Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:472/17.4 BECTB
Secção:CT
Data do Acordão:03/16/2023
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IRC/IVA
FATURAS FALSAS
DEDUTIBILIDADE
Sumário:I - Quando a Autoridade Tributária e Aduaneira desconsidera as faturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da LGT, competindo à Administração fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da fatura não corresponde à realidade. Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transação.
II - A Autoridade Tributária e Aduaneira não tem de provar, em sede de ação inspetiva, a efetiva simulação nos termos constantes do artigo 240.º do Código Civil. É assim bastante a demonstração da existência de indícios sérios e objetivos que impliquem uma probabilidade elevada de que as operações tituladas pelas faturas não foram operações reais. Assim, reunidos e demonstrados que estejam tais indícios, cessa a presunção de veracidade prevista no artigo 75.º da LGT, competindo ao sujeito passivo alegar e provar a efetividade das operações.
III - Nos termos da alínea a) do nº 2 e no nº 3 do artigo 19.º CIVA, só confere direito à dedução o imposto mencionado em faturas passadas na forma legal e não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura.
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:***


Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2ª Subseção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I - Relatório

M… - Construção e Serviços, Lda., não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial por si deduzida, contra as liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) e de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), e respetivos juros compensatórios, respeitantes ao exercício de 2014, no valor global de € 86 191,85, dela veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo Sul.

Nas alegações de recurso apresentadas, a Recorrente, formula as seguintes conclusões:

«Reproduzindo tudo quanto foi dito anteriormente, apura-se que:

A. A Sentença incorre em erro de julgamento quando dá como não provados os factos enunciados em 1), 2) e 3) da matéria dada como não provada, dado que, salvo melhor opinião, no decurso da audiência de inquirição de testemunhas foi provado a efectiva aquisição dos serviços cujos custos foram desconsiderados pela AT para efeitos de apuramento da matéria colectável sujeita a IRC e cujo IVA suportado foi considerado não dedutível face à ausência de forma legal das facturas;

B. A Sentença incorre em omissão de pronúncia, aliás reconhecida pelo Mmo Juiz, por não se pronunciar sobre a forma legal das facturas para efeitos de IVA, o que diga-se, foi o único facto que levou a AT a desconsiderar como dedutível o IVA suportado;

C. A motivação para a decisão enferma de erro na análise dos testemunhos apresentados em virtude de não existir qualquer contradição nos depoimentos que foram apresentados pelas duas testemunhas, mas antes, os depoimentos são complementares, abrangendo uma descrição de todas as operações que a ora Alegante realizou com a sociedade J…;

D. A Sentença incorre de erro de julgamento em matéria de direito, em virtude de não ter sido aplicado o Direito correspondente aos factos dados como provados em K) e L).

E. Face aos factos dado como provados em K) e L), e não podendo o Mmo Juiz deixar de aplicar a lei quando a situação de facto é clara a demonstrar a ocorrência da hipótese prevista pelo legislador, a sentença incorre em erro de julgamento dado que não aplicou aos factos a alínea f), do n.º 2, do artigo 16º do CIVA.

F. O facto dado como provado K), encontra-se incorrecto na sua totalidade, mais concretamente, porque enuncia que a factura é “sem liquidação de IVA”, quando a factura tem IVA liquidado, pese embora, e por imposição legal, não esteja descriminado;

G. A Sentença incorreu em erro de julgamento, por considerar que a venda se encontra sujeita a IVA à taxa normal, considerando ainda que o valor tributável ascende ao valor da venda, pese embora a Alegante, aquando da aquisição, estar impedido legalmente de deduzir o IVA que suportou;

H. A Sentença incorreu em erro de julgamento por não análise da prova existente no processo, mais concretamente, a análise das declarações periódicas de substituição de IVA e os seus quantitativos e,

I. . Salvo melhor opinião e o devido respeito, a prova carreada para o processo, sustenta as liquidações de IVA dos dois últimos períodos de imposto (3º e 4º trimestre) são excessivas na medida em que existe imposto cobrado que não tem qualquer fundamento.

Uma vez que a sentença padece de erro de julgamento no âmbito da valoração da prova produzida e na aplicação do direito e bem assim de omissão e excesso de pronúncia, deve ser dado provimento ao recurso e consequentemente ser revogada a sentença recorrida, com todas as consequências legais, nomeadamente a anulação total das liquidações impugnadas, assim se cumprindo a Lei e se fazendo Justiça.”»


Notificada para o efeito, a Recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira, não apresentou contra-alegações.

Após se pronunciar no sentido da não verificação das alegadas nulidades da sentença, o recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

O Ministério Público junto deste Tribunal, emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar decidir.


II – Fundamentação

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, sendo as de saber: (a) se a sentença padece de nulidade por omissão de pronúncia; (b) de erro de julgamento na seleção, apreciação e valoração da matéria de facto e na aplicação do direito.


II.1- Dos Factos

O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade:

A) «A Impugnante é uma sociedade comercial com o CAE principal 4200 – Construções de Edifícios, tendo iniciado a sua atividade em 24/02/2014, estando enquadrada, em sede de IRC, no regime geral de determinação do lucro tributável e, em sede de IVA, no regime normal de periodicidade trimestral [cf. relatório de inspeção tributária de fls. 3 e segs. do processo administrativo (PA) apenso, em especial fls. 3, 6-verso e 7].

B) Com data de 31/03/2014, a sociedade “Construções J…” emitiu em nome da Impugnante a Fatura-recibo n.º FTR 10/3, cujo teor aqui se dá com reproduzido, na qual, para além da identificação do preço e do imposto, menciona-se a quantidade de «1» e o seguinte descritivo: «Contrato de aluguer de maquinaria e equipamento sem condutor para o ano de 2014» [cf. fls. 47 dos autos].

C) Com data de 15/05/2014, a sociedade “M… – C…, Unipessoal, Ldª”, emitiu em nome da Impugnante a Fatura-recibo n.º FTR 10/21, cujo teor aqui se dá com reproduzido, na qual, para além da identificação do preço e do imposto, menciona-se a quantidade de «1» e o seguinte descritivo: «perfil de alumínio e acessórios (TUPACIL)» [cf. fls. 48 dos autos].

D) Com data de 18/06/2014, a sociedade “Construções J…”, emitiu em nome da Impugnante a Fatura-recibo n.º FTR 10/8, cujo teor aqui se dá com reproduzido, na qual, para além da identificação do preço e do imposto, menciona-se a quantidade de «1» e o seguinte descritivo: «Aluguer de equipamento para a construção» [cf. fls. 49 dos autos].

E) Com data de 30/06/2014, a sociedade “M… – C…, Unipessoal, Ldª”, emitiu em nome da Impugnante a Fatura-recibo n.º FTR 10/30, cujo teor aqui se dá com reproduzido, na qual, para além da identificação do preço e do imposto, menciona-se a quantidade de «1» e o seguinte descritivo: «Remodelação, reconstrução e readaptação de equipamento para iluminação, som e comunicação» [cf. fls. 50 dos autos].

F) Com data de 30/06/2014, a sociedade “Construções J…”, emitiu em nome da Impugnante a Fatura n.º FT 12/4, cujo teor aqui se dá com reproduzido, na qual, para além da identificação do preço e do imposto, menciona-se a quantidade de «1» e o seguinte descritivo: «Resina, cola sintética e decapante para pavimento» [cf. fls. 51 dos autos].

G) Com data de 31/07/2014, a sociedade “M… – C…, Unipessoal, Ldª”, emitiu em nome da Impugnante a Fatura n.º FT 10/56, cujo teor aqui se dá com reproduzido, na qual, para além da identificação do preço e do imposto, menciona-se a quantidade de «1» e o seguinte descritivo: «Execução de mobiliário e trabalhos gráficos» [fls. 52 dos autos].

H) Com data de 31/10/2014, a sociedade “Construções J…”, emitiu em nome da Impugnante a Fatura n.º FT 10/57, cujo teor aqui se dá como reproduzido, na qual, para além da identificação do preço e do imposto, menciona-se a quantidade de «4» e o seguinte descritivo: «Execução de projecto técnico de infraestruturas e acompanhamento das obras para estabelecimento comercial» [cf. fls. 53 dos autos].

I) Com data de 30/09/2014, a sociedade “S… – P… e Serviços, Unipessoal, Ldª”, emitiu em nome da Impugnante a Fatura-recibo n.º FTR 10/6, cujo teor aqui se dá com reproduzido, na qual, para além da identificação do preço e do imposto, menciona-se a quantidade de «1» e o seguinte descritivo: «Pintura, estuques e outros revestimentos» [cf. fls. 54 dos autos]

J) Com data de 31/12/2015, a sociedade “S… – P… e Serviços, Unipessoal, Ldª” emitiu em nome da Impugnante a Nota de Crédito n-º NC 10/1, da qual consta o seguinte descritivo: «Anulação da FTR 10/6 de 2014-09-30 em virtude da não realização da prestação de serviços elencada» [cf. fls. 55 dos autos].

K) Com data de 06/08/2014, a sociedade “G… – Comércio de Automóveis Lda.”, emitiu em nome da Impugnante a fatura n.º 126, referente à viatura Renault Megane, matrícula …-…-…, pelo valor de 17.000,00€, sem liquidação de IVA, com a menção de «Bens em 2ª mão» [cf. fls. 68 dos autos].

L) Com data de 06/08/2014, a sociedade “G… – Comércio de Automóveis Lda.”, emitiu em nome da Impugnante a nota de crédito n.º 6, no valor de 5.500,00€, constando do seu descrito: «Desconto Comercial Referente à fatura 126» [cf. fls. 69 dos autos].

M) Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2001600032, os Serviços da Divisão de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Castelo Branco realizaram uma ação de inspeção externa à Impugnante, em sede de IRC e IVA do exercício de 2014, com início, em 18/03/2016, e fim, em 16/03/2017 [relatório de inspeção de fls. 3 e segs. do processo administrativo (PA) apenso, em especial fls. 3 e 6-frente e verso].

N) Em 29/03/2017 foi elaborado o projeto de relatório de inspeção, constante de fls. 108 a 119-verso dos autos, cujo teor aqui se dá como reproduzido, com propostas de correções técnicas em sede de IRC e de IVA do exercício de 2014, respetivamente, nos montantes de 220.31,03€ e de 70.015,03€.

O) A Impugnante foi notificada do projeto de relatório de inspeção tributária mencionado na alínea anterior e para, querendo, exercer o seu direito de audição, através do ofício n.º 01375s, expedido por correio registado, em 30/03/2017 [cf. fls. 106 e 107 dos autos].

P) A Impugnante exerceu o seu direito de audição, nos termos constantes de fls. 122 a 127-verso dos autos, cujo teor aqui se dá como reproduzido, e do qual se destaca o seguinte:

«(…)

9º - Relativamente ao quadro IV; o SP tinha acabado de dar início de actividade e por não ter instalações específicas nem qualquer tipo de equipamento, procedeu ao aluguer de estaleiro e equipamento para construção, oficina e stand automóvel junto da empresa “Construções J…, Ldª”, tendo ficado acordado o preço de 50,00€ + IVA e o seu pagamento através de serviços prestados (encontro de contas entre ambas as sociedade dos responsáveis), não nos parece correto proporem a anulação deste gasto no montante de 10.000,00€ + IVA relativo ao uso das instalações indispensáveis ao desenvolvimento das actividades.

O perfil de alumínio e acessórios no valor de 1.075,00€ + IVA; deu origem à produção e montagem de dois portões secionados em junho do mesmo ano a “Construções J…, Ldª” no montante de 3.000,00€.

A FTR 10/8 no valor de 16.260,16€ diz respeito à continuidades do aluguer do estaleiro, oficina e stand automóvel junto da empresa “Construções J…, Ldª”.

A factura FTR 10/30 de 30/06/2014, da “M… – Climatização, Unip., Ldª” inerente a remodelação, reconstrução, iluminação, som e comunicação, no montante de 10.000,00€ deu origem à fatura 27 do mesmo mês, de trabalhos realizados ao stand de automóveis “G…, Ldª”, no valor de 12.000,00€. A iluminação e som foi ainda prestada à “I… de Santa Iría” no montante de 3.300,00€ + IVA.

A compra de resina, cola e decapante às “Construções J…, Ldª” no valor de 2.500,00€ dizem respeito às manutenções dos espaços verdes, no montante aproximado de 5.000,00€, bem como pela aplicação de 150 m2 de tapete de relva à entidade “C… dos Funcionários e Agentes do Estado, no montante de 847,56€.

A execução de projecto de acompanhamento de obras, fatura 10/57 de “Construções J …, Ldª” de 30.487,81 – IVA (no valor de 7.012,20€ e não de 9.349,59€ conforme consta no projeto da autoridade tributária); diz respeito ao acompanhamento dos projectos e obras efectuado a “C…, Ldª” (declarações em anexo) e o montante de 10.162,60€ diz respeito ao acompanhamento do projecto de obras e comissionamento pela angariação do espaço do café “M…” sito na Rua Cidade do Fundão, … “I” que se encontra alugado à ENI, m….

A pintura, estuques e outros revestimentos, no valor de 15.000,00€ da entidade “S…, LDª” foram anulados através da nota de crédito 10/1 do ano de 2015, tendo-se procedido à mensuração a crédito na respectiva conta dos subcontratos em regime de “reverse charge”. (…)».

Q) No âmbito do direito de audição, a Impugnante juntou uma declaração emitida pela sociedade “Construções J…, Ldª”, datada de 04/04/2017, da qual se destaca o seguinte teor:«…DECLARA que relativamente ao aluguer inerente ao estaleiro de obras, reparação automóvel, máquinas e equipamentos para construção, processados na FTR 10/3, no montante de 10.000,00€ + IVA, de 31-03-2014, e FTR 10/8, no montante de 16.260,16€ + IVA, de 18-06-2014, não foi redigido nenhum contrato por escrito mas somente verbal entre as partes. O valor acordado do aluguer foi de 50,00€ à hora e acordado efetuar-se encontro de contas entre as empresas dos responsáveis.» [cf. fls. 135 dos autos].

R) Em 26/04/2017 foi elaborado um primeiro relatório final de inspeção tributária, constante de fls. 144 a 157-verso dos autos, cujo teor aqui se dá como reproduzido, sancionado por despacho de 04/05/2017, de cujas conclusões resultaram correções técnicas em sede de IRC e de IVA do exercício de 2014, respetivamente, nos montantes de 220.31,03€ e de 70.015,03€.

S) A Impugnante foi notificada do relatório de inspeção tributária mencionado na alínea anterior, através do ofício n.º 01789s, expedido por correio registado em 05/05/2017 [cf. fls. 142 e 143 dos autos].

T) Em 10/05/2017 foi elaborado um segundo relatório final de inspeção tributária, constante de fls. 3 a 17-verso do processo administrativo apenso, cujo teor aqui se dá como reproduzido, sancionado por despacho de 31/05/2017, de cujas conclusões resultaram correções técnicas em sede de IRC e de IVA do exercício de 2015, respetivamente, nos montantes de 220.31,03€ e de 67.677,55€, do qual se destaca o seguinte teor:

«(…)

I – CONCLUSÕES DA AÇÃO INSPECTIVA

I.1 – Na sequência do procedimento externo de Inspeção efetuada ao Sujeito Passivo, M… – CONSTRUÇÕES E SERVIÇOS, LDA. (doravante designado por sujeito passivo), com NIPC: 5… alusivo ao exercício de 2014, foram detetadas irregularidades, que se traduziram em correções técnicas ao imposto em sede de IVA e Matéria Coletável em sede de IRC conforme quadros infra:

Em sede de IVA:


Quadro I

Em sede de IRC:

Quadro II

I.2 - Regularizações voluntárias

Em sede de IVA:

Das declarações de substituição de IVA, do exercício de 2014, entregues voluntariamente pelo sujeito passivo resultaram regularizações de imposto no montante de 9.886,53 euros.

Em sede de IRC:

De declaração de substituição modelo 22 de IRC do exercício de 2014, resultou a regularização voluntária à matéria tributável no montante de 15.410,92 euros.


II – OBJETIVOS, ÂMBITO E EXTENSÃO

(…)

II – 3. Outras Situações

II – 3.1. Caracterização da empresa

A empresa M… - Construções, Lda., iniciou a atividade em 2014-02-24, no cadastro da Autoridade Tributária tem os seguintes CAE´s de atividade:

CAE Principal – Construções de Edifícios (residenciais e não residências)

CAE Secundário 1 – Fabricação de portas, janelas e elementos similares em metal

CAE Secundário 2 – Instalação de climatização

CAE Secundário 3 – Montagem de trabalhos de carpintaria e de caixilharia

CAE Secundário 4 – Manutenção e reparação de veículos automóveis

CAE Secundário 5 – Outras atividades de serviço de refeição

CAE Secundário 6 – Out. at. Relacionadas c/Tecn. Informação de informática

CAE Secundário 7 – Atividades de angariação imobiliária

CAE Secundário 8 – Administração de condomínios

CAE Secundário 9 – Out. At. Limpeza edifícios e equipamentos industriais

CAE Secundário 10 - Atividades de plantação e manutenção de jardins

CAE Secundário 11 – Compra e venda de bens imobiliários

CAE Secundário 12 – Arrendamento de bens imobiliários

CAE Secundário 13 – Atividades de mediação imobiliária

No cadastro da AT - Autoridade Tributária e Aduaneira, foi declarada como segunda atividade “Outras atividades e acabamentos em edifícios” com início em 2015-03-29.

A sociedade tem sede na Rua Centro das Artes n.º… L E – 6…-5… Covilhã, tendo como contabilista certificada C… NIF 2…, com o gabinete denominado “D…”, na cidade da Covilhã.

A sociedade foi constituída inicialmente com o capital social de 500.000,00 euros, dividido em duas quotas de 250.000,00 pertencentes a R… NIF 1… e L… NIF 2…, sendo a gerência exercida pelos dois sócios.

(…)

II - 3.4 – Contabilidade

O sujeito passivo dispõe de contabilidade organizada e informatizada, conforme o estipulado no artigo 115º do CIRC. O programa de faturação e de contabilidade do sujeito passivo encontra-se na sede da empresa, que fica no mesmo escritório da empresa que elabora a contabilidade “D…- Contabilidade Ld.ª”, sendo que R… é sócio das duas sociedades.

Durante o decurso dos procedimentos inspetivos o responsável pela elaboração da contabilidade (Sr. R…) retificou por várias vezes a contabilidade da empresa, anulando faturas, emitindo notas de créditos e anulando gastos, infringindo o disposto no art.º 44º do CIVA e o estipulado nas obrigações contabilísticas referidas no art.º 123º do CIRC (Código do Imposto sobre o rendimento de pessoas coletivas)

Todos os contactos foram feitos com o sócio gerente da sociedade, R…, que também é sócio gerente da sociedade de contabilidade “D…”, juntamente com a contabilista certificada (à data dos factos eram marido e mulher), sendo que ambos trabalham no escritório da D….

Contudo, do que nos foi dado a perceber, é o Sr. R… que efetua os registos contabilísticos, emite as faturas e outros documentos (ex. notas de crédito) e envia as declarações fiscais, muito embora a contabilista certificada seja a Sr.ª C…, mas esta nunca nos forneceu qualquer elemento da contabilidade.

III – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTAVÉL

(…)

III. 3 - Análise documental

Ao efetuar-se a análise dos documentos de suporte aos registos contabilísticos da sociedade M… – Construção e Serviços, Lda., arquivados nas respetivas pastas, verificou-se a falta de muitos documentos, nomeadamente faturas de fornecedores. Pelo que, quando se dava por falta de algum documento o mesmo era solicitado ao Sr. R…, que no próprio momento dirigia-se ao seu computador e fazia a impressão da fatura, numerava e colocava-o na pasta respetiva.

Perante todo aquele procedimento, constatou-se que no gabinete de contabilidade além do programa de contabilidade, também possuiam o programa de faturação dos seus clientes.

É de salientar que a maioria das faturas, com montantes relativamente elevados, eram entre empresas das quais o Sr. R… e o Sr. L… são sócios e ainda entre empresas clientes da D…, cujo programa de faturação se encontra no gabinete de contabilidade.

Verificámos ainda, que havia faturas de fornecedores cuja designação da mercadoria ou dos serviços prestados não se encontram devidamente descriminados, pois não constam nem as quantidades, nem a denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, conforme se encontra estipulado no nº 5 al. b) do artº 36º do CIVA (Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado).

Perguntado ao Sr R… a que se referiam aquelas faturas, informou que eram mercadoria e trabalhos que se destinavam a um projeto de construção que não avançou por falta de viabilidade financeira, dado o banco não ter aprovado os empréstimos, pelo que iram ser anuladas as respetivas faturas, sem nunca ter apresentado qualquer contrato de empreitada, ou outro documento celebrado com os fornecedores.

Perante toda esta situação, o gerente R… prontificou-se a retificar as divergências verificadas, nomeadamente a anular as faturas cujas prestações de serviços não tinham sido realizadas, tanto na parte dos fornecedores como na parte dos clientes, já que também existiam várias faturas resultantes da simulação de operações entre as várias empresas, dado que a contabilidade e a faturação de algumas empresas é realizada na D…, pelo que o sócio gerente da D… e simultaneamente sócio da empresa M… - Construções, Lda. tem facilmente acesso à emissão de faturas e das respetivas contabilidades.

(…)

Depois de retificada a contabilidade do sujeito passivo pelo sócio gerente, foram novamente conferidos os documentos de suporte aos registos contabilisticos, tendo-se verificados que foram anulados vários lançamentos na contabilidade, mas que continuavam a estar registados na contabilidade documentos que não poderão ser aceites como gastos e perdas em sede de IRC, nem aceite a dedução em sede de IVA dos mesmos, conforme se identifica no seguinte quadro:

III.4 - Correções em sede de IRC
III.4. 1 - Gastos e Perdas
(…)
b) Documentos inter-empresas
Relativamente às faturas que constam no quadro seguinte não foram apresentados quaisquer contratos de fornecimento de serviços ou de matéria-prima, orçamento devidamente descriminado, nem prova do pagamento das mesmas.

Face ao disposto no nº 4 do art.º 23º do CIRC os documentos comprovativos da aquisição dos gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo, devem conter pelo menos os elementos constantes naquele normativo legal.

Conforme se verifica na descrição das faturas, estas não indicam as “quantidades, denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados “apenas descrevem muito vagamente e uma forma global os serviços prestados não sendo possível identificar com fiabilidade os mesmos. A título de exemplo: a fatura FT 10/56, documento registado com o nº 508 apenas descreve “execução de mobiliário e trabalhos gráficos”, a fatura FTR 10/8 documento 264 apenas tem na descrição “aluguer de equipamento para construção”.

Assim, considera-se que o descritivo das faturas, dos fornecedores não obedece à forma legal, face ao disposto no nº 4 e 6 do art.º 23º do CIRC, nem existe a prova de que o Sujeito Passivo tenha realizado tais operações, uma vez que a emissão das faturas era feita pelo Sr. R…, pelo que não é considerado como gasto da atividade o valor de 105.485,57 euros, constante no Quadro IV

Refere o nº 3 do artº 63 C da Lei Geral Tributária, “3 - Os pagamentos respeitantes a faturas ou documentos equivalentes de valor igual ou superior a (euro) 1000 devem ser efetuados através de meio de pagamento que permita a identificação do respetivo destinatário, designadamente transferência bancária, cheque nominativo ou débito direto. (Redacção da Lei n.º 20/2012 - 14/05)”,

Não se encontra evidenciado na contabilidade o pagamento das referidas faturas, por meio de cheque transferência bancária ou débito directo, pelo que poderemos concluir que as prestações de serviços, à semelhança de outras facturas que foram anuladas, também não foram efectuadas e que se trata de uma forma de contabilizar indevidamente gastos.


Quadro IV


«Imagem em texto no original»


(…)
III.5 - Correções em sede de IVA
(…)
III.5.2 -Compras anuladas, sem regularização do IVA

O sujeito passivo contabilizou faturas emitidas pelas sociedades E… Unipessoal, Ld.ª com o NIPC 5… e D… Unipessoal, Ld.ª, com o NIPC 5…, na conta 312113 – compras mat. Prima IVA à taxa normal e deduziu o IVA inerente das referidas faturas na conta 2432231 - Operações gerais – mercado nacional IVA taxa normal, nos montantes descritos no quadro seguinte, mas que se encontram relacionadas no anexo 2.

Quadro X

«Imagem em texto no original»


Relativamente a estas faturas, as mesmas não cumprem os requisitos estipulados no nº 5 al b) do art.º 36 do CIVA, conforme se encontra explanado no referido artigo:

“5 - As faturas devem ser datadas, numeradas sequencialmente e conter os seguintes elementos: (Redação do D.L. nº 197/2012, de 24 de Agosto, com entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2013).

b) A quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável; as embalagens não efetivamente transacionadas devem ser objeto de indicação separada e com menção expressa de que foi acordada a sua devolução…”

Confrontado o gerente da sociedade, R…, onde tinha sido aplicado o material ou vendido (já que foi contabilizado como compras) constante das referidas faturas, o mesmo respondeu que seria para o tal projeto que não se concretizou, pelo que as mesmas seriam anuladas. Dado que não tinha qualquer nota de crédito, a sociedade solicitou por meio de carta os respetivos créditos, conforme cópia que nos apresentou.

Para regularização das compras contabilizadas indevidamente, foram efetuados os seguintes lançamentos:


Quadro XI


O sujeito passivo, efetuou o lançamento, datado de 31-13-2014, creditando o valor das compras, mas relativamente ao IVA deduzido não fez qualquer lançamento para regularizar o imposto a favor do Estado, conforme se poderá verificar na conta 2434231- (Regularizações a favor do Estado – descontos e devoluções de compras) não consta qualquer lançamento relativo a estas faturas, e nas declarações periódicas no IVA no campo 41 não se encontra refletido o imposto de 33.994,00 euros referente às referidas faturas que não titulam operações reais e cujo imposto não pode ser deduzido nos termos do artigo 19º nº 3 do CIVA nos respetivos períodos, de acordo com o seguinte quadro:

Quadro XII


III.5.3 - Documentos inter-empresas

Relativamente às faturas que constam no quadro IV, do mesmo modo conforme as mesmas não são consideradas como gastos para efeitos do apuramento do rendimento tributável em sede de IRC, também o IVA constante das mesmas não será dedutível nos termos da alínea a) do nº 2 do art.º 19º do CIVA.

O documento só poderá ser considerado emitido sob a forma legal, se contiver todos os elementos enumerados no 5 do artigo 36º do CIVA que se passa a citar:

As faturas devem ser datadas, numeradas sequencialmente e conter os seguintes elementos: (Redação do D.L. nº 197/2012, de 24 de Agosto, com entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2013)

Os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ou prestador de serviços e do destinatário ou adquirente, bem como os correspondentes números de identificação fiscal dos sujeitos passivos de imposto;

A quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável; as embalagens não efetivamente transacionadas devem ser objeto de indicação separada e com menção expressa de que foi acordada a sua devolução;

O preço, líquido de imposto, e os outros elementos incluídos no valor tributável;

As taxas aplicáveis e o montante de imposto devido;

O motivo justificativo da não aplicação do imposto, se for caso disso;

A data em que os bens foram colocados à disposição do adquirente, em que os serviços foram realizados ou em que foram efetuados pagamentos anteriores à realização das operações, se essa data não coincidir com a da emissão da fatura.

No caso de a operação ou operações às quais se reporta a fatura compreenderem bens ou serviços sujeitos a taxas diferentes de imposto, os elementos mencionados nas alíneas b), c) e d) devem ser indicados separadamente, segundo a taxa aplicável…

Conforme já foi referido, as faturas na sua descrição não identificam as quantidades, denominação dos bens nem especificam a prestação de serviço efetuada, pelo que não será dedutível o respetivo IVA repartido pelos seguintes trimestres:


Quadro XIII


III.5.4 – Venda de veículos

Ø Renault Megane – matrícula …-…-…, este veículo foi adquirido pelo sujeito passivo pelo valor de 17.000,00 euros em 06-08-2014, tendo emitido a fatura de venda em 31-12-2014 a J…. (colaborador da empresa) pelo valor de 11.500,00 euros, fazendo referência que a viatura foi entregue em 31-08-2014. Posteriormente foi vendida no mesmo mês por uma diferença de 5.500,00 euros. No entanto o veículo nunca foi registado em nome de J…, tendo sido vendido a V… em 30-01-2016 pela sociedade G… – Comércio de Automóveis, Ld.ª conforme cópia de fatura que nos foi enviada pelo proprietário atual do veículo.

Relativamente à fatura FTR 10/48 de 31-12-2014, emitida a J… pela venda do veículo Renault Megane – matrícula …-…-…, no valor de 11.500,00 o sujeito passivo não liquidou IVA, mencionado na fatura “operação isenta do art.º 9º (ou similar), Operação isenta do IVA ao abrigo do nº 32 do art.º 9º do CIVA”

Dispõe o nº 32 do art.º 9º do CIVA que são isentos de imposto “As transmissões de bens afetos exclusivamente a uma atividade isenta, quando não tenham sido objeto do direito à dedução e bem assim as transmissões de bens cuja aquisição ou afetação tenha sido feita com exclusão do direito à dedução nos termos do n.º 1 do artigo 21.º;

Não se encontrando o sujeito passivo registado em qualquer atividade isenta de IVA, a venda do veículo nunca poderá ser isenta de imposto.

É de salientar que o veículo foi adquirido à G… – Comércio de Automóveis, Ld.ª no regime de bens em 2ª mão previsto no DL nº 199/96, de 18 de Outubro e não isento de IVA.

Face ao exposto o sujeito passivo deveria ter liquidado IVA sobre a venda do veículo, face ao disposto no art.º 1- al. a), no art.º 2º nº 1 al. a) e à taxa prevista no art.º 18º nº 1 al. c), todos do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, pelo que se encontra em falta o imposto de 2.645,00 euros, conforme o seguinte quadro:


Quadro XIV


(…)

Resumo das correções em sede de IRC

Perante as irregularidades descritas, deverá efetuar-se a correção do resultado líquido do exercício, declarado na declaração modelo 22 de IRC, para apuramento do imposto devido, nos termos do art.º 89º al. b) do CIRC, corrigindo a liquidação efetuada pelo sujeito passivo, nos termos do nº 10 do art.º 90 do CIRC2, conforme o seguinte quadro:


Quadro XVI


Na declaração de substituição entregue em 26-03-2016, o Sujeito passivo declarou um resultado líquido do período no montante de 20.555,91 euros, depois de efetuadas as correções descritas no quadro anterior apura-se um resultado líquido de 240.877,94 euros.

Quadro XVII


Resumo das correções em sede de IVA

Perante as irregularidades descritas neste capítulo, deverá efetuar-se a correção dos valores declarados nas declarações periódicas do IVA, apurando o imposto em falta, conforme o seguinte quadro:


Quadro XVIII


(…)

IX – DIREITO DE AUDIÇÃO - FUNDAMENTAÇÃO

(…)

IX.3 – Apreciação

(…)

Referente às alegações proferidas pelo sujeito passivo no ponto 9º, relativas à análise documental, documentos inter-empresas, dizem respeito a faturas de fornecimento de serviços ou matérias primas sem que fosse apresentado qualquer contrato ou orçamento celebrado à data da realização dos gastos, nem prova dos pagamentos referentes às mesmas, tendo anexado ao Direito de Audição, declarações dos fornecedores e clientes, indicando onde foram realizados as prestações de serviços a que corresponde cada fatura.

No entanto os gastos e o IVA dedutível, referente a essas faturas não são aceites fiscalmente já que, estas não indicam a denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados, apenas descrevem de uma forma global os serviços prestados não sendo possível identificar com fiabilidade os mesmos. Assim o descritivo dos fornecedores não obedece à forma legal, face ao disposto no nº 4 e 6 do artigo 23º do código do IRC, nem existe prova de que o sujeito passivo tenha realizado tais operações e de acordo com o n.º 3 do artigo 63º da Lei Geral Tributária, … “Os pagamentos respeitantes a faturas ou documentos equivalentes de valor igual ou superior a (euro) 1000 devem ser efetuados através de meio de pagamento que permita a identificação do respetivo destinatário, designadamente transferência bancária, cheque nominativo ou débito direto. (Redacção da Lei n.º 20/2012 - 14/05)”…, não servindo como prova de pagamento o encontro de contas.

Assim nos termos da alínea a) do n.º2 do artigo 19º do CIVA …” 3 - Não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura. (Redacção do D.L.nº 197/2012, de 24 de Agosto, com entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2013)”.

Só poderá ser considerado emitido sob a forma legal se estiver em conformidade com os elementos enumerados no n.º5 do artigo 36 do CIVA …” 5 - As faturas devem ser datadas, numeradas sequencialmente e conter os seguintes elementos: (Redacção do D.L. nº 197/2012, de 24 de Agosto, com entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2013)

Os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ou prestador de serviços e do destinatário ou adquirente, bem como os correspondentes números de identificação fiscal dos sujeitos passivos de imposto;

A quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável; as embalagens não efetivamente transacionadas devem ser objeto de indicação separada e com menção expressa de que foi acordada a sua devolução;

O preço, líquido de imposto, e os outros elementos incluídos no valor tributável;

As taxas aplicáveis e o montante de imposto devido;

O motivo justificativo da não aplicação do imposto, se for caso disso;

A data em que os bens foram colocados à disposição do adquirente, em que os serviços foram realizados ou em que foram efetuados pagamentos anteriores à realização das operações, se essa data não coincidir com a da emissão da fatura.

Relativamente à fatura 10/57 de 31-10-2014, a construções J…, Lda. o total da fatura é 40.650,41 € com IVA à taxa normal no montante de 9.349,59 € e não do valor do IVA de 7.012,20 € que o sujeito passivo vem alegar no Direito de Audição conforme cópia que se anexa (anexo 1).

O valor do IVA encontra-se lançado em duas subcontas, nomeadamente na subconta 2432231- (IVA dedutível – Inventários - Mercado nacional IVA à taxa normal) o valor de 2.337,39 € e na subconta 2432331 - (IVA dedutível – Outros Fornecimentos e Serviços nacional IVA à taxa normal) o valor de 7.012,20 €, logo o sujeito passivo deduziu indevidamente 9.349,59 €.

No que concerne ao gasto contabilizado, o sujeito passivo contabilizou numa subconta 6211130001 – (Fornecimentos e Serviços Externos – Subcontratos – Mercado Nacional – Construções J…, Lda.) o montante de 30.487,81 € e na subconta 432110001- (Ativos Fixos Tangíveis – Edifícios e outras construções art.º 2484 I, Rua Cidade do Fundão) o montante de 10.162,60 €, pelo que apenas foi desconsiderado como gasto o valor de 30.487,81 €, já que o restante foi contabilizado na conta já referida (432110001), que não influencia o resultado líquido. (…)» [cf. fls. 3 a 17-verso do PA apenso].

U) A Impugnante foi notificada do relatório de inspeção tributária mencionado na alínea anterior, através do ofício n.º 02086s, expedido por correio registado em 31/05/2017 [cf. fls. 162 a 163 dos autos].

V) Em 01/06/2017 foi emitida, em nome da Impugnante, a liquidação de IRC n.º 20178310029786, relativa ao exercício de 2014, no valor de 54.707,35€, do qual o montante de 4.026,99€ corresponde a juros compensatórios [cf. fls. 31 dos autos].

W) Em 01/06/2017 foi emitida, em nome da Impugnante, a liquidação de IVA n.º 2017019929657, relativa ao período 2014/03T, no valor a pagar de 2.240,39€, de cuja demonstração, de fls. 34 dos autos, consta o seguinte:

X) Em 01/06/2017 foi emitida, em nome da Impugnante, a demonstração da liquidação de juros compensatórios de IVA, referente à liquidação identificada na alínea anterior, no valor de 267,61€ [cf. fls. 42 dos autos].

Y) Para o período de 2014/03T, a Impugnante apresentou, em 25/03/2016, a declaração periódica de substituição de IVA com o n.º 112130857760, constante de fls. 55-frente e verso do PA apenso, cujo teor aqui se dá como reproduzido.

Z) Em 01/06/2017 foi emitida, em nome da Impugnante, a liquidação de IVA n.º 2017019929667, relativa ao período 2014/06T, no valor a pagar de 21.026,69€, de cuja demonstração, de fls. 36 dos autos, consta o seguinte:




AA) Em 01/06/2017 foi emitida, em nome da Impugnante, a demonstração da liquidação de juros compensatórios de IVA, referente à liquidação identificada na alínea anterior, no valor de 2.312,79€ [cf. fls. 43 dos autos].

BB) Para o período de 2014/06T, a Impugnante apresentou, em 25/03/2016, a declaração periódica de substituição de IVA com o n.º 112130857809, constante de fls. 60 a 61 do PA apenso, cujo teor aqui se dá como reproduzido.

CC) Em 01/06/2017 foi emitida, em nome da Impugnante, a liquidação de IVA n.º 2017019929690, relativa ao período 2014/09T, no valor a pagar de 27.292,52€, de cuja demonstração, de fls. 38 dos autos, consta o seguinte:

DD) Em 01/06/2017 foi emitida, em nome da Impugnante, a demonstração da liquidação de juros compensatórios de IVA, referente à liquidação identificada na alínea anterior, no valor de 2.749,50€ [cf. fls. 44 dos autos].

EE) Para o período de 2014/09T, a Impugnante apresentou, em 25/03/2016, a declaração periódica de substituição de IVA com o n.º 112130857825, constante de fls. 64 a 65 do PA apenso, cujo teor aqui se dá como reproduzido.

FF) Em 01/06/2017 foi emitida, em nome da Impugnante, a liquidação de IVA n.º 2017019929720, relativa ao período 2014/12T, no valor a pagar de 11.468,42€, de cuja demonstração, de fls. 40 dos autos, consta o seguinte:

GG) Em 01/06/2017 foi emitida, em nome da Impugnante, a demonstração da liquidação de juros compensatórios de IVA, referente à liquidação identificada na alínea anterior, no valor de 1.023,04€ [cf. fls. 45 dos autos].

HH) Para o período de 2014/12T, a Impugnante apresentou, 26/03/2016, a declaração periódica de substituição de IVA com o n.º 112130858201, constante de fls. 71 a 73 verso do PA apenso, cujo teor aqui se dá como reproduzido.

II) Na declaração periódica de substituição de IVA com n.º 112151573133, referente ao período de 2015/12T, apresentada em 07/11/2016, a Impugnante efetuou regularizações do campo 41, tendo regularizado IVA a favor do Estado nos montantes de 3.507,50€ e 30.486,50€, por referência aos contribuintes n.ºs 513316604 e 510627862 [cf. fls. 60 a 65 dos autos].»



Quanto a factos não provados, na sentença exarou-se o seguinte:

«1. As operações a que se reportam as faturas com os n.ºs FTR 10/3, FTR 10/8, FT 12/4 e FT 10/57, emitidas por “Construções J…” em nome da Impugnante, tenham sido efetivamente prestadas;
2. As operações a que se reportam as faturas com os n.ºs FTR 10/21, FTR 10/30 e FT 10/56, emitidas por “M… – C…, Unipessoal, Lda” em nome da Impugnante, tenham sido efetivamente prestadas;
3. As operações a que se reporta a fatura n.º FTR 10/06 emitida por “S… – P… e Serviços, Unipessoal, Lda” em nome da Impugnante, tenham sido efetivamente prestadas.»


E quanto à motivação da decisão de facto, consignou-se:

«a convicção do tribunal, quanto aos factos provados, efetuou-se com base nos documentos juntos aos autos e ao processo administrativo (PA) apenso, conforme discriminado em cada uma das alíneas dos factos provados.

Quanto aos factos não provados, descritos nos pontos 1 a 3 supra, o tribunal não ficou convencido que as faturas correspondam a operações efetivas face à insuficiência da prova documental e testemunhal produzida.

Quanto à prova documental, apresentada relativamente às faturas com os n.ºs FTR 10/3 e FTR 10/8, o tribunal desvalorizou a declaração emitida pela “Construções J…”, à qual se reporta a alínea Q) do probatório, por se tratar, no fundo, da prestação de um depoimento escrito, fora das circunstâncias legalmente admissíveis pela lei de processo, subtraído à imediação do tribunal e ao exercício do contraditório em audiência.

Também a prova testemunhal produzida foi manifestamente insuficiente para demonstrar a veracidade das operações tituladas pelas faturas. Desde logo, a testemunha J…, que exerceu funções de angariação de obras na Impugnante no ano de 2014, apenas afirmou com certeza que a Impugnante não tinha quaisquer trabalhadores ao seu serviço e que recorria a subcontratação, não tendo concretizado qualquer elemento factual, temporal ou espacial, referente às operações tituladas pelas faturas em causa, sendo que, quando questionado sobre o aluguer de equipamentos pela Impugnante manifestou dúvidas se os mesmos se efetuaram. Por seu turno, o depoimento da testemunha R…, contabilista, sócio da impugnante e gerente da mesma à data dos factos, além de pouco pormenorizado, não se revela credível, congruente e convincente. Com efeito, a testemunha apenas se referiu vagamente ao aluguer de um estaleiro, de um gerador, de um martelo pneumático e de andaimes, sem concretizar qualquer outro elemento factual, temporal ou espacial. Tal depoimento revela-se ainda incongruente em si mesmo e com o depoimento de J…, posto que se a Impugnante não tinha trabalhadores e recorria a subcontratação, então, não é verosímil que necessitasse de alugar máquinas e equipamentos.



II.2 Do Direito

A Impugnante e ora Recorrente impugnou judicialmente as liquidações adicionais de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) e de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e de juros do ano de 2014.

Notificada da sentença que julgou a impugnação parcialmente procedente veio dela interpor o presente recurso.

Nas conclusões das alegações de recurso, alega a Impugnante e ora Recorrente além do erro de julgamento, vício de nulidade, por não se ter pronunciado sobre a forma legal das faturas para efeitos de IVA [cf. conclusão B) das alegações de recurso].

Vejamos, então, o que se nos oferece dizer sobre a alegada omissão de pronúncia.

1. Da omissão de pronúncia

Efetivamente, nos termos do disposto no artigo 125/1 do CPPT, constitui causa de nulidade da sentença a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.

A nulidade por omissão de pronúncia prevista no artigo 615/1.d) do Código de Processo Civil (CPC), apenas ocorre quando o Tribunal não tenha decidido alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra questão submetida à apreciação do Tribunal.

Por questões submetidas à apreciação do Tribunal deve entender-se aqui as que se referem aos pedidos formulados, atinentes à causa de pedir ou às exceções alegadas, não se confundindo, pois, com as razões jurídicas invocadas pelas partes em defesa do seu juízo de valoração, porquanto as mesmas correspondem a simples argumentos e não constituem verdadeiras questões para os efeitos preceituados na norma citada.

Nas palavras de Alberto dos Reis (1), são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer questões de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal qualquer questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão

No caso em apreço, a alegada não pronúncia prende-se com o não conhecimento sobre se as faturas emitidas cumpriam ou não os requisitos legais e da sentença resulta, claramente, que foi emitida decisão no sentido de não tomar conhecimento da questão, considerando que este ficou prejudicado face à solução dada ao litígio.

Efetivamente escreveu-se na sentença, no segmento que se transcreve de seguida e que aqui interessa:

Pelo exposto, impõe-se concluir que os atos de liquidação impugnados não enfermam de qualquer ilegalidade na parte resultante das correções efetuadas com o fundamento referido, sendo, assim, desnecessário aferir se as faturas cumprem os requisitos formais legalmente exigidos.

Podemos, pois, dizer que não ocorre, no caso, a alegada nulidade, porquanto o Tribunal a quo julgou prejudicado o conhecimento da questão, atenta a solução jurídica que deu ao caso.

Questão diversa é a de saber se o Tribunal recorrido o fez com acerto ou se se verifica no caso erro de julgamento, mas esta não se confunde com a omissão de pronúncia.

Não procede, pois, a invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia porquanto o conhecimento pelo tribunal da questão ou questões que tinha sido chamado a resolver ficou prejudicado pela conclusão a que se chegou relativamente a outra.

Vejamos agora quanto alegado erro de julgamento.


2. Da impugnação da matéria de facto

Alega a ora Recorrente que a sentença recorrida, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial, incorreu em erro de julgamento na seleção e apreciação da matéria de facto.

Vejamos:

Em regra, quando impugna a matéria de facto, a Recorrente tem de cumprir os ónus que sobre si impendem, sob pena de rejeição do recurso [artigo 640º, n.º 1, alíneas a) a c) e n.º 2, alínea a) do CPC, aplicável ex vi artigo 281º CPPT], cabendo à Recorrente especificar:

a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas quanto aos indicados pontos da matéria de facto.

Desde já diremos que este ónus foi minimamente cumprido pela ora Recorrente.

Quando os meios de prova invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravadas, incumbe aos Recorrente, transcrevê-las ou indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso [artigo 640/2.a) CPC].

Incumbe à Recorrente cumprir este programa, identificando os factos que entende terem sido mal julgados: quer por terem sido dados como provados quando o não deveriam ter sido, quer os que foram desconsiderados e considera serem relevantes à decisão, com indicação dos meios de prova que suportam esta sua pretensão de alteração do probatório.

A ora Recorrente nas alegações de recurso indica os pontos concretos da matéria de facto que não foram dados como provados e contra os quais se insurge, aqueles que foram desconsiderados quando o não deveriam ter sido, e indica os meios de prova em que funda a sua discordância.

Vejamos:

Insurge-se a Impugnante e ora Recorrente contra a matéria de facto dada como não provada nos pontos 1), 2) e 3) – cf. artigo 10º das alegações de recurso. Por confronto com a demais prova documental e os depoimentos de R… e de J…, em que, além de indicar as passagens da gravação, as transcreve nas alegações de recurso.


Todavia, cotejando a motivação da decisão de facto e no que aqui interessa diz a sentença recorrida, no segmento que aqui interessa e que se transcreve:

Quanto aos factos não provados, descritos nos pontos 1 a 3 supra, o tribunal não ficou convencido que as faturas correspondam a operações efetivas face à insuficiência da prova documental e testemunhal produzida.
Quanto à prova documental, apresentada relativamente às faturas com os n.ºs FTR 10/3 e FTR 10/8, o tribunal desvalorizou a declaração emitida pela “Construções J…”, à qual se reporta a alínea Q) do probatório, por se tratar, no fundo, da prestação de um depoimento escrito, fora das circunstâncias legalmente admissíveis pela lei de processo, subtraído à imediação do tribunal e ao exercício do contraditório em audiência.
Também a prova testemunhal produzida foi manifestamente insuficiente para demonstrar a veracidade das operações tituladas pelas faturas. Desde logo, a testemunha J…, que exerceu funções de angariação de obras na Impugnante no ano de 2014, apenas afirmou com certeza que a Impugnante não tinha quaisquer trabalhadores ao seu serviço e que recorria a subcontratação, não tendo concretizado qualquer elemento factual, temporal ou espacial, referente às operações tituladas pelas faturas em causa, sendo que, quando questionado sobre o aluguer de equipamentos pela Impugnante manifestou dúvidas se os mesmos se efetuaram. Por seu turno, o depoimento da testemunha R…, contabilista, sócio da impugnante e gerente da mesma à data dos factos, além de pouco pormenorizado, não se revela credível, congruente e convincente. Com efeito, a testemunha apenas se referiu vagamente ao aluguer de um estaleiro, de um gerador, de um martelo pneumático e de andaimes, sem concretizar qualquer outro elemento factual, temporal ou espacial. Tal depoimento revela-se ainda incongruente em si mesmo e com o depoimento de J…, posto que se a Impugnante não tinha trabalhadores e recorria a subcontratação, então, não é verosímil que necessitasse de alugar máquinas e equipamentos.

A sentença recorrida ponderou e explicitou as razões pelas quais não considerou provado que as operações tituladas pelas faturas se tinham realizado em termos que não merecem a censura que lhes é feita.

Com efeito, os depoimentos prestados foram vagos e pouco pormenorizados, não balizados no tempo e lugar, não revelando conhecimento das circunstâncias concretas relativamente a de cada uma delas. E apesar de se fazer referência a que a Impugnante e ora Recorrente teve de intentar ação judicial contra a cliente e de esta ter sido condenada a pagar as obras, não foi junto qualquer documento nesse sentido.

Também quanto ao documento junto em que a empresa J… declara que os trabalhos teriam sido realizados, como referido na motivação transcrita, trata-se de uma mera declaração que não foi sujeita a contraditório, e não convenceu do contrário o Mmo. Juiz a quo, que ouviu diretamente as testemunhas.

Não tem, pois, razão a Recorrente.

Vejamos agora quanto à alínea k) dos factos provados:

Pede a Recorrente a sua retificação, no sentido de ser eliminada a frase intercalar «sem liquidação de IVA», invocando o disposto no nº 1 do artigo 6º do DL nº 199/96.

Vejamos o que se escreveu na alínea k) dos factos provados:

K) Com data de 06/08/2014, a sociedade “G… – Comércio de Automóveis Lda.”, emitiu em nome da Impugnante a fatura n.º 126, referente à viatura Renault Megane, matrícula …-…-…, pelo valor de 17.000,00€, sem liquidação de IVA, com a menção de «Bens em 2ª mão» [cf. fls. 68 dos autos].

Todavia, compulsada a referida fatura junta com a pi constata-se que foi preenchido o campo ou coluna respeitante a IVA, indicada a taxa de 0,0% e referido IVA a 0%.

Nada há, pois, a retificar: na fatura foi assinalado não ter sido liquidado IVA.

Termos em que improcede a impugnação da matéria de facto, improcedendo o recurso nesta parte.


Prosseguindo:


3- Do erro de julgamento

As liquidações impugnadas têm origem no relatório dos Serviços de Inspeção Tributária, elaborado na sequência de procedimento inspetivo, que desconsiderou, para efeitos de apuramento do lucro tributável, como custo ou gasto as faturas emitidas por J…-Construções, M…-C… Unipessoal, Lda., e S…, e corrigiu a matéria coletável declarada pela Impugnante e ora Recorrida.

Em causa estão, pois, as faturas contabilizadas pela Impugnante e ora Recorrente, e que a Autoridade Tributária e Aduaneira, em ação inspetiva, considerou como custo não dedutível, por não corresponderem a efetiva operação de aquisição/fornecimento de serviços.

A Recorrente impugnou a matéria de facto assente, em termos que apenas foi parcialmente atendido.

Vejamos, agora, se se verifica o alegado erro de julgamento na apreciação dos factos e na aplicação do direito, ou seja, se a sentença errou ao julgar parcialmente procedente a impugnação.

A contabilidade dos sujeitos passivos e, logo a da Impugnante, ora Recorrida, desde que se mostre organizada segundo a lei comercial ou fiscal, goza da presunção de veracidade.

Com efeito, nos termos do artigo 75º da Lei Geral Tributária (LGT), na redação anterior à introduzida pela Lei nº 80-C/2013, de 31 de dezembro:

1 - Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.
2 - A presunção referida no número anterior não se verifica quando:
a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo;
(…)

Em primeira linha, cabe assim à Autoridade Tributária e Aduaneira ilidir a presunção de veracidade de que goza a contabilidade da Contribuinte, reunindo para o efeito indícios suficientes que deve levar à motivação do ato.

Tal como referido na sentença recorrida, quando a Administração Tributária desconsidera faturas por considerar fictícias as operações que elas titulam, são aplicáveis ao caso as regras do ónus da prova constantes do artigo 74º da LGT, nos termos do qual o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.

Como referido na sentença recorrida recai assim sobre a Administração Fiscal fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da fatura não corresponde à realidade. Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transação.

Todavia, citando o decidido no recente acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul de 2022.09.29, com o qual concordamos e que a relatora subscreveu na qualidade de 1ª adjunta, é entendimento jurisprudencial pacífico e uniforme que a Autoridade Tributária e Aduaneira não tem de provar, em sede de ação inspetiva, a efetiva simulação nos termos constantes do artigo 240.º do Código Civil. É assim bastante a demonstração da existência de indícios sérios e objetivos que impliquem uma probabilidade elevada de que as operações tituladas pelas faturas não foram operações reais (2) Assim, reunidos e demonstrados que estejam tais indícios, cessa a presunção de veracidade prevista no artigo 75.º da LGT, competindo ao sujeito passivo alegar e provar a efetividade das operações.

Vejamos, então, se a Autoridade Tributária e Aduaneira reuniu indícios sérios de se estar perante faturação fictícia. Para o efeito analisemos os motivos que foram levados ao relatório elaborado pelos Serviços de Inspeção Tributária para desconsideração dos gastos titulados pelas faturas em causa e do direito à dedução em sede de IVA.

Tal como sumariado na sentença recorrida, com exceção da fatura com o n.º FTR 10/6, entretanto anulada, a AT concluiu que as mesmas não correspondem a operações reais, com base nos seguintes factos-índice, que não são questionados pela Impugnante: i) inexistência de contratos de fornecimento de serviços ou matéria prima; ii) ausência de orçamentos; iii) falta de prova dos respetivos pagamentos; iv) as faturas eram emitidas pelo gerente da Impugnante, R…, que era também sócio da “D…”, empresa responsável pela contabilidade da Impugnante e das empresas emitentes das faturas, a qual partilhava instalações com a Impugnante.

Considerou-se na sentença recorrida que tais factos-índice, analisados conjugadamente e à luz das regras da experiência comum, indiciam suficientemente que as faturas são simuladas, permitindo concluir que as operações não têm correspondência com a realidade.

Concordamos com o sentido da decisão no vetor de a Autoridade Tributária e Aduaneira ter cumprido o ónus que sobre si recaía, reunindo indícios sérios e suficientes para por em causa a veracidade da contabilidade da Impugnante e ora Recorrente, ou seja, de as operações tituladas por aquelas faturas não corresponderem a operações reais.

Prosseguindo na análise, verifica-se que a sentença recorrida julgou improcedente a impugnação por considerar que a Impugnante e ora Recorrente não fez a contraprova que lhe competia relativamente à materialidade das transações, ou seja, quanto à veracidade económica das operações.

Ora, apesar de ter impugnado a matéria de facto, consideramos já que a prova carreada pela Impugnante e ora Recorrente para os autos não foi de molde a contrariar os factos considerados não provados e que dizem respeito, precisamente, à materialidade económica efetiva das operações tituladas por aquelas faturas, quanto à veracidade económica das operações.

A sentença não merece, assim, a censura que lhe foi feita, improcedendo nesta parte o recurso.

Vejamos então como esta conclusão a que se chegou se reflete nas liquidações de IVA impugnadas, decisão quanto à qual a Impugnante e ora Recorrente alega verificar-se erro de julgamento.

Como é consabido o imposto sobre o valor acrescentado é um imposto indireto que incide sobre o consumo (transmissão de bens e prestações de serviços), plurifásico porque se aplica a todas as fases do circuito económico e não cumulativo, porque em cada uma delas apenas se tributa o valor acrescentado, em cada fase, por cada um dos operadores económicos.

Nas palavras de Clotilde Celorico Palma: [o] IVA é caracterizado, essencialmente, como um imposto indireto, de matriz europeia, plurifásico, que atinge tendencialmente todo o ato de consumo através do método subtrativo indireto (3) .

A dedução pode operar através dos métodos subtrativo indireto, do reporte ou do reembolso (4).

Significa isto que, em cada fase, os sujeitos passivos ou operadores ao montante de imposto apurado, subtraem os montantes de imposto que tenha sido suportado em fase anterior.

Com efeito, o direito à dedução é essencial ao funcionamento do imposto e permite assegurar o respeito pelo princípio da neutralidade.

O exercício do direito à dedução do IVA pago a montante está, no entanto, condicionado ao preenchimento de requisitos que podem ser podem ser de cariz subjetivo (relacionados com a qualidade de sujeito passivo), objetivo (relacionados com a tipologia de bens ou serviços), finalístico (atinentes ao fim dos bens ou serviços) e temporal (relacionados com a determinação do momento da exigibilidade) – cf. Ac. TCAS de 2021.05.27, Proc nº 744/11.1BELRA, disponível em www.dgsi.pt.

A impugnante ora Recorrida, é caracterizada como sendo sujeito passivo de IVA, o que não é contestado no presente recurso.

Além de os bens ou serviços adquiridos terem sido efetuada por um sujeito passivo enquanto tal, para conferir o direito à dedução necessário se torna que se destinem efetivamente a ser utilizados na atividade tributada.

Já não confere direito à dedução se os bens se destinarem a uso para fins estranhos à própria empresa.

Em causa está, como vimos, o IVA constante da referidas faturas emitidas por J…-Construções, M…-C… Unipessoal, Lda., e S…, cujo IVA que nelas figura não foi considerado dedutível essencialmente por duas ordens de razões: por a operação em causa não corresponder a uma transação real e efetiva entre a emitente e a Impugnante, ora Recorrente, e por o descritivo das faturas não cumprir as exigências legais, sendo insuficiente para permitir o controlo dos pressupostos materiais do direito à dedução do IVA, no caso.

Efetivamente, nos termos da alínea a) do nº 2 e no nº 3 do artigo 19.º CIVA, só confere direito à dedução o imposto mencionado em faturas passadas na forma legal e não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura.

Na sentença recorrida e sob crítica considerando que a Impugnante e ora Recorrente não contrariou, com eficácia, a efetiva materialidade da operação subjacente à emissão daquela fatura, por contraponto aos indícios recolhidos e vertidos no relatório de inspeção tributária que motivaram a correção técnica subjacente às liquidações impugnadas, julgou infrutífera a verificação sobre se as faturas cumpriam as formalidades exigidas pelo artigo 36º CIVA, nomeadamente as relativas ao descritivo, para exercício do direito à dedução.

Efetivamente, em face da conclusão a que se tinha já chegada de falta de veracidade das operações tituladas pelas faturas, estava já afastado o direito à dedução do IVA delas constante e inútil se torna averiguar se o descritivo das faturas padece da insuficiência apontada.

Improcedem, pois, as conclusões de recurso quanto a esta questão.

Vejamos, por fim, quanto à fatura n.º 126, emitida por G… – Comércio de Automóveis Lda., referente à viatura Renault Megane, na qual foi aposta a menção de «Bens em 2ª mão».

A operação foi efetuada ao abrigo do Regime Especial de Tributação dos Bens em Segunda Mão, Objetos de Arte, de Coleção e Antiguidades aprovado pelo Decreto-Lei n.º 199/96, de 18 de outubro.

Estão sujeitas a este regime especial as transmissões de bens em segunda mão efetuadas por sujeitos passivos revendedores (artigo 1º DL nº 199/96, de 18 de outubro).

O artigo 2º do mesmo diploma diz-nos o que se deve entender por bens em segunda mão e por sujeito passivo revendedor, para efeitos da sua aplicação. São assim bens em segunda mão - os bens móveis suscetíveis de reutilização no estado em que se encontram ou após reparação [cf. alínea a)] e por sujeito passivo revendedor - o sujeito passivo que, no âmbito da sua atividade, compra, afeta às necessidades da sua empresa ou importa, para revenda, bens em segunda mão, (…) quer esse sujeito passivo atue por conta própria, quer por conta de outrem nos termos de um contrato de comissão de compra e venda [alínea c)].

Nos termos do nº 1 do artigo 3º deste DL nº 199/99, estão sujeitas ao regime da margem as transmissões de viaturas usadas, efetuadas por sujeitos passivos revendedores, quando estes tenham adquirido as viaturas no interior da Comunidade (em Portugal ou noutro Estado membro), numa das seguintes condições: (a) a uma pessoa que não seja sujeito passivo; (b) a outro sujeito passivo, desde que a transmissão feita por este tenha sido isenta ao abrigo do n.º 32 do artigo 9.º do CIVA ou de disposição legal idêntica vigente no Estado membro onde tiver sido efetuada a transmissão; (c) a outro sujeito passivo, desde que a transmissão feita por este tenha tido por objeto um bem de investimento e tenha sido isenta ao abrigo do artigo 53.º do CIVA ou de disposição legal idêntica vigente no Estado membro onde tiver sido efetuada a transmissão; (d) a outro sujeito passivo revendedor, desde que a transmissão por este efetuada esteja abrangida por um regime de tributação da margem.

Nos termos do nº 1 do artigo 4º: O valor tributável das transmissões de bens referidas no artigo anterior, efetuadas pelo sujeito passivo revendedor, é constituído pela diferença, devidamente justificada, entre a contraprestação obtida ou a obter do cliente, determinada nos termos do artigo 16.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, e o preço de compra dos mesmos bens, com inclusão do imposto sobre o valor acrescentado, caso este tenha sido liquidado e venha expresso na fatura ou documento equivalente.

Da conjugação deste artigo 4º do DL nº 199/99 com o nº 2 do artigo 16º CIVA, resulta que nas transmissões de viaturas automóveis usadas, efetuadas por um sujeito passivo revendedor, o valor tributável incide sobre a diferença entre o preço de venda e o preço de compra.

Todavia, se aquela primeira transação de aquisição foi efetuada pelo chamado regime da margem, quando a Impugnante e ora Recorrente transmite o veículo automóvel, não podia ser já aplicado o regime da margem previsto no citado Decreto-Lei n.º 199/96, de 18 de outubro, e nos artigos 312.º a 315.º da Diretiva n.º 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, mas sim o regime geral de tributação em sede de IVA.

Efetivamente, quanto a esta transação, não se verificam já os pressupostos de aplicação daquele regime, e a tributação é efetuada nos termos do nº 1 do artigo 16º CIVA, com base no valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente

A Impugnante e ora Recorrida discorda do valor da quantificação do IVA considerado em falta, defendendo que o bem foi vendido pelo preço de aquisição, não havendo pois qualquer lucro.

Mas sem razão, estamos perante uma situação em que o valor do IVA está incluído no preço de venda, pelo que o IVA incide sobre o valor da mercadoria, pelo que deveria, pois, ter liquidado IVA sobre o montante da venda.

Apenas no caso de ter optado por liquidar IVA pelo regime geral de tributação, no momento da venda é que poderia deduzir o imposto suportado na aquisição. Com efeito, acaso tivesse optado por liquidar o IVA com base no regime geral, é que poderia deduzir o imposto suportado na aquisição no momento da venda.

Apenas no caso de ter suportado IVA no momento da aquisição é que o poderia deduzir no momento da venda. Como adquiriu a viatura sem IVA ao vendê-la deveria ter liquidado o IVA sobre o montante da venda.

Com efeito, a operação não se enquadrava na norma de isenção mencionada na fatura e foi bem corrigida pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Em todo o caso, a fatura, ao mencionar o regime de bens em segunda mão não deveria discriminar IVA de € 0,00, à taxa de 0,0%, porquanto em matéria do direito à dedução do IVA a fatura é um elemento essencial, nos termos da Diretiva IVA, para efeito de comprovação e verificação do direito que se arroga.

Em face do exposto, improcede, pois, o recurso.

Por último alega ainda o Impugnante e ora Recorrente que a sentença errou na análise da prova existente no processo, mais concretamente, a análise das declarações periódicas de substituição de IVA e os seus quantitativos

Com efeito, e como alega, após notificação do relatório final foi enviado ao Contribuinte novo relatório com os valores retificados para menos e que foram estes últimos os valores que serviram de base às liquidações impugnadas.

Os valores corrigidos são atinentes aos períodos correspondentes aos 3º e 4º trimestres das liquidações impugnadas.

Considerou-se na sentença que sendo a alteração aos montantes que constavam do primitivo relatório final resultado da entrega de declarações periódicas de substituição, efetuada pelo próprio sujeito passivo inspecionado, a Autoridade Tributária e Aduaneira não tinha que voltar a ouvir o Impugnante e ora Recorrente, por a alteração resultar de ato praticado pelo próprio.

Nas alegações de recurso a Impugnante e ora Recorrente parte dos valores constantes no primitivo relatório aos quais subtrai os valores retificados e à diferença entre eles subtrai depois, os valores levados à declaração de substituição, daí concluindo que a diferença corresponde a imposto liquidado em excesso.

Ora a Impugnante não se insurge contra a demonstração da liquidação de IVA respeitante ao 4º trimestre, nem à demonstração de liquidação de juros para demonstrar o erro que alega ter-se verificado, mas que em bom rigor não sindica.

Nada alega, aliás, nesse sentido e era destes valores de que deveria ter partido para a demonstração do alegado erro, não sendo compreensível a formulação da demonstração de que partiu, porquanto desligada da base de incidência do imposto.

Ao invés, insiste-se, partiu das primitivas correções e das retificações a estas efetuadas, às quais subtraiu de seguida o declarado nas declarações de substituição. Ora além do mais como é consabido a subtração não é comutativa, não sendo, pois, indiferente a ordem das parcelas. Nada demonstrou, pois, quanto ao excesso de quantificação.

Não se verifica, pois, o alegado o erro de julgamento.

Termos em que improcedem as conclusões de recurso H) e I).

Em face do exposto, improcede, pois, o recurso.


Sumário/Conclusões:

I - Quando a Autoridade Tributária e Aduaneira desconsidera as faturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da LGT, competindo à Administração fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da fatura não corresponde à realidade. Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transação.
II - A Autoridade Tributária e Aduaneira não tem de provar, em sede de ação inspetiva, a efetiva simulação nos termos constantes do artigo 240.º do Código Civil. É assim bastante a demonstração da existência de indícios sérios e objetivos que impliquem uma probabilidade elevada de que as operações tituladas pelas faturas não foram operações reais. Assim, reunidos e demonstrados que estejam tais indícios, cessa a presunção de veracidade prevista no artigo 75.º da LGT, competindo ao sujeito passivo alegar e provar a efetividade das operações.
III - Nos termos da alínea a) do nº 2 e no nº 3 do artigo 19.º CIVA, só confere direito à dedução o imposto mencionado em faturas passadas na forma legal e não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura.


III - Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente, que decaiu.

Lisboa, 16 de março de 2023

Susana Barreto

Tânia Meireles da Cunha

Jorge Cortês
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(1) Aut Cit, CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: anotado, I Vol. pág. 284, 285 e V Vol. pág. 139
(2) Vejam-se, exemplificativamente, os Acórdãos do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 01.02.2016 (Processo: 0591/15), de 16.03.2016 (Processos: 0400/15, 0587/15), de 19.10.2016 (Processo: 0511/15), de 16.11.2016 (Processo: 0600/15) e de 27.02.2019 (Processo: 01424/05.2BEVIS 0292/18)..
(3)PALMA, Clotilde Celorico, AS ENTIDADES PÚBLICAS E O IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO: Uma rutura no Princípio da Neutralidade, Almedina, dezembro de 2010, pág. 43.
(4)Cf. PALMA, Clotilde Celorico — Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos IDEFF, n.º 1, 4.ª edição, Coimbra: Livraria Almedina, 2009, págs. 210-213, contendo além do mais a referência detalhada aos ofícios circulados relevantes