Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1032/14.7BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/18/2023
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:OPOSIÇÃO
REVERSÃO
AUDIÇÃO PRÉVIA
Sumário:I. A falta de audiência prévia à decisão administrativa, quando não seja legalmente dispensada, constitui preterição de formalidade essencial, conducente, em regra, à anulabilidade do ato (artigo 163/1 CPA).
II. A preterição do direito de audiência prévia, por via da aplicação do princípio do aproveitamento do ato administrativo, apenas é admissível quando a intervenção do interessado no procedimento tributário for inequivocamente insuscetível de influenciar a decisão final, o que acontece em geral nos casos em que se esteja perante uma situação legal evidente ou se trate de atividade administrativa vinculada.
III. A possibilidade de aplicação do princípio do aproveitamento do ato deve ser apreciada casuisticamente pela análise das circunstâncias particulares do caso concreto, aferindo-se se a decisão do procedimento não poderia de forma alguma ser influenciada pela participação do contribuinte no procedimento.
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Seção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I - Relatório

A Autoridade Tributária e Aduaneira, não se conformando com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a oposição apresentada pela revertida A… no âmbito da execução fiscal nº 3247200401088947, que corre termos no Serviço de Finanças de Lisboa-2, por reversão de dívidas de IVA dos períodos de 2002, 2003 e 2005, IRC do exercício de 2004 e IRS referente ao ano de 2005, no valor global de € 11 307,11, da devedora originária C… Viagens e Turismo, Lda., dela veio interpor o presente recurso.

Nas alegações de recurso apresentadas, a Recorrente Autoridade Tributária e Aduaneira, formula as seguintes conclusões:

I. «A Fazenda Pública considera que havendo nos autos um indício, como foi remetida à Oponente o projeto de reversão das dívidas fiscais, não deverá bastar que a Oponente venha alegar que não foi notificada, argumentando apenas que se trata de uma preterição ou de um vicio fundamentador de determinar a anulação dos presentes autos de execução fiscal.
II. Isto porque na realidade, com esta argumentação, nunca saberemos quais as razões que pretenderia advogar no projeto de reversão que permitissem com que o mesmo não prosseguisse os seus tramites, e é com este argumento e pelas inúmeras dificuldades em que se revê a administração fiscal, que se pretende reverter esta decisão.
III. Defendemos que no âmbito “aplicação do princípio do aproveitamento do ato exige um exame casuístico, de análise das circunstâncias particulares e concretas de cada caso, com vista a aferir, num juízo de prognose póstuma, se se está ou não perante uma situação de absoluta impossibilidade de a decisão do órgão de execução fiscal ser influenciada pela participação do interessado.” Deve a oponente, não indicar meramente que não foi notificada, como explicar detalhadamente, porque motivo considera que a sua participação no âmbito do procedimento de reversão poderia de alguma forma inverter a decisão de reverter as dívidas fiscais.

Vejamos,

IV. Neste caso a Fazenda Pública apontou no quesito 28.º da sua contestação, um registo postal pelo qual comunicou a notificação para exercer o direito de audição prévia, no procedimento de reversão, para o domicílio da ora Oponente, conforme comunicou a citação, para o mesmo local que foi recebida.
V. Ora sendo a notificação do direito ao exercício da audição prévia por registo simples, torna-se um alvo fácil de acertar, argumentando esta preterição, no centro do alvo, porque para a Oponente basta dizer que não recebeu e para a administração fiscal tem que demonstrar que realizou.
VI. A administração fiscal comunicou através de uma entidade externa (Correios de Portugal) que faculta um número de registo (RQ258545832PT), a mesma entidade é que informa se a missiva foi ao não recebida, consta no documento “Recebido” que a emissão do documento foi em 23/11/2012 e a receção em 28/11/2012 e o tribunal não aceita como prova, nem tão pouco solicita no âmbito dos seus poderes inquisitórios e de gestão processual, qualquer confirmação da informação dada, quer a essa entidade externa que são os CTT, quer ao serviço de finanças, qualquer prova adicional, bastando decidir anular todo o procedimento.
VII. No entanto estão em causa dívidas fiscais, que deveriam ter sido pagas pela devedora originária B… Lda., com o contribuinte n.º 5… e que conforme fundamentos elencado na petição inicial da Oponente, dúvidas não restam que a sociedade era gerida por ela.
VIII. No caso em análise, a questão que se coloca é a de saber se a Administração Tributária em sede de reversão, propiciou ao revertido, o conhecimento dos motivos que o levaram a agir nos termos em que o fez, ou seja, se foram dadas a conhecer razões (de facto e de direito) em que se apoiou a reversão da execução fiscal contra a recorrida. Trata-se de questão que, naturalmente, se situa no âmbito da validade formal do ato – e neste caso a resposta é sim.
IX. Efetivamente, da matéria dada como assente pelo Tribunal a quo não se vislumbra factualidade que pudesse desvirtuar o considerado pela Administração Tributária quanto a esta questão, que na realidade nem se poderá considerar controvertia. Ao invés, atenta a matéria dada como assente, e a errada e/ou falta de valoração de prova documental que foi junta aos autos, cimentam a posição assumida e defendida pela administração fiscal.
X. Sendo importante realçar que, em caso de dúvida acerca da questão enunciada, sempre poderia e deveria o Ilustre Tribunal “a quo” ordenar que fosse oficiada a entidade competente pelo envio de correio postal registado e idónea para atestar não só a expedição de um registo postal, como a sua receção pelo destinatário, os CTT – Correios de Portugal.
XI. No entanto nestes casos, a questão não pode ser julgada superficialmente, tendencialmente terá em algum momento o tribunal de analisar o aproveitamento do ato, ao caso específico e para possibilitar esse enquadramento, não bastará à Oponente dizer que não foi notificada para o exercício do direito de audição, mas referir detalhadamente e em que circunstância é que considera ser de obstar a que no momento da sua participação o procedimento não prosseguisse.
XII. O que não foi feito.
XIII. Deu a decisão recorrida como sendo duvidosa a realização da referida notificação, mesmo tendo conhecimento com que base a mesma foi realizada e tendo disponível toda a documentação inerente à mesma nos presentes autos.
XIV. Neste caso em concreto sempre recairia sobre a Oponente o ónus da prova de demonstrar, que ao tomar conhecimento da missiva que lhe fora remetida, pelo motivo de…não deveria ter a reversão fiscal prosseguido. Nada consta na fundamentação da PI.
XV. Conclui o douto Tribunal de primeira instância que “não ficou demonstrado nos autos que o Oponente tenha sido regularmente notificado para audição prévia” tal questão constitui um ónus da AT e terá de ser valorada contra a AT, determinando a consequente anulação do despacho de reversão quanto à Oponente.
XVI. Com o devido respeito e salvo melhor entendimento, a Fazenda Pública discorda da solução perfilhada pelo Ilustre Tribunal “a quo”, na medida em que considera que não foi a mais acertada ao caso concreto, nem tem em consideração o princípio do aproveitamento do ato.

Pelo que se peticiona o provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, assim se fazendo a devida e acostumada JUSTIÇA!


A Recorrida não apresentou contra-alegações.

O recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II – Fundamentação

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso, sendo as de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de facto e na aplicação do direito, ao considerar procedente a oposição, com fundamento preterição de uma formalidade essencial do procedimento de reversão.


II.1- Dos Factos

O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade:

«Com relevo para a apreciação do mérito da pretensão da Oponente, consideram-se provados os seguintes factos:

a. Em 19/11/1996, pela Ap. 6/961119 foi registo o contrato de constituição da sociedade “B…, LDA”, destinada à comercialização de produtos alimentares, utilidades, vestuário, sendo sócios a ora Oponente, A…, e B… e gerente a sócia A… e obrigando-se a sociedade através da assinatura de um gerente – cfr. certidão da Conservatória do Registo Comercial de Lisboa a fls. 131 a 133 dos autos.

b. Em 20/04/2004, pela Ap. 25/040420 foi registada a alteração parcial do contrato social mencionado em a), passando a ser sócios a Oponente e C… e gerente, designado em 13/01/2004, C… – certidão da Conservatória do Registo Comercial de Lisboa a fls. 131 a 133 dos autos.

c. Em 29/12/2004, foi instaurado contra a sociedade identificada em a), pelo Serviço de Finanças de Lisboa 2, o processo de execução fiscal n.º 3247200401088947, com base na certidão de dívida emitida em 27/12/2004, com o n.º 2004/358694, para pagamento de IVA, referente ao ano de 2002, cujo prazo legal de pagamento terminou em 25/11/2004, no valor de €4.040,00 – cfr. autuação e certidão de dívida constante do PEF apenso aos autos.

d. Ao processo de execução fiscal identificado na alínea anterior foram apensados os seguintes 4 processos de execução fiscal, referentes a IRC, IVA e IRS, cujo prazo legal de pagamento ocorreu em 31/08/2005, 20/02/2006, 12/08/2005 e 16/12/2009, perfazendo a quantia exequenda o valor global de €11.307,77 e acrescidos:
3247200501130161 . Imp. Cont. . Corr. 2005/0307453 05102100056200000729397 2004-01-01 2004-12-31 2005-08-31 IRC IMPOSTO/CONT
Imp. Cont. Corr. 2005/0307453 05102100056200000729397 2004-01-01 2004-12-31 2005-08-31 IRC JUROS COMPENS
Imp. Cont. Corr. 2005/0307453 05102100056200000729397 2004-01-01 2004-12-31 2005-08-31 IRC JUROS DE MORA
3247200601041932 IVA 2006/0057893 06102100036006047007 PF 2005-10-01 2005-12-31 2006-02-20 IVA IMPOSTO/CONT
3247200601057960 IVA 2006/0088922 05102100026700507632007 2003-01-01 2003-12-31 2005-08-12 IVA IMPOSTO/CONT
3247201001002201 . Imp Cont Corr. 2010/0004008 09102100046000001794 273 2005-01-01 2005-12-31 2009-12-16 IRS IMPOSTO/CONT
Imp. Cont. Corr. 2010/0004008 09102100046000001794 273 2005-01-01 2005-12-31 2009-12-16 IRS JUROS COMPENS

- cfr. listagem de processos, autuações e certidões de dívida constantes do PEF apenso aos autos e também identificados na contestação da Fazenda Pública


e. Em 16/01/2008, a sociedade devedora originária foi declarada insolvente por sentença proferida no processo n.º 568/06.8TYLSB que correu termos no 1º Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa – cfr. sentença junta aos autos

f. Em 31/01/2008, pela Ap.23/20080131 foi registada a cessação de funções como gerente da Oponente, na sequência de renúncia ocorrida em 31/12/2006 – cfr. certidão junta a fls. 153 a 156 do SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido

g. Em 13/3/2013, o órgão de execução fiscal elaborou informação no sentido de informar nos autos que a sociedade devora originária foi declarada insolvente, por sentença proferida no processo n.º 568/06.8TYLSB que correu termos no Tribunal do Comércio de Lisboa e no qual foi nomeado liquidatário judicial e que apesar de as dividas respeitaram a período anterior à insolvência, nos termos do artigo 146.º, n.º 2 do CIRE já ter sido ultrapassado o prazo para reclamar os créditos na insolvência – cfr. informação constante dos autos e certidão a fls. 153 a 156 do SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido

h. Em 16/04/2014, foi elaborado ofício de notificação de audição prévia em reversão, dirigido à Oponente, do qual constam como fundamentos de reversão a insuficiência de bens da devedora originária decorrente da situação liquida negativa e/ou declaração de insolvência declarada pelo Tribunal, a gerência de direito no terminus do prazo legal de pagamento ou entrega do imposto em questão e gerência de facto decorrente da remuneração da categoria A, auferida ao serviço da devedora originária no período em questão, nos termos do artigo 255.º e/ou 399.º do CSC – cfr. de notificação audição prévia em reversão constante do PEF apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido

i. Em 16/04/2014, foi elaborado ofício de citação em reversão da Oponente, para pagamento da divida exequenda, no valor de €11.307,77 – cfr. ofício de citação em reversão constante do PEF apenso aos autos

j. A Oponente foi citada para a execução fiscal:


«Imagem em texto no original»


- cfr. Citação constante dos autos

k. Na mesma data, foi elaborada informação pelo órgão de execução fiscal ao abrigo do artigo 208.º do CPPT, nos termos da qual é referido que ainsuficiência de bens da devedora originária decorre da declaração de insolvência e a inexistência de bens móveis e imóveis registados propriedade da sociedade e que “A Autoridade Tributária não possui, de momento, provas da gerência de facto, no que à Oponente diz respeito”. – cfr. informação do OEF junta aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido

l. Em 18/08/2014, pela Ap. 21/20140818 foi registado o transito em julgado da decisão de encerramento da liquidação da sociedade devedora por insuficiência da massa insolvente – cfr. certidão a fls. 153 a 156 do SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.»



Quanto a factos não provados, na sentença exarou-se o seguinte:

«Com relevância para a decisão a proferir nos autos, dá-se como facto não provado:
1) A notificação para audição prévia em reversão a que corresponde o registo 258545832PT, com data de emissão de 2012-11-23 consta do sistema de execuções fiscais como recebido [artigo 28º da contestação].»


E quanto à Motivação da Decisão de Facto, consignou-se:

«Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa [ou causas] de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor e consignar se a considera provada ou não provada [cf. artigo 123.º, nº. 2, do CPPT, in casu, ex vi do artigo 211.º, n.º 1 do CPPT].
Assim, a convicção do Tribunal resultou da análise dos documentos juntos aos autos e constantes do PEF, supra ids., a propósito de cada uma das alíneas do probatório, cujo conteúdo não foi impugnado pelas partes.
O PEF apenso aos autos está numerado de forma que não correspondente com o número de páginas e por isso não se faz menção da numeração a fls. dos documentos.
Do PEF não consta informação prévia ao despacho de reversão, nem o despacho de reversão, nem qualquer comprovativo de notificação.
A data considerada como sendo a data da elaboração dos ofícios de notificação para audição prévia e de ofício de citação coincidem com a data da elaboração da informação prestada ao abrigo do artigo 208.º do CPPT.
Quanto ao facto não provado dos documentos juntos pelo OEF [prints extraídos do sistema de execuções fiscais, a fls. 88 a 100 dos autos], não consta qualquer referencia a audição prévia da Oponente, não foi junto ofício com data cronologicamente conforme com os factos dados como provados, nem comprovativo de envio via CTT, nem comprovativo de receção ou de disponibilização válida na esfera jurídica da destinatária, a Oponente.
Os restantes factos alegados não foram julgados provados ou não provados, em virtude de não ter sido requerida e/ou produzida prova, por constituírem conclusões/considerações pessoais ou conclusões de facto ou de direito, não são os mesmos suscetíveis de ser objeto de juízo probatório [pese embora a sua pertinência nos respetivos articulados].


II.2 Do Direito

Alega a Recorrente que a sentença recorrida que julgou procedente a oposição judicial, incorreu em erro de julgamento de facto e de direito, por a Autoridade Tributária e Aduaneira ter reunido indícios a seu ver suficientes para se concluir pela notificação da Recorrida do projeto de despacho de reversão e para exercer o direito de audição prévia, violação do princípio do inquisitório porquanto o Tribunal deveria ter solicitado os elementos em falta ao Serviço de Finanças e ordenado que fosse oficiada a entidade competente pelo envio de correio postal registado e idónea para atestar não só a expedição de um registo postal, como a sua receção pelo destinatário à Opoente e ora Recorrente, pugnado ainda, que deveria prevalecer, no caso, a aplicação do princípio do aproveitamento do ato.

Termina pedindo a procedência do recurso e a revogação da sentença e a sua substituição por acórdão que declare a oposição improcedente.

Apesar de não vir expressamente impugnada a matéria de facto dada como provada na sentença, vem alegado o erro de julgamento na apreciação dos factos.

Considera a ora Recorrente não ter sido dado na sentença suficiente relevo ao alegado no artigo 28º da contestação relativo ao envio de carta registada, menção constante do sistema informático que, no seu entendimento, seria suficiente para se considerar provado que foi comunicado à Opoente o projeto de despacho de reversão, através de carta registada simples, para exercer, querendo, o direito de audição prévia. Refira-se, desde já, que não foi junto aos autos qualquer prova do alegado.

Constando, aliás, na sentença, como facto não provado que a Opoente e ora Recorrida tenha sido notificada para audição prévia em reversão a que corresponde o registo 258545832PT, com data de emissão de 2012-11-23 consta do sistema de execuções fiscais como recebido.

A primeira questão submetida à apreciação do tribunal respeita, pois, a saber se a Opoente e ora Recorrida foi ou não notificada para exercer o direito de participação na modalidade de audição prévia, antes da reversão operada.

Todavia, não tendo sido expressamente impugnada a matéria de facto dada como assente na sentença, insiste-se, nem cumpridos os correspondentes ónus que recaiam sobre a ora Recorrente, desde já adiantaremos que o recurso, nesta parte está condenado ao insucesso.

Em todo o caso, vejamos:

O direito de participação dos cidadãos na formação das decisões administrativas e deliberações que lhes digam respeito tem assento constitucional no artigo 267/5 da CRP.

Este direito foi concretizado também no Código de Procedimento Administrativo (CPA) na versão da Lei nº 6/96, de 31 de janeiro que o republicou, no artigo 8º, com a epígrafe princípio de participação, regulado nos artigos 100º a 103º CPA.

A audição dos responsáveis subsidiários antes do despacho de reversão encontra-se expressamente prevista no nº 4 do artigo 23.º da Lei Geral Tributária (LGT), que nos diz: “[a] reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da presente lei e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação

Nos termos do nº 4 do artigo 60.º da LGT, tal notificação para o exercício do direito de participação deve ser concretizada por correio postal registado. Diz: “o direito de audição deve ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte”.

Assim, para cumprimento do dever de notificação para exercício do direito de audição prévia e no que aqui interessa, basta o envio por correio registado para o domicílio fiscal do contribuinte de ofício que contenha o projeto de decisão para se pronunciar sobre o seu conteúdo e a indicação do prazo em que o mesmo pode ser exercido.

Volvendo ao caso em análise, além de, como já referido supra, não ter sido impugnada a matéria de facto assente, dos autos nada consta que permita contrariar o decidido na sentença recorrida. Com efeito, com a contestação não foi junto qualquer documento relativo à notificação da Opoente e ora Recorrida, na informação oficial elaborada pelo Chefe do Serviço de Finanças também nada se refere à notificação da Opoente e ora Recorrida para exercício do direito de audição prévia, dos extratos extraídos do Sistema Informático (vulgo «print») relativos à tramitação dos processos de execução fiscal que aqui interessam não há qualquer menção à preparação do processo de execução fiscal (PEF) para reversão ou à notificação da Opoente e ora Revertida e das cópias dos PEF juntas também não há qualquer menção a essa notificação.

Alega, porém, a ora Recorrente, nomeadamente na conclusão VI), violação do princípio do inquisitório, defendendo que o tribunal deveria ter exercido os seus poderes de gestão processual e solicitado a produção de prova adicional junto do Serviço de Finanças e/ou aos CTT – Correios de Portugal.

Ora, como é por demais consabido, com os articulados devem ser disponibilizados os meios de prova e apresentados os documentos em que se aleguem os factos correspondentes. Deveria assim ter sido apresentado ou junto o documento referido no artigo 28º da contestação.

Com efeito, o princípio do inquisitório deve ser conjugado com o princípio da autorresponsabilidade das partes considerando-se que aquele não só não permite o suprimento por iniciativa do juiz da omissão de articulação de factos estruturantes da causa no momento processualmente adequado, como substituir-se à parte quando nenhum meio de prova foi mobilizado ou carreado para os autos. Na verdade, nas alegações e conclusões de recurso a Recorrente refere-se a ser solicitada prova adicional, e não perante uma total ausência de prova.

Vejamos o que se decidiu na sentença recorrida no excerto que aqui interessa:

Para além de tudo o mais, inexiste nos autos qualquer indício de prova de que a Oponente tenha sido notificada para audição prévia.
O OEF juntou, com a informação prestada nos autos ao abrigo do artigo 208.º do CPPT, prints retirados do sistema informático com o roteiro do processo de execução fiscal, do qual não consta qualquer alusão à notificação da Oponente para audição prévia.
A Fazenda Pública, pese embora o alegado no artigo 28.º da contestação, não juntou qualquer documento comprovativo do alegado, pelo que não cumpriu com o ónus probatório que corria contra si [cfr. artigos 342.º, n.º 1, do CC e artigo 74.º, n.º 1, da LGT].

A sentença recorrida, prossegue discorrendo sobre o valor da prova que poderia ter sido produzida, concluindo:

(…)
Destarte, forçoso é concluir que foi preterida uma formalidade essencial do procedimento de reversão.

A sentença recorrida não merece, pois, a censura que lhe foi feita, improcedendo o recurso nesta parte.


Defende a Autoridade Tributária e Aduaneira nas alegações e conclusões de recurso que mesmo que se conclua que a Opoente e ora Recorrida não foi notificada para exercer o direito de audição prévia que o despacho de reversão deve ser mantido por aplicação do princípio do aproveitamento do ato.

Com efeito, por aplicação do princípio do aproveitamento dos atos, a respetiva irregularidade pode degradar-se em formalidade não essencial, tratando-se, como se trata de vício formal e procedimental.

O princípio do aproveitamento do ato administrativo, hoje consagrado no artigo 163/5 CPA, tem ínsito a demonstração, inequívoca, nas concretas circunstâncias do caso, que o vício de que padece não implicaria uma alteração do seu conteúdo essencial, ou seja, quando seja seguro afirmar que o novo ato a emitir, isento desse vício, não poderia deixar de ter o mesmo conteúdo decisório que tinha o ato impugnado.

Como tem sido jurisprudência frequente, da qual se cita o Ac. STA de 2007.05.22, Proc. nº 0161/07, à face deste princípio não se justifica a anulação de um acto, (…), quando a existência desse vício não se veio a traduzir numa lesão em concreto para o interessado cuja proteção a norma visa, designadamente, no caso de um vício procedimental, quando a sua ocorrência não teve qualquer reflexo no procedimento administrativo

Chamamos ainda à colação o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 2014.01.22, onde se decidiu: a audiência prévia dos interessados não é um mero rito procedimental, a formalidade em causa (essencial) só se podia degradar em não essencial (não invalidante da decisão) se essa audiência não tivesse a mínima probabilidade de influenciar a decisão tomada, e se se impusesse, por isso, o aproveitamento do ato – utile per inutile non viciatur.”
O que exige um exame casuístico, de análise das circunstâncias particulares e concretas de cada caso.

Assim, quando num juízo de prognose póstuma, for possível e seguro afirmar que o novo ato, isento desse vício, não poderia deixar de ter o mesmo conteúdo decisório que tinha o ato impugnado, não se justificará a anulação do ato, por aplicação do princípio do aproveitamento dos atos.

Todavia, no caso concreto em análise, não se sabendo que argumentos seriam apresentados pela Opoente e ora Recorrida e contrariamente ao que defende a Recorrida, não se pode extrair a conclusão de que a decisão de reverter a execução seria exatamente a mesma acaso a Opoente e ora Revertida tivesse exercido o direito de audição.

Nesse sentido, citamos o decidido no recente acórdão deste TCAS em 2022.12.06, Proc nº 1261/11.5BELRS, disponível em www.dgsi.pt, no qual participamos na qualidade de 1ª adjunta, com o qual concordamos e de que se transcreve:

Ora, in casu, não se pode concluir, com o grau de certeza exigível, que a decisão que o OEF tomaria seria exatamente a mesma que tomou, caso o Recorrido tivesse exercido o seu direito de audição.

Com efeito, não é possível antecipar que argumentos ali seriam suscitados e que prova ali seria produzida. Aliás, sublinhe-se que a Recorrente, centrando-se apenas no requisito da gestão de facto, no fundo considera que tal requisito se verifica e que tal é suficiente para se concluir pela possibilidade do aproveitamento do ato. No entanto, a Recorrente não teve em consideração todos os demais pressupostos da reversão (desde logo a culpa e a inexistência ou fundada insuficiência do património da devedora originária). Ou seja, ainda que estivesse sedimentada, in casu (e não está), a questão atinente ao efetivo exercício de funções de gestor, os requisitos da reversão são mais amplos e, naturalmente, o exercício do direito de audição pode focar qualquer um deles. Acrescente-se que a prova produzida ou não produzida em sede judicial é irrelevante para este efeito, no caso em concreto, justamente por não ser antecipável o que viria a ser invocado pelo Recorrido em sede de direito de audição.

Assim, não é possível aqui apelar à teoria do aproveitamento do ato.


Tal como no acórdão citado, no caso em análise não é possível recorrer à teoria do aproveitamento do ato.

Improcedem, pois, todas as conclusões de recurso

Em face do exposto, é de julgar improcedente o recurso jurisdicional e, consequentemente e de confirmar a sentença recorrida.


Sumário/Conclusões:

I. A falta de audiência prévia à decisão administrativa, quando não seja legalmente dispensada, constitui preterição de formalidade essencial, conducente, em regra, à anulabilidade do ato (artigo 163/1 CPA).
II. A preterição do direito de audiência prévia, por via da aplicação do princípio do aproveitamento do ato administrativo, apenas é admissível quando a intervenção do interessado no procedimento tributário for inequivocamente insuscetível de influenciar a decisão final, o que acontece em geral nos casos em que se esteja perante uma situação legal evidente ou se trate de atividade administrativa vinculada.
III. A possibilidade de aplicação do princípio do aproveitamento do ato deve ser apreciada casuisticamente pela análise das circunstâncias particulares do caso concreto, aferindo-se se a decisão do procedimento não poderia de forma alguma ser influenciada pela participação do contribuinte no procedimento.


III - Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da Seção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso jurisdicional, e confirmar a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente, que decaiu.

Lisboa, 18 de maio de 2023

Susana Barreto

Tânia Meireles da Cunha

Jorge Cortês