Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:55/21.4 BCLSB
Secção:CA
Data do Acordão:02/08/2024
Relator:RUI PEREIRA
Descritores:JUSTIÇA DESPORTIVA
ADEPTOS
APOIO
INFRACÇÃO DISCIPLINAR
Sumário:I- Quando o artigo 14º, nº 2 da Lei nº 39/2009, de 30/7 (cuja redacção não foi alterada pela Lei nº 113/2019, de 11/9) se refere a qualquer apoio, nomeadamente através da concessão de facilidades de utilização ou cedência de instalações, apoio técnico, financeiro ou material aos grupos de apoiantes de um determinado clube, não se está a falar de acesso e permanência de adeptos ao estádio. O escopo da norma em causa consiste no apoio directo do tipo descrito (de instalações, financeiro ou material) aos referidos grupos, enquanto membros de uma associação.
II- Os adeptos inseridos em grupos não deixam de ser adeptos e têm o direito a aceder a qualquer local do estádio desde que tenham titulo de ingresso válido para os lugares que vão ocupar. Nesse caso, apenas não poderão fazer-se acompanhar das bandeiras e tarjas que entram nos sectores a elas reservados, como decorre aliás do regulamento de segurança da recorrente, já que o aludido material coreográfico deve entrar apenas em sectores específicos do estádio, devidamente discriminados.
III- Tal acesso e permanência não deve ser confundido com o apoio referido no artigo 14º, nº 1 da Lei nº 39/2009, de 30/7.
IV- A permissão por parte da recorrida, de uso e porte pelos grupos "B…………." e "R………….." de faixas e bandeiras para sectores determinados do estádio não constitui uma forma de apoio aos mesmos, nos termos previstos no citado artigo 14º, mas sim, constituem medidas de segurança a que qualquer promotor de espectáculo desportivo está vinculado, a fim de assegurar que o espectáculo desportivo decorre com todas as condições de segurança para os adeptos e espectadores em geral.
V- No âmbito da Lei nº 39/2009, de 30/7, com a redacção da Lei nº 52/2013, de 25/7 (regime jurídico da segurança e combate ao racismo, á xenofobia e á intolerância nos espectáculos desportivos), a permissão de introdução num estádio de futebol e de exibição por parte de grupos organizados de adeptos de bandeiras e tarja de grandes dimensões com o símbolo de um clube, sem que, de tal comportamento, resulte qualquer tipo de perturbação do espectáculo desportivo, não constituí contra-ordenação ao disposto nos artigos 14º, nº 2, 39º-B, nº 2, alínea a), e 40º, nº 6 da referida lei, uma vez que tal permissão não consubstancia uma forma de apoio proibido, e que só com a Lei nº 113/2019, de 11/9, a dimensão das bandeiras foi limitada.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais: Subsecção SOCIAL
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL – SUBSECÇÃO SOCIAL

I. RELATÓRIO
1. A S………, SAD, inconformada com o acórdão de 9 de Dezembro de 2020, proferido pelo Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, no âmbito do processo disciplinar nº …..-2019/20), que lhe aplicou a sanção de interdição do recinto desportivo por dois jogos, e também, uma sanção de multa no valor de € 13.388,00 (treze mil, trezentos e oitenta e oito euros), pelo alegado apoio reiterado a grupos organizados de adeptos não legalizados em diversos jogos nos quais a SAD arguida foi promotora, em violação do artigo 118º do "Regulamento Disciplinar da Competições Organizadas pela Liga Portugal", impugnou tal decisão junto do Tribunal Arbitral do Desporto (TAD).
2. O TAD, por acórdão datado de 30-3-2021, decidiu julgar procedente a impugnação e anulou e revogou o acórdão recorrido e as sanções aplicadas pela demandada à demandante em sede disciplinar.
3. Inconformada, a Federação Portuguesa de Futebol interpôs recurso de apelação para este TCA Sul, no qual formulou as seguintes conclusões:
1. O presente recurso é interposto da decisão proferida pelo Colégio Arbitral no âmbito do processo de acção arbitral necessária nº …./2020, que declarou procedente a acção interposta pela ora recorrida e determinou a revogação do acórdão de 9 de Dezembro de 2020 proferido pelo Pleno do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol – Secção Profissional, através do qual se decidiu aplicar à ora recorrida sanção de interdição do recinto desportivo por 2 jogos e multa no valor de 13.388,00€ por aplicação do artigo 118º do RD da LPFP.
2. Em concreto, a recorrida havia sido punida pelo Conselho de Disciplina por, sinteticamente, dar apoio a grupos organizados de adeptos que não se encontram em cumprimento dos requisitos legais e regulamentares aplicáveis, colocando em causa a boa imagem da competição bem como a segurança dos demais intervenientes no jogo.
3. A decisão que ora se impugna é passível de censura, porquanto existem vários erros graves de julgamento na interpretação e aplicação do Direito, para além de se verificar o vício de falta de fundamentação, devendo por isso ser anulado, conforme se passa a demonstrar.
4. O Acórdão proferido pelo Colégio Arbitral é, nos seus diversos segmentos, contraditório entre si e, por essa via, de impossível compreensão, porquanto dá como provados factos que inequivocamente levariam a que a resolução do litígio fosse distinta, pelo que é nulo por via da alínea c) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil.
5. Atendendo à matéria de facto considerada provada pelo Tribunal a quo, que, sublinhe-se, é maioritariamente idêntica à factualidade considerada provada pelo Conselho de Disciplina da recorrente, resultou demonstrado que a recorrida apoiou GOA's ilegais, bem como que de tal apoio resultou uma situação de perigo para os bens jurídicos da segurança e tranquilidade públicas, e de lesão do bem jurídico da imagem e bom nome das competições desportivas organizadas pela Liga Portugal, em que a recorrida participa.
6. A conduta que a recorrida levou a cabo, e como de resto considerou o Colégio Arbitral, também, provado, no sentido de permitir a introdução e utilização no recinto desportivo de um “bombo" e das referidas bandeiras gigantes pelos GOA não legalizados, denominados R………e B……………..cuja exibição durante os sete jogos por esses GOA não legalizados afectos à recorrida, foi permanente, permite concluir que esta, efectivamente, apoiou, nesses jogos, GOA's que não estão legalizados.
7. Este apoio é também manifesto quando avaliamos as fotografias constantes dos autos juntas, designadamente, a fls. 213 (PD nº …… – 2019/2020), 48,156 a 159 do PD nº .... – 2019/2020. E, recorde- se, estamos a falar de bandeiras e tarjas de dimensões aproximadas de 5 a 7 metros!
8. E se o OLA da recorrida facilitou aos GOA não legalizados, a entrada "de um bombo, bandeiras e tarjas" visíveis nas fotos constantes dos autos do processo administrativo, e bem assim nos pontos 19.3 e 20.3 dos factos provados – por referência ao "bombo" –, como certamente muitos outros verão, sem necessidade de elucubrações conceituais ou semânticas, então a recorrida cai no âmbito regulamentar de acordo com o qual autoriza aos grupos organizados a, excepcionalmente, utilizar o tal "bombo" e as tais bandeiras gigantes e tarjas (artigo 11º, nº 2, alíneas a) e b) do Regulamento da Prevenção da Violência – anexo VI ao Regulamento de Competições).
9. Se a recorrida incita, promove, autoriza ou permite a entrada desses materiais ou artigos em recinto desportivo, para além de se conformar com isso, reconhecendo os seus adeptos enquanto grupo organizado, concede-lhes ao mesmo tempo apoio, o que é ilegal.
10. Ademais, ficou provado que que a recorrida permite a afectação de zonas especificas para os GOA não legalizados R…………e B…………………..e no que interessa para os presentes autos, promove que os referidos GOA não legalizados, se façam acompanhar de adereços só permitidos a GOA legalizados. Logo, ao contrário do que afirma, está a actuar tal e qual como a lei determina relativamente aos GOA legalizados, donde é fácil concluir que esta actuação não é mais do que reconhecer e agir com aqueles – grupos de adeptos – como GOA que na verdade material o são.
11. Por isso, ainda que se entenda que existem algumas diferenças de tratamento (muitíssimo residuais) entre GOA's legalizados e não legalizados, a verdade é que os GOA's não registados recebem, por parte da recorrida, um tratamento que eterniza aquela situação de ilicitude e que não cria constrangimentos a que aqueles grupos desenvolvam, com normalidade, as suas actividades de desrespeito pela ética desportiva.
12. Atento o exposto, e sabendo-se, como infra melhor se explanará, que um grupo organizado de adeptos não pode ser reconhecido e apoiado externamente enquanto tal até que esteja constituído e registado nos termos do disposto nos artigos 14º e 15º da Lei nº 39/2009, de 30 de Julho, com a redacção dada pela Lei nº 53/2013, de 25 de Julho, ao prestar apoio, a recorrida infringe a Lei e as normas Regulamentares que proíbem liminarmente qualquer apoio a grupos organizados de adeptos, em violação dos princípios e regras definidos na Lei nº 39/2009, de 30 de Julho, com a redacção dada pela Lei nº 52/2013, de 25 de Julho (artigo 6º, nº 1, alínea i) do Regulamento de Prevenção da Violência, Anexo VI ao Regulamento de Competições).
13. Andou mal, portanto, o Colégio Arbitrai ao afirmar que atendendo à matéria de facto considerada provada, em concreto aos factos provados 18, 19, 20, 21, 22, 27 a 29, que não existe qualquer apoio a GOA’s ilegais.
14. Não se percebe, nem o Colégio Arbitral explicita, como poderá considerar-se não provado que "1. A recorrida agiu de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que o seu comportamento, de permitir a introdução no recinto desportivo de bandeiras de grandes dimensões por parte de adeptos não integrantes dos seus GOA legalizados, inclusivamente por parte de GOA não legalizados mas cuja existência e localização no recinto desportivo a arguida não ignora, consubstancia uma violação dos deveres legais e regulamentares que sobre si impendem, em especial o dever de não apoiar, sob qualquer forma, GOA não legalizados, criando uma imagem exterior de insegurança, intranquilidade em prejuízo da imagem e bom nome das competições. 2. A recorrida assim agiu e omitiu, de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que os seus comportamentos consubstanciavam condutas previstas e punidas pelo ordenamento jus-disciplinar desportivo, não se abstendo, porém, de as realizar".
15. É que a recorrida não ignorava, nem podia, sem censura, ignorar que, ao tratar os GOA não legalizados como "adeptos normais" e ao viabilizar a sua entrada e permanência no recinto desportivo com materiais reservados a GOA legalizados, estava a violar o dever que sobre ela impende, enquanto promotora do espectáculo desportivo, de não apoiar, sob qualquer forma, GOA não legalizados. O que se assaca à recorrida é, sobretudo, uma atitude de alheamento relativamente aos deveres jurídicos que sobre ela impendem e a sua conformação com um resultado em que, a pretexto da narrativa dos "adeptos comuns", os GOA não legalizados continuam a desenvolver actividades de apoio ao clube que são ilícitas sob o ponto de vista da ética desportiva e do ordenamento jus disciplinar.
16. Não obstante o acima exposto, a verdade é que o facto de o Colégio Arbitral ter considerado não provados os factos acima mencionados em nada belisca a decisão de condenação da ora recorrida. Estamos perante um "chavão" da praxis, que, em bom rigor, não necessitava de aí constar para que a imputação a título subjectivo se verificasse. Como é evidente, mesmo sem esta parte, a matéria de facto dada como provada nos autos sustenta, igualmente, a punição da recorrida no âmbito do processo disciplinar, pelo que a decisão não sai minimamente prejudicada.
17. Em suma, atendendo a todo o supra exposto, resulta claro de toda a prova carreada para os autos que a recorrida, não só apoiou grupo(s) organizado(s) de adeptos não registado(s) junto da APCVD, como que bem sabia e não podia ignorar que o seu comportamento consubstanciava uma violação dos deveres legais e regulamentares que sobre si impendiam.
18. Sendo certo que a recorrida apoiou grupo(s) organizado(s) de adeptos não registado(s) junto da APCVD vejamos agora se, com tal facto, de forma intencional ou não, criou uma situação de perigo para a segurança dos agentes desportivos ou dos espectadores de um jogo oficial; uma situação de risco para a tranquilidade e a segurança públicas; ou grave prejuízo para a imagem e o bom nome das competições de futebol.
19. Salvo o devido respeito, o problema subjacente ao processo sub judice é de uma dimensão muito maior do que aquela que o Colégio Arbitral pretendeu transparecer ao afirmar que se reduz à mera utilização de um bombo e de tarjas de grandes dimensões.
20. Da matéria de facto considera provada resulta, precisamente, que a recorrida vem assumindo uma postura de negação quanto à existência destes dois GOA não legalizados no seu seio e, por via disso, do seu apoio, não adoptando nenhuma postura activa para fazer cessar uma conduta que sabe ilícita, conformando-se – e, portanto, aceitando – a actuação dos grupos organizados de adeptos com plena consciência da situação de perigo para a segurança de todos os agentes desportivos e, ainda mais, dos espectadores em geral, bem como a imagem e o bom nome das competições profissionais de futebol.
21. Atente-se que nos presentes autos estão em crise factos ocorridos em sete jogos realizados no Estádio Municipal de B………com a recorrida como promotora. Não se trata aqui de um evento isolado, de uma distracção, de um acaso, trata-se isso sim, de uma conduta reiterada por parte da recorrida, de actuar ao arrepio das normas legais.
22. É sabido que a constituição destes GOA como associações e a obrigatoriedade do seu registo na APCVD tem como objectivo garantir a segurança dos espectadores nos jogos pois é uma das formas que possibilita a identificação dos respectivos membros que eventualmente se envolvam em práticas delituais de diferente natureza.
23. Por outro lado, ao optar por apoiar de forma ilícita estes GOA, a recorrida persiste em desobedecer à autoridade do Estado e consequentemente a violar os ditames constitucionais e infraconstitucionais.
24. Os valores da tranquilidade e da segurança públicas devem ser assegurados e preservados pelo Estado, mas respeitando o princípio colaborativo com as organizações desportivas. É notório e público o clima de receio e insegurança gerado por grupos que actuam à margem da lei e que, incompreensível e ilegitimamente, são suportados e apoiados pela recorrida. São inúmeras as pessoas e famílias que sentem a sua tranquilidade e segurança postas em causa se se deslocarem aos jogos da recorrida, até porque vêm as forças de segurança enfraquecidas na sua acção por tais grupos não estarem constituídos em associações e escaparem deste modo ao recenseamento das suas identificações.
25. Neste conspecto, a conduta da recorrida, não só coloca em perigo a segurança e tranquilidade públicas, como coloca em causa a imagem e o bom nome das competições profissionais de futebol. Consabidamente, a recorrida desafia a regulação da competição, colocando em crise o bom nome e a imagem da mesma que, por sua vez, está, para a comunidade em geral, dependente da imagem das sociedades desportivas que nela participam e que têm especiais deveres na assunção de medidas dissuasoras da violência associada ao desporto.
26. Resulta claríssima, pois, a existência, em concreto, de uma situação de perigo para a segurança, risco para a tranquilidade, lesão dos princípios da ética desportiva e grave prejuízo para a imagem e bom nome da competição, também se verifica um nexo de causalidade entre os factos sub judice e os elementos constantes do tipo previsto no artigo 118º do RD da LPFP.
27. Em suma, não temos qualquer dúvida que andou mal o Colégio Arbitral na fixação da matéria de facto, em concreto, ao considerar não provado que "1. A recorrida agiu de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que o seu comportamento, de permitir a introdução no recinto desportivo de bandeiras de grandes dimensões por parte de adeptos não integrantes dos seus GOA legalizados, inclusivamente por parte de GOA não legalizados mas cuja existência e localização no recinto desportivo a arguida não ignora, consubstancia uma violação dos deveres legais e regulamentares que sobre si impendem, em especial o dever de não apoiar, sob qualquer forma, GOA não legalizados, criando uma imagem exterior de insegurança, intranquilidade em prejuízo da imagem e bom nome das competições. 2. A recorrida assim agiu e omitiu, de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que os seus comportamentos consubstanciavam condutas previstas e punidas pelo ordenamento jus-disciplinar desportivo, não se abstendo, porém, de as realizar".
28. A prevenção e combate à violência no desporto tem sido nas últimas décadas um valor bem impressivo acautelado juridicamente por várias entidades, sejam elas públicas ou privadas.
29. Portugal ao ter recolhido firmemente este valor nas suas normas constitucionais e infraconstitucionais, assumiu o dever da prevenção e combate à violência associado ao desporto – a denominada violência exógena, para além da inerente à prática desportiva presente em algumas modalidades – de forma categórica, implicando que cada entidade assuma e operacionalize cabalmente as suas atribuições e incumbências legais.
30. É, por conseguinte, neste contexto que a norma sancionatória prevista no artigo 118º do RD da LPFP sanciona, com «interdição do recinto desportivo a fixar entre o mínimo de um e o máximo de três jogos e a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 50 UC e o máximo de 250 UC», o clube que «em todos os outros casos não expressamente previstos em que os clubes deixem de cumprir os deveres que lhes são impostos pelos regulamentos e demais legislação desportiva aplicável de modo que dessa sua conduta resulte, ainda que não intencionalmente, a criação de uma situação de perigo para a segurança dos agentes desportivos ou dos espectadores de um jogo oficial, de risco para a tranquilidade e a segurança públicas, de lesão dos princípios da ética desportiva ou da verdade desportiva ou de grave prejuízo para a imagem e o bom nome das competições de futebol».
31. A temática dos Grupos Organizados de Adeptos é algo bem inerente – desde o seu surgimento (1998) – ao modelo normativo de prevenção e combate à violência no desporto. Não estamos a lidar com um minus. Estamos perante um dos eixos essenciais da legislação referente à prevenção e combate à violência associado ao desporto, leia-se, estamos perante uma verdadeira responsabilidade pública nesta matéria.
32. O que o artigo 118º do RD da LPFP visa proteger são valores como a tranquilidade e a segurança públicas – designadamente dos agentes desportivos e espectadores –, evitando a lesão dos princípios da ética desportiva ou da verdade desportiva ou a existência de um grave prejuízo para a imagem e o bom nome das competições de futebol. A par disso, visa evitar-se que se verifiquem actos de violência, racismo, xenofobia, intolerância nos espectáculos desportivos, ou qualquer outra forma de discriminação, tudo isto, sob o "chapéu" da prevenção e combate aos fenómenos de violência no desporto.
33. Cumpre dizer, no que respeita ao preenchimento dos elementos da norma em crise – artigo 118º do RD da LPFP –, esta refere expressamente que, desde que da conduta levada a cabo pelo agente resulte, "ainda que não intencionalmente", certo tipo de situações, ali elencadas, que colocam em causa o espectáculo ou a competição desportiva, deve haver lugar à sanção nos termos da referida norma regulamentar.
34. Ora, ao referir que determinado clube, ao adoptar uma qualquer conduta provoque uma das três situações referidas, ainda que não intencionalmente, o legislador pretendeu salvaguardar que determinadas condutas que provoquem aqueles resultados, não fiquem impunes, atendendo à gravidade das situações criadas e aos valores que se visam proteger e a que supra fizemos referência.
35. Não se exige assim qualquer intensidade de culpa para a aplicação da norma em questão. É sim relevante, que o clube tenha incumprido os seus deveres de forma culposa e que desse incumprimento se verifique uma das três situações previstas naquela disposição regulamentar.
36. Ora, conforme resulta da prova produzida, bem como dos factos considerados provados não só pelo Conselho de Disciplina da recorrente, como também pelo Tribunal a quo (pasme-se!), não temos dúvidas de que a recorrida apoia dois grupos organizados de adeptos, não registados no IPDJ.
37. A conduta que a S………….SAD levou a cabo, no sentido de permitir a introdução no recinto desportivo de um "bombo" e das referidas bandeiras pelos GOA não legalizados, denominados R…………..e B…………….., cuja exibição durante os sete jogos por esses GOA não legalizados afecto à recorrida, foi permanente, permite concluir que esta, efectivamente, apoiou, nesses jogos, GOA's que não estão legalizados.
38. Ficou provado que que a recorrida permite a afectação de zonas específicas para os GOA não legalizados R……………….e B………………….e no que interessa para os presentes autos, promove que os referidos GOA não legalizados, se façam acompanhar de adereços só permitidos a GOA legalizados. Logo, ao contrário do que é afirmado pelo Tribunal Arbitral, está a actuar tal e qual como a lei determina relativamente aos GOA, donde é fácil concluir que esta actuação não é mais do que reconhecer e agir com aqueles – grupos de adeptos – como GOA que na verdade material o são.
39. Ora, sendo certo que a recorrida violou deveres que sobre si impendiam – sejam omissivos ou não – resta saber se, com esse incumprimento, se criou uma situação de perigo para a segurança dos agentes desportivos ou dos espectadores de um jogo oficial; uma situação de risco para a tranquilidade e a segurança públicas; ou grave prejuízo para a imagem e o bom nome das competições de futebol.
40. A recorrida vem assumindo uma postura de negação quanto à existência destes dois GOA não legalizados no seu seio e, por via disso, do seu apoio, não adoptando nenhuma postura activa para fazer cessar uma conduta que sabe ilícita, conformando-se – e, portanto, aceitando – a actuação dos grupos organizados de adeptos com plena consciência da situação de perigo para a segurança de todos os agentes desportivos e, ainda mais, dos espectadores em geral.
41. É sabido que a constituição destes GOA como associações e a obrigatoriedade do seu registo no IPDJ tem como objectivo garantir a segurança dos espectadores dos jogos pois é uma das formas que possibilita a identificação dos respectivos membros que eventualmente se envolvam em práticas delituais de diferente natureza, sendo certo que existe um clima de receio e insegurança gerado por grupos que actuam a margem da lei e que, incompreensível e ilegitimamente são suportados e apoiados pela recorrida.
42. Ou seja, não só a recorrida S………………, SAD não cumpriu com os seus deveres, como, por intermédio da conduta do seu OLA, promoveu uma actuação dos seus GOA não legalizados violadora dos normativos legais e regulamentares aplicáveis em matéria de segurança e prevenção da violência no espectáculo desportivo. E daí decorre o grave prejuízo para a imagem das competições desportivas que convoca a aplicação do artigo 118º do RDLPFP.
43. Neste conspecto, compreende-se que a intenção do legislador não tenha sido aguardar pela verificação dessas "consequências negativas", sob pena de quando tais se verificassem, os bens jurídicos que as normas jurídicas visam proteger estarem já comprometidos. Ora, o prejuízo grave e sério para a imagem e bom nome das competições de futebol é o notório desrespeito pelas normas por parte da recorrida. Aliás, diga-se, notório e reiterado.
44. Pelo que, a imagem das competições é prejudicada no sentido em que um determinado competidor se coloca "à parte" do cumprimento da Lei e dos regulamentos, sendo que tal menosprezo pelas normas prejudica gravemente o bom nome das competições em que aquele participa.
45. Assim, não existindo nenhum vício que possa ser imputado aos acórdãos do Conselho de Disciplina que levasse à aplicação da sanção da anulabilidade por parte do Tribunal Arbitral, andou mal o Colégio de Árbitros ao decidir anular a condenação da recorrida pela infracção p. p. pelo artigo 118º do RD da LPFP, devendo o mesmo ser revogado”.
4. A S…………….., SAD contra-alegou, tendo para o efeito formulado as seguintes conclusões:
– I –
A. Inconformada com o acórdão arbitrai proferido em 30.03.2021 que absolveu a demandante da prática do ilícito disciplinar p. e p. pelo artigo 118º do RDLPFP, vem a FPF interpor o recurso a que ora se dá resposta, advogando em suma que “a decisão que ora se impugna é passível de censura, porquanto existem vários erros graves de julgamento na interpretação e aplicação do Direito, para além de se verificar o vício de falta de fundamentação, devendo por isso ser anulado.
B. Afigura-se, porém, que nenhuma razão assiste à recorrente, devendo improceder na íntegra o recuso apresentado aos autos, porquanto bem andou o Tribunal a quo ao proferir uma decisão absolutória devidamente fundamentada, tendo analisado criticamente e livremente apreciado as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto e especificado os demais fundamentos decisivos para a formação da sua convicção, daí concluindo pela decisão final em absoluto respeito pela lei.
C. Contrariamente ao que a recorrente pretende fazer valer, a factualidade dada como provada in casu não permite a constatação de qualquer situação de incumprimento de deveres a que está adstrita a recorrida, enquanto promotora dos eventos – especialmente de dever de não apoio concretizado, a contrario, no artigo 14º, nº 2 da Lei nº 39/2009.
D. Não é despiciente relembrar que resulta claro da conjugação das normas em apreço que estamos perante disposições consagradas em matéria de prevenção de violência e promoção do fair-play, cujo escopo é evitar que GOA's apoiados pelo clube assistam ao espectáculo desportivo com recurso a práticas violentas, racistas, xenófobas, ofensivas ou que perturbem a ordem pública ou o curso normal, pacífico e seguro da competição.
E. A questão da prevenção da violência é, pois, a pedra de toque de toda a legislação trazida à colação no presente pleito. Mais do que sancionar o "apoio ilegal" stricto sensu dos clubes a grupos organizados de adeptos não legalizados, o que o legislador pretendeu foi garantir que esse apoio não se traduz na promoção e adopção de comportamentos violentos, racistas, xenófobos, ofensivos ou que perturbem a ordem pública ou o curso normal, pacífico e seguro da competição por parte dos adeptos inseridos nesses grupos.
F. Acontece que, in casu. não se alcança qualquer ofensa ou incitamento à violência nas mensagens exibidas nas faixas e tarjas em apreço, nem, de resto, há factos que caracterizem aquelas concretas mensagens como ofensivas ou impróprias.
G. Trata-se, tão somente, de demonstrações de apoio ao clube absolutamente inócuas, retratando-se, na maior parte dos casos, mera simbologia ou imagens alusivas ao clube. Nada pois que possa configurar a participação no espectáculo desportivo com recurso a práticas violentas ou racistas, nem tampouco, uma qualquer perturbação da ordem pública ou do curso normal, pacífico e seguro da competição e de toda a sua envolvência (cfr. TRG, acórdão datado de 25.01.2021, proc. nº 2584/19.0T9BRG.G1).
– II –
H. Ao contrário do que advoga a recorrente, os actos de "tolerar' o acesso e permanência de determinado grupo de adeptos e/ou de "facilitar' a entrada e utilização de material coreográfico estão longe de ter a virtualidade de, por si só, consubstanciar uma violação do dever de não apoiar legalmente previsto.
I. Como é do conhecimento comum, apoiar significa, em primeira linha, ajudar/ proteger/ recomendar/ favorecer. O acto de apoiar importa, assim, um determinado comportamento (activo) que revele um especial favorecimento de alguém em relação aos demais, nomeadamente (e no sentido legal que aqui importa) concedendo a essa pessoa facilidades ou ajudas (financeiras ou materiais) que para os outros não estão disponíveis ou lhes são vedadas.
J. Por apoio a GOA deve entender-se, portanto, a prestação de auxílio, independentemente da forma de que o mesmo se revista, geralmente não prestado aos demais adeptos, e que possa constituir um incentivo ou contributo para desenvolvimento da actividade desse mesmo grupo.
K. Por ser assim, a atitude de tolerar, ou mesmo a de autorizar, permitir ou conceder, a entrada e transporte de bandeiras e tarjas que são igualmente permitidas aos demais espectadores não consubstancia uma qualquer forma de ajuda do clube para com aqueles adeptos em particular, nomeadamente no sentido normativo inscrito nos artigos 14º, nº 2 e 39º-B, nº 2, alínea a) da Lei nº 39/2009.
L. Como esclarece a decisão recorrida, o que a S……………….., SAD, faz é, nada mais, nada menos, do que tratar estes grupo de pessoas como quaisquer outros adeptos comuns: concedendo-lhes precisamente as mesmas oportunidades de acesso ao estádio, nas condições legalmente prescritas que condicionam o acesso do adepto comum ao estádio!
M. Outra não pode ser, aliás, a atitude da recorrida perante tais adeptos, não se antevendo qualquer base legal para que pudesse a mesma, sem mais, impedir o seu acesso ao estádio só pelo facto de os mesmos se encontrarem “agrupados”.
N. Aliás, secundando a restritiva tese da recorrente, fica a recorrida sem saber que iniciativas lhe são afinal permitidas (ou, dito a contrário, quais lhe ficam concretamente vedadas) no âmbito da promoção do espectáculo desportivo – sob pena de incorrer na violação de um tal dever “não de apoio” – quando um determinado GOA não logra registar-se (e não o fazendo por razões que são alheias ao clube/SAD)?!!
O. Para se poder aferir se estamos perante um apoio ilegal, no sentido legal do termo, é necessário contrapor o tratamento que é dado a estes grupos não legalizados de adeptos, àquele que é concedido às claques oficiais do clube: só havendo uma coincidência de tratamento se poderia então concluir que o apoio prestado a grupos legalizados e não legalizados é precisamente o mesmo – o que traduziria o tal "apoio ilegal” que a regulamentação em vigor expressamente pretende evitar.
P. Acontece que, dos factos dados como assentes decorre precisamente o contrário: existe uma efectiva demarcação da recorrida relativamente a estes grupos de adeptos, com a inerente (e evidente!) diferenciação face às suas claques oficiais, à época, devidamente registadas e validadas – veja-se a este propósito, em especial, a factualidade ínsita nos pontos 11, 13, 14. 15, 16 e 17 da matéria provada.
Q. Ademais, quando o artigo 14º, nº 2 da Lei nº 39/2009 refere "qualquer apoio nomeadamente através da concessão de facilidades de utilização ou cedência de instalações, apoio técnico, financeiro ou material" aos GOA não legalizados não está sequer a referir-se ao acesso e permanência de adeptos no estádio, mas sim a prever um apoio directo (concretizado em específicas e distintas acções do clube) para com esses GOA.
R. Ora, a recorrida não oferece bilhetes aos membros desses grupos: não custeia o material coreográfico que esses grupos utilizam, nem tampouco disponibiliza instalações para a guarda daquele material e, ademais, nos casos em que existe solicitação e autorização prévia, o procedimento adoptado para a verificação e entrada desse material no estádio da recorrida é um procedimento comum e não discriminatório, ou seja, aplicável a qualquer outro sócio ou adepto.
S. E, mesmo a permanência habitual destes adeptos na bancada nascente inferior, designadamente nos sectores A7 e A8, de qualquer facilitismo ou apoio por parte do clube, mas antes da mera circunstância de tais grupos de pessoas, por serem sócios do clube, poderem adquirir bilhetes para aquelas zonas do Estádio.
T. Não é, enfim, atribuída a estes adeptos qualquer condição especial de assistência ou colaboração por parte do clube aqui recorrido.
U. O entendimento sufragado pela recorrente no sentido de que a mera entrada e utilização, no recinto desportivo, de material coreográfico por parte deste grupo de adeptos traduz, automaticamente. a concessão de um apoio por parte do clube, traduz uma responsabilização do clube a todo o custo – não prevista, nem querida, pelas normas legais e regulamentares em apreço.
V. Note-se que. de acordo com a legislação em vigor à época da prática dos factos, qualquer adepto podia requerer autorização para entrada no estádio de material coreográfico, atendo-se a única restrição legal à confinação desse material em zonas determinadas (por questões de segurança) e ao concreto conteúdo das mesmas.
W. Não existindo, à data, sequer qualquer proibição de introdução de bandeiras e tarjas de grandes dimensões – sendo que só com a alteração que a Lei nº 113/2019, de 11 de Setembro, veio promover é que foram introduzidas limitações, até então nunca estabelecidas, à dimensão dos materiais permitidos nos recintos desportivos.
X. Tudo o que a regulamentação previa (designadamente no artigo 11º do RPV) era que estavam reservados aos GOA’s (devidamente legalizados) a entrada de "bandeiras gigantes’’, o que não pode entender-se ser o mesmo que bandeiras (ou tarjas) de "grandes dimensões".
Y. Pelo que, também por esta via, soçobra o argumento de que o promotor do espectáculo desportivo, ao permitir a entrada de material coreográfico a determinado grupo de adeptos, lhes dá apoio. Pelo contrário, o promotor do espectáculo está vinculado a tal obrigação!
Z. Ou seja, ainda que a recorrida permitisse deliberadamente a entrada de faixas e tarjas de grandes dimensões para os sectores em causa, isso jamais poderia levar automaticamente à conclusão de que a recorrida promovia uma discriminação positiva dos mesmos em relação aos demais adeptos, apoiando-os e permitindo-lhes uma liberdade de actuação e de expressão que não é, de todo, deferida aos restantes adeptos e espectadores, uma vez que a concessão de tais facilidades de acesso tinham plena cobertura legal.
AA. Havendo assim que concluir pela irrelevância típica da factualidade em apreço nos autos, isto é, pela sua inaptidão intrínseca para poder, desde logo em abstracto. preencher a descrição típica prevista no artigo 118º do RD, por referência ao disposto no artigo 14º, nº 2 da Lei nº 39/2009, e artigo 35º do RC. Pelo que, nenhuma censura ou reparo merecendo, como tal, o acórdão recorrido – cujo teor e sentido deve manter-se na íntegra.
– III –
BB. E, mesmo no que diz respeito à entrada e utilização de objecto produtor de ruído – esse sim de acesso vedado – sempre se diga que a recorrida não só não contribuiu em nenhuma medida para a permissão do seu acesso por parte daqueles GOA não legalizados, como tudo fez, e faz habitualmente, para evitar a prossecução de tais comportamentos.
CC. Com efeito, e como resulta à saciedade da prova documental junta aos autos, a S…………………., cumpriu, enquanto clube visitado e interveniente no encontro em apreço, com todas as normas e regras de segurança, seguindo, além do mais, os planos orientadores delineados na reunião de segurança preparatória do encontro – cuja preparação é, note-se, iniciada com a devida antecedência e cuidado.
DD. Todos os membros dos referidos grupos foram devidamente revistados (quer por ARD’s, quer pelos próprios elementos de segurança pública) não tendo sido localizado qualquer instrumento proibido – o que, se tivesse acontecido, teria sido de imediato apreendido pelas forças de segurança à semelhança do que já ocorreu noutras ocasiões.
EE. Note-se, aliás, que a recorrida, além de coordenar previamente com todas as entidades o modo de acesso e de revista aos adeptos, cuida de disponibilizar durante o jogo todos os meios disponíveis para impedir e evitar comportamentos antidesportivos nos eventos que promove.
FF. O que, infelizmente, a recorrida não consegue controlar (porque não é uma entidade omnipresente) é que, já dentro do Estádio (e depois de passada a zona de revista), possa haver dissimuladamente troca de material entre os adeptos que compõem as claques oficiais e autorizadas pelo clube (e que estão, como é sabido, legalmente autorizados a aceder ao recinto com materiais coreográficos e produtores de ruído) e os adeptos de grupos não registados.
GG. Pelo que, perfilhando o douto entendimento do Tribunal a quo, será de concluir que “(...) relativamente à situação concreta do “Bombo”, não resultou provado dos presentes autos que a inserção do mesmo no recinto desportivo tenha ocorrido na sequência e por resultado de alguma espécie de apoio da parte da demandante aos GOA’s em causa com o propósito concreto de permitir a estes grupos específicos alguma espécie de vantagem ilícita. (...) O mesmo se diga relativamente à questão das tarjas”.
HH. Ademais, é facto público, e notório, que nos demais 6 jogos aqui em apreço foi igualmente realizado e solicitado policiamento, sendo certo que o número de efectivos é definido pelas forças de segurança (no caso, a PSP). tendo em conta a assistência prevista para o jogo, o historial da relação entre os clubes e a experiência de jogos passados.
II. Se é certo que a recorrida imprimiu o máximo rigor no acompanhamento e revista de todos os adeptos ao recinto desportivo, não menos seguro é que os jogos em questão contaram com uma afluência de milhares de pessoas e por mais cuidado e empenho que se ponha nas revistas e no controlo das entradas há sempre quem consiga fazer entrar no estádio, de forma oculta, diversos objectos.
JJ. Sendo uma prática cada vez mais comum em todos os Estádios de Futebol os adeptos fazerem entrar bandeiras e tarjas (ainda que de dimensões consideráveis) enroladas nos seus próprios corpos ou escondidas em locais (do corpo) onde não é possível proceder à revista, tudo com o fito de "despistar” os materiais cuja entrada lhes sabem estar vedada por falta de autorização do clube, assim passando incólumes pelo crivo das forças de segurança pública e privada.
KK. Indubitável é que a S……………………. tudo faz, através dos seus responsáveis da segurança, para prevenir ou evitar a entrada e utilização de materiais não autorizados ou proibidos.
LL. Não sendo despiciente relembrar que é o próprio Conselho de Disciplina da FPF que expressamente refere que o objecto dos presentes autos não é sequer o ''cumprimento negligente, pelo promotor do espectáculo desportivo, do dever de revista aos adeptos”, mas sim a utilização de material coreográfico reservada a GOA legalizados.
MM. Pelo que, nem por esta via, poderia ser assacada qualquer responsabilidade disciplinar à aqui recorrida que actuou em observância de todos os deveres legais e regulamentares que lhe são impostos, sempre se impondo como tal a manutenção in totum do acórdão recorrido – o que se requer com as devidas e legais consequências.
– IV –
NN. Mas mais, a par do referido incumprimento de deveres, a norma prevista no artigo 118º exige ainda a verificação da criação de uma situação de perigo para a segurança dos agentes desportivos ou dos espectadores, de risco para a tranquilidade e a segurança públicas, de lesão dos princípios da ética desportiva ou da verdade desportiva ou de grave prejuízo para a imagem e o bom nome das competições de futebol.
OO. Tendo necessariamente de existir um nexo causal entre aquele primeiro elemento objectivo do tipo e este segundo.
PP. Sucede que, não basta, como pretende a recorrente fazer valer, a enunciação de uma situação de perigo meramente hipotética e abstracta, sem que se cuide, com o rigor e cuidado que se impõe, demonstrar, jogo a jogo, a existência dessa efectiva lesão dos bens jurídicos da segurança e tranquilidade públicas (motivada pelo alegado incumprimento de deveres do clube arguido).
QQ. Como vem sendo reconhecido pela Jurisprudência, enquanto da "passividade'' do promotor desportivo, relativamente à introdução pelos GOA de material coreográfico, não resultar nenhuma consequência negativa, fica por demonstrar a criação de um concreto "pôr em perigo" da segurança e tranquilidade dos agentes desportivos e dos espectadores do jogo.
RR. Falhando igualmente a demonstração de que com essas condutas se atingem os princípios da ética desportiva ou o bom nome e imagem das competições (cfr. acórdão do TCAS, datado de 15-10-2020, proc. nº 67/20.5BCLSB, e acórdão do STJ, datado de 11-3-2021).
SS. Tudo o que. face à manifesta ausência de prova que deponha no sentido de um concreto pôr em perigo da segurança pública nos jogos em apreço – derivado, em exclusivo, da entrada e utilização de material coreográfico por parte dos adeptos em questão –, determina a necessária absolvição da aqui recorrida como bem se decidiu no acórdão arbitral”.
5. Remetidos os autos a este TCA Sul, foi dado cumprimento ao disposto no artigo 146º do CPTA, mas o Digno Procurador-Geral Adjunto junto deste tribunal não emitiu parecer.
6. Sem vistos aos Exmºs Juízes Adjuntos, atenta a natureza urgente do processo, vêm os autos à conferência para julgamento.

II. OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A DECIDIR
7. Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela recorrente, sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da respectiva alegação, nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º, nºs 1, 2 e 3, todos do CPCivil, “ex vi” artigo 140º do CPTA, não sendo lícito a este TCA Sul conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.
8. E, face ao teor das conclusões do recurso apresentado pela FPF, impõe-se apreciar no presente recurso se o acórdão arbitral enferma de erro de julgamento de direito, ao considerar a falta de preenchimento dos elementos objectivos do tipo do artigo 118º do RDLPFP, afastando assim a aplicação das normas em questão no processo disciplinar, concluindo que a decisão proferida no processo disciplinar padece de um vício de violação de lei.

III. FUNDAMENTAÇÃO
A – DE FACTO
9. O acórdão arbitral considerou assente a seguinte factualidade:
i. No dia 11-8-2019, realizou-se no Estádio Municipal de B……….. o jogo oficialmente identificado sob nº …………., entre a demandante e a M………….., SAD, a contar para a Liga N….. ("B………. vs. M………").
ii. No dia 30-3-2019, realizou-se no Estádio Municipal de B………o jogo oficialmente identificado sob o nº ………….., entre a demandante e a F………..., SAD, a contar para a Liga N……….. {"B………. vs. P………….").
iii. No dia 9-3-2019, realizou-se no Estádio Municipal de B……….. o jogo oficialmente identificado sob o nº …………., entre a demandante e a V……………., SAD, a contar para a Liga N………. (“B……… vs. V……………").
iv. No dia 28-4-2019, realizou-se no Estádio Municipal de B……… o jogo oficialmente identificado sob nº …………., entre a demandante e a S……………., SAD, a contar para a Liga N……….. (“B……….a vs. B………….").
v. No dia 17-5-2019, realizou-se no Estádio Municipal de B………… o jogo oficialmente identificado sob o nº …………, entre a demandante e a ……………. SAD, a contar para a Liga N………… (“B………. vs. P……………").
vi. No dia 1-9-2019, realizou-se no Estádio Municipal de B…………. o jogo oficialmente identificado sob o nº …………., entre a demandante e a S…………….., SAD, a contar para a Liga N…………. ["B……….. vs. B……………”).
vii. No dia 13-10-2019, realizou-se no Estádio Municipal de B…………. o jogo oficialmente identificado sob o nº………………, entre a demandante e a M………………. SAD, a contar para a A………Cup ("B……….. vs. M…………….”).
viii. Entre os adeptos e simpatizantes da demandante é possível identificar dois GOA’s que, assiduamente acompanham e apoiam a equipa profissional de futebol desta sociedade desportiva, denominados “R…………….” e "B……………".
ix. A demandante não ignora a existência destes dois GOA.
x. Os referidos GOA não se encontram legalizados nem registados junto da Autoridade para a Prevenção e Combate à Violência no Desporto (APCVD).
xi. A demandante realizou contactos e reuniões com indivíduos pertencentes a estes GOA, os quais actuam como supostas figuras de liderança, no sentido de os tentar sensibilizar para a necessidade do respectivo registo e legalização dos GOA.
xii. No recinto desportivo, os adeptos dos GOA "B………………" e "R……………” ocupam o sector A8 da bancada nascente inferior.
xiii. A demandante não fornece bilhetes aos GOA “B…………….." e "R……………." nem lhes reserva o sector do estádio em que normalmente se encontram (sector A8, bancada nascente inferior).
xiv. A demandante não permite que os adeptos afectos aos GOA "B…………….” e "R………….” coloquem antecipadamente material coreográfico no recinto desportivo e não presta qualquer auxílio jurídico ou financeiro a estes grupos.
xv. A demandante não presta apoio logístico aos GOA “B…………….." e "R……………”, nomeadamente, não lhes sendo permitido que guardem materiais de apoio nas instalações do clube.
xvi. Relativamente a estas, a demandante forneceu, num primeiro momento, apoio jurídico na constituição da associação e no registo do GOA junto da APCVD e, depois, apoio financeiro para o pagamento de despesas relacionadas com rendas, deslocações aos estádios e bilhética.
xvii. No supra referido jogo “B………. vs. M………..", pelas 21h15m, adeptos do GOA “B…………….” exibiram uma tarja de grandes dimensões com o seguinte teor: “16 ANOS ORGULHO ULTRA”; pelas 22h33m, adeptos integrantes do GOA “B…………..” exibiram três tarjas de grandes dimensões com os seguintes dizeres: "V…….. FC VS. CD T…………. 2° FEIRA 20H15"; "PERDE O ADEPTO, VENCE O PODER INSTALADO"; "PRIMEIRA JORNADA, ACORDO QUEBRADO".
xviii. No mesmo jogo "B………. vs. M………..”, o Oficial de Ligação aos Adeptos da SAD arguida – Senhor R……………..–, agiu de forma a facilitar a entrada no recinto desportivo de um bombo e de tarjas.
xix. No decurso do referido jogo foi utilizado um bombo pelos GOA masculinos afectos à demandante localizados no sector A8 da bancada nascente inferior.
xx. No supra referido jogo "B………… vs. P………….”, pelas 16h00, adeptos integrantes dos GOA “B……………..” e “R……………..”, afectos à demandante exibiram uma bandeira de grandes dimensões afecta aos respectivos GOA.
xxi. No supra referido jogo "B……….. vs. V…………..", adeptos integrantes de um GOA da demandante exibiram, pelas 18h50m, uma tarja de grandes dimensões com o seguinte teor: "OBRIGADO CAMPEÕES .....".
xxii. No supra referido jogo "B……… vs. B……….", de 28-4-2019, a demandante realizou uma coreografia antes do início do jogo, que implicou a exibição de uma tarja com sensivelmente 90m de largura e 50m de altura, cobrindo toda a bancada nascente. A coreografia teve a participação de adeptos indiferenciados afectos à demandante, não se limitando apenas a membros de GOA’s.
xxiii. A tarja não continha qualquer mensagem insultuosa/ofensiva, mas apenas referências a monumentos da cidade de B……….. A tarja foi exibida durante cerca de 10 minutos e cobriu as bancadas nascente inferior e nascente superior. A coreografia não teve consequência e não provocou qualquer atraso no início do jogo.
xxiv. A PSP, na reunião preparatória do jogo, deu parecer negativo à realização da coreografia, tendo em conta os riscos associados à permanência da estrutura, feita de material inflamável, e exibida numa zona de confluência de adeptos das duas equipas.
xxv. Foi efectuado um ensaio da coreografia, visto a partir do relvado, tendo ficado consensualizado entre os representantes da S…………, SAD, Delegado da Liga Profissional e comissário da PSP que a coreografia poderia ter lugar.
xxvi. No supra referido jogo "B………… vs. B……….", de 28-4-2019, entre a demandante e a S…………………., SAD, adeptos integrantes dos GOA “B……………..” e “R……………”, afectos à demandante, localizados na banca inferior nascente, sector A8, exibiram duas tarjas de grandes dimensões pela seguinte ordem cronológica: pelas 16h10m – Colocação de tarjas e bandeiras referente às claques “R……………” e “B……………”; pelas 17h23m – exibição de tarja de grandes dimensões com o seguinte conteúdo: "BRACARA AUGUSTA E FIDELIS ET ANTIQUA” e “SÃO MAIS DE 2000 ANOS DE GLÓRIA, HONREM A SUA HISTÓRIA".
xxvii. No supra referido jogo “B…….. vs. P…………", adeptos integrantes de GOA da demandante, exibem, pelas 21h57m, tarja de grandes dimensões com o seguinte conteúdo: "NA PRÓXIMA ÉPOCA QUEREMOS: TODOS OS JOGOS A HORAS DECENTES"; pelas 21h59m, tarja de grandes dimensões com o seguinte conteúdo: "NA PRÓXIMA ÉPOCA QUEREMOS: VERDADE DESPORTIVA"; pelas 22h00, tarja de grandes dimensões com o seguinte conteúdo: "NA PRÓXIMA ÉPOCA QUEREMOS: LIBERDADE DE APOIAR"; pelas 22h26m, tarja de grandes dimensões com o seguinte conteúdo: "NA PRÓXIMA ÉPOCA QUEREMOS: GARRA, ATITUDE, AMBIÇÃO".
xxviii. No jogo "B……….. vs. B…………", de 1-9-2019, adeptos integrantes do GOA “B………………." e “R…………..", localizados no sector A8, exibiram, pelas 21h36m, uma bandeira de grandes dimensões afecta ao respectivo GOA.
xxix. No jogo "B……….. vs. M…………", adeptos integrantes do GOA “B……………..", afecto à demandante, exibiram, pelas 15h05m, uma tarja de grandes dimensões com o seguinte teor: "B………..; BL; ULTRAS BRAGAS".
xxx. À época da prática dos factos (épocas desportivas 2018/2019 e 2019/2020), a posição jurídica da demandante era no sentido de, relativamente aos seus adeptos, SAD, não se opor à entrada de bandeiras de grandes dimensões no recinto desportivo, independentemente de quem delas fosse portador (adeptos integrados, ou não, em GOA), a menos que tais materiais contivessem mensagens de conteúdo ofensivo, xenófobo ou racista.
xxxi. Nos relatórios das reuniões de preparação de jogo relativas aos jogos "B……. vs. B………", de 28-4-2019, e “B………. vs. B………", de 1-9-2019, foi observado que, não tendo o clube visitante GOA registados, não seria permitida a entrada de instrumentos produtores de ruído, bandeiras, tarjas ou outros elementos alusivos ao clube, excepto vestuários e cachecóis.
xxxii. Nos seguintes jogos, deflagraram, a partir do sector onde se encontram localizados os GOA não registados afectos à demandante ("B………." e "R……………"), artefactos pirotécnicos:
- No jogo "B……..vs. M……….”: potes de fumo e tochas;
- No jogo "B………… vs. P……………..": potes de fumo e petardos;
- No jogo "B………. vs. V………": potes de fumo, flash lights;
- No jogo “B……….. vs. B…………….", de 28-4-2019: tochas, potes de fumo, petardos e fachos de mão;
- No jogo "B…………. vs. P………………..": potes de fumo e flash lights;
- No jogo “B………….. vs. M……………..”: tochas luminosas.
10. O acórdão arbitral impugnado considerou ainda como não provados os seguintes factos:
a. A demandante agiu de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que o seu comportamento, de permitir a introdução no recinto desportivo de bandeiras de grandes dimensões por parte de adeptos não integrantes dos seus GOA legalizados, inclusivamente por parte de GOA não legalizados mas cuja existência e localização no recinto desportivo a arguida não ignora, consubstancia uma violação dos deveres legais e regulamentares que sobre si impendem, em especial o dever de não apoiar, sob qualquer forma, GOA não legalizados, criando uma imagem exterior de insegurança, intranquilidade em prejuízo da imagem e bom nome das competições.
b. A demandante assim agiu e omitiu, de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que os seus comportamentos consubstanciavam condutas previstas e punidas pelo ordenamento jus-disciplinar desportivo, não se abstendo, porém, de as realizar.

B – DE DIREITO
11. Como decorre dos autos, o acórdão arbitral recorrido considerou que faltava o preenchimento dos elementos objectivos do tipo do artigo 118º do RDLPFP, afastando desse modo a aplicação das normas em questão no processo disciplinar, para a final concluir que a decisão proferida pelo Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol no processo disciplinar em causa padecia do vício de violação de lei, fundamentando tal conclusão nos seguintes termos:
1. Da alegada nulidade da decisão proferida pelo Conselho de Disciplina face ao vício de incompetência absoluta:
A este respeito a demandante alega que a competência para a aplicação de sanções relacionadas com a concessão de apoios indevidos a grupos organizados de adeptos cabe, em exclusivo, ao IPDJ, actual APCVD – Autoridade para a Prevenção e o Combate à Violência no Desporto. Mais alega que, em consagração do princípio da legalidade, a competência de um órgão terá sempre de resultar da lei ou de regulamento (cfr. artigo 266º, nº 2 da CRP e artigo 36º do CPA). Não sendo este o caso, e tendo a decisão recorrida sido exarada por uma entidade sem competência legal para o efeito, a decisão proferida pelo Conselho de Disciplina da demandada enfermará de um vício de incompetência absoluta, o que na visão da demandante acarretará a nulidade da mesma (artigo 161º, nº 2, alínea b) do CPA).
Em contraposição, a demandada refuta a existência de qualquer vício de incompetência absoluta alegando que as suas competências foram validamente exercidas ao abrigo do poder disciplinar que legalmente lhe assiste. Na visão da demandada, a demandante foi punida disciplinarmente face a uma alegada inobservância qualificada de deveres, deveres esses que podem estar previstos na lei ou em regulamento, tal como acontece neste caso. Assim, no presente processo, a demandante limitou-se a aplicar o Regulamento Disciplinar Federação Portuguesa de Futebol e o Regulamento de Competições, bem como a Lei nº 39/2009, de 30 de Julho, por remissão destes últimos, isto sem prejuízo de a demandada não ter prosseguido qualquer processo de natureza contra-ordenacional. De acordo com a demandada, a decisão do Conselho de Disciplina é assim legítima em face da sua natureza, emergindo fundamentalmente de uma norma disciplinar patente no Regulamento de Disciplina da LPFP, em concreto, do artigo 118º. A demandante pugna ainda pela “coexistência de espaços valorativos e sancionatórios próprios" (i.e.: processo criminal, sancionatório e disciplinar) tendo em conta a diversidade dos interesses específicos a que se dirige cada um desses procedimentos sancionatórios, bem como, os fundamentos e os fins das respectivas penas/sanções.
Cumpre então decidir esta questão, desde já se adiantando que não se vislumbra no presente caso a existência de qualquer nulidade.
Com efeito, analisado o processo sancionatório junto pela própria demandada com a contestação, é desde logo manifesto que a mesma se encontra a actuar não num contexto de exercício de poderes de natureza contra-ordenacional, mas sim no contexto do exercício dos poderes disciplinares que lhe são conferidos pela lei e pelos regulamentos desportivos próprios aplicáveis. A este respeito recorde-se que o artigo 10º do Regime Jurídico das Federações (Decreto-Lei nº 248-B/2008, de 31 de Dezembro de 2008) determina de forma clara que "O estatuto de utilidade pública desportiva confere a uma federação desportiva a competência para o exercício, em exclusivo, por modalidade ou conjunto de modalidades, de poderes regulamentares, disciplinares e outros de natureza pública, bem como a titularidade dos direitos e deveres especialmente previstos na lei”, (nosso sublinhado), poderes esses que de acordo com o artigo 11º do mesmo diploma têm uma natureza pública. No mesmo sentido, o artigo 19º da Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto prevê no artigo 19º, nº 1, que “1 – O estatuto de utilidade pública desportiva confere a uma federação desportiva a competência o ara o exercício, em exclusivo, por modalidade ou conjunto de modalidades, de poderes regulamentares, disciplinares e outros de natureza pública, bem como a titularidade dos direitos e poderes especialmente previstos na lei” (nosso sublinhado).
In casu, a demandada sustenta o exercício do respectivo poder disciplinar no artigo 118º do RDLPFP o qual determina sob a epígrafe "inobservância qualificada de outros deveres” que: ”Em todos os outros casos não expressamente previstos em que os clubes deixem de cumprir os deveres que lhes são impostos pelos regulamentos e demais legislação desportiva aplicável de modo que dessa sua conduta resulte, ainda que não intencionalmente, a criação de uma situação de perigo para a segurança dos agentes desportivos ou dos espectadores de um jogo oficial, de risco para a tranquilidade e a segurança públicas, de lesão dos princípios da ética desportiva ou da verdade desportiva ou de grave prejuízo para a imagem e o bom nome das competições de futebol, são punidos com a sanção de interdição do seu recinto desportivo, a fixar entre o mínimo de um e o máximo de três jogos, e a sanção de multa, de montante a fixar entre o mínimo de 50 UC e o máximo de 250 UC” (nosso sublinhado). O exercício desse mesmo poder disciplinar é assim efectuado por referência à violação da lei e de diversos regulamentos desportivos, em concreto plasmados no artigo 35º, nº 1, alíneas b), k), I) e m), do Regulamento de Competições, e artigo 6º, alíneas c), I), m) e n), ambos do Regulamento de Prevenção da Violência, no artigo 8º, nº 1, alíneas b), I), m) e n), artigo 14º, nºs 1, 2 e 3, artigo 15º, nºs 1 e 2, artigo 24º (a contrario) e 25º (a contrario) da Lei nº 39/2009, de 30 de Julho, com a redacção que lhe foi conferida pela Lei nº 52/2013.
Ora, sem prejuízo do referido artigo 118º do RDLPFP ser efectivamente uma provisão com um carácter “residual", a verdade é que atenta a natureza e o conteúdo das diversas normas regulamentares e legais invocadas pela demandada como fundamento de aplicação das sanções em questão, bem como, em função da própria natureza do poder inquisitório e sancionatório exercido pela demandada, não estamos perante uma questão de alegada “falta de competência". Quanto muito, poderemos estar perante uma questão de falta de preenchimentos dos elementos do tipo (objectivo/subjectivo) das normas invocadas pela própria demandada, e consequentemente, no limite, perante uma possível “violação de lei". Apenas poderíamos estar perante um vício de falta de competência caso a demandada tivesse exercido os respectivos poderes sancionatórios estritamente ao abrigo, nos termos e para os efeitos da Lei nº 39/2009, de 30 de Julho, nomeadamente dos referidos artigos 14º, nº 7 e 39º-B, nº 2, imiscuindo-se assim no quadro regulamentar e contra-ordenacional da APCVD, o que aqui não sucede. Na verdade, o exercício dos poderes da demandada no presente caso nasce na esfera do artigo 118º do RDLPFP fazendo efectivamente também referência à Lei nº 39/2009, de 30 de Julho, mas não emergindo/nascendo estritamente do quadro legal/sancionatório desta última. É uma diferença que do ponto de vista jurídico, nomeadamente no que toca à qualificação da actuação da demandada, tem toda a relevância.
Neste sentido, decidiu o recente Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 11 de Março de 2021, que num caso bastante similar ao dos presentes autos envolvendo alegados apoios a GOA considerou que: “Entendemos, porém, que esta situação é susceptível de configurar um vício de violação de lei, por não estarem demonstrados os elementos típicos do referido artigo 118º, mas nunca de incompetência absoluta. Efectivamente, o Conselho de Disciplina tinha competência para aplicar – como aplicou – a sanção disciplinar prevista no preceito; se a aplicou erradamente, por não estarem reunidos todos os seus pressupostos, infringiu a norma. Assim, porque a competência se afere face à norma que foi aplicada e é indubitável que o conselho de Disciplina dispunha de competência para o efeito, não se pode entender que as deliberações punitivas enfermam do vício de incompetência absoluta".
A este respeito cumpre também destacar que o RDLPFP determina de forma clara no artigo 6º, nº 3 (sob a epígrafe "Autonomia do Regime Disciplinar desportivo") que “A aplicação de sanções criminais, contra-ordenacionais, administrativas, cíveis ou associativas não constitui impedimento, atento o seu distinto fundamento, à investigação e punição das infracções disciplinares de natureza desportiva" (nosso sublinhado). Assim, sem prejuízo de a conduta da demandante poder, eventualmente, constituir também uma natureza susceptível de uma sanção contra-ordenacional face ao artigo 14º da Lei nº 39/2009, de 30 de Julho, não se vislumbram particulares razões para que tal facto exclua necessariamente o poder de investigação e sanção que assiste à demandada a nível disciplinar/desportivo.
Aliás, neste contexto destaque-se também o teor das normas constantes do artigo 56º do RJFD que determina que “Se a infracção revestir carácter contra-ordenacional ou criminal, o órgão disciplinar competente deve dar conhecimento do facto às entidades competentes”, e do artigo 218º do RDLPFP que determina que: Sempre que os factos objecto do procedimento disciplinar sejam passíveis de integrar infracção penal, o órgão perante o qual o procedimento estiver pendente dará obrigatoriamente notícia deles ao serviço do Ministério Público competente para instaurar o respectivo inquérito, nos termos do artigo 242º do Código de Processo Penal. 2. Do mesmo modo se procederá, através de denúncia à autoridade administrativa competente, quando se trate de factos passíveis de integrar infracção contra-ordenacional”. O conteúdo destas normas aponta assim no sentido de uma autonomia, mas também de uma coexistência dos diversos poderes em questão, sem que um exclua necessariamente o outro.
Aliás, refira-se que a admitir-se uma conclusão diferente, tal poderia, no limite, conduzir ao resultado de que um conjunto de factos com potencial relevância disciplinar/desportiva previstos e sancionados no âmbito da Lei nº 39/2009, de 30 de Julho, conexos com matérias fulcrais tais como segurança, prevenção de violência, monitorização e acesso de adeptos e grupos organizados de adeptos, poderiam, em tese, ficar excluídos da esfera de actuação das federações desportivas, as quais se veriam assim impedidas de prosseguir os poderes de investigação e sanção disciplinar que lhes assiste e que, como vimos, são dotados de uma natureza pública.
Face ao exposto, e concluindo, não se considera existir qualquer vício de “incompetência absoluta" por parte da demandada, e consequentemente, não existe qualquer nulidade a respeito desta matéria.
2. Da alegada violação por parte da demandante das normais regulamentares e legais referidas na decisão recorrida
Resta então apreciar se face à matéria provada foi efectivamente violado o escopo das normas regulamentares e legais em causa no processo disciplinar.
A respeito desta matéria desde já se adianta que analisados os espectros objectivos e subjectivos subjacentes às normas em questão, não se vislumbra fundamento para aplicação de uma sanção à demandante.
Passamos a explicar porquê:
Comecemos por recordar que o artigo 118º do RDLPFP é invocado pela demandada em sede disciplinar por referência a um conjunto de outras regras cujo núcleo essencial encontra-se conexo com um suposto apoio a GOA’s. Com efeito, é a própria demandada que o diz de uma forma cristalina: "É importante focar o seguinte: a demandante foi sancionada não pelo facto de não registar, ou levar a que os grupos organizados de adeptos que assumidamente apoia se registem, mas antes pela concessão de apoios a grupos organizados de adeptos que existem à margem da lei, o que torna tais apoios ilícitos” (artigo 100º da contestação, nosso destaque). Mais, dúvidas houvesse, é o próprio Conselho de Disciplina da Demandada que expressamente refere, a fls. 84 do processo disciplinar, que: “Cumpre esclarecer que o objecto dos presentes autos não é – nem poderia, sem haver violação daquele princípio-garantia fundamental – o cumprimento negligente, pelo promotor do espectáculo desportivo, do dever de revista aos adeptos” mas sim “a inobservância qualificada, pela arguida, do dever de não apoiar, sob qualquer forma, grupos organizados de adeptos não legalizados".
Revisitando agora sumariamente as regras em causa no presente processo, note-se que o artigo 35º do Regulamento das Competições que serve de fundamento à condenação, sob a epígrafe, “Medidas preventivas para evitar manifestações de violência e incentivo ao fair-play” estipula que são deveres dos clubes, entre outros, os seguintes:
“b) incentivar o espírito ético e desportivo dos seus adeptos, especialmente junto dos grupos organizados;
k) não apoiar, sob qualquer forma, grupos organizados de adeptos, em violação dos princípios e regras definidos na Lei nº 39/2009, de 30 de Julho, com a redacção dada pela Lei nº 52/2013, de 25 de Julho;
l) zelar por que os grupos organizados de adeptos apoiados pelo clube participem do espectáculo desportivo sem recurso a práticas violentas, racistas, xenófobas, ofensivas ou que perturbem a ordem pública ou o curso normal, pacífico e seguro da competição e de toda a sua envolvência, nomeadamente, no curso das suas deslocações e nas manifestações que realizem dentro e fora de recintos;
m) manter uma lista actualizada dos adeptos de todos os grupos organizados apoiados pelo clube fornecendo-a às autoridades judiciárias, administrativas e policiais competentes.
Tais deveres decorrem também do Regulamento de Prevenção de Violência (anexo ao Regulamento de Competições), nomeadamente do disposto no seu artigo 65º; e, bem assim, das alíneas b), I), m) e n) do artigo 8º e do artigo 14º, a contrario, da Lei nº 39/2009, de 30 de Julho (Segurança e Combate ao Racismo, à xenofobia e à intolerância nos espectáculos desportivos) com a redacção que lhe foi conferida pela Lei nº 52/2013.
Por seu turno, o artigo 11º do Regulamento de Prevenção de Violência sob a epígrafe “Acesso e permanência dos grupos organizados de adeptos” determina que:
"1. É aplicável ao grupo organizado de adeptos o estabelecido nos artigos 95º e 105º sendo sempre obrigatória a revista pessoal aos mesmos e seus bens.
2. Os grupos organizados de adeptos podem, excepcionalmente, utilizar os seguintes materiais ou artigos, no interior do recinto desportivo:
a) instrumentos produtores de ruídos, usualmente denominados «megafone» e «tambores»;
b) bandeiras «gigantes».
3. O disposto na alínea a) do número anterior carece de autorização prévia do promotor do jogo, e de comunicação deste às forças de segurança.
4. O disposto na alínea b) do nº 2 carece da autorização do promotor do jogo, solicitada no prazo que para tal for definido no regulamento interno de segurança adoptado nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 65º".
Preceito que deve de ser lido e interpretado em conjugação com o disposto no artigo 24º da Lei nº 39/2009, na versão dada pela Lei nº 52/2013, e que prevê:
“Condições especiais de permanência dos grupos organizados de adeptos
1 – Os grupos organizados de adeptos podem, excepcionalmente, utilizar no interior do recinto desportivo megafones e outros instrumentos produtores de ruídos, por percussão mecânica e de sopro, desde que não amplificados com auxílio de fonte de energia externa.
2 – O disposto no nº 1 carece de autorização prévia do promotor do espectáculo desportivo, devendo este comunicá-la à força de segurança.
3 – Nos recintos desportivos cobertos pode haver lugar a condições impostas pelo promotor do espectáculo desportivo ao uso dos instrumentos produtores de ruídos, tendo em vista a protecção da saúde e do bem-estar dos participantes presentes no evento, nos termos da legislação sobre ruído".
Compulsadas as normas em apreço, resulta evidente que nos encontramos perante disposições consagradas em matéria de prevenção de violência e promoção do fair-play, cujo escopo fundamental consiste em prevenir a actuação e a prática por parte de GOA’s com recurso a práticas violentas, racistas, xenófobas, ofensivas ou que perturbem a ordem pública ou o curso normal, pacífico e seguro da competição e apoiados pelos respectivos clubes.
É também importante recordar que a análise e a aplicação destas normas no caso concreto apenas pode ser efectuada em estrita conexão com o já referido artigo 118º do RDLPFP. Ou seja, a demandante apenas poderá ser condenada em sede disciplinar caso a sua conduta resulte num incumprimento das provisões em questão e resulte igualmente na “criação de uma situação de perigo para a segurança dos agentes desportivos ou dos espectadores de um jogo oficial, de risco para a tranquilidade e a segurança públicas, de lesão dos princípios da ética desportiva ou da verdade desportiva ou de grave prejuízo para a imagem e o bom nome das competições de futebol” (cfr. artigo 118º do RDLPFP).
Contudo, da matéria provada não resultam factos suficientes que evidenciem um preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos subjacentes às normas em questão.
A verdade é que dos autos não resulta demonstrado um efectivo “apoio” da parte da demandante aos Grupos Organizados de Adeptos em questão. O acto de “apoiar” implica a ocorrência de um determinado comportamento intencional que revele um especial amparamento, favorecimento, ajuda ou auxílio a alguém. No contexto concreto do presente caso o hipotético apoio a este tipo de GOA’s consistirá fundamentalmente em apoios logístico (por ex. concessão de facilidades de utilização ou cedência de instalações), apoio técnico, financeiro ou material; o teor do artigo 14º da Lei nº 39/2009, de 30 de Julho, aponta precisamente neste sentido ao enunciar estas categorias como sendo susceptíveis de configurar modalidades de apoio a GOA’s. Ora, sem prejuízo de se conceder que esta lista não seja exaustiva, podendo assim admitir-se a existência de outros tipos de apoios, a verdade é que tal não resulta plasmado na factualidade provada nos autos. No limite, admite-se que a demandante tratará estes GOA’s como adeptos comuns. Contudo, tal não é equiparável a um verdadeiro “apoio” a estes grupos no contexto em que nos situamos nem é suficiente para preencher a dimensão normativa típica das normas em questão.
Por outro lado, acrescente-se que da matéria provada resulta inclusivamente uma demarcação da demandante relativamente a estes grupos de adeptos que deve necessariamente ser valorada e considerada à luz do Direito. Existe uma conduta diferente da parte da demandante relativamente aos GOA’s B………..e os R…………… quando comparada com as claques oficiais registadas “G…………" e as “B…………………". Neste sentido destaque-se nos seguintes pontos constantes da factualidade provada:
13. A demandante não fornece bilhetes aos GOA "B…………" e "R………….", nem lhes reserva o sector do estádio em que normalmente se encontram (sector A8, bancada nascente inferior).
14. A demandante não permite que os adeptos afectos aos GOA "B…………." e "R………….." coloquem antecipadamente material coreográfico no recinto desportivo e não presta qualquer auxílio jurídico ou financeiro a estes grupos.
15. A demandante não presta apoio logístico aos GOA "B……………" e "R…………….", nomeadamente, não lhes sendo permitido que guardem materiais de apoio nas instalações do clube.
16. Existem dois GOA femininos, afectos à S……………, SAD, que se encontram registados junto da APCDV: as "G………." e as "B…………….".
17. Relativamente a estas, a demandante forneceu, num primeiro momento, apoio jurídico na constituição da associação e no registo do GOA junto da APCVD e, depois, apoio financeiro para o pagamento de despesas relacionadas com rendas, deslocações aos estádios e bilhética.
A acrescer, relativamente à situação concreta do "Bombo", não resultou provado dos presentes autos que a inserção do mesmo no recinto desportivo tenha ocorrido na sequência e por resultado de alguma espécie de apoio da parte da demandante aos GOA’s em causa com o propósito concreto de permitir a estes grupos específicos alguma espécie de vantagem ilícita. Assim, também a respeito desta matéria não é possível descortinar qualquer espécie de apoio.
O mesmo se diga relativamente à questão das tarjas. No que respeita a esta matéria acrescente-se que, mesmo que porventura se parta do princípio que o erro sobre a factualidade típica em que a demandante incorreu não é atendível, a verdade é que a conduta prosseguida pela demandante com base em tal erro (i.e.: não se opor à entrada de bandeiras de grandes dimensões no recinto desportivo, independentemente de quem delas fosse portador adeptos integrados ou não em GOA, a menos que tais materiais contivessem mensagens de conteúdo ofensivo, xenófobo ou racista) se dirigia e reflectia sobre todas as categorias de adeptos e não apenas sobre GOA’s não registados.
Em resumo, os factos resultantes dos autos a respeitante da matéria de entrada de materiais no recinto, simplesmente não são suficientes para qualificar um efectivo "apoio” da demandante aos GOA em questão à luz das normas aplicáveis, sendo esta a questão que se encontra aqui em sindicância, e não outra (como por ex., incumprimento dos deveres de revista/segurança e/ou falta de registo dos GOA’s) como expressamente refere a própria demandada. Por outro lado, não se vislumbram mensagens de teor particularmente ofensivo.
A acrescer, conforme já supra referido, não nos podemos esquecer que o incumprimento dos deveres regulamentares em causa tem necessariamente de ser sempre valorado à luz do supra mencionado artigo 118º do RDLPFP, o qual requer em concreto a "criação de uma situação de perigo para a segurança dos agentes desportivos ou dos espectadores de um jogo oficial, de risco para a tranquilidade e a segurança públicas, de lesão dos princípios da ética desportiva ou da verdade desportiva ou de grave prejuízo para a imagem e o bom nome das competições de futebol”. Mais uma vez nas palavras do Supremo Tribunal Administrativo, na decisão de 11 de Março de 2021: "A transcrita norma em apreço, ao exigir que da conduta da recorrida resulte a criação de uma situação de perigo para a segurança dos agentes desportivos ou espectadores, ou de risco para a tranquilidade e segurança pública, configura uma infracção de perigo concreto – e não de perigo abstracto ou presumido – onde o perigo é elemento constitutivo do tipo.” (nosso sublinhado).
Ora, atenta a matéria provada, não vislumbramos a existência de uma concreta situação de perigo para a segurança, risco para a tranquilidade, lesão dos princípios ou ética desportiva ou grave prejuízo para a imagem e bom nome das competições emergente desta situação, a qual se consubstancia essencialmente na utilização de um bombo e de tarjas de grandes dimensões. A acrescer, logicamente, também não vislumbramos a existência de um nexo de causalidade entre os elementos do tipo da norma, o que também teria de resultar provado.
Assim sendo, tendo em consideração a falta de preenchimento dos elementos objectivos do tipo do artigo 118º do RDLPFP, a aplicação das normas em questão no processo disciplinar está assim também afastada, padecendo a decisão proferida no processo disciplinar de um vício de violação de lei, razão pela qual deve ser anulada e revogada, o que assim se decide”.
Desde já se adianta que o assim decidido é para manter.
12. Como decorre dos autos, a recorrida “S………………………….., SAD” foi punida pela violação do disposto no artigo 118º do RDLPFP, do qual resulta que “em todos os outros casos não expressamente previstos em que os clubes deixem de cumprir os deveres que lhes são impostos pelos regulamentos e demais legislação desportiva aplicável de modo que dessa sua conduta resulte, ainda que não intencionalmente, a criação de uma situação de perigo para a segurança dos agentes desportivos ou dos espectadores de um jogo oficial. de risco para a tranquilidade e a segurança públicas, de lesão dos principias da ética desportiva ou da verdade desportiva ou de grave prejuízo para a imagem e o bom nome das competições de futebol são punidos com a sanção de interdição do seu recinto desportivo a fixar entre o mínimo de um e o máximo de três jogos e a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 50 UC e o máximo de 250 UC”.
13. Em concreto, imputa-se à recorrida o incumprimento do nº 2 do artigo 14º da Lei nº 39/2009, de 30/7, o qual refere que "o incumprimento do disposto no número anterior veda liminarmente a atribuição de qualquer apoio, por parte do promotor do espectáculo desportivo, nomeadamente através da concessão de facilidades de utilização ou cedência de instalações, apoio técnico. financeiro ou material”. Ou seja, a questão aqui em análise, que se prende em determinar se a permissão (expressa ou tácita) de que os grupos de adeptos de um determinado clube exponham e coloquem tarjas e bandeiras, contendo algumas delas símbolos identificativos desses próprios grupos, é passível de ser entendido como apoio prestado pela SAD aos mesmos, deve merecer resposta negativa.
14. Com efeito, quando no artigo 14º, nº 2 da Lei nº 39/2009, de 30/7 (cuja redacção não foi alterada pela Lei nº 113/2019, de 11/9) se refere a qualquer apoio, nomeadamente através da concessão de facilidades de utilização ou cedência de instalações, apoio técnico, financeiro ou material aos grupos de apoiantes de um determinado clube, não se está a falar de acesso e permanência de adeptos ao estádio, como é o que está em causa nestes autos. O escopo da norma em causa consiste no apoio directo do tipo descrito (de instalações, financeiro ou material) aos referidos grupos, enquanto membros de uma associação.
15. Além do mais, é manifesto que os adeptos inseridos em grupos não deixam de ser adeptos e têm o direito a aceder a qualquer local do estádio desde que tenham titulo de ingresso válido para os lugares que vão ocupar. Nesse caso, apenas não poderão fazer-se acompanhar das bandeiras e tarjas que entram nos sectores a elas reservados, como decorre aliás do regulamento de segurança da recorrente, já que o aludido material coreográfico deve entrar apenas em sectores específicos do estádio, devidamente discriminados.
16. Tal acesso e permanência não deve ser confundido com o apoio referido no artigo 14º, nº 1 da Lei nº 39/2009, de 30/7. Como resulta da factualidade provada, qualquer adepto, ainda que não inserido em grupos organizados, pode requerer autorização para entrada no estádio com o mesmo tipo de material que o fazem aqueles adeptos, sendo certo que o referido material terá que ficar confinado nas zonas determinadas no regulamento de segurança.
17. Porém, a permissão por parte da recorrida, de uso e porte pelos grupos "B………………e "R……………." de faixas e bandeiras para sectores determinados do estádio não constitui uma forma de apoio aos mesmos, nos termos previstos no citado artigo 14º, mas sim, constituem medidas de segurança a que qualquer promotor de espectáculo desportivo está vinculado, a fim de assegurar que o espectáculo desportivo decorre com todas as condições de segurança para os adeptos e espectadores em geral.
18. Como também se deixou expresso no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 25-1-2021, proferido no âmbito do processo nº 2584/19.0T9BRG.G1, “no âmbito da Lei nº 39/2009, de 30/7, com a redacção da Lei nº 52/2013, de 25/7 (regime jurídico da segurança e combate ao racismo, á xenofobia e á intolerância nos espectáculos desportivos), a permissão de introdução num estádio de futebol e de exibição por parte de grupos organizados de adeptos de bandeiras e tarja de grandes dimensões com o símbolo de um clube, sem que, de tal comportamento resulte qualquer tipo de perturbação do espectáculo desportivo, não constituí contra-ordenação ao disposto nos artigos 14º, nº 2, 39º-B, nº 2, alínea a), e 40º, nº 6 da referida lei, uma vez que tal permissão não consubstancia uma forma de apoio proibido aos G....., e que só com a Lei nº 113/2019, de 11/9, a dimensão das bandeiras foi limitada”.
19. Adoptando tal entendimento ao caso presente, resulta que as condutas adoptadas pela SAD recorrida não consubstanciam necessariamente actos de apoio proibido, nos termos e para os efeitos da Lei nº 39/2009, de 30/7. Além do mais, o facto da questão aqui em apreciação se revestir de cariz disciplinar, não exclui o entendimento vindo de referir, por reporte à natureza contra-ordenacional de condutas idênticas.
20. Para efeitos de punibilidade disciplinar da conduta do agente ao abrigo do artigo 118º do RDLPFP exige-se, para além da violação objectiva de um dever, o seguinte:
(i) "a criação de uma situação de perigo para a segurança dos agentes desportivos ou dos espectadores de um jogo oficial, de risco para a tranquilidade e a segurança públicas”; ou,
(ii) "a lesão dos princípios da ética desportiva ou da verdade desportiva"; ou,
(iii) "a existência de grave prejuízo para a imagem e o bom nome das competições de futebol".
21. Ora, não obstante o referido, a FPF limitou-se conclusivamente a afirmar que a conduta em causa era susceptível de criar uma situação de perigo, prejudicando gravemente o bom nome da competição, conclusão que sempre careceria de demonstração.
22. No que respeita à acusação disciplinar, é manifesto que a mesma assenta na factualidade que foi considerada provada no acórdão arbitral impugnado, sendo por conseguinte insuficiente para que se pudessem ter como assentes os elementos típicos da infracção e das penas aplicadas, mormente o "grave prejuízo para a imagem e o bom nome das competições de futebol”, a demandar de acrescida densificação e demonstração.
23. Ora, torna-se evidente, tal como considerou o acórdão arbitral impugnado, que a recorrente não logrou fazer prova da ilicitude imputada ao comportamento da recorrida, uma vez que a utilização de bandeiras, tarjas ou faixas por adeptos não é proibida, salvo se veicularem mensagens ofensivas, violentas ou de carácter racista ou xenófobo, que vimos não ser o caso.

24. Em conclusão, ficou por demonstrar que tenha sido adoptado pela recorrida SAD qualquer comportamento violador do ordenamento disciplinar desportivo, nomeadamente, que se traduza em apoio ilegal a grupo organizados de adeptos, o que sempre careceria de mais e melhor prova, que não meramente circunstancial e conclusiva (no mesmo sentido, cfr. o acórdão deste TCA Sul, de 3-3-2022, proferido no âmbito do processo nº 138/21.BCLSB).
25. E, sendo assim, conclui-se que o decidido pelo TAD não merece a censura que a recorrente lhe imputa, em face do que é de negar provimento ao presente recurso jurisdicional.

IV. DECISÃO
26. Nestes termos, e pelo exposto, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo – Subsecção Social deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso interposto e confirmar o acórdão arbitral impugnado.
27. Custas a cargo da recorrente FPF.
Lisboa, 8 de Fevereiro de 2024
(Rui Fernando Belfo Pereira – relator)
(Pedro Figueiredo – 1º adjunto)
(Carlos Araújo – 2º adjunto)