Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06465/13
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:06/04/2013
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA HIERARQUIA. INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DO TRIBUNAL.
MATÉRIA DE FACTO. MATÉRIA DE DIREITO.
CRITÉRIO JURÍDICO PARA DESTRINÇAR SE ESTAMOS PERANTE UMA QUESTÃO DE DIREITO OU UMA QUESTÃO DE FACTO.
Sumário:
1. Nos termos do artº.280, nº.1, C. P. P. Tributário, das decisões dos Tribunais Tributários de 1.ª Instância cabe recurso a interpor, em primeira linha, para os Tribunais Centrais Administrativos, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que tal recurso tem de ser interposto para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo. A violação desta regra de competência, em razão da hierarquia, determina, por previsão explícita do artº.16, nº.1, do C. P. P. Tributário, a incompetência absoluta do tribunal, ao qual é, indevidamente, dirigido o recurso.
2. A competência do tribunal afere-se face à pretensão formulada pelo autor na petição inicial, traduzida no binómio pedido/causa de pedir, ou seja, face ao “quid disputatum” e não em função do “quid decisum”, isto é, a competência determina-se pelo pedido do autor, irrelevando qualquer tipo de indagação acerca do mérito do mesmo.
3. Nos termos do artº.26, al.b), do E.T.A.F., atribui-se competência à Secção do Contencioso Tributário do S.T.A. para conhecer dos recursos interpostos das decisões dos Tribunais Tributários, com exclusivo fundamento em matéria de direito. Por sua vez, o artº.38, al.a), do E.T.A.F., atribui competência à Secção de Contencioso Tributário de cada Tribunal Central Administrativo para conhecer dos recursos de decisões dos Tribunais Tributários, ressalvando-se o disposto no citado artº.26, al.b), do mesmo diploma.
4. O recurso não versa exclusivamente matéria de direito, se nas suas conclusões se questionar matéria factual, manifestando-se divergência, por insuficiência, excesso ou erro, quanto à factualidade provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer, ainda, porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos.
5. São factos não só os acontecimentos externos, como os internos ou psíquicos, e tanto os reais, como os simplesmente hipotéticos. São ainda de equiparar aos factos os juízos que contenham subsunção a um conceito jurídico geralmente conhecido e que sejam de uso corrente (v.g.”pagar”; “vender”; “arrendar”). Existe matéria de facto quando o apuramento das realidades se faz todo à margem da aplicação directa da lei, isto é, quando se trata de averiguar factualidade cuja existência, ou não existência, não depende da interpretação a dar a nenhuma norma jurídica. Por sua vez, existe matéria de direito sempre que, para se chegar a uma solução, se torna necessário recorrer a uma disposição legal, ainda que se trate unicamente de fixar a interpretação duma simples palavra constante de uma norma legal concreta, seja de direito substancial, seja de direito processual.
6. O critério jurídico para destrinçar se estamos perante uma questão de direito ou uma questão de facto, passa por saber se o recorrente faz apelo, nos fundamentos do recurso substanciados nas conclusões, apenas a normas ou princípios jurídicos que tenham sido na sentença recorrida supostamente violados na sua determinação, interpretação ou aplicação, ou se, por outro lado, também apela à consideração de quaisquer factos materiais ou ocorrências da vida real (fenómenos da natureza ou manifestações concretas da vida mesmo que do foro espiritual ou volitivo), independentemente da sua pertinência, merecimento ou acerto para a solução do recurso.

O relator

Joaquim Condesso
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
A..., com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pela Mmª. Juíza do T.A.F. de Beja, exarada a fls.104 a 120 do presente processo, através da qual julgou totalmente improcedente a presente acção administrativa especial, visando decisão de perda de benefício fiscal de isenção de I.M.I. para habitação própria e permanente.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.129 a 135 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-A douta Sentença recorrida interpretou e aplicou erradamente as normas legais que citou, nomeadamente o nº.2, do artº.744, do Código Civil, e o artº.130, do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto Sobre as Sucessões e Doações, pois a expressão “bens transmitidos” nelas utilizada engloba as promessas de compra e venda de imóveis (desde que haja tradição dos bens para o promitente comprador);
2-As alegadas dívidas de Sisa liquidadas oficiosamente ao ora recorrente pela A.T. gozam da garantia real de privilégio creditório imobiliário sobre os bens transmitidos, nos termos do disposto no nº.2, do artº.744, do Código Civil, e dos artºs.2, § 1, nº.2, e 130, do C.I.M.S.I.S.S.D. (aplicável “in casu”);
3-Gozando as alegadas dívidas de Sisa de garantia real de privilégio creditório imobiliário sobre os bens transmitidos, devem considerar-se preenchidas as condições do artº.14, nº.5, al.b), do Estatuto dos Benefícios Fiscais, ao contrário do afirmado na douta sentença recorrida;
4-Em conformidade com a procedência das conclusões anteriores, a douta sentença recorrida deve ser revogada e substituída por decisão que conceda provimento ao pedido formulado na presente acção pelo autor, ora recorrente, assim sendo feita a costumada Justiça.
X
Contra-alegou o recorrido, o qual suscita a excepção de incompetência em razão da hierarquia deste Tribunal e pugna pela confirmação do julgado, sustentando nas conclusões o seguinte (cfr.fls.161 a 170 dos autos):
1-O presente recurso não pode proceder e deve manter-se a sentença que considerou válido o despacho que decidiu cancelar benefícios fiscais em I.M.I. para 2007, porquanto o recorrente tinha uma dívida em execução fiscal à data de 31/12/2007, correspondente a SISA no valor de € 44.053,54;
2-Nem o recorrente nem a entidade recorrida podem beneficiar do privilégio imobiliário especial previsto no artº.744, do Código Civil, por força do disposto no artº.130, do CIMSISSD;
3-Isto porque o privilégio imobiliário existe mas apenas sobre os bens transmitidos e não sobre promessas da sua transmissão;
4-Através de um contrato-promessa não se opera a transmissão do direito real, mas apenas através do contrato prometido, a compra e venda;
5-Sem garantia prestada pelo executado, só através de penhora a dívida exequenda poderia considerar-se assegurada, impedindo o cancelamento de benefícios fiscais;
6-Não poderia nunca executar-se um bem, mesmo com privilégio, que não é o caso, sem estar penhorado no processo;
7-E que para a penhora esteja assegurada, devem ser respeitadas as formalidades constantes do artº.231, do CPPT, cuja omissão é cominada com a invalidade de toda a tramitação processual subsequente;
8-Não só a penhora, mas antes disso, a transmissão de bens é uma formalidade essencial e inultrapassável para que o Estado possa lançar mão dos seus privilégios imobiliários especiais;
9-Os benefícios fiscais dependentes de reconhecimento não podem ser concedidos quando o sujeito passivo tenha deixado de efectuar o pagamento de qualquer imposto, por força do artº.14, do EBF, como também a existência de dívidas determina a sua extinção;
10-Na presente situação, por existir uma dívida em execução fiscal, não garantida, durante o exercício de 2007 relativa a um imposto sobre o património, os benefícios fiscais automáticos relativos ao IMI do mesmo período não podem produzir efeitos;
11-A dívida em causa nos autos não se encontra garantida nem há nenhum bem penhorado no processo de execução fiscal, que só se suspende nos termos do artº.169, do CPPT;
12-Pelo que se deve concluir, do exposto, que não estando garantida a dívida nem sendo possível penhorar um imóvel de que o recorrente não é proprietário, apesar de correr termos um processo de oposição à execução, não estão preenchidos os pressupostos constantes do artº.14, nºs.5 e 6, do EBF;
13-Termos em que, pelo exposto e nos demais termos que V.Exa suprirá, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, devendo manter-se em vigor no ordenamento jurídico a sentença que considerou legal o despacho do Chefe de Finanças de Serpa que ordenou o cancelamento de benefícios fiscais para o IMI de 2007, com todas as demais consequências.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual, além do mais, igualmente suscita a excepção de incompetência em razão da hierarquia deste Tribunal, dado que o recurso deduzido apenas abarca matéria de direito (cfr.fls.186 a 188 dos autos).
X
Os restantes intervenientes processuais foram notificados da douta pronúncia do M. P. (cfr.fls.189 e 190 dos autos).
X
Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.113 a 117 dos autos):
1-Ao A. foram-lhe liquidados € 44.053,54 de imposto de sisa, em virtude de três contratos promessa de compra e venda que celebrou no ano de 1998 (cfr.artigo 1 da p.i.);
2-O A. impugnou esta liquidação, acção que corre termos no Tribunal Tributário de Lisboa sob o nº.3319/06.3BELSB (cfr.artigo 2 da p.i.);
3-Por ofício datado de 2008/10/21, foi notificado para exercer o direito de audição prévia relativo ao projecto de cancelamento de benefícios fiscais no ano de 2007 (cfr.documento junto a fls.52 dos presentes autos);
4-Em 2008/11/12, o Chefe de Finanças proferiu o despacho recorrido, que manteve a cessação dos benefícios fiscais, constante de fls.58 dos presentes autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido. Deste despacho transcreve-se:
“(…)
Através da notificação/ofício nº. 000099964 (...), foi o contribuinte [A...] notificado para exercer o direito de audição relativamente ao cancelamento de benefícios fiscais (Isenção de IMI nos termos do artigo 42/1 EBF), por ter sido detectada a existência de dívidas ao Estado em 2007.12.31.
No exercício do direito de audição vem argumentar que a dívida de imposto municipal de sisa foi objecto de oposição e de impugnação, e que como o referido imposto goza de privilégio imobiliário sobre o imóvel transaccionado, não será exigível a prestação de garantia referida na alínea b) do n° 5 do artigo 12° EBF, estando assim reunidos os requisitos legais que excepcionam o cancelamento dos benefícios fiscais.
De facto o artigo 12/5 EBF refere que os benefícios fiscais cessam se a dívida não tiver sido objecto de reclamação, impugnação ou oposição com a prestação de garantia idónea, quando exigível.
Todavia o artigo 212° CPPT refere que a oposição suspende a execução (...).
Por outro lado, o artigo 169° CPPT permite a suspensão da execução desde que tenha sido constituída ou prestada garantia ou ainda penhora que garanta a totalidade da quantia exequenda ou acrescido.
Em caso algum poderá ser suspenso o processo executivo sem que seja exigível a garantia, por não o prever o CPPT e, por isso mesmo, o processo executivo não está suspenso.
Poderá, de facto, haver dispensa de garantia nos termos do artigo 52/4 da LGT e artigo 170° CPPT mas essa questão terá de ser requerida em devido tempo e analisada no órgão de execução fiscal onde corre o processo executivo.
Cabe aqui analisar, apenas e tão só, se para efeitos de enquadramento no artigo 12/5. b), EBF se pode considerar que o privilégio imobiliário, previsto no artigo 744° do CC, poderá ser considerado como garantia de boa cobrança da dívida.
Parece-nos que sim.
Os artigos 744/2 e 736/2 CC, aliados ao artigo 130° do CIMSISSD, qualificam a sisa como beneficiária de privilégio imobiliário especial.
No processo executivo, quando o crédito exequendo de sisa tem lugar por força de liquidação deste imposto relativamente ao imóvel penhorado, o referido crédito beneficia de privilégio imobiliário especial ao abrigo do artigo 751° CC, preferindo à hipoteca, ainda que seja anterior.
Mas o que acontece é que o imóvel, cuja transacção deu origem ao crédito exequendo, não se encontra penhorado no processo executivo, logo não pode para já, funcionar qualquer tipo de privilégio e, sendo assim, não está garantida a cobrança da dívida.
Deste modo, não reconheço razão ao contribuinte e mantenho a cessação dos benefícios fiscais a que se refere o ofício n° 99964, de 2008.10.21 - isenção de IMI para habitação própria permanente prevista no artigo 42/1 EBF.
(…);
5-Por carta registada com aviso de recepção assinado em 2008/11/20, este despacho foi comunicado ao A. (cfr.documentos juntos a fls.59 a 60 dos presentes autos);
6-Em 2008/12/05, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, deu entrada a p.i. dos presentes autos (cfr.carimbo de entrada aposto a fls.2 dos autos).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Com interesse para a decisão da causa não se provaram outros factos…”.
X
A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A matéria assente, consonante ao que acima ficou exposto, foi estabelecida com base nos documentos e informações constantes do processo…”.
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida ponderou, em síntese, julgar totalmente improcedente a presente acção administrativa especial.
X
Deve, antes de mais, resolver-se a questão da competência em razão da hierarquia, por força do disposto no artº.13, do C. P. T. Administrativos, aplicável “ex vi” artº.2, al.c), do C. P. P. Tributário, excepção esta aduzida, tanto pela entidade recorrida, como pelo Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal.
Nos termos do artº.280, nº.1, C. P. P. Tributário, das decisões dos Tribunais Tributários de 1.ª Instância cabe recurso a interpor, em primeira linha, para os Tribunais Centrais Administrativos, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que tal recurso tem de ser interposto para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
A violação desta regra de competência, em razão da hierarquia, determina, por previsão explícita do artº.16, nº.1, do C. P. P. Tributário, a incompetência absoluta do Tribunal, ao qual é, indevidamente, dirigido o recurso.
Como decorre do artº.685-C, nº.5, do C. P. Civil (aplicável “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.T.), o despacho que admitiu o recurso não vincula o Tribunal Superior, pelo que nada obsta a que se aprecie e decida a questão prévia suscitada pela entidade recorrida e pelo Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal e, igualmente, de conhecimento oficioso, a qual se consubstancia na incompetência do T.C.A.Sul em razão da hierarquia.
A competência do Tribunal deve aferir-se pelo “quid disputatum” ou “quid decidendum”, em antítese com aquilo que será mais tarde o “quid decisum”. Por outras palavras, a competência do Tribunal afere-se face à pretensão formulada pelo autor na petição inicial, traduzida no binómio pedido/causa de pedir, ou seja, face ao “quid disputatum” e não ao “quid decisum”, isto é, a competência determina-se pelo pedido do Autor, irrelevando qualquer tipo de indagação acerca do mérito do mesmo (cfr.Manuel A. Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág.91; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.223 e seg.).
Nos termos do artº.26, al.b), do E.T.A.F., atribui-se competência à Secção do Contencioso Tributário do S.T.A. para conhecer dos recursos interpostos das decisões dos Tribunais Tributários, com exclusivo fundamento em matéria de direito.
Por sua vez, o artº.38, al.a), do E.T.A.F., atribui competência à Secção de Contencioso Tributário de cada Tribunal Central Administrativo para conhecer dos recursos de decisões dos Tribunais Tributários, ressalvando-se o disposto no citado artº.26, al.b), do mesmo diploma.
Da concatenação das aludidas normas do E.T.A.F. deve concluir-se que, para o conhecimento dos recursos jurisdicionais interpostos de decisões dos Tribunais Tributários de 1ª. Instância, é competente o S.T.A. quando o recurso tiver por fundamento exclusivamente matéria de direito e, pelo contrário, é competente a secção de contencioso tributário de um dos Tribunais Centrais Administrativos se o fundamento não for exclusivamente de direito.
Na delimitação da competência do S.T.A. em relação à dos Tribunais Centrais Administrativos, a efectuar com base nos fundamentos do recurso, deve entender-se que o recurso não tem por fundamento exclusivamente matéria de direito sempre que nas conclusões das respectivas alegações, as quais fixam o objecto do recurso (cfr.artº.684, nº.3, do C.P.Civil), o recorrente pede a alteração da matéria fáctica fixada na decisão recorrida ou invoca, como fundamento da sua pretensão, factos que não têm suporte na decisão recorrida, independentemente da atendibilidade ou relevo desses factos para o julgamento da causa. Por outras palavras, o recurso não versa exclusivamente matéria de direito, se nas suas conclusões se questionar matéria factual, manifestando-se divergência, por insuficiência, excesso ou erro, quanto à factualidade provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer, ainda, porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos factos provados (cfr.ac.S.T.A.-2ª. Secção, 29/9/2010, rec.446/10; ac.T.C.A.Sul, 12/3/2013, proc.5971/12; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.223 e seg.).
São factos não só os acontecimentos externos, como os internos ou psíquicos, e tanto os reais, como os simplesmente hipotéticos. São ainda de equiparar aos factos os juízos que contenham subsunção a um conceito jurídico geralmente conhecido e que sejam de uso corrente (v.g.”pagar”; “vender”; “arrendar”). Existe matéria de facto quando o apuramento das realidades se faz todo à margem da aplicação directa da lei, isto é, quando se trata de averiguar factualidade cuja existência, ou não existência, não depende da interpretação a dar a nenhuma norma jurídica. Por sua vez, existe matéria de direito sempre que, para se chegar a uma solução, se torna necessário recorrer a uma disposição legal, ainda que se trate unicamente de fixar a interpretação duma simples palavra constante de uma norma legal concreta, seja de direito substancial, seja de direito processual (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, III, Coimbra Editora, 1985, pág.206 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.406 e seg.; Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, III, Almedina, 1982, pág.268 e seg.; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.264 e seg.).
O critério jurídico para destrinçar se estamos perante uma questão de direito ou uma questão de facto, passa por saber se o recorrente faz apelo, nos fundamentos do recurso substanciados nas conclusões, apenas a normas ou princípios jurídicos que tenham sido na sentença recorrida supostamente violados na sua determinação, interpretação ou aplicação, ou se, por outro lado, também apela à consideração de quaisquer factos materiais ou ocorrências da vida real (fenómenos da natureza ou manifestações concretas da vida mesmo que do foro espiritual ou volitivo), independentemente da sua pertinência, merecimento ou acerto para a solução do recurso. Nessa óptica, o que é verdadeiramente determinante é o efeito que o recorrente pretenda retirar de tais asserções cujo conhecimento envolva a elaboração de um dado juízo probatório que não se resolva por meio de uma simples constatação sobre se existiu ofensa de uma disposição legal expressa que implique uma dada espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força probatória de certo meio de prova, caso em que a competência já não caberá ao Tribunal de revista (cfr.artº.12, nº.5, do E.T.A.F.), mas ao Tribunal Central Administrativo por força do artº.38, al.a), do E.T.A.F., o mesmo se devendo referir sempre que, em fase de recurso, for pedida a apreciação da necessidade de realização de diligências de prova ou da sua determinação.
Ora, a identificação dos fundamentos do recurso colhe-se nas conclusões das alegações, conforme se alude supra, porque é nelas que o recorrente tem de condensar as causas de pedir que tenham susceptibilidade jurídica para, segundo o seu prisma, justificar a censura da decisão recorrida.
No caso “sub judice”, conforme se retira das conclusões do recurso explanadas supra, o apelante discorda da sentença recorrida, dado concluir que a mesma incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de direito, consubstanciando este em errada interpretação e aplicação das normas constantes dos artºs.744, nº.2, do Código Civil, e 130, do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto Sobre as Sucessões e Doações, destas premissas retirando o desenlace de que se deve revogar a sentença recorrida, a qual será substituída por decisão que conceda provimento ao pedido formulado na presente acção.
Face ao referido, o recorrente não questiona o probatório da sentença nem a factualidade que o mesmo contemplou, inexistindo controvérsia factual a dirimir.
Concluindo, o recurso sob apreciação tem exclusivo fundamento em matéria de direito, pelo que não é deste Tribunal a competência para dele conhecer, antes pertencendo à Secção de Contencioso Tributário do S.T.A., nos termos supra mencionados, e assim procedendo a excepção de incompetência absoluta deste T.C.A. Sul (em razão da hierarquia), aduzida, tanto pela entidade recorrida, como pelo Digno Magistrado do M. P., prejudicado ficando o exame dos fundamentos do recurso, ao que se provirá na parte dispositiva do presente acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em JULGAR PROCEDENTE A EXCEPÇÃO DE INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DO TRIBUNAL, EM RAZÃO DA HIERARQUIA, para conhecer do presente recurso, sendo competente para tanto a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
X
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em duas (2) UC.
X
Registe.
Notifique (devendo o recorrente ser alertado para o disposto no artº.18, nº.2, do C.P.P.T.).
X
Lisboa, 4 de Junho de 2013



(Joaquim Condesso - Relator)


(Eugénio Sequeira - 1º. Adjunto)



(Benjamim Barbosa - 2º. Adjunto)