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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07004/13
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:12/12/2013
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:OMISSÃO DE PRONÚNCIA (VÍCIO DE “PETITIONEM BREVIS”).
ARTº.615, Nº.1, AL.D), DO C.P.CIVIL.
VÍCIOS DE ACTIVIDADE CONTRAPÕEM-SE AOS VÍCIOS DE JULGAMENTO.
OMISSÃO DE DEVER DE PRONÚNCIA SOBRE QUESTÕES DE CONHECIMENTO OFICIOSO. ERRO DE JULGAMENTO.
CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO.
PRAZO DE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL.
ACTOS QUE ENFERMEM DE VÍCIO PARA QUE ESTEJA PREVISTA A SANÇÃO DE NULIDADE.
ARTº.102, Nº.3, DO C.P.P.T.
Sumário:1. A omissão de pronúncia (vício de “petitionem brevis”) pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes (cfr.artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil).

2. No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C. P. P. Tributário, no penúltimo segmento da norma.

3. A sentença nula é a que está inquinada por vícios de actividade (erros de construção ou formação), os quais devem ser contrapostos aos vícios de julgamento (erros de julgamento de facto ou de direito). A nulidade da sentença em causa reveste a natureza de uma nulidade sanável ou relativa (por contraposição às nulidades insanáveis ou absolutas), sendo que a sanação de tais vícios de actividade se opera, desde logo, com o trânsito em julgado da decisão judicial em causa, quando não for deduzido recurso.

4. Embora o Tribunal tenha também o dever de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso não suscitadas pelas partes (cfr.artº.608, nº.2, do C.P.Civil), a omissão de tal dever não constituirá nulidade da sentença, mas sim um erro de julgamento.

5. O prazo da impugnação judicial é peremptório, de caducidade e de conhecimento oficioso até ao trânsito em julgado da decisão final do processo, dado versar sobre direitos indisponíveis no que diz respeito à Fazenda Pública. É, pois, um pressuposto processual negativo, em rigor, uma excepção peremptória que, nos termos do artº.576, nº.3, do C.P.Civil, consiste na ocorrência de factos que impedem o efeito jurídico dos articulados pelo autor, assim sobrevindo o não conhecimento “de meritis” e a consequente absolvição oficiosa do pedido.

6. Para os actos que enfermem de vício para que esteja prevista a sanção de nulidade (cfr.artº.133, do C.P.A.) a impugnação pode ser feita a todo o tempo, como resulta do preceituado no artº.102, nº.3, do C.P.P.T., norma que está em sintonia com o disposto no artº.134, nº.2, do C.P.A., e no artº.58, nº.1, do C.P.T.A. O mesmo sucede se for invocada a inexistência do acto impugnado, pois trata-se de uma forma de invalidade mais grave do que a nulidade e, por isso, por maioria de razão, se tem de aplicar o regime de impugnação a todo o tempo previsto para a nulidade. Nestes casos, o facto de o impugnante invocar a nulidade ou inexistência do acto recorrido obsta a que se possa indeferir liminarmente a petição de impugnação por intempestividade, mas se, posteriormente, se vier a decidir que a qualificação adequada de algum dos vícios é a de anulabilidade, não deverá conhecer-se desses vícios se a sua arguição foi feita para além do prazo legal para impugnação de actos anuláveis.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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“T…….. & P…………. - ACTIVIDADES ……….., L.DA.”, com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto despacho de indeferimento liminar proferido pela Mmª. Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.53 a 55 do presente processo, através da qual julgou procedente a excepção de caducidade do direito de acção e absolveu a Fazenda Pública da instância, tudo no âmbito de processo de impugnação visando as liquidações de I.R.C. e juros compensatórios, relativas aos anos de 2007 e 2008 no montante total de € 116.166,99.
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O recorrente termina as alegações (cfr.fls.67 a 73 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-A impugnação judicial oportunamente deduzida pela impugnante foi entregue em 16 de Julho de 2012, dentro do prazo legal, e não em 24 de Setembro de 2012, como erradamente vem referido na decisão recorrida;
2-Nesse sentido, não poderá manter-se a douta decisão recorrida que opinou no sentido da intempestividade da impugnação;
3-Assim, por erro sobre o enquadramento cronológico dos factos, deverá revogar-se a referida decisão e decidir-se pela tempestividade da impugnação;
4-Doutro passo, atendendo aos factos que a impugnante trouxe para apreciação, o “dies a quo” que determina o início de contagem do prazo para apresentação do seu pedido só poderá ser o da data limite ou o do termo do prazo de pagamento dos tributos a que se refere a al.a), do nº.1, do artº.102, do C.P.P.T., e não a al.e), do mesmo preceito como erradamente foi referido na decisão recorrida;
5-Em rigor, a aplicação do prazo - a que alude a referida alínea e) - aos factos constantes do pedido de impugnação indicia uma confusão entre os actos susceptíveis de impugnação autónoma e os actos praticados com base em erro sobre a quantificação da matéria tributável ou nos pressupostos de aplicação dos métodos indirectos, actos estes que, por exigirem um contencioso prévio, ou seja, uma apresentação prévia de pedido de revisão da matéria tributável, constituíram o procedimento que foi percorrido pela impugnante ao abrigo do disposto no nº.1, do artº.117, do C.P.P.T., preceito este que, aliás, afasta expressamente, no caso concreto da impugnante, a possibilidade de impugnar directa ou autonomamente os actos;
6-Daí que, no caso concreto dos presentes autos, o «dies a quo» que determina o início de contagem do prazo para apresentação da respectiva impugnação judicial será sempre o da data limite ou o do termo do praxo de pagamento dos tributos a que se refere a al.a), do nº.1, do artº.102, do C.P.P.T., e nunca o da al.e), do mesmo preceito como erradamente decidiu o Tribunal “a quo”;
7-Deste modo, também com este fundamento, não poderá manter-se a douta decisão recorrida por padecer do vício de erro de interpretação da lei;
8-Para além dos vícios do acto que acarretam anulabilidade, designadamente a caducidade do direito de liquidar o I.R.C. e acessórios de 2007 e a errónea quantificação dos rendimentos dos exercícios de 2007 e 2008, a impugnante também invocou na sua petição inicial ter havido o vício de preterição de formalidade essencial, por inobservância de requisitos procedimentais, previsto no artº.99, al.d), do C.P.P.T., vício este que acarreta a nulidade de tais actos, conforme argumentou nos artºs.16 a 25 da sua petição inicial;
9-Nesse sentido, nos termos do artº.133, do C.P.A., são nulos os actos tributários a que falte algum dos seus elementos essenciais, necessários para assegurar a sua exequibilidade, ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade;
10-Assim sendo, a nulidade alegada pela impugnante não deveria ter sido julgada intempestiva, uma vez que tal invocação configura um vício que pode ser alegado a todo o tempo;
11-Ao invés, a decisão recorrida deveria ter apreciado os argumentos constantes do capítulo II da impugnação e julgar, consoante a sua convicção e tese, se o acto estava ferido de invalidade ou não, e então, só depois, decidir sobre a tempestividade da impugnação;
12-Pelo que, não tendo o Tribunal de primeira instância decidido sobre a invocada invalidade cometeu uma nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artº.668, nº.1, al.d), do Código de Processo Civil, e 125, nº.1, do C.P.P.T., nulidade essa que deve ser declarada pelo Tribunal “ad quem” e, consequentemente, revogar a decisão que rejeitou a petição de impugnação por outra que aprecie a nulidade suscitada.
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Não foram produzidas contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do provimento do presente recurso (cfr.fls.93 e 94 dos autos).
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Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A decisão recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto com relevância para o conhecimento da excepção de caducidade do direito de acção (cfr.fls.53 dos autos):
1-Na sequência de acção de inspecção e em resultado do procedimento de revisão da matéria tributável, em 5/3/2012, foram emitidas duas liquidações de I.R.C., uma respeitante ao ano de 2007 e a outra relativa ao exercício de 2008 (cfr.documentos juntos a fls.49 e 50 dos presentes autos);
2-As demonstrações de liquidação respectivas e demonstração de compensação respeitantes ao ano de 2007 foram notificadas à impugnante em 13/3/2012 e a relativa ao exercício de 2008 foram notificadas em 15/3/2012;
3-Não se conformando com tais actos, a impugnante apresentou a presente impugnação judicial em 24/9/2012 (cfr.data de registo dos correios aposta a fls.14 dos presentes autos).
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a decisão recorrida decidiu, em síntese, julgar procedente a excepção peremptória de caducidade do direito de acção e absolver a Fazenda Pública da instância.
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Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
Aduz o recorrente, em primeiro lugar, que a decisão recorrida deveria ter apreciado os argumentos constantes do capítulo II da p.i. de impugnação e julgar, consoante a sua convicção e tese, se o acto estava ferido de invalidade ou não, e então, só depois, decidir sobre a tempestividade da impugnação. Pelo que, não tendo o Tribunal de primeira instância decidido sobre a invocada invalidade cometeu uma nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artº.668, nº.1, al.d), do Código de Processo Civil, e 125, nº.1, do C.P.P.T., nulidade essa que deve ser declarada pelo Tribunal “ad quem” (cfr.conclusões 11 e 12 do recurso).
Deslindemos se procede a nulidade da sentença suscitada pelo recorrente.
A sentença é uma decisão judicial proferida pelos Tribunais no exercício da sua função jurisdicional que, no caso posto à sua apreciação, dirimem um conflito de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativo-tributárias. Tem por obrigação conhecer do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para o caso concreto. Esta peça processual pode padecer de vícios de duas ordens, os quais obstam à eficácia ou validade da dicção do direito:
1-Por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e então a consequência é a sua revogação;
2-Por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artº.615, do C.P.Civil.
Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1º. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº.608, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como se infere do que já deixámos expresso, a omissão de pronúncia pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes. Por outras palavras, haverá omissão de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de “petitionem brevis”, a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por uma lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das “questões”) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 142 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37).
No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C. P. P. Tributário, no penúltimo segmento da norma (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.911 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.50/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/3/2011, proc.2442/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/5/2011, proc.4629/11).
Mais se dirá que a sentença nula é a que está inquinada por vícios de actividade (erros de construção ou formação), os quais devem ser contrapostos aos vícios de julgamento (erros de julgamento de facto ou de direito). A nulidade da sentença em causa reveste a natureza de uma nulidade sanável ou relativa (por contraposição às nulidades insanáveis ou absolutas), sendo que a sanação de tais vícios de actividade se opera, desde logo, com o trânsito em julgado da decisão judicial em causa, quando não for deduzido recurso (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/10/2013, proc.6608/13; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.122 e seg.).
Trata-se, em qualquer caso, nesta nulidade, de falta de pronúncia sobre questões e não de falta de realização de diligências instrutórias ou de falta de avaliação de provas que poderiam ter sido apreciadas. A falta de realização de diligências constituirá uma nulidade processual e não uma nulidade de sentença. A falta de avaliação de provas produzidas, tal como a sua errada avaliação, constituirá um erro de julgamento da matéria de facto. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e referir se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P. Tributário).
Mais, a nulidade de omissão de pronúncia impõe ao juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Se o Tribunal entende que o conhecimento de uma questão está prejudicado e o declara expressamente, poderá haver erro de julgamento, se for errado o entendimento em que se baseia esse não conhecimento, mas não nulidade por omissão de pronúncia.
Por último, embora o Tribunal tenha também dever de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso não suscitadas pelas partes (cfr.artº.608, nº.2, do C.P.Civil), a omissão de tal dever não constituirá nulidade da sentença, mas sim um erro de julgamento. Com efeito, nestes casos, a omissão de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso deve significar que o Tribunal entendeu, implicitamente, que a solução das mesmas não é relevante para a apreciação da causa. Se esta posição for errada, haverá um erro de julgamento. Se o não for, não haverá erro de julgamento, nem se justificaria, naturalmente, que fosse declarada a existência de uma nulidade para o Tribunal ser obrigado a tomar posição explícita sobre uma questão irrelevante para a decisão. Aliás, nem seria razoável que se impusesse ao Tribunal a tarefa inútil de apreciar explicitamente cada uma das questões legalmente qualificadas como de conhecimento oficioso sobre as quais não se suscita controvérsia no caso concreto, o que ressalta, desde logo, da dimensão da lista de excepções dilatórias de conhecimento oficioso (cfr.artºs.577 e 578, do C.P.Civil), e da apreciável quantidade de vícios geradores de nulidade contida no artº.133, nº.2, do C.P.Administrativo (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 28/5/2003, rec.1757/02; ac.T.C.A.Sul-2.ªSecção, 25/8/2008, proc.2569/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/9/2012, proc.3171/09; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.365).
Revertendo ao caso dos autos, o que o recorrente pretende é que o Tribunal “a quo” deveria ter examinado as várias causas de pedir estruturadas pelo mesmo na p.i., sendo que uma delas, a alegada preterição de formalidade essencial no âmbito do procedimento de revisão dos actos impugnados, conduziria à nulidade dos mesmos, a qual é invocável a todo o tempo, assim sendo tempestivo o articulado inicial. Ora, a decisão recorrida somente examinou a caducidade do direito de acção, enquanto excepção dilatória, mais julgando esta procedente, assim considerando prejudicado a apreciação de qualquer outra questão, pelo que não estamos perante omissão de pronúncia, antes perante eventual erro de julgamento, tudo conforme supra expendido.
Em suma, não se vê que a sentença recorrida tenha omitido pronúncia e, nestes termos, devendo improceder este fundamento do recurso.
Mais argui o recorrente que para além dos vícios do acto que acarretam anulabilidade, designadamente a caducidade do direito de liquidar o I.R.C. e acessórios de 2007 e a errónea quantificação dos rendimentos dos exercícios de 2007 e 2008, a impugnante também invocou na sua petição inicial ter havido o vício de preterição de formalidade essencial, por inobservância de requisitos procedimentais, previsto no artº.99, al.d), do C.P.P.T., vício este que acarreta a nulidade de tais actos, conforme argumentou nos artºs.16 a 25 da sua petição inicial. Que nesse sentido, nos termos do artº.133, do C.P.A., são nulos os actos tributários a que falte algum dos seus elementos essenciais, necessários para assegurar a sua exequibilidade, ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade. Que assim sendo, a nulidade alegada pela impugnante não deveria ter sido julgada intempestiva, uma vez que tal invocação configura um vício que pode ser alegado a todo o tempo (cfr.conclusões 8 a 10 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
O prazo da impugnação judicial é peremptório, de caducidade e de conhecimento oficioso até ao trânsito em julgado da decisão final do processo, dado versar sobre direitos indisponíveis no que diz respeito à Fazenda Pública (cfr.artº.333, nº.1, do C.Civil; artº.123, do anterior C.P.Tributário; artº.102, do C.P.P.Tributário; Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão, Código de Procedimento e de Processo Tributário comentado e anotado, Almedina, 2000, pág.241; Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 5ª. edição, I Volume, Áreas Editora, 2006, pág.267; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 14/6/95, rec.19056, Ap. D.R., 14/8/97, pág.1725 e seg.).
Por outras palavras, o prazo fixado para a dedução da acção, porque aparece como extintivo do respectivo direito (subjectivo) potestativo de pedir judicialmente o reconhecimento de uma certa pretensão, é um prazo de caducidade. E a caducidade do direito de acção é de conhecimento oficioso, porque estabelecida em matéria (prazos para o exercício do direito de sindicar judicialmente a legalidade do acto tributário) que se encontra excluída da disponibilidade das partes (cfr.artº.333, do C.Civil). É, pois, um pressuposto processual negativo, em rigor, uma excepção peremptória que, nos termos do artº.493, nº.3, do C.P.Civil, consiste na ocorrência de factos que impedem o efeito jurídico dos articulados pelo autor, assim sobrevindo o não conhecimento “de meritis” e a consequente absolvição oficiosa do pedido (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/1/2013, proc. 6038/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/4/2013, proc. 6125/12).
Para os actos que enfermem de vício para que esteja prevista a sanção de nulidade (cfr.artº.133, do C.P.A.) a impugnação pode ser feita a todo o tempo, como resulta do preceituado no artº.102, nº.3, do C.P.P.T., norma que está em sintonia com o disposto no artº.134, nº.2, do C.P.A., e no artº.58, nº.1, do C.P.T.A. O mesmo sucede se for invocada a inexistência do acto impugnado, pois trata-se de uma forma de invalidade mais grave do que a nulidade e, por isso, por maioria de razão, se tem de aplicar o regime de impugnação a todo o tempo previsto para a nulidade. Nestes casos, o facto de o impugnante invocar a nulidade ou inexistência do acto recorrido obsta a que se possa indeferir liminarmente a petição de impugnação por intempestividade, mas se, posteriormente, se vier a decidir que a qualificação adequada de algum dos vícios é a de anulabilidade, não deverá conhecer-se desses vícios se a sua arguição foi feita para além do prazo legal para impugnação de actos anuláveis (cfr.Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6ª. edição, II Volume, Áreas Editora, 2011, pág.156).
No caso “sub judice”, conforme já aludido supra, o recorrente, no articulado inicial do presente processo, além do mais, alega a preterição de formalidade essencial no âmbito do procedimento de revisão dos actos impugnados, vício que, defende, conduziria à nulidade dos mesmos, a qual é invocável a todo o tempo (cfr.artºs.16 a 25 da p.i.). Nestes termos, não poderia o Tribunal “a quo” ter indeferido liminarmente a p.i. com base na alegada ultrapassagem do prazo de impugnação previsto no artº.102, nº.1, do C.P.P.T., para os actos tributários anuláveis.
Arrematando, sem necessidade de mais amplas ponderações, deve julgar-se procedente o presente recurso e, em consequência, revogar a decisão recorrida, a qual padece do vício de erro de julgamento de direito que se consubstancia na violação do regime previsto no artº.102, nº.3, do C.P.P.Tributário, prejudicado ficando o exame dos outros esteios da apelação, ao que se procederá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO, REVOGAR A DECISÃO RECORRIDA E ORDENAR A BAIXA DOS AUTOS À 1ª. INSTÂNCIA PARA QUE SE EXARE DESPACHO DE ADMISSÃO LIMINAR DA P.I. DA PRESENTE IMPUGNAÇÃO, SE NENHUMA OUTRA EXCEPÇÃO/QUESTÃO PRÉVIA A TAL OBSTAR.
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Sem custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 12 de Dezembro de 2013

(Joaquim Condesso - Relator)

(Eugénio Sequeira - 1º. Adjunto)

(Benjamim Barbosa - 2º. Adjunto)