Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:08580/15
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:04/23/2015
Relator:BÁRBARA TAVARES TELES
Descritores: RECLAMAÇÃO 276º CPPT; BENS RELATIVAMENTE IMPENHORÁVEIS.
Sumário:
1. Impenhorabilidade do imóvel por nele se encontrar instalado o  instrumento de trabalho  - artigo
 737º nº 2 do CPC.
2. Encontramo-nos perante uma situação de impenhorabilidade relativa de cariz processual que se filia em motivos de interesse económico, matizados com considerações de humanidade consubstanciados nos interesses vitais do executado, dado assegurarem a este e ao seu agregado familiar um mínimo de condições de vida.
3. A mera alegação do facto não é de todo suficiente para resultar provado nos autos que o imóvel tem as características de impenhorabilidade O mero facto de não vir demonstrado que é no imóvel penhorado que o Recorrido trabalha diariamente é por si só suficiente para afastar a aplicabilidade da norma.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública, inconformada com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou Reclamação de Actos do Órgão de Execução Fiscal improcedente na parte em que esta visava a penhora do imóvel inscrito na matriz de ................., sob o artigo …………. da freguesia de …………, e procedente quanto ao imóvel sito na Rua……………….., …….., correspondente ao artigo nº …….. da freguesia do ……………., ambas praticadas pelo Chefe do serviço de finanças de Loures 3, na execução fiscal nº …………………………..

veio dela interpor o presente recurso jurisdicional:

A Recorrente termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

“CONCLUSÕES:
Posto tudo o que já foi dito, extrairemos as seguintes conclusões:
I. O presente recurso visa a decisão proferida no processo em referência que julgou procedente a presente reclamação quanto à penhora do imóvel onde o Recorrido exerce a sua actividade profissional, anulando-se o acto reclamado nesta parte, e com a qual não concordamos.
II. Salvo o devido respeito pela decisão sufragada, entendemos que a mesma padece de erro de julgamento, uma vez que fez uma incorrecta interpretação da lei, nomeadamente do art.. 737º n.º 2 do CPC ex. vi art. 2º alínea a) do CPPT
III. De acordo com a regra estabelecida pelo art. 601.º do CC, todos os bens que constituem o património do devedor respondem pelo cumprimento da obrigação.
IV. O art.737º nº 2 do CPC, prevê, precisamente, uma dessas limitações à regra da exequibilidade de todo o património do devedor, estabelecendo a referida impenhorabilidade relativa.
V. Estando garantido do que só em casos excepcionais a regra da exequib1hdade de todo o património do devedor será afastada, no caso concreto importa demonstrar que a penhora efectuada ao prédio urbano sito na Rua………………………, n.º…………., em Lisboa, a que corresponde a fracção autónoma designada pela letra “….” do artigo ……….. da freguesia do………, .impedia o ora Recorrido de exercer a sua actividade profissional.
VI. Ora, no caso em apreço verifica-se que o ora Recorrido não só não produziu quaisquer prova que demonstrasse que o imóvel penhorado era um instrumento de trabalho imprescindível ao exercício da sua actividade, sem o qual lhe seria impossível continuar a exercê-la, como, também não apresentou um único argumento para demonstra r porque considera que o referido imóvel estaria isento da predita penhora.
VII. O ónus da prova recaí sobre quem invoque o facto no caso em apreço sobre o ora Recorrido (art. 74.º, n.º 1. da LGT), não o tendo, aquele, produzido qualquer prova, resta-nos, pois, concluir que. a penhora ora em crise não merece qualquer censura.
VIII. Assim, a douta sentença ora recorrida, a manter se na ordem jurídica é convencimento da Fazenda Pública que ocorreu em erro de julgamento.


Nestes termos, em face da motivação e, das conclusões atrás enunciadas deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando­-se em consequência a a douta sentença ora recorrida com as legais consequências, assim se fazendo por Vossas Excelências a costumada JUSTIÇA.”


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O Recorrido apresentou contra-alegações que concluiu nos seguintes termos:

“Resumindo e concluindo:
A). As duas penhoras são ilegais por omissão da citação da cônjuge do executado e estão por isso, feridas de NULIDADE.
B) Bem julgou o Tribunal a quo ao anular a penhora do imóvel onde o ora contra alegante/recorrente exerce a sua actividade profissional.

Nestes termos, e nos melhores do Direito, devem V. Exas. Negar provimento ao Recurso da Fazenda Publica, e em consequência dar provimento ao presente Recurso e em assim ordenar o levantamento imediato das duas penhoras atrás referidas Apresentação ........... de 01-07-2014 que incide sobre a Fracção autónoma ….. do prédio discrito na Ficha ……., Freguesia do ……….., na Conservatória do registo Predial de Lisboa (Esta já decidida pelo Ex.mo Sr. Juiz a quo) e apresentação .......... de 01/07/2014 que incide sobre o prédio descrito na Ficha ……., freguesia de ………., na Conservatória do Registo Predial de Castro Marim, fazendo assim a habitual justiça.
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Neste Tribunal Central Administrativo, a Digna Magistrada do Ministério Público pronunciou-se emitiu douto parecer no sentido da procedência do presente recurso (cf. fls. 221 e 222 dos autos).
Previamente, diz ainda a Digna Magistrada, que o reclamante (Recorrido) apenas apresentou contra-alegações e não interpôs recurso da decisão, pelo que não podem ser apreciadas questões levantadas nas contra-alegações, as quais caberiam no âmbito das alegações de recurso.
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Foram dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo (cf. artigo 707º, nº 4 do Código de Processo Civil (CPC) e artigo 278º, nº 5 do Código do Processo e do Procedimento Tributário (CPPT)].
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Objecto do recurso - Questão a apreciar e decidir:
Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

A questão suscitada pela Recorrente e delimitada pelas alegações de recurso e respectivas conclusões (nos termos dos artigos 660º, nº 2, 664º e 684º, nºs 3 e 4, todos do CPC, ex vi artigo 2º, alínea e) e artigo 281º do CPPT), é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito ao considerar que o acto de penhora é ilegal porque viola o disposto no art. 737º, nº 2 do Código do Processo Civil.

Questão prévia quanto ao objecto do recurso.
No prazo devido para a junção das contra-alegações, veio o Recorrido apresentá-las, mas invocando, além do mais, e de forma independente, a nulidade da sentença a quo por não se ter pronunciado sobre a legalidade de uma das penhoras efectuadas no processo executivo em causa.
Ora, o Recorrido fê-lo de forma intempestiva e não no momento próprio.
Tratando-se de um recurso independente deveria tê-lo feito em sede e no prazo de interposição de recuso na 1ª instância, de forma a que o juiz a quo se pronunciasse sobre a nulidade invocada, nos termos do disposto no artigo 615º nº 1 alíneas b) a e) e 617º do CPC, e o Recorrente, notificado do recurso, exercesse o contraditório.
Tendo o recorrido suscitado a nulidade da sentença apenas nas contra-alegações de recurso, de forma independente, impede que o presente Tribunal se pronuncie sobre a invocada nulidade uma vez que a sentença a quo nessa parte transitou em julgado.

*

II. FUNDAMENTAÇÃO
II. 1. Da Matéria de Facto
A sentença recorrida deu como assente a seguinte matéria de facto.

“Com relevância para a decisão dos presentes autos, julgo provados, de acordo com as diversas soluções plausíveis em direito, os seguintes factos:
A)
Por dívida no montante de €44.993,25, respeitante à Caixa Geral de Aposentações, foi instaurado em 08.05.2013, pelo Serviço de Finanças de Loures 3, o processo de execução fiscal n.º…………………………; (Cf. doc. 5 junto com a PI).
B)
Pela Apresentação AP. ……… de 01.07.2014, foi registada na Conservatório de Registo Predial de Lisboa, a penhora do imóvel, sito na Rua……………, n.º…., correspondente ao artigo n.º ……. fração “…” da freguesia do …………., com o Valor Patrimonial Tributário de €195.530,00, propriedade do reclamante e de seu cônjuge, a favor da Fazenda Pública no montante da dívida exequenda de €27.508,60, referente ao processo de execução fiscal n.º …………………. e apensos; (Cf. doc. 1 e 4 juntos com a PI)
C)
Pela Apresentação AP. ………… de 01.07.2014, foi registada na Conservatória de Registo Predial de Lisboa, a penhora do imóvel inscrito na matriz de ……….., sob o artigo ……. da freguesia de …………., composto por dois pisos, com o Valor Patrimonial Tributário de €193.440,00, propriedade do reclamante e de seu cônjuge, a favor da Fazenda Pública no montante da dívida exequenda de €27.508,60, referente ao processo de execução fiscal n.º……………………… e apensos; (Cf. doc. 2 e 5 juntos com a PI)
D)
O bem imóvel descrito em C), encontra-se onerado com hipotecas voluntárias nos montantes de €202.627,53, €260.365,30 e, após transformação fundiária e emitido Alvará de Loteamento pela Câmara Municipal, com as hipotecas voluntárias de €154.811,80 e €1.760.000,00; (Cf. doc. 2 junto com a PI).
E)
Em 16.05.2013, o reclamante deu entrada no Serviço de Finanças de Loures 3 de um pedido de pagamento em prestações no montante da divida exequenda e dispensa de prestação de garantia; (Cf. fls. 59 dos autos.).
G)
Do indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia veio o reclamante a reclamar judicialmente, tendo a decisão proferida no processo mn.º1283/13.1BELRS, transitada em julgado com a manutenção do ato; (Cf. 176 dos autos.).
F)
Em 30.05.2013, o ora reclamante, informou o Chefe do referido serviço de finanças que os três imoveis de que é proprietário se encontram onerados com hipotecas superiores aos valores patrimoniais dos mesmos; (Cf. fls. 64 dos autos.).
H)
Por informação do serviço de finanças competente a fls. 204, o reclamante encontra-se a cumprir o plano de pagamento em prestações sendo o montante exequendo em 04.11.2014 de €22.258,44;
I)
Da mesma informação consta que não se encontram vendas activas no Sistema de Gestão de Vendas Coercivas, relativamente ao reclamante; (Cf. 204 dos autos.).

III.2 Factos Não Provados
Não se provam outros factos com relevância para a presente decisão.

Motivação
A convicção do tribunal baseou-se na análise crítica dos documentos e informações oficiais juntos aos autos não impugnadas, referidos nos factos provados, com remissão para as folhas dos processos onde se encontram.
*
Estabilizada a matéria de facto, avancemos para as questões que nos vêm colocadas.

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II.2. Do Direito
Nos autos de reclamação o aqui Recorrido identificou duas penhoras de imóveis, efectuadas no processo executivo nº …………………….., como actos reclamados, apontando a uma das penhoras o vício da impenhorabilidade do imóvel por nele se encontrar instalado o seu instrumento de trabalho e invocando, quanto à outra penhora, a omissão da citação do cônjuge.
Tal como foi dito anteriormente quanto à limitação do objecto do presente recurso (tendo a decisão a quo decidido pela improcedência da Reclamação quanto à omissão de citação do cônjuge), importa agora aferir, apenas e só, do erro de julgamento de facto e de direito quanto à penhora do imóvel sito na Rua………………………………., nº……, correspondente ao artigo …….. da freguesia do ………….. , alegado pela Fazenda Publica.

Vejamos.
Quanto ao acto aqui em causa o Recorrente alega, no artigo 5º da P.I., o seguinte:
“O imóvel indicado no DOC 1 é o escritório onde o impugnante/executado exerce a sua actividade profissional, portanto instrumento de trabalho indispensável para a sua subsistência. Motivo pelo qual esta isento de penhora – art. 737º nº 2 do CPC.”

Perante tal alegação a sentença a quo decidiu pela procedência do vício invocado pelo Recorrido nos seguintes termos:
“Como decorre do probatório, a AT procedeu à penhora do prédio urbano, sito na Rua………………….. n.º….. fracção “….”, artigo ………. da freguesia do ……………...

Com efeito, estabelece o preceituado do n.º 2 do art.º 737 do CPC, aplicável ex vi al. e) art.º 2 do CPPT, com a epígrafe - “Bens relativamente impenhoráveis” que estão isentos de penhora os instrumentos de trabalho e os objectos indispensáveis ao exercício da actividade profissional do executado.
Só assim não será se o executado os oferecer à penhora, a execução em causa se destinar ao pagamento do preço da sua aquisição ou do custo da sua reparação e ainda se for penhorado como elemento corpóreo de um estabelecimento comercial, o que não é, de todo, o caso dos autos.
Nestes termos, não poderia a AT ter procedido à penhora do referido imóvel, uma vez que se encontra legalmente isento de penhora.
Não tendo sido observada a disposição legal, acima referida, procede o vício invocado pelo reclamante, devendo o acto reclamado ser anulado nesta parte. (art.º135 do CPA, aplicável ex vi al. d) art.º2 do CPPT)”.

Vem agora a Fazenda Publica, nesta instância recursiva, invocar o erro de julgamento da decisão proferida uma vez que faz uma errada interpretação do disposto no citado artigo 737 nº 2 do CPC.

Feito o necessário enquadramento apreciemos, começando por analisar a norma em questão.

Dispõe o artigo 737º do CPC o seguinte:

“Bens relativamente impenhoráveis

1 - Estão isentos de penhora, salvo tratando-se de execução para pagamento de dívida com garantia real, os bens do Estado e das restantes pessoas colectivas públicas, de entidades concessionárias de obras ou serviços públicos ou de pessoas colectivas de utilidade pública, que se encontrem especialmente afectados à realização de fins de utilidade pública.
2 - Estão também isentos de penhora os instrumentos de trabalhos e os objectos indispensáveis ao exercício da actividade ou formação profissional do executado, salvo se:
a) O executado os indicar para penhora;
b) A execução se destinar ao pagamento do preço da sua aquisição ou do custo da sua reparação;
c) Forem penhorados como elementos corpóreos de um estabelecimento comercial.
3 - Estão ainda isentos de penhora os bens imprescindíveis a qualquer economia doméstica que se encontrem na casa de habitação efectiva do executado, salvo quando se trate de execução destinada ao pagamento do preço da respectiva aquisição ou do custo da sua reparação.”

A penhora consiste numa apreensão de bens e sua afectação aos fins do processo de execução fiscal. Realizada a penhora, o executado continua a poder dispor e onerar os bens penhorados, mas os actos que pratique são ineficazes em relação ao exequente. A maior parte da doutrina nacional atribui à penhora a natureza de garantia real (cfr.art.822.º, nº.1, do C.Civil; José Alberto dos Reis, Processo de Execução, vol. II, Coimbra Editora, 1985, pág.106; Salvador da Costa, O Concurso de Credores, Almedina, 1998, pág.29; Jorge Lopes de Sousa, Código do Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6ª. edição, III Volume, Áreas Editora, 2011, pág.581).

No âmbito do processo de execução fiscal é o art. 215.º, do CPPT que consagra o direito de nomear bens à penhora, o qual cabe sempre ao exequente (Fazenda Pública/órgão de execução fiscal), devendo, no entanto, ser admitida a penhora de bens indicados pelo executado, desde que daí não resulte prejuízo para o processo e, concretamente, para a cobrança da dívida exequenda e acrescido.

Por outro lado, é o art. 219.º, do CPPT, na redacção resultante da Lei 53-A/2006, de 29/12, que consagra a ordem por que devem ser penhorados os bens no âmbito do processo de execução fiscal. Numa primeira análise, a ordem de penhora dos bens será a seguinte:

a) em primeiro lugar, os bens do devedor onerados com garantia real, referidos no nº.4;

b) em segundo lugar, os bens cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização e se mostre adequado ao montante do crédito do exequente, independentemente de serem móveis um imóveis;

c) na falta destes, se a dívida tiver privilégio, os bens a que este respeitar, se ainda pertencerem ao executado;

d) finalmente, aplica-se o regime do art.157.º, nº.2, do CPPT, podendo penhorar-se bens de terceiros, na sequência da necessária reversão da execução a processar-se nos termos do art.23.º, da LGT - cfr. Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2007, pág.445 e seg.; Carlos Paiva, O processo de Execução Fiscal, Almedina, 2008, pág.275; Rui Duarte Morais, A Execução Fiscal, 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.93 e seg.

Por último, refira-se que na penhora realizada em execução fiscal deverão aplicar-se as limitações genéricas à penhorabilidade de bens previstas nos arts.736.º a 740.º, do CPC.

Haverá, agora, que saber se a penhora do imóvel identificado no ponto B). do probatório, conforme defende o Reclamante/Recorrente, viola o regime sancionado no citado art. 737.º nº 2, do CPC, preceito que consagra a isenção de penhora por parte dos instrumentos de trabalho e dos objectos indispensáveis ao exercício da actividade do executado, ressalvadas as situações previstas nas diversas alíneas da norma, nomeadamente, ser o próprio executado a indicar os bens à penhora.

Encontramo-nos perante uma situação de impenhorabilidade relativa de cariz processual que se filia em motivos de interesse económico, matizados com considerações de humanidade consubstanciados nos interesses vitais do executado, dado assegurarem a este e ao seu agregado familiar um mínimo de condições de vida (cfr. Eurico Lopes-Cardoso, Manual da acção executiva, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1987, pág.331; José Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 5ª. edição, Reimpressão, Coimbra Editora, 2011, pág.218 e seg.; Fernando Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 13ª. edição, Almedina, 2010, pág.207 e seg.).

Sobre este assunto veja, entre outros, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05/12/2011 com o nº 771/H2002 P1 e, neste Tribunal Central Administrativo Sul, o acórdão de 25/03/2008 com o nº 02315/08, ao quais aderimos e que passamos a transcrever.

Neste particular, evoca-se mais uma vez o Acórdão deste TCAS de 29/01/2008:

“A decisão recorrida partiu do pressuposto de que era aplicável à recorrente (pessoa colectiva) o disposto no art. 823º n° 2 do CPC, só que a recorrente não fez prova de que o veículo era instrumento de trabalho e indispensável ao exercício da actividade da executada e daí se ter concluído que o bem era penhorável.

Tal como se entendeu no Ac. da R.L. de 11.6.03 no Rec. 2089/03 e no Ac. da R.P. de 14.10.2002 que seguiremos de perto na sua fundamentação, cremos, também, que não é aplicável à recorrente, pessoa colectiva, o disposto no n° 2 do art. 823 do CPC que dispõe que estão isentos de penhora os instrumentos de trabalho e os objectos indispensáveis ao exercício da actividade ou formação profissional do executado, salvo se: a) o executado os nomear à penhora; b) a execução se destinar ao pagamento do preço da sua aquisição ou do custo da sua reparação; c) forem penhorados como elementos corpóreos de um estabelecimento comercial, sendo que são razoes de ordem humanitária, associadas ao princípio constitucional da proporcionalidade que justificam o regime previsto neste preceito.

Para o Prof. José Lebre de Freitas (Acção Executiva, Coimbra Editora, 3ª Edição, pág. 188 e segs.) esta impenhorabilidade resulta da indisponibilidade de certos bens, de convenções negociais que especificadamente a estipulem, bem como da consideração de certos interesses gerais, de interesses vitais do executado ou de interesses de terceiros que o sistema jurídico entende deverem sobrepor-se aos do credor exequente, "impenhoráveis por estarem em causa interesses vitais do executado são aqueles bens que asseguram ao seu agregado familiar um mínimo de condições de vida (...) são indispensáveis ao exercício da profissão do executado (instrumentos de trabalho e objectos indispensáveis ao exercício da sua actividade ou à sua formação profissional)".

Nestes casos a penhora só é possível por nomeação do executado, se a execução se destinar ao pagamento do preço por que os bens foram comprados ou do custo da sua reparação, bem como quando os bens constituam elementos corpóreos de um estabelecimento comercial e sejam com ele apreendidos, à luz do art. 862-A do CPC. No mesmo sentido, também J. P. Remédio Marques (Curso de Processo Executivo à Face do Código Revisto, págs. 172 e segs.) afirma que por razões económico-sociais do executado são impenhoráveis os bens indispensáveis à formação profissional e ao exercício da sua actividade profissional, sendo certo que é preciso que sem esses bens o executado não possa continuar a exercer a sua profissão habitual ou que a penhora deles ponha gravemente em causa esse exercício.

Na mesma linha se pronuncia Amâncio Ferreira (Curso de Processo de Execução, 7" edição, Almedina pág. 117), para o qual a impenhorabilidade processual relativa filia-se em motivos de interesse económico, matizado com considerações de humanidade e abrange os instrumentos de trabalho e os objectos indispensáveis ao exercício da actividade ou formação profissional do executado (823°, n.° 2), evitando-se, assim, que se retirem ao executado os meios necessários para ganhar a vida e sustentar-se, bem como à sua família. O art. 823°, n.° 2 do CPC tem, assim, subjacentes razões económico-sociais, na medida em que o sistema jurídico entende que certos interesses vitais do executado ou de terceiros se devem sobrepor aos do credor exequente, pretendendo-se, assim, evitar que se retirem ao executado os meios necessários para garantir a sua subsistência e a do seu agregado familiar, sendo de salientar a própria excepção da alínea c) do n.° 2 do referido art. 823°, o que exclui a sua aplicabilidade às pessoas colectivas.

Face a tudo o que vem dito, e tendo em atenção a factualidade assente, conclui-se que o Recorrido não logrou demonstrar que o imóvel aqui em causa seja o seu instrumento de trabalho e, como tal, indispensável ao exercício da sua actividade profissional. A mera alegação do Recorrido na PI. da presente reclamação, e supra transcrita, não é de todo suficiente para resultar provado nos autos que o imóvel tem características de impenhorabilidade por estarem em causa os seus interesses vitais porque, através dele, assegura ao seu agregado familiar um mínimo de condições de vida.

O mero facto de não vir demonstrado que é no imóvel penhorado que o Recorrido trabalha diariamente é por si só suficiente para afastar a aplicabilidade da norma.

Ora, assim sendo, e uma vez que o ónus da prova recaí sobre quem invoque o facto, no caso em apreço o ora Recorrido (art. 74.º, n.º 1. da LGT), não tendo, aquele, produzido qualquer prova, resta-nos, pois, concluir que a penhora ora em crise não merece qualquer censura.

Face ao exposto, apresenta-se como incorrecto o julgamento efectuado pelo Tribunal a quo pelo que importa revogar a sentença recorrida.


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III. DECISÃO
Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em conceder provimento ao recurso e em consequência revogar a sentença recorrida.
Sem custas.
Lisboa, 23 de Abril de 2015.
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(Barbara Tavares Teles)

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(Pereira Gameiro)
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(Catarina Almeida e Sousa)