competência material para conhecer da presente acção;
G. Os Recorrentes confundiram também a causa de pedir da MSD com os motivos que a levaram a impugnar os actos em questão, isto é, com alguns dos motivos que fundamentam a legitimidade activa e o interesse em agir da Recorrida: para o que agora interessa, o objectivo primordial da Autora com a presente acção é o de evitar que os Genéricos Autorizados sejam introduzidos/mantidos no mercado e, assim, evitar que os direitos de propriedade industrial que a MSD detém sobre o Ácido Alendrónico sejam violados com tal introdução/manutenção, o que é muito diferente de se afirmar que a causa de pedir nestes autos versa sobre direitos de propriedade industrial;
H. O critério da materialidade da relação jurídica controvertida revela, de forma clara, a improcedência da posição sustentada pelos Recorrentes: independentemente de a introdução no mercado dos Genéricos Autorizados representar ou não uma violação, pelas Contra-Interessadas, dos direitos de propriedade industrial da MSD, o que está em causa nos autos são as relações jurídicas administrativas criadas pelos actos de AIM praticados pelo INFARMED e, consequentemente, são os tribunais administrativos os competentes para as apreciarem;
I. O despacho recorrido decidiu bem ao considerar que “de acordo com o pedido e causa de pedir livremente estruturados pela Autora (...) é de concluir ser este o Tribunal materialmente competente’’, não podendo o Tribunal a quo atender senão aos termos em que a MSD configurou o litígio em presença, porquanto se, por absurdo, esta tivesse vindo, em concreto, pedir o reconhecimento da violação dos seus direitos de propriedade industrial pelas Contra-Interessadas ou tivesse trazido a juízo um qualquer aspecto que não respeitasse a uma relação jurídico-administrativa, aí sim aquele Tribunal não poderia conhecer da acção, por não ser materialmente competente;
J. Em suma, bem andou o douto despacho recorrido ao considerar que a jurisdição administrativa é materialmente competente para conhecer da presente acção, nos termos do disposto na alínea b) do número 1 do artigo 4.° do ETAF, sendo, por conseguinte, totalmente improcedentes os recursos dele interpostos, não sendo aplicável ao caso dos autos a alínea f) do número 1 do artigo 89.° da LOFTJ;
K. A argumentação da W... quanto ao recurso interposto relativamente à decisão sobre a legitimidade activa da MSD encontra-se assente numa premissa completamente errónea, uma vez que, contrariamente ao alegado por aquela, a Recorrida nunca alegou que os actos impugnados violavam os seus direitos de propriedade industrial - nesta medida, todos os argumentos apresentados pela W... com fundamento na circunstância de estes não implicarem a violação dos direitos de propriedade industrial da MSD, sao pura e simplesmente irrelevantes e devem ser considerados improcedentes; 
L. Dado que, conforme alegado na petição inicial, a MSD é titular de direitos de propriedade industrial sobre o Ácido Alendrónico, a introdução no mercado dos Genéricos Autorizados irá implicar a violação daqueles direitos, uma vez que estes medicamentos genéricos usam o produto protegido pela patente da MSD, o que determina, desde logo, a evidente legitimidade activa da Autora para impugnar os actos praticados pelo INFARMED, que autorizaram a referida introdução no mercado daqueles Genéricos, pois a respectiva anulação ou declaração de nulidade determinará necessariamente a impossibilidade de os Genéricos Autorizados serem comercializados e, por conseguinte, inviabilizará a possibilidade de violação dos direitos de propriedade industrial da Autora;
M. Tomando em consideração a relação próxima e inelutável entre os actos administrativos de AIM dos Genéricos Autorizados e a violação do direito de propriedade industrial de que a MSD é titular, resultante da introdução no mercado destes últimos permitida pelos actos impugnados, é manifesto que a posição - seja ela de facto, seja ela de direito - em que a MSD se encontra face a estes não é confundível com a de qualquer outro terceiro, pois a anulação ou declaração de nulidade daqueles, ao impossibilitar a introdução no mercado dos Genéricos Autorizados, impede também a violação do direito de propriedade industrial da MSD, assim conferindo um interesse directo à ora Recorrida na impugnação agora em apreço;
N. A Recorrida é também titular de um interesse legalmente protegido ao abrigo do disposto no artigo 19.°, número 1, alínea b) (ex vi número 2 do mesmo artigo), do Estatuto do Medicamento e, por conseguinte, os actos impugnados, ao violarem esta norma, lesaram igualmente a esfera jurídica da MSD, dispondo esta, desta forma e acrescidamente de toda a legitimidade para os impugnar;
E isto, pela simples razão de que aquela norma, ao estabelecer que não podem ser concedidas AIM a medicamentos genéricos sempre que subsistam direitos de propriedade industrial, protege, de forma clara, um interesse da Autora, conferindo, nessa medida, uma posição jurídica de vantagem a todos aqueles que, como a MSD nos presentes autos, sejam titulares destes últimos direitos, pelo que a Recorrida tem um interesse directo e pessoal na impugnação dos actos sub iudice;
P. Face ao exposto, bem andou o despacho recorrido ao reconhecer a legitimidade activa da MSD, uma vez que esta é titular de um interesse directo e pessoal na presente impugnação, inexistindo, por conseguinte, qualquer violação do disposto nos artigos 9.° e 52.° do CPTA;
Q. Embora o Tribunal a quo se tenha pronunciado apenas sobre a legitimidade activa da MSD enquanto titular de um direito de propriedade industrial sobre o Acido Alendrónico, o certo é que a ora Recorrida dispõe também de legitimidade activa por ser titular da AIM dos medicamentos “Fosamax”e “Fosamax 70 mg.”, cuja relação de concorrência com os Genéricos Autorizados confere à Autora um interesse directo e imediato na declaração de nulidade ou anulação dos actos impugnados;
R. Embora a M... mencione, na conclusão 10. da sua alegação, que a MSD não teria legitimidade nestes autos, o certo é que do texto dessa alegação resulta precisamente o inverso - isto é, que aquela reconhece a legitimidade activa desta última -, pelo que o recurso por ela interposto apenas pode respeitar ao que foi decidido quanto ao interesse em agir da Recorrida;
S. Face ao exposto, o interesse em agir da Autora é claro: com a presente acção, pretende-se que sejam declarados nulos ou anulados os actos administrativos que autorizaram a introdução no mercado dos Genéricos Autorizados, e assim fazer com que estes não possam ser comercializados, evitando-se a violação dos direitos de propriedade industrial da MSD que ocorreriam com tal comercialização, assim como se pretende o afastamento do mercado de medicamentos concorrentes dos da Recorrida;
Na medida em que a alegação de recurso da M... não põe em causa o despacho recorrido a propósito da decisão sobre a inexistência de uma questão prejudicial nos presentes autos, não lhe imputando qualquer vício ou a violação de qualquer regra, não se pode senão considerar que a questão suscitada por aquela Recorrente é manifestamente extemporânea e improcedente;
U. Ainda que assim não se entenda, o que se alega sem conceder, a verdade é que a decisão tomada pelo despacho recorrido quanto à inexistência de questão prejudicial e consequente desnecessidade de suspensão da instância não é recorrível, nos termos gerais do artigo 679.° do Código de Processo Civil
(aplicável ex vi artigo 1° do CPTA), uma vez que foi proferida no exercício de um poder discricionário;
V. E mesmo que assim não se considere, o que se volta a alegar sem conceder, a verdade é que bem andou o douto despacho recorrido ao não reconhecer a existência de qualquer questão prejudicial nos presentes autos, uma vez que não existe um único motivo juridicamente atendível para que o juiz venha sobrestar na decisão até que os Tribunais de Comércio se pronunciem sobre a validade ou invalidade da PT 94.306 relativamente à qual a Autora é titular de uma licença de exploração.”

Em alegações relativas ao recurso do Acórdão, são formuladas pelo Recorrente Infarmed, as seguintes conclusões: ”1.Não resultava do Antigo Estatuto do Medicamento, como não resulta do Novo Estatuto do Medicamento, qualquer obrigação de verificar, no âmbito da concessão de AIM, a caducidade dos direitos de propriedade industrial relativos às respectivas substâncias activas ou processo de fabrico.
2. Isto porque, não se pode confundir o procedimento de concessão de autorização de introdução de mercado com a fase da comercialização do medicamento.
3. Na verdade, tratam-se de realidades manifestamente diferentes e que não podem ser confundidas, nomeadamente quanto aos seus efeitos legais e consequente possibilidade de reacção por quem se considere prejudicado por eles.
4. A distinção é, aliás, óbvia no próprio Preâmbulo do Estatuto do Medicamento, aprovado pelo referido DL 72/91.
5. De acordo com o DL 72/91, e demais legislação complementar, os únicos aspectos que têm de ser apreciados no procedimento tendente à concessão de uma autorização de introdução no mercado são a qualidade, a segurança e a eficácia do medicamento.
6. Da interpretação dos artigos 7.º e 19.º do Antigo Estatuto do Medicamento também não resulta que impenda sobre a entidade competente para conceder AIM qualquer obrigação de aferir a caducidade de direitos de propriedade industrial.
7. Além de que, não se pode confundir a definição de genérico com os requisitos necessários para a concessão de AIM, visto que dos últimos não decorre qualquer verificação relativa aos direitos de propriedade industrial.
8. A posição do Recorrente coaduna-se com a interpretação do direito interno conforme ao direito comunitário.
9. Pelo que, será, pois, de concluir que não competia ao INFARMED, na sequência do procedimento de autorização de introdução no mercado, aferir da caducidade dos direitos de propriedade industrial, como também não constitui um pressuposto de avaliação a ponderar no procedimento de concessão de AIM.
10. Ora, conforme referiu o douto Tribunal a quo “à entidade administrativa cabe averiguar os elementos constitutivos da decisão a tomar”, pelo que, uma vez que no procedimento de autorização de introdução no mercado não cabe ao INFARMED verificar direitos de propriedade industrial, não se verifica nenhum, deficit de instrução no caso em concreto.
11. Assim, uma vez demonstrado que não cabe ao INFARMED, no procedimento de autorização de introdução no mercado, a verificação de direitos de propriedade industrial, improcede em absoluto o douto Acórdão Recorrido que decretou procedente a presente a acção administrativa especial.”

Em alegações relativas ao recurso do Acórdão, são formuladas pelo Recorrente W..., as seguintes conclusões: ”1- Estatuto do Medicamento deve entender-se apenas feita para as alíneas que contêm requisitos que podem e devem ser apreciados pelo INFARMED e que se relacionam exclusivamente com a qualidade, segurança e eficácia dos medicamentos, pois, a verificação da qualidade, segurança e eficácia dos medicamentos, é a única tarefa para a qual o INFARMED se encontra legal e tecnicamente habilitado.
2.O INFARMED não se encontra legal e tecnicamente habilitado para analisar a validade e a adequação das diversas patentes, confrontando-as com o pedido apresentado por qualquer requerente de Autorização de Introdução no Mercado (AIM) para medicamentos genéricos, o que exclui qualquer tipo de apreciação do INFARMED sobre a caducidade das patentes.
3. A protecção da patente de processo de fabrico estende-se ao produto produzido directamente através do processo de fabrico patenteado, pelo que, a aceitar-se a interpretação meramente literal propugnada pela douta decisão de que se recorre para a alínea b), do artigo 19.º, do Estatuto do Medicamento, o INFARMED teria de esperar pela caducidade de todas as patentes, de todos os processos de fabrico relativos ao produto em causa, o que inviabilizaria a atribuição de Autorização de Introdução no Mercado (AIM) para medicamentos genéricos, atendendo à multiplicidade de processos de fabrico relativos ao mesmo produto que se podem encontrar patenteados, e levaria a permitir prorrogar, ilegal e ilegitimamente, os direitos protegidos pelas patentes, bem para além do prazo limite relativo à sua validade.
4. O artigo 101.º, n.0 2, do Código da Propriedade Industrial, impede a introdução no comércio de um produto patenteado, ou, neste caso, de um produto com um processo de fabrico patenteado, mas não impede, naturalmente, a solicitação e a concessão de Autorização de Introdução no Mercado (AIM), sendo certo que a autorização para introdução no mercado e a comercialização ou introdução no mercado propriamente dita são coisas bem diferentes.
5. O artigo 102.º, do Código da Propriedade Industrial, permite também concluir que o procedimento administrativo de atribuição de AIM a um medicamento genérico não é apto a violar a patente, razão pela qual o INFARMED não tem qualquer obrigação de apurar se já caducaram as patentes, que, eventualmente, possam vir a ser violadas se, eventualmente, vier a ocorrer a comercialização daquele medicamento genérico.
6- A interpretação da alínea b), do artigo 19.º do Estatuto do Medicamento, perfilhada pela douta decisão de que se recorre embateria, ainda, contra o princípio da igualdade, atendendo ao facto de serem reconhecidos pelo ordenamento jurídico português três sistemas distintos de atribuição de Autorização de Introdução no Mercado (AIM), sendo que seria manifestamente discriminatório permitir a obtenção de uma Autorização de Introdução no Mercado (AIM) sem verificação oficiosa da caducidade das patentes através de dois sistemas (o processo de reconhecimento mútuo e o processo comunitário centralizado) e impedi-la através de um dos sistemas (processo nacional).
7. A caducidade de direitos de propriedade industrial de terceiros não constituiu um requisito para a atribuição de Autorização de Introdução no Mercado (AIM) a um medicamento genérico, pelo que o INFARMED não tinha, nem tem, de apreciar a caducidade das patentes, caindo, imediatamente, pela base, toda a argumentação da douta sentença de que se recorre sobre o desrespeito do princípio do inquisitório, consagrado no artigos 56.º 87.º, 88.0 e 91.º, do Código de Procedimento Administrativo (CPA).
8. A douta decisão de que se recorre fez, assim, uma interpretação errada do n.º1 do artigo 20.º e do artigo 19.0, ambos do Estatuto do Medicamento (Decreto-Lei n.0 72/91, de 08 de Fevereiro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 242/2000, de 26 de Setembro), bem como dos artigos 56.º, 87.0, 88.° e 91.0, do Código de Procedimento Administrativo (CPA).
9. A douta decisão em crise desconsiderou erradamente a legislação comunitária em causa, nomeadamente a Directiva 2001/83/CE - alterada pela Directiva 2004/27/CE -, por força da qual a concessão de AIM só pode ter em consideração a eficácia, segurança e qualidade dos medicamentos genéricos, nunca se referindo à caducidade desses direitos como um elemento caracterizador da noção de medicamentos genéricos, ou como um facto que necessite de ser provado pela entidade que apresente o pedido de AIM de um medicamento genérico.
10. A jurisprudência comunitária tem genericamente reconhecido a existência de um efeito directo - efeito directo vertical - das directivas após a expiração do seu prazo de transposição, conferindo direitos aos particulares (contra o Estado), o que significa que tanto a Directiva 2001/83/CE (imediatamente, uma vez que não estabeleceu qualquer prazo para transposição) como a Directiva 2004/27/CE (em 30 de Outubro de 2005) passaram a ter igualmente efeito directo vertical sobre os particulares dos Estados­ Membros.
11. A partir de 30 de Outubro de 2005, as entidades que apresentassem pedidos de AIM de medicamentos genéricos leriam sempre o direito de não apresentar outros documentos para além dos referidos na Direcliva 2004/27/CE, estando o INFARMED desobrigado a exigir a apresentação de qualquer documento para efeitos de verificação do requisito constante do artigo 19.º, n.º 1, alínea b) do Decreto-Lei 72/91, de 08 de Fevereiro.
12. Ainda que assim não se entenda, o princípio da interpretação do direito nacional conforme ao direito comunitário apontaria sempre no mesmo sentido, ou seja, toda a autoridade nacional deve, em caso de dúvida sobre o sentido de uma disposição nacional, interpretá­la à luz do Direito Comunitário.”

Em alegações relativas ao recurso do Acórdão, são formuladas pelo Recorrente M..., as seguintes conclusões: ”1. - O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a presente acção administrativa especial e, em consequência, anulou os actos de AIM concedidos pelo lnfarmed à Recorrente em relação aos medicamentos Ácido Alendrónico da M....
2. O artigo 19º, nº 1, alínea c) do Decreto-Lei nº 72/91, de 8 de Fevereiro estabelece como condição da qualificação como medicamento genérico que: tenham "caducado os direitos de propriedade industrial relativos às respectivas substâncias activas ou processo de fabrico".
3.Entende o Tribunal a quo que, à luz dessa legislação, para se apurar da legalidade dos actos de AIM em análise, o que importa não é, desde logo, apurar se os direitos de propriedade industrial relativos à substância activa contida nos medicamentos genéricos em análise teriam ou não caducado (Cfr. Página 28 da sentença recorrida).
4. Na opinião do Tribunal a qua, o que verdadeiramente há a verificar é se, em função do princípio do inquisitório, o Réu lnfarmed teria ou não envidado diligências no sentido de reunir os elementos probatórios tendentes a verificar a possível caducidade desses direitos de propriedade industrial.
5. Sucedendo que do processo instrutor não resulta qualquer diligência no sentido de se apurar a eventual caducidade de tais direitos, deu-se como verificado o vício de "déficit de instrução" o qual, na opinião do Tribunal a qua, é gerador de ilegalidade do acto administrativo.
6. Conforme se refere na sentença recorrida (página 33) "...perante o processo instrutor e os elementos carreados para o processo pela Entidade Demandada constata-se que inexistem fundamentos de facto para decidir como decidiu por faltar qualquer documento ou declaração no sentido de que se reverificava o pressuposto para a classificação dos medicamentos em causa como genéricos - cfr. art. 19º, nº 1, b) do D.L. nº 72/91, ou seja, de que os direitos de propriedade industrial ou do processo de fabrico sobre a substância activa (ácido alendrónico) haviam caducado".
7. Acrescenta o Tribunal a quo que "não consta nenhum documento ou declaração das ora Contra-interessadas, então requerentes das AIM's de que sobre a substância activa do medicamento genérico a introduzir no mercado haviam caducado os direitos de propriedade".
8. No entanto, será salientar que, em total contradição com essa conclusão, o Tribunal a quo conclui também que:
- O lnfarmed não tem competência "para aferir sobre a validade e caducidade do direito de patente" (página 28).
- "O lnfarmed não tem competência para decidir quanto à validade e caducidade do direito de exploração da patente nº 94…., invocado pela Autora" (página 29).
- As situações que podem conduzir ao indeferimento de AIMs para medicamentos genéricos encontram-se taxativamente previstas no Estatuto do Medicamento e nas Directivas Nº 65/65/CEE, 87/21/CEE, 2001/83/CE "sem que delas conste qualquer referência à aferição do direito de propriedade / patente relativo à substância activa" (página 28).
9. Na opinião do Tribunal a quo, o lnfarmed não tem competência para aferir se os direitos de propriedade industrial quanto à substância activa contida nos medicamentos já caducaram ...no entanto, entende o Tribunal que deverá efectuar diligências instrutórias no sentido de verificar essa caducidade ...
10. Em face desta total contradição de fundamentos, o que aconteceria se, por exemplo, a Contra-interessada tivesse incluído no processo instrutor uma declaração, por si assinada, assegurando que os direitos de propriedade industrial em causa teriam caducado? Deveria o lnfarmed aceitá-la, sem mais, uma vez que carece de competência para decidir quanto à caducidade da patente? Ou, pelo contrário, deveria indagar mais profundamente exigindo que a Contra-interessada juntasse documentação mais adequada a demonstrar a caducidade desses direitos?
11. Em qualquer dos casos. uma vez que o lnfarmed carece de competência para verificar a caducidade da patente ...é óbvio que também carece de competência para averiguar sobre essa caducidade.
12. A falta de competência do Réu nestas matérias será ainda objecto de uma análise mais detalhada adiante.
13. Assim, não decorre para o INFARMED qualquer obrigação sobre a verificação da situação jurídica de eventuais direitos de propriedade industrial relativos às respectivas substâncias activas ou processos de fabrico do medicamento de referência.
14. Por essa razão encontra-se, desde logo, afastado o vício que serviu de fundamento à sentença recorrida.
15. Em qualquer caso, no processo em análise, do princípio do inquisitório não decorre nenhuma obrigação para o INFARMED no sentido de apurar a situação jurídica desses direitos de propriedade industrial.
16. O art. 56º do CPA, onde se plasma o princípio do inquisitório, é delimitado e deve ser articulado à luz do interesse público subjacente ao acto de AIM relativo a medicamentos genéricos.
17. O verdadeiro princípio de ordem pública ou interesse público que rege todo o processo de AIM de medicamentos genéricos encontra-se previsto, designadamente, no art. 64º, nº 2º, ai. a), da Constituição da República Portuguesa (CRP) onde se estabelece que o direito à protecção da saúde é realizado através de um sistema nacional de saúde universal e geral (...) tendencialmente gratuito.
18. Refere o Tribunal a quo que "Como decorre da própria estruturação da causa, o presente processo é de estrita impugnação, dirigido a atacar a validade de actos administrativos, o que significa que ao Tribunal compete apreciar os vícios imputados aos actos impugnados e verificar se a Administração, ora Demandada, perante os elementos que dispunha e não quaisquer outros futuros, podia ter decidido no sentido em que o fez ou se, como Alega a Autora omitiu diligências que estava obrigada a realizar".
19. Concluindo, pois, que "Assim, é totalmente irrelevante para o sucesso da presente acção o desfecho das demais acções que correm termos no Tribunal de Comércio, que as partes identificam em juízo".
20. Ora, convém relembrar que, por sentença proferida pelo Tribunal do Comércio de Lisboa de em Março de 2007 foi declarada a nulidade da referida patente.
21. Entretanto, o Tribunal da Relação de Lisboa já confirmou o teor da referida sentença (cópias dessas decisões já se encontram juntas aos autos).
22. Do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa foi interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, onde o processo se encontra actualmente pendente.
23. O recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal do Comércio de Lisboa e o recurso interposto do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa têm efeito meramente devolutivo.
24. Assim, declaração de nulidade da referida patente deve operar, de imediato.
25. Tal nulidade implica que a Administração deve actuar como se tal direito nunca se tivesse constituído.
26. Assim, parece óbvio que, na data em que as AIM foram concedidas à Recorrente, não existia patente alguma cuja caducidade importasse verificar e muito menos diligências a realizar no sentido de confirmar a referida caducidade (verificação essa, para a qual, aliás, o Tribunal a quo admite que o lnfarmed carece de competência).
27. Por estas razões, facilmente se concluir, desde logo, que não ocorreu qualquer violação do princípio do inquisitório nem se verifica o vício de déficit de instrução.
28. Acresce que, no âmbito da definição "medicamento genérico" estabelecida pela legislação comunitária, a concessão de AIM a tais medicamentos não pressupõe, nem se encontra condicionada, pela caducidade de eventuais direitos de propriedade industrial relativos às substâncias activas dos medicamentos de referência
29. Com efeito, o art. 10º, nº 2, ai. b) da Directiva 2001/83/CE define o que é um "medicamento genérico": trata-se de um medicamento com a mesma composição qualitativa e quantitativa em substâncias activas, a mesma forma farmacêutica que o medicamento de referência e cuja bioequivalência com este último tenha sido demonstrad a por estudos adequados de biodisponibilidade.
30. Temos assim dois conceitos de "medicamentos genéricos" que assentam em pressupostos distintos:
• art. 19º do Estatuto do Medicamento: este artigo, emanado do legislador nacional, condiciona a concessão de AIM à caducidade de eventuais direitos de propriedade industrial relativos às substâncias activas dos medicamentos de referência;
• art. 10º, nº 2, ai. b) da Directiva 2001/83/CE com as alterações introduzidas pela Directiva 2004/27/CE: este artigo, emanado do legislador comunitário, não condiciona a concessão de AIM à caducidade de eventuais direitos de propriedade industrial relativos às substâncias activas dos medicamentos de referência.
31. A questão à qual importa responder é então a seguinte: existindo dois conceitos claramente diferentes (com pressupostos também distintos) do que sejam "medicamentos genéricos" (previstos no Art. 10º, nº 2, ai. b) da Directiva 2001/83/CE e pelo no art. 19º do Estatuto do Medicamento) qual desses conceitos é o aplicável ao caso em análise?
32. Desde logo, adivinhando-se a intenção do legislador comunitário, no 14º Considerando daquela Directiva estabelece-se que dado que os medicamentos genéricos são já uma parte importante dos medicamentos, convém, à luz da experiência adquirida, facilitar o seu acesso ao mercado comunitário.
33. Mais adiante, no Considerando 16º é tornado claro que o intuito da Directiva 2001/83/CE é harmonizar e adaptar os critérios de recuso, suspensão e revogação das autorizações de introdução no mercado.
34. Por seu turno, o art. 2º, nº 1, da Directiva 2001/83/CE, com as alterações introduzidas pela Directiva 2004/27/CE, estabelece inequivocamente que a presente directiva aplica-se oos medicamentos para uso humano destinados a serem colocados no mercado dos Estados-membros e pre parados industrialmente ou em cujo fabrico intervenha um processo industrial.
35. Por outras palavras, a Directiva 2001/83/CE, com as sucessivas alterações introduzidas, designadamente pela Directiva 2004/27/CE, estabelece um código comunitário, no sentido de harmonizar a legislação relativa aos processos de AIM para medicamentos de uso humano, afastando a aplicabilidade de normas constantes do ordenamento jurídico interno dos Estados-Membros que dela sejam dissonantes, como é caso do disposto no art. 19º do EM.
36. Isto mesmo é confirmado pelo disposto art. 2º, nº 2, da Directiva 2001/83/CE, com as alterações introduzidas pela Directiva 2004/27/CE ao esclarecer que ainda que em caso de dúvida, se, tendo em conta a globalidade das suas características, um prod uto corresponder simultaneamente à definição do medicamento e à definição de um produto regido por outros disposições legislativos comunitários, aplicam-se as outros disposições da presente directiva.
37. Assim, dúvidas não restam que, o conceito de "medicamento genérico" estabelecido no art. 10º, nº 2, ai. b) da Directiva 2001/83/CE com as alterações introduzidas pela Directiva 2004/27 /CE - que não condiciona a concessão de AIM à caducidade de eventuais direitos de propriedade industrial relativos às substâncias activas dos medicamentos de referência - é o aplicável ao caso e, análise.
38. Tornando-se evidente que o conceito de "medicamento genérico" previsto no art. 19Q, nQ 1,ai. b) do EM não é aplicável ao caso sub judice, porquanto semelhante exigência - a caducidade de eventuais direitos de propriedade industrial relativos às substâncias activas dos medicamentos de referência - não decorre, directa ou indirectamente do conceito de medicamento genérico prescrito no "código comunitário do medicamento" estabelecido na Directiva 2001/83/CE.
39. Só assim se têm por harmonizados e adaptados os critérios de recusa das autorizações de introdução no mercado nos Estados-Membros (cfr. Considerando 16Q da Directiva 2001/83/CE).
40. Também não restam dúvidas que as disposições da Directiva 2001/83/CE, com as alterações introduzidas pela Directiva 2004/27/CE atrás mencionadas, gozam de efeito directo no ordenamento jurídico português e podem, nessa medida, ser invocadas.
41. Com efeito, as normas da Directiva 2001/83/CE, com as alterações introduzidas pela Directiva 2004/27/CE (que deveriam ter sido transpostas para o direito português até 30 de Outubro de 2005), atrás mencionadas, são claras e incondicionais.
42. Tendo em conta a especificidade da presente matéria, são normas que se encontram aptas a produzir os seus efeitos, sem necessidade de outras disposições de âmbito nacional ou comunitário que as completem ou concretizem, permitindo assim a sua invocação pelos particulares, in casu pela Recorrente.
43. Acresce que o direito comunitário goza do primado sobre o direito interno dos Estados-Membros, tal como decorre do art. 8º, nº 4 da Constituição.
44. Citando o Prof. Fausto de Quadros, "por efeito da teoria do efeito directo com a teoria do primado, o órgão nacional de aplicação do Direito deverá atender a essa invocação, mesmo contra Direito nacional aplicável ou, por maioria de razão, na ausência deste" 5 .
45. Acresce que, dispõe o art. 10º, nº 1, da Directiva 2001/83/CE, com as alterações introduzidas pela Directiva 2004/27/CE: em derrogação da alínea i) do nº 3 do art. Bº e sem prejuízo das leis relativas à protecção da pro priedade industrial e comercial, o requerente não é obrigado a fornecer os resultados dos ensaios pré-clínicos e clínicos se puder demonstrar que o medicamento é um genérico de um medicamento de referência que seja ou tenha sido autorizado nos termos do art. 6º há, pelo menos, oito anos num Estado-membro ou na Comunidade.
46. Acrescentado o art. 10º, nº 6 da Directiva 2001/83/CE, com as alterações introduzidas pela Directiva 2004/27/CE que: a realização dos estudos necessários à aplicação dos nºs 1, 2, 3 e 4 e os consequentes requisitos práticos não são considerados contrários aos direitos relativos à patente nem aos certificados suplementares de protecção de medicamentos.
47. Também no direito emanado do legislador nacional, prescreve o art. 102º, ai. c) do CPI que os direitos conferidos por patente não abrangem: Os actos realizados exclusivamente para fins de ensaio ou experimentais, incluindo experiências para pre paração dos processos administrativos necessários à aprovação de prod utos pelos organismos oficiais competentes, não podendo, contudo, iniciar-se a exploração comercial ou industrial desses prod utos antes de se verificar a cad ucidade da patente que os protege.
48. Como é evidente, que o normativo em análise representa a introdução no nosso ordenamento jurídico da "Cláusula Bolar" decorrente da Directiva 2004/27/CE (a qual, a liás, goza de efeito directo em Portugal).
49. Na verdade, é evidente que o preceito tem por escopo os medicamentos genéricos, pois só em relação a estes são concebíveis actos realizados para fins de ensaio ou experimentais, assim como aqueles destinados à preparação dos respectivos processos administrativos necessários à aprovação de produtos pelos organismos oficiais competentes.
50. Termos em que, também aqui se torna evidente que, a aplicação do art. 192 do EM é claramente afastada quer pelo disposto no art. 102, n2 6 da Directiva 2001/83/CE, com as alterações introduzidas pela Directiva 2004/27/CE (a cláusula Bolar) e pelo disposto no art. 1022,a1. c) do CPI.
51. Também não ocorreu qualquer vício de erro quanto aos pressupostos de facto que tornasse anuláveis os actos de AIM nos termos do art. 1352 do CPA.
52. Com efeito, a eventual violação do disposto nos arts. 192, n2 1, ai. b) e 202, n2 1do EM não consubstancia o vício autónomo "Erro quanto aos pressupostos de facto''.
53. Na verdade, caso o conteúdo desse normativo tivesse sido efectivamente violado (o que, repete-se, não é o caso) então teria apenas ocorrido um vício de violação de lei.
54. Aliás, conforme sustenta a doutrina, o erro de facto apenas constituiria fonte autónoma de invalidade do acto se esse acto tivesse sido praticado no exercício de um poder discricionário.
55. Em qualquer caso, conforme já ficou exaustivamente demonstrado, aos actos de AIM ora em causa não pode ser atribuído o vício apontado na sentença recorrida, designadamente, porque os arts. 192, n2 1, ai. b) e art. 202, n2 1, do EM não são aplicáveis em face do disposto na Directiva 2001/83/CE, com as sucessivas alterações introduzidas, designadamente pela Directiva 2004/27/CE.”

Em alegações relativas ao recurso do Acórdão, são formuladas pelo Recorrente R... as seguintes conclusões:”1.O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a presente acção administrativa especial e, em consequência, anulou os actos de AIM concedidos pelo lnfarmed à Recorrente em relação aos medicamentos Ácido Alendrónico R....
2. O artigo 19º, nº 1, alínea c) do Decreto-Lei nº 72/91, de 8 de Fevereiro estabelece como condição da qualificação como medicamento genérico que: tenham "caducado os direitos de propriedade industrial relativos às respectivas substâncias activas ou processo de fabrico".
3. Entende o Tribunal a quo que, à luz dessa legislação, para se apurar da legalidade dos actos de AIM em análise, o que importa não é, desde logo, apurar se os direitos de propriedade industrial relativos à substância activa contida nos medicamentos genéricos em análise teriam ou não caducado (Cfr. Página 28 da sentença recorrida).
4. Na opinião do Tribunal a quo, o que verdadeiramente há a verificar é se, em função do princípio do inquisitório, o Réu lnfarmed teria ou não envidado diligências no sentido de reunir os elementos probatórios tendentes a verificar a possível caducidade desses direitos de propriedade industrial.
5. Sucedendo que do processo instrutor não resulta qualquer diligência no sentido de se apurar a eventual caducidade de tais direitos, deu-se como verificado o vício de "déficit de instrução" o qual, na opinião do Tribunal a quo, é gerador de ilegalidade do acto administrativo.
6. Conforme se refere na sentença recorrida (página 33) "...perante o processo instrutor e os elementos carreados para o processo pela Entidade Demandada constata-se que inexistem fundamentos de facto para decidir como decidiu por faltar qualquer documento ou declaração no sentido de que se reverificava o pressuposto para a classificação dos medicamentos em causa como genéricos - cfr. art. 19º, nº 1, b) do D.L. nº 72/91, ou seja, de que os direitos de propriedade industrial ou do processo de fabrico sobre a substância activa (ácido alendrónico) haviam caducado".
7. Acrescenta o Tribunal a quo que "não consta nenhum documento ou declaração das ora Contra-interessadas, então requerentes das AIM's de que sobre a substância activa do medicamento genérico a introduzir no mercado haviam caducado os direitos de propriedade".
8.No entanto, será salientar que, em total contradição com essa conclusão, o Tribunal a quo conclui também que:
- O lnfarmed não tem competência "para aferir sobre a validade e caducidade do direito de patente" (página 28).
- "O lnfarmed não tem competência para decidir quanto à validade e caducidade do direito de exploração da patente nº 94…., invocado pela Autora" (página 29).
- As situações que podem conduzir ao indeferimento de AIMs para medicamentos genéricos encontram-se taxativamente previstas no Estatuto do Medicamento e nas Directivas Nº 65/65/CEE, 87/21/CEE, 2001/83/CE "sem que delas conste qualquer referência à aferição do direito de propriedade / patente relativo à substância activa" (página 28).
9. Na opinião do Tribunal a quo, o lnfarmed não tem competência para aferir se os direitos de propriedade industrial quanto à substância activa contida nos medicamentos já caducaram ...no entanto, entende o Tribunal que deverá efectuar diligências instrutórias no sentido de verificar essa caducidade .
10. Em face desta total contradição de fundamentos, o que aconteceria se, por exemplo, a Contra-interessada tivesse incluído no processo instrutor uma declaração, por si assinada, assegurando que os direitos de propriedade industrial em causa teriam caducado? Deveria o lnfarmed aceitá-la, sem mais, uma vez que carece de competência para decidir quanto à caducidade da patente? Ou, pelo contrário, deveria indagar mais profundamente exigindo que a Contra-interessada juntasse documentação mais adequada a demonstrar a caducidade desses direitos?
11. Em qualquer dos casos, uma vez que o lnfarmed carece de competência para verificar a caducidade da patente ...é óbvio que também carece de competência para averiguar sobre essa caducidade.
12. A falta de competência do Réu nestas matérias será ainda objecto de uma análise mais detalhada adiante.
13. Assim, não decorre para o INFARMED qualquer obrigação sobre a verificação da situação jurídica de eventuais direitos de propriedade industrial relativos às respectivas substâncias activas ou processos de fabrico do medicamento de referência.
14. Por essa razão encontra-se, desde logo, afastado o vício que serviu de fundamento à sentença recorrida.
15. Em qualquer caso, no processo em análise, do princípio do inquisitório não decorre nenhuma obrigação para o INFARMED no sentido de apurar a situação jurídica desses direitos de propriedade industrial.
16. O art. 56º do CPA, onde se plasma o princípio do inquisitório, é delimitado e deve ser articulado à luz do interesse público subjacente ao acto de AIM relativo a medicamentos genéricos.
17. O verdadeiro princípio de ordem pública ou interesse público que rege todo o processo de AIM de medicamentos genéricos encontra-se previsto, designadamente, no art. 64º, nº2, ai. a), da Constituição da República Portuguesa (CRP) onde se estabelece que o direito à protecção da saúde é realizado através de um sistema nacional de saúde universal e geral {...) tendencialmente gratuito.
18. Refere o Tribunal a quo que "Como decorre da própria estruturação da causa, o presente processo é de estrita impugnação, dirigido a atacar a validade de actos administrativos, o que significa que ao Tribunal compete apreciar os vícios imputados aos actos impugnados e verificar se a Administração, ora Demandada, perante os elementos que dispunha e não quaisquer outros futuros, podia ter decidido no sentido em que o fez ou se, como Alega a Autora omitiu diligências que estava obrigada a
19. Concluindo, pois, que "Assim, é totalmente irrelevante para o sucesso da presente acção o desfecho das demais acções que correm termos no Tribunal de Comércio, que as partes identificam em juízo".
20. Ora, convém relembrar que, por sentença proferida pelo Tribunal do Comércio de Lisboa de em Março de 2007 foi declarada a nulidade da referida patente.
21. Entretanto, o Tribunal da Relação de Lisboa já confirmou o teor da referida sentença (cópias dessas decisões já se encontram juntas aos autos).
22. Do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa foi interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, onde o processo se encontra actualmente pendente.
23. O recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal do Comércio de Lisboa e o recurso interposto do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa têm efeito meramente devolutivo.
24. Assim, declaração de nulidade da referida patente deve operar, de imediato.
25. Tal nulidade implica que a Administração deve actuar como se tal direito nunca se tivesse constituído.
26. Assim, parece óbvio que, na data em que as AIM foram concedidas à Recorrente, não existia patente alguma cuja caducidade importasse verificar e muito menos diligências a realizar no sentido de confirmar a referida caducidade (verificação essa, para a qual, aliás, o Tribunal a quo admite que o lnfarmed carece de competência).
27. Por estas razões, facilmente se concluir, desde logo, que não ocorreu qualquer violação do princípio do inquisitório nem se verifica o vício de déficit de instrução.
28. Acresce que, no âmbito da definição "medicamento genérico" estabelecida pela legislação comunitária, a concessão de AIM a tais medicamentos não pressupõe, nem se encontra condicionada, pela caducidade de eventuais direitos de propriedade industrial relativos às substâncias activas dos medicamentos de referência
29. Com efeito, o art. 10º, nº 2, ai. b) da Directiva 2001/83/CE define o que é um "medicamento genérico": trata-se de um medicamento com a mesma composição qualitativa e quantitativa em substâncias activas, a mesma forma farmacêutica que o medicamento de referência e cuja bioequivalência com este último tenha sido demonstrada por estudos adequados de biodisponibilidade.
30. Temos assim dois conceitos de "medicamentos genéricos" que assentam em pressupostos distintos:
• art. 19º do Estatuto do Medicamento: este artigo, emanado do legislador nacional, condiciona a concessão de AIM à caducidade de eventuais direitos de propriedade industrial relativos às substâncias activas dos medicamentos de referência;
• art. 10º, nº 2, ai. b) da Directiva 2001/83/CE com as alterações introduzidas pela Directiva 2004/27/CE: este artigo, emanado do legislador comunitário, não condiciona a concessão de AIM à caducidade de eventuais direitos de proprieda de industrial relativos às substâncias activas dos medicamentos de referência.
31. A questão à qual importa responder é então a seguinte: existindo dois conceitos claramente diferentes (com pressupostos também distintos) do que sejam "medicamentos genéricos" (previstos no Art. 102, n2 2, ai. b) da Directiva 2001/83/CE e pelo no art. 192 do Estatuto do Medicamento) qual desses conceitos é o aplicável ao caso em análise?
32. Desde logo, adivinhando-se a intenção do legislador comunitário, no 142 Considerando daquela Directiva estabelece-se que dado que os medicamentos genéricos são já uma parte importante dos medicamentos, convém, à luz da experiência adquirida, facilitar o seu acesso ao mercado comunitário.
33. Mais adiante, no Considerando 162 é tornado claro que o intuito da Directiva 2001/83/CE é harmonizar e adaptar os critérios de recusa, suspensão e revogação das autorizações de introdução no mercado.
34. Por seu turno, o art. 22, n2 1, da Directiva 2001/83/CE, com as alterações introduzidas pela Directiva 2004/27/CE, estabelece inequivocamente que a presente directiva aplica-se aos medicamentos para uso humano destinados a serem colocados no mercado dos Estados-membros e pre parados industrialmente ou em cujo fabrico intervenha um processo industrial.
35. Por outras palavras, a Directiva 2001/83/CE, com as sucessivas alterações introduzidas, designadamente pela Directiva 2004/27/CE, estabelece um código comunitário, no sentido de harmonizar a legislação relativa aos processos de AIM para medicamentos de uso humano, afastando a aplicabilidade de normas constantes do ordenamento jurídico interno dos Estados-Membros que dela sejam dissonantes, como é caso do disposto no art. 192 do EM.
36. Isto mesmo é confirmado pelo disposto art. 22, n2 2, da Directiva 2001/83/CE, com as alterações introduzidas pela Directiva 2004/27/CE ao esclarecer que ainda que em caso de dúvid a, se, tendo em conta a globalidade das suas características, um prod uto corresponder simultaneamente à definição do medicamento e à definição de um produto regido por outras disposições legislativas comunitários, aplicam-se as outras disposições da presente directiva.
37 Assim, dúvidas não restam que, o conceito de "medicamento genérico" estabelecido no art. 10º, nº 2, ai. b) da Directiva 2001/83/CE com as alterações introduzidas pela Directiva 2004/27/CE - que não condiciona a concessão de AIM à caducidade de eventuais direitos de propriedade industrial relativos às substâncias activas dos medicamentos de referência - é o aplicável ao caso e, análise.
38. Tornando-se evidente que o conceito de "medicamento genérico" previsto no art. 19º, nº 1, ai. b) do EM não é aplicável ao caso sub judice, porquanto semelhante exigência - a caducidade de eventuais direitos de propriedade industrial relativos às substâncias activas dos medicamentos de referência - não decorre, directa ou indirectamente do conceito de medicamento genérico prescrito no "código comunitário do medicamento" estabelecido na Directiva 2001/83/CE.
39. Só assim se têm por harmonizados e adaptados os critérios de recusa das autorizações de introdução no mercado nos Estados-Membros (cfr. Considerando 16º da Directiva 2001/83/CE).
40. Também não restam dúvidas que as disposições da Directiva 2001/83/CE, com as alterações introduzidas pela Directiva 2004/27/CE atrás mencionadas, gozam de efeito directo no ordenamento jurídico português e podem, nessa medida, ser invocadas.
41. Com efeito, as normas da Directiva 2001/83/CE, com as alterações introduzidas pela Directiva 2004/27/CE (que deveriam ter sido transpostas para o direito português até 30 de Outubro de 2005), atrás mencionadas, são claras e incondicionais.
42. Tendo em conta a especificidade da presente matéria, são normas que se encontram aptas a produzir os seus efeitos, sem necessidade de outras disposições de âmbito nacional ou comunitário que as completem ou concretizem, permitindo assim a sua invocação pelos particulares, in casu pela Recorrente.
43. Acresce que o direito comunitário goza do primado sobre o direito interno dos Estados-Membros, tal como decorre do art. 8º, nº 4 da Constituição.
44. Citando o Prof. Fausto de Quadros, "por efeito da teoria do efeito directo com a teoria do primado, o órgão nacional de aplicação do Direito deverá atender a essa invocação, mesmo contra Direito nacional aplicável ou, por maioria de razão, na ausência deste"5.
45. Acresce que, dispõe o art. 10º, nº 1, da Directiva 2001/83/CE, com as alterações introduzidas pela Directiva 2004/27/CE: em derrogação da alínea i) da nº 3 do art. 8º e sem prejuízo das leis relativas à protecção da propriedade industrial e comercial, a requerente não é abrigado a fornecer os resultados dos ensaios pré-clínicos e clínicas se puder demonstrar que o medicamento é um genérico de um medicamento de referência que seja ou tenha sido autorizado nos termos do art. 6º há, pelo menos, oito anos num Estado-membro ou na Comunidade.
46. Acrescentado o art. 10º, nº 6 da Directiva 2001/83/CE, com as alterações introduzidas pela Directiva 2004/27/CE que: a realização dos estudos necessários à aplicação dos nºs 1, 2, 3 e 4 e os consequentes requisitos práticos não são considerados contrários aos direitos relativos à patente nem aos certificados suplementares de protecção de medicamentos.
47 Também no direito emanado do legislador nacional, prescreve o art. 102º, ai. c) do CPI que os direitos conferidos por patente não abrangem: Os actos realizados exclusivamente para fins de ensaio ou experimentais, incluindo experiências para preparação dos processos administrativos necessários à aprovação de produtos pelos organismos oficiais competentes, não podendo, contudo, iniciar-se a exploração comercial ou industrial desses produtos antes de se verificar a caducidade da patente que os protege.
48. Como é evidente, que o normativo em análise representa a introdução no nosso ordenamento jurídico da "Cláusula Bolar" decorrente da Directiva 2004/27/CE (a qual, aliás, goza de efeito directo em Portugal).
49 Na verdade, é evidente que o preceito tem por escopo os medicamentos genéricos, pois só em relação a estes são concebíveis actos realizados para fins de ensaio ou experimentais, assim como aqueles destinados à preparação dos respectivos processos administrativos necessários à aprovação de produtos pelos organismos oficiais competentes.
50. Termos em que, também aqui se torna evidente que, a aplicação do art. 19º do EM é claramente afastada quer pelo disposto no art. 10º, nº 6 da Directiva 2001/83/CE, com as alterações introduzidas pela Directiva 2004/27/CE (a cláusula Bolar) e pelo disposto no art. 102º,al. c) do CPI.
51. Também não ocorreu qualquer vício de erro quanto aos pressupostos de facto que tornasse anuláveis os actos de AIM nos termos do art. 135º do CPA.
52. Com efeito, a eventual violação do disposto nos arts. 19º, nº 1, ai. b) e 20º, nº 1do EM não consubstancia o vício autónomo "Erro quanto aos pressupostos de facto".
53. Na verdade, caso o conteúdo desse normativo tivesse sido efectivamente violado (o que, repete-se, não é o caso) então teria apenas ocorrido um vício de violação de lei.
54. Aliás, conforme sustenta a doutrina, o erro de facto apenas constituiria fonte autónoma de invalidade do acto se esse acto tivesse sido praticado no exercício de um poder discricionário.
55.Em qualquer caso, conforme já ficou exaustivamente demonstrado, aos actos de AIM ora em causa não pode ser atribuído o vício apontado na sentença recorrida, designadamente, porque os arts. 19º, nº 1, ai. b) e art. 20º, nº 1, do EM não são aplicáveis em face do disposto na Directiva 2001/83/CE, com as sucessivas alterações introduzidas, designadamente pela Directiva 2004/27/CE.”

Em alegações relativas ao recurso do Acórdão, são formuladas pelo Recorrente G..., as seguintes conclusões: ”1- A sentença a quo é nula, nos termos do artigo 668º, nº 1 alínea d) ou, subsidiariamente, alínea b) do CodProcCiv, aplicável ex vi o artigo 1º do CPTA porquanto omitiu totalmente qualquer ponderação da causalidade adequada entre os actos impugnados e a alegada violação dos direitos das AA e dos danos por estas invocados;
2 - O Tribunal Administrativo não pode conhecer da alegada ofensa/violação dos direitos de exclusivo decorrentes de patente industrial, porquanto esse juízo cabe aos Tribunais de Comércio, nos termos do artigo 89º da LOFTJ, aprovada pela Lei nº 3/99, sendo certo que o que resulta da sentença recorrida é que o que se pretende evitar é o uso indevido por parte da ora Recorrente dos alegados direitos protegidos pelas patentes.
3 - Apenas os actos de fabrico, distribuição e comercialização de medicamentos são susceptíveis ou possuem a potencialidade de violar os direitos protegidos pelas patentes e, como tal, inserem-se numa relação de direito privado a tutelar pelos mecanismos constantes do CPI, não sendo objecto de validação ou autorização pelas AIMs impugnadas e declaradas nulas pela douta sentença recorrida.
4- Os actos de AIM não são susceptíveis de violar direitos de propriedade industrial titulados por patentes, porquanto não constituem requisitos suficientes e bastantes para a comercialização de medicamentos, nem são causa adequada à produção de danos na esfera patrimonial da Autora;
5 - Apenas a comercialização é susceptível de violar direitos de propriedade industrial e as AIM não constituem actos de comercialização de medicamentos.
6- Acresce que quanto a estes medicamentos genéricos das ora recorrentes, o tribunal de comércio de Lisboa, por sentença confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, decidiu em 2009 que os medicamentos genéricos da G... não violam a patente das AA, no seguimento de profunda e rigorosa prova de âmbito técnico (químico e farmacêutico) que foi carreada para esses autos.
7- Não houve qualquer deficit de instrução e, a entender-se que o INFARMED não verificou se existiam patentes em vigor, a verdade é que o Réu não tem competência para averiguar e decidir sobre violação ou ausência de violação de patentes por um medicamento genérico, pois tal competência é exclusiva do INPI.”

O Recorrido M..., S… e D…, Lda (M...) nas contra-alegações relativas aos recursos do Acórdão proferido formulou as seguintes conclusões: “A.O Acórdão recorrido é claro e certeiro:
(i) Do artigo 19.º, número 1, alínea b) do Estatuto do Medicamento resulta para o INFARMED a obrigação de verificar, nos procedimentos de concessão de AIM a medicamento genérico se a substância activa ou o processo de fabrico do medicamento em causa não se encontram protegidos por direitos de propriedade industrial ainda não caducados;
(ii) O INFARMED, através dos actos impugnados, concedeu diversas AIM de medicamentos genéricos sem ter averiguado se a substância activa ou respectivo processo de fabrico dos medicamentos em questão se encontravam (ou não) protegidos por direitos de propriedade industrial não caducados;
Logo:
(iii) Os actos impugnados são ilegais e, por isso, anuláveis, com fundamento em défice instrutório.
B. Para além de processualmente inadmissível, a suposta nulidade do Acórdão recorrido invocada pela G... e pela F…. APS na primeira conclusão das suas alegações de recurso é totalmente improcedente porquanto, para além de assentar em irrelevantes discordâncias quanto ao conteúdo do que foi decidido, não houve qualquer falta de fundamentação daquela decisão;
C. A concessão de uma AIM de um medicamento genérico encontrava-se sujeita a um regime complementar específico - face ao regime geral dos medicamentos - como decorria do disposto no número 1 do artigo 20.º do Estatuto do Medicamento, onde se refere que o procedimento de AIM de medicamentos genéricos obedece às mesmas regras estabelecidas a propósito da AIM de medicamentos, "com as alterações decorrentes do estabelecido" no artigo 19.º do mesmo Estatuto;
D. No artigo 19.º, número 1 do Estatuto do Medicamento estabeleciam-se as condições cumulativas de que dependia a qualificação jurídica de um determinado medicamento como medicamento genérico. De entre as várias condições enumeradas nesta disposição legal, prescreve a alínea b) a necessidade de "terem caducado os direitos de propriedade industrial relativos às respectivas substâncias activas ou processo de fabrico";
E. Ou seja, à luz do artigo 19.ª número 1, alínea b) do Estatuto do Medicamento, esem prejuízo das demais condições previstas neste artigo, apenas poderiam ser considerados medicamentos genéricos aqueles cujos direitos de propriedade industrial relativos às respectivas substâncias activas ou processo de fabrico já tivessem caducado;
F. Assim, e contrariamente ao pretendido pelos Recorrentes, do artigo 19.º, número 1, alínea b) do Estatuto do Medicamento (aplicável ex vi artigo 20.0 do mesmo diploma) resultava claramente que um dos pressupostos legais para a concessão de uma AIM a um medicamento genérico era o de que a sua substância activa ou respectivo processo de fabrico não estivessem protegidos por direitos de propriedade industrial não caducados, o que significa que o INFARMED não podia conceder uma AIM a um medicamento genérico sem verificar se aquele pressuposto estava ou não preenchido, devendo indeferir qualquer requerimento de AJM em caso de concluir pelo seu não preenchimento;
G. O Acórdão recorrido considerou, e bem, que os actos impugnados são ilegais, por défice de instrução, uma vez que aquela Autoridade não apurou da existência ou não de direitos de propriedade industrial sobre a substância activa - o Ácido Alendrónico - ou processo de fabrico dos medicamentos das Contra­lnteressadas, o que constituía pressuposto necessário para a sua qualificação como medicamentos genéricos, tendo os sobreditos actos, por conseguinte, violado, não apenas o disposto nos artigos 19.º e 20.º do Estatuto do Medicamento, como também o artigo 56.º (e 87.0, 88.º e 91.º) do Código do Procedimento Administrativo, que consagra o princípio do inquisitório;
H. A tese dos Recorrentes de que o artigo 19.º, número 1, alínea b) do Estatuto do Medicamento constituiria um mero elemento da definição de medicamento genérico, independente e irrelevante para o procedimento de concessão de AIM a esse tipo de medicamentos é, face ao que se expôs, manifestamente artificial e improcedente e não tem qualquer apoio no texto legal, uma vez que desconsidera em absoluto o conteúdo e significado daquela norma;
l. Ao contrário do que os Recorrentes procuram defender, o acto administrativo de AIM de medicamentos genéricos não visa proceder a uma fiscalização da validade de direitos de propriedade industrial sobre as substâncias activas ou processos de fabrico envolvidos na produção daqueles, não exigindo o artigo 19.º do Estatuto do Medicamento que o INFARMED analise ou "certifiq ue" a validade de uma patente, mas tão-só e apenas que verifique se existe uma patente não caducada sobre as referidas substâncias activas ou processos de fabrico;
J. Os artigos 19.º, número 1, alínea b) e 20.º do Estatuto do Medicamento, na interpretação propugnada pelo Acórdão recorrido, não são violadores do princípio da igualdade;
K. Contrariamente ao que os Recorrentes W..., M..., R..., G…. e F…APS, tentaram defender, a PT 94… não é nula, o que foi também já confirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça;
L. Contrariamente ao que sustentam os Recorrentes, a não atribuição de uma AIM de medicamento genérico com fundamento na não verificação dos pressupostos contidos no artigo 19.º, número 1 alínea b), do Estatuto do Medicamento, em nada contraria as exigências do Direito Comunitário aqui aplicáveis;
M. O Direito Comunitário e, em particular, a Directiva 2001/83/CE, não só não proíbem a solução consagrada pelo nosso legislador no artigo 19.º do Estatuto do Medicamento, como, bem pelo contrário, admitem expressamente a possibilidade da sua existência;
N. Sendo verdade que o quadro harmonizado criado pela Directiva 2001/83/CE perderia o seu efeito útil caso se entendesse que continuava a ser permitido aos Estados-Membros estabelecer causas de indeferimento, suspensão ou revogação de uma AlM com fundamento na protecção da saúde pública para além das previstas nesse diploma legislativo, não é menos verdade que, em todo o caso, continuam a existir matérias em que os Estados-Membros permanecem livres para definirem regras que cuidem de acautelar interesses diversos, designadamente, a protecção da propriedade industrial, sem que tal prejudique minimamente a harmonização levada a cabo pelo legislador comunitário em matéria de protecção de saúde pública;
O. O legislador comunitário é aliás o pnme1ro a reconhecer tal realidade, na própria Directiva 2001/83/CE a qual estabelece no seu artigo 4.º, n.º 3 que "O disposto na presente Directiva não prejudica as competências das Allloridades dos Estados-Membros, nem em matéria de fixação dos preços dos medicamentos, nem no que se refere à sua inclusão no âmbito de aplicação dos sistemas nacionais de saúde, com base em condições sanitárias, económicas e sociais,,;
P. Uma vez que a concessão de uma AIM a um medicamento genérico verificados que estejam os requisitos enunciados no artigo 19.º, n.º 1 do Estatuto do Medicamento - e consequentemente o seu indeferimento no caso de estes não se encontrarem reunidos -, constitui uma condição para que um determinado medicamento beneficie de um regime especifico em matéria de preços no plano nacional com repercussão imediata no sistema de reembolso pelo Serviço Nacional de Saúde, deverá entender-se que se trata de matéria que nunca poderia entrar em conflito com a Directiva 2001/83/CE por se encontrar expressamente excluída do seu âmbito de aplicação, nos lermos do disposto no seu artigo 4.0, n.º 3;
Q. Por outro lado, a própria Directiva 2001 /83/CE ressalva, no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), ii), que a regulamentação em matéria de procedimentos de AIM por ela erigida não prejudica a aplicação dos actos legislativos nacionais que se destinem a proteger a propriedade industrial e, muito em particular, as patentes, designadamente as patentes referentes a medicamentos;
R. Todo o regime comunitário relativo ao medicamento deve ser lido tendo sempre presente a circunstância de o mesmo não prejudicar a aplicação de regras nacionais referentes à protecção e à garantia dos direitos de propriedade industrial, inclusive no que diz respei to aos motivos justificativos da recusa de concessão de AIM;
S. Neste contexto, entendeu o legislador nacional, dentro da margem de liberdade que lhe é concedida pela Directiva 2001 /83/CE, e para além da tutela específica dos direitos de prop1iedade industrial resultantes do CPI, concretizar a expressão "sem prejuízo do direito à protecção da propriedade industrial e comercial " no próprio contexto do processo de AIM, erigindo como pressuposto da AIM de um medicamento como medicamento genérico, a caducidade dos direitos de propriedade industrial, cometendo ao INFARMED, enquanto órgão competente para decidir tais processos, a obrigação de verificar o seu preenchimento, e impondo o indeferimento do pedido de AIM, por não se encontrar "instruído de acordo com as disposições deste diploma" (cfr. artigo 1 1 .º, n.º 1, alínea a) do Estatuto do Medicamento), sempre que tal pressuposto não se mostre cumprido;
T. Por conseguinte, a determinação, constante dos artigos 19.º, n.º 1, alínea b), e 20.º, ambos do Estatuto do Medicamento, de acordo com a qual não devem ser concedidas AIM de medicamentos genéricos sempre que não hajam caducado os direitos de propriedade industrial relativos às respectivas substâncias activas ou processo de fabrico não contrariam o Direito Comunitário - precisamente porque as disposições comunitárias aplicáveis ao medicamento não prejudicam "o direito à protecção da propriedade industrial e comercial ";
U. Pelo que, em suma, também nesta perspectiva resulta claro que o Acórdão recorrido não violou as normas comunitárias invocadas pelos Recorrentes.”.

A DMMP apresentou a pronúncia no sentido da improcedência do recurso do acórdão proferido, embora por diferentes fundamentos face aos aduzidos na decisão recorrida.

II – FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – OS FACTOS

Em aplicação do artigo 713º, n.º 6, do (antigo) CPC (aqui aplicável), não tendo sido impugnada, remete-se a matéria de facto para os termos em que foi decidida pela 1.ª instância.

II.2 - O DIREITO

As questões a decidir neste processo, tal como vêm delimitadas pelas alegações e contra-alegações de recurso e respectivas conclusões, são:
- aferir do erro decisório e constante do despacho saneador, por se ter julgado improcedente a excepção de falta de interesse em agir da A. e Recorrida, questão suscitada pela M...;
- aferir do erro decisório e constante do despacho saneador, por se ter julgado improcedente a excepção de ilegitimidade da A. e Recorrida, questão suscitada pela M... e pela W...;
- aferir do erro decisório e constante do despacho saneador, por se ter julgado improcedente a questão prévia da existência de uma causa prejudicial, relativa à aferição da nulidade da patente, questão suscitada pela M...;
- aferir da nulidade decisória, por o Acórdão recorrido ter omitido a ponderação da causalidade adequada entre os actos impugnados, a alegada violação dos direitos da A. e os danos por estas invocados, questão suscitada pela G...;
- aferir do erro decisório, porque a decisão recorrida conheceu de matérias decorrentes da patente industrial, que são da competência do Tribunal do Comércio, conforme o art.º 89.º da Lei Orgânica e de Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ), questão suscitada pela G...;
- aferir do erro decisório, da violação dos art.ºs 19.º, al. b), 20.º, n.º 1, do Estatuto do Medicamento (EM), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/91, de 08-02, do princípio do inquisitório, dos art.ºs 56.º, 87.º, 88.º e 91.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), da Directiva 2001/83/CE, de 06-11-2001, da Directiva 2004/27/CE, de 30-10-2005 e da contrariedade do raciocínio decisório, porque o Infarmed não tinha a obrigação legal de verificar a caducidade dos direitos de propriedade industrial relativos às respectivas substâncias activas, ou processos de fabrico e porque as patentes em questão já haviam sido declaradas nulas por decisão judicial.

Dos recursos do despacho saneador

Vem a M... recorrer do despacho saneador invocando um erro decisório relativamente ao conhecimento das excepções de falta de interesse em agir e de ilegitimidade da A., alegando que face ao pedido formulado na PI resulta evidente que com esta acção a A. apenas pretende reagir contra a violação dos seus direitos de autor.
Igualmente, a W... vem alegar a existência de um erro decisório relativamente ao despacho saneador, por a A. ser parte ilegítima nesta acção.
Estas alegações embrincam-se com as relativas ao erro decisório quanto ao conhecimento da excepção de incompetência material, erro esse que o TCAS julgou inexistir no Ac. de fls. 3994 e ss., que confirmou o despacho saneador nessa parte.
Como decorre da PI, a A. pretende reagir não directamente contra a violação do direito de patente pelas Contra-interessadas, mas, antes, contra a conduta do Infarmed que atribuiu as AIM em questão.
Assim, face à causa de pedir e aos pedidos formulados na PI, resulta evidente que se pretende reagir contra uma conduta do Infarmed e não directamente contra as Contra-interessadas.
Tal com o vem configurada a PI, a A. tem interesse em agir, pois visará que o Infarmed não conceda as AIM em questão, que alega serem-lhe prejudiciais, porque violadoras dos seus direitos de patente.
Nos termos do disposto no art.º 26.º, n.º 1, do CPC (antigo, aqui aplicável), o A. e o R. são partes legítimas quando têm interesse respectivamente em demandar e em contradizer. Decorre do disposto no nº 2 da norma em apreço, que tal interesse se exprime pela utilidade e prejuízos derivados da procedência da acção. Nos termos do nº 3 da mesma norma, na falta de indicação da lei em contrário, a existência de interesse em demandar e em contradizer afere-se pela titularidade da relação material controvertida tal como é configurada pelo autor.
Tal como a A. apresenta a PI, conforme acima se indicou, decorre evidente que a mesma terá interesse em demandar o Infarmed, por a anulação da respectiva decisão lhe trazer benefícios, decorrentes da não concessão da AIM às Contra-interessadas, circunstância que a prejudicará.
Logo, face ao critério meramente formal adoptado pela nossa lei processual civil, considerando a causa de pedir tal como é configurada pela A., a mesma é parte legítimas nesta acção pois tem interesse em demandar.
Mais se diga, que a legitimidade processual não se confunde com a posição das partes perante a relação material substantiva. Para a constatação da primeira basta a afirmação do A., e suposto que exista a relação por ele afirmada na PI, fica o R. na posição de interessado em contradizer a versão daquele (cf. artigo 26º, n.º 1 e 2, do CPC).
Falece, pois, esta alegação de recurso.

Vem a M... invocar um erro decisório, por no saneador não se ter entendido que o conhecimento da nulidade da patente era uma questão prejudicial ao presente litígio.
Esta invocação também improcede.
Como se indicará a seguir, o Infarmed não tem competência para aferir dos direitos de patente em sede de concessão das AIM. Nessa medida, a apreciação da eventual nulidade da patente era uma invocação totalmente irrelevante para a apreciação do litígio.
Logo, não havia aquela apreciação que constituir causa prejudicial.

Em suma, falecem ambos os recursos apresentados contra o despacho saneador.

Dos recursos do acórdão

É jurisprudência pacífica que só ocorre a nulidade da decisão por omissão de pronúncia quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devia apreciar, que são todas as que lhe forem submetidas e que não se encontrem prejudicadas pela solução dada a outras (cf. art.ºs 660.º, nº 2, 668.º, n.º 1, alínea d), do antigo CPC, aqui aplicável).
Deve o juiz apreciar as questões respeitantes ao pedido e à causa de pedir, e ainda, os argumentos, as razões ou fundamentos invocados pelas partes para sustentarem a sua causa de pedir. Mas só a falta absoluta de fundamentação gera a nulidade da decisão.
Também a nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e decisão, terá de ser grave, patente, implicando uma incongruência absoluta.
Ora, no caso em apreço, o Tribunal ponderou as questões em litígio e decidiu-as.
Para tanto, indicou o Tribunal as razões de facto e de direito que levavam à sua decisão.
Na decisão recorrida explicou o Tribunal de forma compreensível o seu raciocínio.
A decisão sindicada, igualmente, não padece de falta absoluta de fundamentação.
Quanto à invocada omissão da ponderação da causalidade adequada entre os actos impugnados, a alegada violação dos direitos das AA. e os danos por estas invocados, era matéria que não vinha discutida na acção, pelo que não havia de ser apreciada pelo Tribunal.
Falece, pois, esta alegação.

Igualmente, falece o invocado erro decisório, por a decisão recorrida ter conhecido de matérias decorrentes da patente industrial, que são da competência do Tribunal do Comércio, conforme art.º 89.º da LOFTJ.
Na verdade, a decisão recorrida não fez nenhuma pronúncia acerca dessa matéria, mas apenas sobre a obrigação do Infarmed conhecer acerca da existência de patentes que obstassem à atribuição de AIM, o que é coisa diferente.
Ou seja, nesta jurisdição não se discutiu, directamente, a violação dos direitos de patente ou de propriedade industrial da A. pela comercialização dos medicamentos pelas Contra-Interessadas, pois para tal discussão a jurisdição administrativa era, na realidade, absolutamente incompetente (cf. artigos 89º, n.º, alínea f), da LOFTJ, aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13-01 e 122.º da LOFTJ, aprovada pela Lei n.º 52/2008, de 28-08, que entrou em vigor nas comarcas piloto, a partir de 01-09-2010 e após a avaliação referida nos artigos 172.º e 187.º, n.º 3, entrava em vigor para o restante território, tendo sido tal artigo alterado pela Lei n.º 3-B/2010, de 28-04, que determinou a entrada faseada da «nova» LOFTJ, processo a concluir até 01-09-2014, data a partir da qual, então, tal lei passará a vigorar em todo o território).
O que se discutiu nesta acção circunscreveu-se à relação jurídica administrativa (e multipolar, admite-se) desenvolvida entre a A., o Infarmed e as Contra-interessadas e da regularidade da conduta do Infarmed ao não apreciar acerca daqueles direitos de patente quando atribuiu as AIM em questão.
Em suma, também esta alegação claudica.

Através deste recurso vêm os Recorrentes invocar a existência de um erro decisório e a violação dos art.ºs 19.º, al. b), 20.º, n.º 1, do EM, do princípio do inquisitório, dos art.ºs 56.º, 87.º, 88.º e 91.º do CPA, da Directiva 2001/83/CE, de 06-11-2001, da Directiva 2004/27/CE, de 30-10-2005 e a existência de uma contrariedade do raciocínio decisório, porque o Infarmed no acto de concessão das AIM não tinha a obrigação legal de verificar a caducidade dos direitos de propriedade industrial relativas às respectivas substâncias activas, ou processos de fabrico e porque as patentes em questão já haviam sido declaradas nulas por decisão judicial.
Sobre esta questão já há muito nos pronunciamos no sentido que veio a ser o adoptado pelo STA, designadamente pelo Ac. do STA n.º 771/12, de 09-01-2013, defendendo que ainda antes do surgimento da Lei n.º 62/2011, de 12-12, não tinha o Infarmed de aferir acerca dos eventuais direitos de propriedade industrial, pois tal aferição não fazia parte das suas atribuições. Se dúvidas pudessem haver no âmbito do EM, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/91, de 08-02, após a publicação da Lei n.º 62/2011, de 12.12, essas mesmas dúvidas ficaram totalmente dissipadas.
Assim, a decisão recorrida, fazendo parte de uma corrente que não se perfilhou no sentido que veio a ser mais tarde adoptado de forma firma e pacífica pelo STA, tem necessariamente que ser revogada.
Assim, pelo Ac. do STA n.º 771/12, de 09-01-2013, foi decidido que “O regime jurídico a que obedece a AIM dos medicamentos para uso humano é estabelecido no já referido EM (art. 1/1), aprovado pelo DL 176/2006, de 30.8, que procedeu à transposição para o direito interno, designadamente da Directiva nº 2001/83/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Novembro de 2001, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano (nº 2).
Como decorre do regime jurídico estabelecido nessa Directiva nº 2001/83/CE, designadamente os arts 10 (Artigo 10. 1.: «Em derrogação da alínea e) do nº 3 do artigo 8º e sem prejuízo das leis relativas à protecção da propriedade industrial e comercial, o requerente não é obrigado a fornecer os resultados dos ensaios pré-clínicos e clínicos se puder demonstrar que o medicamento é um genérico de um medicamento de referência que seja ou tenha sido autorizado nos termos do artigo 6º há, pelo menos, oito anos num Estado-Membro ou na Comunidade.
Os medicamentos genéricos autorizados nos presentes termos só podem ser comercializados 10 anos após a autorização inicial do medicamento de referência.…».) , nº 1 e 10-A (Artigo 10-A: «Em derrogação da alínea i do nº 3 do artigo 8 e sem prejuízo das leis relativas à protecção da propriedade industrial e comercial, o requerente não é obrigado a fornecer os resultados dos ensaios pré-clínicos ou clínicos se puder demonstrar que as substâncias activas do medicamento têm tido um uso médico bem estabelecido na Comunidade desde há, pelo menos, 10 anos, com eficácia reconhecida e um nível de segurança aceitável nos termos das condições previstas no Anexo I. Neste caso, os resultados desses ensaios são substituídos por bibliografia científica adequada».) (red. da Diretiva 2004/27/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março), o legislador comunitário não fez depender a concessão de AIM da caducidade dos direitos de propriedade industrial. Antes se limitou a ressalvar que a regulamentação, que estabeleceu – com o objectivo principal de protecção da saúde pública, conforme refere um dos considerandos (nº 4 (Considerando nº 4: «Toda a regulamentação em matéria de fabrico e distribuição de medicamentos para uso humano deve ter como objectivo principal a saúde pública. Todavia, este objectivo deve ser atingido por meios que não prejudiquem o desenvolvimento da indústria e o comércio de medicamentos na Comunidade.».)) da referida Directiva nº 2004/27/CE – não prejudica o disposto nas leis relativas à protecção da propriedade industrial e comercial.
E, em conformidade com esse regime, também o EM se limita a consagrar a ressalva de que a comercialização do medicamento genérico autorizado será feita «no respeito pela lei» [arts. 29/1/a), 77/1 e 14/4], sem exigir, como condição de concessão de autorização, a caducidade dos direitos de propriedade industrial incidentes sobre medicamentos. Veja-se o que, na transposição dos citados arts 10 e 10-A da indicada Directiva nº 2001/83/CE, dispõem os arts 19 (Artigo 19º (Ensaios):
1 – Sem prejuízo dos direitos da propriedade industrial, o requerente fica dispensado de apresentar os ensaios pré-clínicos e clínicos previstos na alínea i do nº 2 do artigo 15º se puder demonstrar que o medicamento é um genérico de um medicamento de referência que tenha sido autorizado num dos Estados membros ou na Comunidade, há pelo menos oito anos.
2 – …) e 20 (Artigo 20º (Uso clínico bem estabelecido):
1 – Sem prejuízo dos direitos de propriedade industrial, o requerente fica dispensado de apresentar os ensaios pré-clínicos e clínicos previstos na línea i do nº 2 do artigo 15º se puder demonstrar que as substâncias activas do medicamento têm tido um uso clínico bem estabelecido na Comunidade Europeia há, pelo menos, dez anos, com eficácia reconhecida e um nível de segurança aceitável, nos termos das condições previstas no anexo I.
2 – …) do mesmo EM.
Do mesmo modo, tanto o art. 15, que indica os elementos que devem acompanhar o requerimento de concessão de AIM, como o art. 25 do mesmo EM, que indica os casos em que tal requerimento será indeferido, não fazem qualquer menção a eventuais direitos de propriedade industrial.
O que tudo conduz à conclusão de que, diferentemente do que pretendem as recorrentes, tais direitos não têm que ser considerados no âmbito do procedimento tendente à decisão sobre pedido de AIM de medicamento genérico.
Neste sentido, aliás, é decisiva a consideração de que nas atribuições do INFARMED, descritas no art. 3, nº 2, do DL 269/2007, de 26.7, não se inclui a apreciação da eventual existência de direitos de propriedade industrial relativos aos medicamentos a introduzir no mercado. As preocupações aí legalmente deferidas a esse instituto público respeitam às garantias de qualidade, segurança e eficácia dos medicamentos.
A promoção e protecção da propriedade industrial estão, pois, fora das atribuições do INFARMED. Tais tarefas integram, aliás, as atribuições do Instituto da Propriedade Industrial (INPI), que «tem por missão assegurar a promoção e a proteção da propriedade industrial a nível nacional e internacional, de acordo com a política de modernização e fortalecimento da estrutura empresarial do País, nomeadamente em colaboração com as organizações internacionais especializadas na matéria, de que Portugal seja membro» (art. 3/1, do DL 132/2007, de 27.4).
Sendo ambos dotados de autonomia administrativa e financeira, estes dois institutos públicos, integrados na administração indirecta do Estado (art. 1/1, do DL 269/2007, e art. 1/1, do DL 132/2007), têm missões distintas e, por isso, enquanto um (INFARMED) «prossegue as atribuições do Ministério da Saúde, sob a superintendência do respectivo ministro» (art. 1/2, do DL 269/2007), o outro (INPI) «prossegue atribuições do Ministério da Justiça (MJ), sob superintendência e tutela do respectivo ministro» (art. 1/2, do DL 132/2007).
E, assim, tal como ao INPI não cabe «regular e supervisionar os sectores dos medicamentos», da competência do INFARMED (art. 3/1, do DL 269/2007, a este último não cabe promover e proteger a propriedade industrial.
Com efeito, nos termos do art. 101 do CPI, a patente confere o direito exclusivo de exploração da invenção (nº 1) e o direito de o seu titular impedir a terceiros, sem o seu consentimento, o fabrico, a oferta, a armazenagem, a introdução no comércio ou a utilização de um produto objeto de patente, ou a importação ou posse do mesmo, para algum dos fins mencionados (nº 2). Todavia, o direito de exclusivo não abrange, entre outros, os actos realizados exclusivamente para fins de ensaio ou experimentais, neles se incluindo experiências para preparação dos processos administrativos necessários à aprovação de produtos pelos organismos oficiais competentes, de acordo com o disposto nos termos do art. 102, al. c) do mesmo código. Por isso – e como bem salienta, no seu transcrito parecer o Exmo Magistrado do Ministério Público – a prática destes actos, sendo livre, não integra a previsão do ilícito de violação do exclusivo da patente, previsto no art. 321 do CPI.
Assim, ao titular da patente apenas assiste o direito de impedir o início da comercialização do medicamento, enquanto a sua patente não caducar. Mas já não pode impedir terceiros de iniciar o procedimento tendente à obtenção de AIM nem impedir que a mesma seja concedida ou que seja fixado PVP do medicamento em causa. Pois, como as próprias recorrentes admitem, tais actos não configuram, designadamente a introdução no comércio de um produto protegido por patente.
De resto, no referenciado DL 176/2006 (EM), é clara a distinção entre a concessão de AIM, da competência do INFARMED (Cap. I – arts. 14 a 54) e a comercialização de medicamentos (Cap. IV – arts 77 a 103), da exclusiva responsabilidade do titular da AIM, que «assume todas as responsabilidades legais pela introdução no mercado, no respeito pela lei» [art. 29/1/a)]. No mesmo sentido é a disposição do art. 14 do mesmo EM, com que se inicia a Secção I do referido Capítulo II, relativa ao «Procedimento de autorização», onde logo se estabelece que a respectiva concessão «não prejudica a responsabilidade, civil ou criminal, do titular da autorização de introdução no mercado ou do fabricante».
Assim, a eventual existência de patente, em favor de terceiro, legalmente impeditiva da comercialização do medicamento autorizado, que o titular da AIM se propusesse iniciar, originaria um dissídio, que o titular dessa AIM e o terceiro eventualmente dirimiriam no foro próprio, sem interferência do INFARMRD.
Tenha-se presente que, nos termos do CPI, a violação do exclusivo de patente configura ilícito criminal (art. 321 (Artigo 321º (Violação do exclusivo da patente, do modelo de utilidade ou da topografia de produtos semicondutores):
É punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 360 dias, quem, sem consentimento do titular do direito:
a) Fabricar os artefactos ou produtos que forem objecto da patente, do modelo de utilidade ou da topografia de produtos semicondutores;
b) …)), podendo o titular da patente impedir essa violação através de adequadas providências cautelares, conforme prevê o mesmo CPI (art. 339 (Artigo 339º (Providências cautelares não especificadas):
Nos casos em que se verifique qualquer dos ilícitos previstos neste Código e sempre que finalidade não seja, exclusivamente, a apreensão prevista no artigo seguinte, podem ser decretadas providências cautelares, nos termos em que o Código de Processo Civil o estabelece para o procedimento cautelar comum.)).
Em suma: de acordo com um princípio de especialidade de competências, cabe ao INPI a protecção e promoção da propriedade intelectual, cabendo ao INFARMED o controlo da qualidade, eficácia e segurança dos medicamentos. Daí que esta entidade, no processo tendente à concessão das impugnadas AIM’s, não tivesse de considerar a existência de direitos de propriedade industrial, designadamente os invocados pelas ora recorrentes. As quais, por isso, não tinham, relativamente àquele procedimento e às decisões de AIM, nele tomadas, a qualidade de interessado nem, por consequência, o direito de audiência, nos termos do citado art. 100 CPA.
Em sentido contrário ao deste entendimento, as recorrentes alegam que os invocados direitos de propriedade industrial são direitos fundamentais de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias e, como tal, com protecção acrescida ao nível da própria Constituição, a cujas normas está directamente vinculada a Administração Pública que, por isso, não poderia deixar de considerar, no âmbito daquele procedimento de concessão de AIM’s, tais invocados direitos, prevenindo e reprimindo a respectiva violação.
Mas, não colhe essa alegação.
Desde logo, e como já se referiu, a AIM, sendo pressuposto jurídico essencial para a entrada do medicamento no mercado, não consubstancia um acto de comercialização desse mesmo medicamento, não se traduzindo, por isso, em qualquer violação do exclusivo conferido pela patente. Nem dele resulta – acrescente-se, agora – a obrigação, para o respectivo titular, de iniciar tal comercialização. Pois que, como bem nota o Exmo Magistrado do Ministério Público, a não comercialização, na vigência de patente, é imposta por lei e não relevará, por isso, para efeito da sanção de caducidade da autorização, prevista no art. 77 (Artigo 77º (Regime de comercialização):
…3 – A não comercialização efectiva do medicamento durante três anos consecutivos, por qualquer motivo, desde que não imposto por lei ou por decisão judicial imputável ao INFARMED ou por este considerado como justificado, implica a caducidade da respectiva autorização ou registo, após a notificação prevista no nº 3 do artigo seguinte.), nº 3 do EM.
Depois, e como refere um Autor (Prof. J. J. Gomes Canotilho, in parecer jurídico junto ao processo nº 888/12, desta 1 ª Secção.) – para concluir também que, na vigência do EM com a redacção anterior às alterações introduzidas pela Lei 62/2011, de 12.12, não pertencia ao INFARMED o controlo dos direitos de propriedade intelectual, mas apenas o controlo relativo às qualidades médico-terapêuticas dos medicamentos – «o simples facto de o INFARMED não poder violar direitos fundamentais de propriedade intelectual não constitui, só por si, uma forma atributiva de competências concorrentes com as do INPI no controlo do respeito pelos direitos exclusivos resultantes das patentes. É que – prossegue o mesmo Autor – o facto de toda a Administração estar sujeita à lei e aos direitos fundamentais não significa que todos os órgãos administrativos sejam igualmente competentes na totalidade das matérias respeitantes à regulação e ao controlo do exercício dos diferentes direitos fundamentais. Isto mesmo decorre do artigo 3º/1 do Código de Procedimento Administrativo, onde se consagra o princípio da legalidade. De acordo com esta disposição, “ [o]s órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes forem conferidos.” A exigência de obediência à lei – conclui o mesmo Autor – não constitui, em si mesma, uma norma genérica de atribuição de competências para o controlo de todas as ilegalidades, à margem das próprias normas legais definidoras de competências e das considerações de adequação institucional e funcional que lhes estão subjacentes.»
E a improcedência da alegação das recorrentes, quanto à pretendida invalidade dos impugnados actos de AIM, estende-se à parte em que nela se defende a ilegalidade do acto de fixação de PVP dos medicamentos em causa. Desde logo, vale para este acto o essencial do que antes se afirmou quanto à AIM. Pois que também nenhuma dúvida existe de que tal acto, atento o seu tipo legal, sentido e alcance, nada tem a ver com a defesa de direitos de propriedade industrial titulados por patente. Veja-se, a este propósito, o então vigente DL 65/2007, de 14.3, máxime os seus arts. 2, al. b), 4, 5 e 6, bem como a Port. 312-A/2010, de 11.6. Depois, porque, como notou o acórdão recorrido, a condenação da DGAE a abster-se de fixar tais PVP’s decorreu, exclusivamente, da invalidação das AIM’s, não podendo vingar na ausência dela.
Do exposto resulta claro, em nosso entender, que, mesmo na ausência da Lei 62/2011, de 12.12, deveria ser julgada improcedente a acção proposta pelas ora recorrentes. E, com a publicação e vigência desse diploma, em que directamente se baseou o acórdão recorrido, mais clara e indiscutível se tornou, a nosso ver, essa improcedência.
Com efeito, a Lei 62/2011 veio, para além do mais, modificar o já referenciado DL 176/2006, de 30.8, de modo a definir que a AIM de um medicamento é um acto que não pode nem deve considerar quaisquer «direitos de propriedade industrial» (cfr. arts. 4 e 5, enquanto redactores dos actuais arts. 25, nº 2, 179, nº 2 e 23-A, do DL 176/2006). E, ex vi do art. 9, nº 1 da mesma Lei 62/2011, foi atribuída «natureza interpretativa» à sobredita definição.
Ora, «A lei interpretativa integra-se na lei interpretada» (art. 13°, n.º 1, do Código Civil).
Sendo assim, é presentemente indiscutível a improcedência da alegação das recorrentes de que são inválidas as impugnadas AIM’s, por desconsideração do seu direito de propriedade industrial. Pois o INFARMED, ao emitir a AIM sem considerar a patente invocada nos autos, agiu secundum legem – como já resultava das suas atribuições e agora se confirma pela interpretação autêntica, que a Lei 62/2011 deu às normas então aplicáveis. E, do que antes já expendemos, resulta que uma tal solução não fere quaisquer princípios ou normas constitucionais.
As recorrentes alegam, ainda, que o indicado art. 9°, n.º 1, da Lei 62/2011, é inconstitucional por conferir retroactividade a normas que restringiriam direitos, liberdades e garantias (art. 18°, n.º 3, da CRP).
Mas, sem razão.
Antes de mais, importa reter que a «natureza interpretativa» das leges novae trazidas pela Lei n.º 62/2011, relacionada com a desconsideração de patentes na emissão de AIM's, é insusceptível de controvérsia. É que tal índole interpretativa, para além de afirmada expressis verbis pelo legislador, corresponde à efectividade das coisas, pois que, sobre esse assunto, havia dúvidas manifestadas em duas correntes jurisprudenciais opostas. Sendo assim, aquela «natureza interpretativa» prevista no art. 9, n.º 1, da Lei 62/2011, de 12/12, é real, em vez de furtivamente acobertar uma intenção inovadora e uma simultânea, e dissimulada, cláusula de retroactividade.
Por outro lado, as leis interpretativas, embora tendam a vigorar ex ante, não são retroactivas proprio sensu, porque se limitam a fixar um regime já aplicável no passado (Cfr. Baptista Machado, Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil, ed. de 1968, pág. 285, em nota.). Por isso mesmo, a proibição constitucional de que se atribua retroactividade a leis restritivas de direitos, liberdades e garantias (art. 18°, n.° 3) só abrange as leis inovadoras, como este STA já teve a oportunidade de dizer (Vd. o acórdão de 1/7/99, no recurso n.º 44.642.). Quanto às leis deveras interpretativas, a sua retroactividade imprópria está sujeita aos limites previstos no art. 13°, n.° 1, do Código Civil: a salvaguarda dos «efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transacção, ainda que não homologada, ou por actos de análoga natureza». Todas essas hipóteses traduzem situações juridicamente estabilizadas, que nada têm a ver com o caso discutido na acção a que respeitam os autos, em que estava em causa aferir da legalidade da AIM, por falta de ponderação da patente. Ora, o que a lei interpretativa indirectamente nos diz é que o INFARMED andou bem ao desconsiderar a patente, pois era assim que a legislação a convocar para a emissão dos impugnados actos devia ser interpretada ab initio. O que, como vimos, implica a improcedência da acção proposta, como decidiu o acórdão recorrido.
Portanto, a inconstitucionalidade que as recorrentes atribuem ao art. 9º, n.º 1, da Lei 62/2011 não tem razão de ser. Inseria-se seguramente nas prerrogativas do legislador emitir uma lei interpretativa em matéria controversa.
E a emissão de tal lei não fere qualquer direito das recorrentes em sede de propriedade industrial. Pois, seja ou não de reconhecer natureza de direito fundamental ao direito delas à patente, a lei interpretativa, precisamente por sê-lo, não restringiu o direito de propriedade industrial, limitando-se a esclarecer que a consideração e a defesa dele não podem ocorrer no procedimento administrativo de AIM, mas alhures, onde o direito é, aliás, susceptível de uma tutela jurisdicional efectiva, como antes já se viu.
Assim sendo, temos que, mesmo antes do surgimento da Lei n.º 62/2011, já deveria entender-se que os pressupostos das AIM's não integravam a consideração de eventuais direitos de propriedade industrial – ideia essa que imediatamente ressaltava das atribuições do INFARMED e era corroborada por outras normas vigentes nesse domínio. Mas, com a Lei n.º 62/2011, dada a interpretação autêntica que ela fez do regime pretérito, tudo isso se tornou mais claro, afastando quaisquer dúvidas, que pudessem persistir.”
Neste mesmo sentido também já decidiu o STA, entre outros, nos Acs. n.º 0430/13, de 18-12-2013, n.º 0562/13, de 24-10-2013, n.º 01306/13, de 27-11-2013, n.º 01353/12, de 14-02-2013 ou n.º 01255/12, de 07-02-2013.
Em suma, pelas razões antes indicadas, procedem os recursos quando invocam um erro decisório, por o Infarmed no acto de concessão das AIM não ter a obrigação legal de verificar dos direitos de propriedade industrial relativos às respectivas substâncias activas, ou processos de fabrico, quer da caducidade desses direitos, quer da nulidade das indicadas patentes.
Há, portanto, que dar procedência aos recursos e revogar a decisão recorrida quando anulou, por vício e défice de instrução,10 actos do CA do Infarmed, de AIM dos medicamentos denominados Fosamax e Fosamax 70 mg, contendo como substâncias activas o Ácido Alendrónico, nas dosagens de 10 mg e 70 mg, respectivamente, a saber, três actos de AIM do medicamento genérico contendo como substância activa o Ácido Alendrónico, na dosagem de 10 mg a favor da R..., C... e A... e de 7 actos de AIM do medicamento genérico contendo como substância activa o Ácido Alendrónico, na dosagem de 70 mg a favor da R..., M..., C..., A..., W... e G....

III- DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam:
- em negar provimento aos recursos interpostos pela M... e pela W... relativamente ao despacho saneador;
- em conceder provimento parcial ao recurso interposto pela G..., relativamente ao acórdão proferido;
- em conceder provimento total aos recursos interpostos pelo Infarmed, pela W..., pela, M... e R..., relativamente ao acórdão proferido;
- em anular a decisão recorrida e, em substituição, em julgar a presente acção totalmente improcedente;
- custas em 1.ª instância pela A. e em recurso, pelos recursos interpostos pelo Infarmed, pela W..., pela M... e pela R..., na totalidade, pela Recorrida e pelo recurso interposto pela G..., pelo Recorrente e pela Recorrida, na proporção do decaimento, que se fixa em 10% para o primeiro e em 80% para a segunda (cf. art.ºs. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do RCP e 189.º, n.º 2 do CPTA).

Lisboa, 20 de Setembro de 2019.
(Sofia David)

(Nuno Coutinho)

(José Correia)