Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07290/14
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:04/14/2015
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:ILISÃO DA PRESUNÇÃO ESTABELECIDA NO ARTIGO 7.º/4 E 5, DO CIRS.
Sumário:Estando em causa a determinação da matéria colectável por recurso à presunção estabelecida no artigo 7.º/4 e 5, do CIRS, a mesma pode (e podia) ser ilidida por meio de procedimento administrativo de reclamação graciosa, previsto nos artigos 95.º a 101.º do CPT [ou nos artigos 68.º a 75.º do CPPT], o qual, contendo as necessárias garantias de contraditório e de instrução, não implica o efeito suspensivo automático da liquidação, ao contrário do que sucede com o procedimento de revisão da matéria colectável fixada por métodos indirectos, prevista nos artigos 84.º a 90.º do CPT [artigos 91.º a 94.º da LGT].
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão


I- Relatório
A Fazenda Pública interpõe recurso jurisdicional da sentença proferida a fls. 83/103, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por Ernesto………………. e Maria……………………… contra a liquidação oficiosa de IRS do ano de 1993, no montante de €41.923,35.
Nas alegações de recurso de fls. 132/139, a recorrente formula as conclusões seguintes:
1) Na sequência de uma acção inspectiva realizada à empresa …………………, Lda., a Administração Tributária procedeu à alteração dos rendimentos da cat. E. (Rendimentos de Capitais), relativamente ao exercício de 1993, tendo disso sido notificados os impugnantes em Maio de 1998.
2) Os impugnantes vieram apresentar impugnação judicial invocando a prescrição da obrigação tributária, a existência de vício violação de lei por erro na qualificação dos rendimentos e ainda, a existência de vício de violação de lei por o acto de liquidação impugnado ter sido praticado antes da decisão da reclamação prevista no artigo 7.º, n.º 5, do CIRS e da reclamação prevista no artigo 84.º do CPT (reclamação para a comissão de revisão).
3) A Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, após análise dos fundamentos invocados pelos impugnantes na causa de pedir, decidiu pela não ocorrência da prescrição da obrigação tributária, pela não violação de lei por erro na qualificação dos rendimentos e ainda pela inexistência de lei que atribua efeito suspensivo ao procedimento administrativo previsto no artigo 7.º, n.º 5, do CIRS.
4) No entanto, no que concerne ao procedimento administrativo previsto no artigo 84.º do CPT, o tribunal a quo julgou procedente a impugnação por verificação do vício de violação de lei consistente no desrespeito do efeito suspensivo da reclamação dirigida à comissão de revisão, determinando, em consequência, a anulação do acto de liquidação impugnado.
5) Não concordando com a decisão proferida pelo Tribunal a quo que julgou procedente a impugnação deduzida, veio a Administração Tributária apresentar o presente recurso.
6) Em bom rigor, o conjunto claro e inequívoco de factos assentes/provados referenciados na douta sentença recorrida não permite outra conclusão que não seja a inexistência de qualquer vício imputável à conduta da Administração Tributária.
7) Na realidade, tendo o acto de liquidação impugnado efectuado em data anterior (19 de Setembro de 1998) à interposição da reclamação para a comissão de revisão (21 de Dezembro de 1998), o efeito suspensivo inerente a este procedimento nunca é desrespeitado, tendo o processo seguido os seus trâmites legais, nomeadamente no que concerne à instauração do respectivo processo de execução fiscal, somente após decisão da reclamação para a comissão de revisão.
8) Face ao exposto, e salvo o devido respeito, entende a Administração Tributária que o Tribunal a quo falhou no seu julgamento, quando, perante os factos, decidiu julgar a impugnação judicial procedente.
A fls. 142/148, os recorridos proferiram contra-alegações, pugnado pela manutenção do julgado.
Os recorridos interpuseram recurso subordinado da sentença em crise. Nas alegações de recurso de fls. 156/166, formulam as conclusões seguintes:
1) A sentença recorrida não deu como provada e verificada a prescrição da dívida tributária imputada aos Recorrentes, embora mal.
2) Já que na verdade a liquidação impugnada há muito se encontra prescrita, porquanto o prazo prescricional, desde o seu início e abatendo o prazo que esteve interrompido, encontra-se totalmente esgotado, sendo que ao presente se aplica o ordenamento tributário inserto no CPT.
3) Também a liquidação impugnada padece do vício de violação da lei ao ser efectuada quando ainda não se encontrava definitivamente fixada a matéria colectável, por estar pendente o pedido de elisão da presunção dos rendimentos imputados aos Recorrentes, o qual tinha claramente efeitos suspensivos sobre a liquidação.
4) Por fim também a liquidação impugnada padece do vício de violação da lei, plasmado no erro sobre a qualificação e quantificação dos rendimentos tributáveis, já que os hipotéticos rendimentos imputados aos Recorrentes, a título de lucros ou adiantamentos por conta dos lucros efectivamente não se verificaram, não só por tais rendimentos não estarem evidenciados na conta corrente dos sócios escriturados pela sociedade, mas também por tais rendimentos não integrarem ou enriquecerem o património pessoal dos Recorrentes.
5) Tanto mais e conforme consta dos depoimentos das testemunhas ouvidas em sede de audiência de julgamento terem afirmado peremptoriamente que o valor em causa foi totalmente utilizado para pagamentos da sociedade ……………..
6) A sentença ao não ter acolhido os vícios que se deixam identificados violou, entre outros, o Art.º 34.º do CPT; o Art.º 7.º, n.º 4 e n.º 5; Art.º 66.º, n.º 2, al. c); o Art.º 67.º, n.º 1 e o Art.º 68.º, n.º 1 e n.º 4, todos do CIRS e o Art.º 81.º e o Art.º 84.º, n.º 3 do CPT; e o Art.º 1.º do CIRS.
Não há registo de contra-alegações.
X

O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (cfr. fls. 182/183) no qual se pronuncia no sentido da concessão de provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Fazenda Pública e de recusa de provimento ao recurso subordinado interposto por Ernesto ………………… e Maria …………………………..
X

Colhidos os vistos legais, vem o processo à conferência para decisão.
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II- Fundamentação.
2.1.De Facto.
A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes:
A. Em 5 de Julho de 1995 foi elaborada informação com o seguinte teor:
"Na sequência da Ordem de Serviço n.º ………., de 3 de Maio de 1995, foi efectuada uma visita de fiscalização a “…………………………, Lda.”, no âmbito de um controle geral ao ano de 1993. // No decorrer da visita foram detectados determinados débitos na conta 25 - Sócios (Accionistas), c/c, através dos documentos internos n.ºs 51228 e 51204. // Estes débitos estavam relacionados com a alienação de imobilizado da firma nos seguintes montantes:
. Alienação de um terreno - 63.000 contos
. Alienação de uma viatura 650 contos
Pelos elementos constantes da contabilidade os beneficiários destas transacções foram os dois sócios da ………………………….., Lda., Manuel…………………., NIF …………….. e Ernesto…………………., NIF ………….. // Assim, presumiu-se que os lançamentos efectuados nas contas dos referidos sócios foram-no a título de lucros ou adiantamento de lucros, de acordo com o preceituado no n.º 4 do artigo 7.º do CIRS, pelo que foram considerados rendimentos da categoria E, conforme estipula o artigo 6.º, alínea h), do CIRS. // Propõe-se, deste modo, a tributação dos sócios em sede de IRS nos montantes atrás referidos, pelo que emitimos nesta data as correspondentes DC 2" (cfr. Informação complementar para efeitos de IRS, a fls. 64 e 65 dos autos de reclamação constantes do PAT apenso).
B. Em 4 de Setembro de 1995 os Serviços de P.F.T elaboraram o documento de correcção DC2 e Anexo E n.º 1434 (cfr. Documento de Correcção, a fl. 60 e segs. dos autos de reclamação constantes do PAT apenso).
C. Em 14 de Maio de 1998 o Director Distrital de Finanças proferiu despacho que, nos termos do artigo 66.º, n.º 4, do CIRS, alterou o conjunto dos rendimentos líquidos na quantia de 45.315.713$00 (cfr. Alteração do rendimento líquido, a fl. 68 verso dos autos de reclamação constantes do PAT apenso).
D. Por ofício de 14 de Maio de 1998 foram os Impugnantes notificados de que "o rendimento da Cat. E (Rendimentos de Capitais), constante da(s) declaração(ões) de rendimentos oportunamente apresentada(s) e respeitante(s) ao ano de 1993 foi alterado, com base no artigo 66.º, n.º 4, do Código de IRS" (cfr. Ofício, a fl. 69 dos autos de reclamação constantes do PAT apenso).
E. Em 5 de Junho de 1998 foi apresentado "processo de reclamação para reconhecimento de inexistência de rendimentos legalmente presumidos, ao abrigo do Art.º 7.º n.º 5 do CIRS" (cfr. doc. 2, junto com a reclamação graciosa, a fls. 7 e segs. dos autos de reclamação constantes do PAT apenso).
F. A liquidação oficiosa impugnada nos presentes autos, com o n.º ………………. e a data de 19 de Setembro de 1998, é relativa ao IRS referente ao ano de 1993 (cfr. doc. l, junto com a p.i., a fl. 22 dos autos).
G. Em 5 de Novembro de 1998, o Administrador Tributário, por delegação do Subdirector Geral, proferiu despacho concordante com a informação n.º 1029/98, da Direcção de Serviços de IRS - Divisão de Concepção, com o seguinte teor: "Concordo, pelo que, face à inexistência de prova concludente, não considero ilidida a presunção" (cfr. doc. 3, junto com a reclamação graciosa, a fl. 11 dos autos de reclamação constantes do PAT apenso).
H. O despacho referido na letra anterior foi notificado aos Impugnantes por ofício de 8 de Dezembro de 1998 (cfr. doc. 3, junto com a reclamação graciosa, a fl. 11 dos autos de reclamação constantes do PAT apenso).
I. Em 21 de Dezembro de 1998, os Impugnantes apresentaram reclamação ao abrigo do disposto no artigo 84.º do CPT para a comissão de revisão (cfr. Reclamação, a fls. 71 e segs. dos autos de reclamação constantes do PAT apenso).
J. Na mesma data foi apresentada reclamação graciosa contra a liquidação oficiosa de IRS impugnada nos presentes autos (cfr. Reclamação Graciosa, a fls. 2 e segs. dos autos de reclamação constantes PAT apenso).
K. Em 9 de Fevereiro de 1999 a comissão de revisão apreciou a reclamação referida em I, considerando que "não cabe à Comissão de Revisão decidir da matéria, devendo os sujeitos passivos utilizar os meios ao seu alcance - reclamação graciosa e/ou impugnação judicial (os sujeitos passivos já apresentaram reclamação graciosa em 29.12.98)" (cfr. Acta n.º 13/99, a fls. 95 e segs. dos autos de reclamação constantes do PAT apenso).
L. Em 19 de Março de 1999 foi instaurado, no Serviço de Finanças de Lisboa 10, o processo de execução fiscal n.º ……………………, com vista à cobrança coerciva da dívida correspondente à liquidação oficiosa de IRS ora impugnada (cfr. Print do SEF - Sistema de Execuções Fiscais, a fl. 32 do P AT apenso).
M. Os Impugnantes foram para o mesmo citados por ofício de 29 de Maio de 2000 (cfr. Citação, a fl. 44 do PAT apenso).
N. Em 12 de Julho de 2004, o Chefe de Divisão, por subdelegação do Dir. Fin. Adjunto de Lisboa, proferiu despacho concordante com a informação da Divisão de Justiça Administrativa, com o seguinte teor: "Concordo, pelo que converto em definitivo o projecto de decisão, e, com os fundamentos constantes daquele, com a informação prestada infra, e com o parecer que antecede, indefiro o pedido do reclamante nos termos e com os fundamentos expostos" (cfr. Despacho, a fls. 112 dos autos de reclamação constantes do PAT apenso).
O. O despacho de indeferimento da reclamação referido na letra anterior foi notificado aos Impugnantes por ofício de 3 de Agosto de 2004 (cfr. Ofício, a fls. 115 dos autos de reclamação constantes do PAT apenso).
P. Em 24 de Setembro de 2004, os Impugnantes apresentaram recurso hierárquico ao abrigo do disposto nos artigos 76.º, n.º l e 66.º, n.ºs l e 2 do CPPT e do artigo 80.º da LGT (cfr. Recurso hierárquico, a fls. 4 e segs. dos autos de recurso hierárquico constantes do PAT apenso).
Q. Em 5 de Abril de 2006, o Subdirector-Geral dos Impostos, no uso de competências subdelegadas, proferiu despacho concordante com a informação n.º 389/06 da Direcção de Serviços de IRS - Divisão de Administração II, com o seguinte teor: "Concordo, pelo que, com base nos fundamentos expostos, nego provimento ao presente recurso hierárquico" (cfr. Despacho, a fl. 18 dos autos de recurso hierárquico constantes do PAT apenso).
R. O despacho referido na letra anterior foi notificado aos Impugnantes por ofício de 19 de Junho de 2006 (cfr. doc. 3, junto com a reclamação graciosa, a fls. 23 dos autos de recurso hierárquico constantes do PAT apenso).
S. Em 20 de Setembro de 2006, foi deduzida a presente impugnação (cfr. fls. 3 e segs. dos autos).
T. Por imposição do Banco ………………….. a conta n.º ………………., aberta no Banco ……………………… em nome do Impugnante Ernesto………………….., caucionava a falta de fundos da …………………………., Lda. (cfr. doc. 3, junto com a p. i., a fi. 27 dos autos e depoimento das testemunhas, que foram, nesta parte, relevados positivamente).
U. A referida conta bancária ia sendo debitada à medida que a …………………., Lda., necessitava de fundos (cfr. doc. 3, junto com a p. i., a fl. 27 dos autos e depoimento das testemunhas, que foram, nesta parte, relevados positivamente).
X

Em sede de fundamentação da decisão da matéria de facto, consignou-se o seguinte:
«Com interesse para a decisão a proferir nada mais se provou de relevante. // Assenta a convicção do Tribunal no exame dos documentos e informações constantes dos autos e do PAT apenso, atenta a fé que merecem e o facto de não terem sido impugnados pelas partes, bem como no depoimento das testemunhas, que foi, em parte, relevado positivamente, conforme referido em cada letra do probatório».
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2.2. De Direito
2.2.1. Vem sindicada a sentença proferida a fls. 83/103, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por Ernesto……………………… e Maria ……………………. contra a liquidação oficiosa de IRS do ano de 1993, no montante de €41.923,35.
2.2.2. Para julgar procedente a presente impugnação, a sentença recorrida estribou-se na fundamentação seguinte:
«Os Impugnantes defendem que o procedimento administrativo previsto no artigo 7.º, n.º 5, do Código do IRS tem efeito suspensivo do procedimento administrativo tendente à liquidação do imposto respectivo, por aplicação do Ofício-circulado n.º 27/91 de 12 de Dezembro do Director de Serviços. // (…) Como bem sustentam os Impugnantes, estes podiam optar, nos termos do art. 5.º, n.º l, do Decreto-Lei n.º 154/91, de 23 de Abril, diploma que aprovou o CPT, pelo regime de revisão da matéria tributável previsto no artigo 68.º do CIRS, cujo n.º l dispunha que "da decisão que altere ou fixe o rendimento colectável poderão os sujeitos passivos reclamar, no prazo de 30 dias a contar da data da notificação da decisão, para a comissão distrital de revisão (...)". // Resultando do probatório que o acto de liquidação impugnado, com data do dia 19 de Setembro de 1998 (cfr. letra F do probatório), foi praticado antes da decisão da comissão de revisão, com data do dia 9 de Fevereiro de 1999 (cfr. letra K do probatório), conclui-se pela verificação da invocada ilegalidade do acto de liquidação impugnado, uma vez que o efeito suspensivo que a lei estabelece para a reclamação para a comissão de revisão devia ter-se mantido até à sua decisão. // Procede, pois, a presente impugnação, por o acto de liquidação impugnado ter desrespeitado o efeito suspensivo da reclamação dirigida à comissão de revisão previsto no artigo 90.º do CPT e no artigo 68.º, n.º 4, do CIRS».
2.2.3. Do recurso interposto pela Fazenda Pública. Do alegado erro de julgamento no que respeita à aplicação do regime previsto nos artigos 90.º do CPT e 68.º, n.º 4, do CIRS.
A presente intenção recursória centra-se sobre o alegado erro de julgamento em que terá incorrido a sentença recorrida, porquanto «tendo o acto de liquidação impugnado sido efectuado em data anterior (19 de Setembro de 1998) à interposição da reclamação para a comissão de revisão (21 de Dezembro de 1998), o efeito suspensivo inerente a este procedimento nunca é desrespeitado, tendo o processo seguido o seus trâmites legais, nomeadamente no que concerne à instauração do respectivo processo de execução fiscal, somente após a decisão da reclamação para a comissão de revisão».
Vejamos.
Nos presentes autos, está em causa a legalidade da correcção ao rendimento colectável dos impugnantes decorrente dos lançamentos a débito na sua conta de sócios, em correspondência com a alineação de imobilizado da empresa; nos termos da correcção em causa, «(…) presumiu-se que os lançamentos efectuados nas contas dos referidos sócios foram-no a título de lucros ou adiantamento por conta de lucros, de acordo com o preceituado no n.º 4 do artigo 7.º do CIRS, pelo que foram considerados rendimentos da categoria E, conforme estipula o artigo 6.º, alínea h), do CIRS».
Estabelecia à data o artigo 66.º do CIRS (“Bases para o apuramento, fixação ou alteração de rendimentos”) (1): «4. A Direcção-Geral dos Impostos procederá à alteração dos elementos declarados sempre que, não havendo lugar à fixação a que se refere o n.º 2, devam ser efectuadas correcções decorrentes de erros evidenciados nas próprias declarações, de omissões nelas praticadas ou correcções decorrentes de divergência na qualificação dos actos, factos ou documentos com relevância para a liquidação do imposto».
Por seu turno, estatuía o artigo 7.º do CIRS (“Presunções relativas a rendimentos da categoria E”): «(…) 4. Os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitas a títulos de lucros ou adiantamento de lucros. // 5. As presunções estabelecidas no presente artigo podem ser ilididas com base em decisão judicial, acto administrativo, declaração do banco de Portugal ou reconhecimento da Direcção-Geral dos Impostos».
A sentença recorrida extrai das normas em referência, associadas ao disposto nos artigos 84.º a 90.º do Código de Processo Tributário/CPT (“Reclamação da decisão de fixação da matéria tributável para a comissão de revisão”), bem como ao disposto no artigo 5.º (2) do Decreto-Lei n.º 154/91, de 23 de Abril (diploma que aprovou o Código de Processo Tributário), o efeito suspensivo do procedimento de quantificação da matéria colectável, o qual teria sido violado no caso em exame, dado que o acto de liquidação impugnado, datado de 14.05.98, não observou o dever de sobrestar no procedimento até que tivesse sido decidida a reclamação administrativa interposta contra a decisão de alteração da matéria colectável em apreço.
Sucede, porém, que estando em causa a determinação da matéria colectável por recurso à presunção estabelecida no artigo 7.º/4 e 5, do CIRS, a mesma pode (e podia) ser ilidida por meio de procedimento administrativo de reclamação graciosa, previsto nos artigos 95.º a 101.º do CPT, o qual, contendo as necessárias garantias de contraditório e de instrução, não implica o efeito suspensivo automático da liquidação, ao contrário do que sucede com o procedimento de revisão da matéria colectável fixada por métodos indirectos, prevista nos artigos 84.º a 90.º do CPT. Donde decorre que não tendo aplicação ao caso em apreço o regime da reclamação necessária para a comissão de revisão da fixação da matéria colectável, e não estando previsto qualquer efeito suspensivo do procedimento associado à reclamação do acto tributário em causa ou da fixação da matéria colectável com base na presunção estabelecida no artigo 7.º/4 e 5, do CIRS, não procede a tese que fez vencimento na instância de que a elaboração da liquidação em momento anterior à decisão da reclamação administrativa incorreria em violação do mencionado efeito suspensivo, o qual, no caso, não tem aplicação.
Ao decidir em sentido discrepante, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, motivo porque se impõe revogar a mesma e substitui-la por decisão que não julgue procedente a impugnação com base no presente fundamento.
2.3. Do recurso interposto pelos impugnantes.
2.3.1. Da alegada prescrição da dívida emergente do acto tributário impugnado.
Sob o presente item, os recorrentes invocam o decurso do prazo de prescrição da dívida em causa nos autos, o que determinaria prescrição da dívida e a ilegalidade da liquidação, defendem.
Sem embargo, a prescrição da dívida não constitui vício que inquine o acto tributário impugnado. Todavia, a sua verificação implica a extinção da instância de impugnação judicial, por inutilidade superveniente da lide.
A este propósito, cumpre referir, como na sentença recorrida, o seguinte:
«Estando em causa a liquidação de IRS referente ao ano de 1993 (cfr. letra F do probatório), o prazo de prescrição, que era então de dez anos, iniciou-se em l de Janeiro de 1994 (cfr. artigo 34.º, n.ºs l e 2, do CPT). // Todavia, por força do artigo 34.º, n.º 3, l.a parte, do CPT, tal prazo foi interrompido com a apresentação da reclamação graciosa referida em J do probatório que ocorreu em 21 de Dezembro de 1998. // A interrupção da prescrição tem como efeito a inutilização para a prescrição de todo o tempo decorrido anteriormente (cfr. artigo 326.º, n.º l, do CC). // Entretanto, com a entrada em vigor da LGT em l de Janeiro de 1999, o prazo passou a ser apenas de oito anos (cfr. artigo 48.º da LGT). // Nos termos do artigo 297.º do CC, "a lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado em lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conte a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar". // No caso vertente, tendo ocorrido uma causa de interrupção prevista no CPT e como o processo com ela conexionado não esteve, até à entrada em vigor da LGT, parado por mais de um ano, todo o período de tempo decorrido até ao facto interruptivo foi eliminado e, como não houve até l de Janeiro de 1999 aquela paragem, o novo prazo só se iniciaria após o trânsito em julgado da decisão que pusesse termo ao processo (cfr. artigo 327.º, n.º l do CC), pelo que à data da entrada em vigor da LGT não terá decorrido, assim, qualquer prazo. // Daí que, nesta situação, sendo o prazo da LGT inferior ao do CPT, seja, por isso, aplicável o prazo de oito anos previsto na LGT, por, à face do CPT, faltar mais tempo para o prazo se completar. // Prazo esse que, nos termos do artigo 297.º do CC, se começaria a contar no momento da entrada em vigor da nova lei, caso não atribuísse esta também efeito interruptivo à reclamação que já pendia (cfr. artigo 49.º, n.º l, da LGT). // No caso vertente, a obrigação tributária foi objecto de reclamação graciosa intentada em 21 de Dezembro de 1998, tendo sido instaurado o processo de execução fiscal em 19 de Março de 1999, no âmbito do qual os Impugnantes foram citados em 29 de Maio de 2000 (cfr. letras L e M do probatório). // Foi ainda interposto do indeferimento da reclamação graciosa recurso hierárquico em 24 de Setembro de 2004 e também deduzida impugnação em 20 de Setembro de 2006 (cfr. letras P e S do probatório). // Antes da alteração introduzida pela Lei 53-A/2006, de 29 de Dezembro, que entrou em vigor em l de Janeiro de 2007, dispunha o artigo 49.º da LGT, no seu n.º l, que a citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompiam a prescrição. // A paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz, porém, cessar, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo 49.º da LGT, o efeito previsto no seu número l, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após este período ao que tiver decorrido até à data da autuação. // Atribuindo a LGT efeito interruptivo a vários factos, podem surgir situações em que mais de uma causa de interrupção da prescrição ocorra em relação a um prazo de prescrição. // É certo que a Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, deu nova redacção ao n.º 3 do artigo 49.º da LGT, estabelecendo que a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar. // Assim, com esta lei, os factos interruptivos que ocorram após a primeira interrupção deixam de ter tal efeito. // Contudo, esta lei só entrou em vigor em l de Janeiro de 2007 e, sendo aquela uma norma sobre os efeitos dos factos, ela só se aplica após a sua entrada em vigor, por força da regra do artigo 12.º, n.º 2, do CC. // Por isso, as causas de interrupção da prescrição que ocorreram anteriormente produziram os efeitos que a lei vigente no momento em que elas ocorreram associava à sua ocorrência. // No caso vertente, com a citação dos Impugnantes em 29 de Maio de 2000 (cfr. letra M do probatório), com o recurso hierárquico interposto em 24 de Setembro de 2004 (cfr. letra P do probatório) e com a impugnação deduzida em 20 de Setembro de 2006 (cfr. letra S do probatório) ocorreram novas causas de interrupção, eliminando todas elas o tempo de prescrição entretanto decorrido e obstando ao decurso do prazo enquanto o respectivo processo estiver pendente ou não vier a parar por mais de um ano por facto não imputável à executada. // É irrelevante a eventual paragem por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte da impugnação, pois que, em virtude da data em que a impugnação foi apresentada, reitere-se dia 20 de Setembro de 2006 (cfr. letra S do probatório), o tempo de paragem relevante, se tiver ocorrido, completou-se necessariamente já no domínio temporal de vigência da Lei n.º 53.º-A/2006, de 29 de Dezembro, em vigor desde l de Janeiro de 2007, cujo artigo 90.º revogou o artigo 49.º, n.º 2, da LGT. // Tanto basta, sem mais considerações, para afirmar que não ocorreu ainda a prescrição da obrigação tributária em causa nos presentes autos».
Juízo que se reitera. É que, recorde-se, «Interrompido o prazo de prescrição pela citação fica inutilizado todo prazo decorrido anteriormente (art. 326.º, n.º 1 do Código Civil) sendo que o novo prazo de prescrição de 8 anos previsto no n.º 1 do art. 48.º da LGT não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo (art. 327.º, n.º 1 do Código Civil)» [Acórdão do TCAS, de 19.03.2015, P. 08542/15]
Em face do exposto, impõe-se julgar improcedente a presente linha de argumentação.
2.3.1. Do alegado erro de julgamento relativo ao vício de violação de lei, dado que o pedido de elisão da presunção de rendimentos tem efeito suspensivo da liquidação.
Sob o presente item, os recorrentes sustentam que o pedido de elisão da presunção de imputação de rendimento que efectuaram assumiu efeito suspensivo da liquidação, efeito que no caso não terá sido observado.
A este propósito, consignou-se na sentença recorrida o seguinte: «Os Impugnantes defendem que o procedimento administrativo previsto no artigo 7.º, n.º 5, do Código do IRS tem efeito suspensivo do procedimento administrativo tendente à liquidação do imposto respectivo, por aplicação do Ofício-circulado n.º 27/91 de 12 de Dezembro do Director de Serviços. // Porém, não se vislumbra que exista lei a fixar o efeito suspensivo de tal procedimento administrativo e as circulares administrativas emanadas pela Administração Fiscal são vinculativas apenas para os respectivos serviços, pois, face à lei, os procedimentos definidos, maxime o "direito circulado" da Administração Fiscal, não podem derrogar o princípio da legalidade tributária».
A norma do artigo 7.º/5, do CIRS, determina que: «As presunções estabelecidas no presente artigo podem ser ilididas com base em decisão judicial, acto administrativo, declaração do Banco de Portugal ou reconhecimento da Direcção-Geral dos Impostos».
Tal como se refere na sentença recorrida o procedimento administrativo destinado a ilidir a presunção de rendimento em referência não assume o pretendido efeito suspensivo da liquidação. É que a impugnação administrativa apenas assume o referido efeito suspensivo no caso de constituir condição necessária à impugnação judicial do acto de liquidação (artigo 163.º/1, do CPA). Para além de que o mencionado efeito não tem base normativa legal que o sustente na norma do citado artigo 7.º, que constitui a base legal em matéria de procedimento de ilisão.
Ao julgar no sentido referido a sentença recorrida não merece a censura que lhe é desferida.
Termos em que se impõe julgar improcedentes as presentes conclusões de recurso.
2.3.2. Do alegado erro de julgamento, porquanto aos rendimentos imputados aos impugnantes a título de adiantamento por conta de lucros não se verificaram.
Sob o presente item, os recorrentes censuram a sentença recorrida por a mesma ter considerado, em erro sustentam, que a imputação de rendimento assente na presunção do artigo 7.º/4, do CIRS, tem aplicação no caso.
A este propósito, consignou-se na sentença recorrida o seguinte: «No caso vertente, tanto o património dos Impugnantes teve um acréscimo por via dos lançamentos efectuados que serviu de garantia para caucionar os compromissos financeiros da ……………………., Lda., designadamente para com o Banco…………………, provavelmente associados a contratos de abertura de crédito (cfr. letras T e U do probatório). // Perante este quadro, afigura-se que a Administração Fiscal poderia praticar o acto de liquidação impugnado por aplicação da presunção prevista no artigo 7.º, n.º 4, do CIRS».
Perante a matéria de facto assente e a valoração da mesma efectuada na instância, cumpriria aos recorrentes a observância do ónus de impugnação especificada da matéria de facto (artigo 640.º do CPC), ónus que no caso, manifestamente, não cumpriram, dado que não indicam em concreto os pontos da matéria de facto, ou os concretos meios de prova, que permitiriam reverter a decisão da matéria de facto.
É que, recorde-se, do probatório, resulta que entre as contas da sociedade em causa e as contas dos sócios, ora recorrentes, existe uma situação de indistinção do património, [alíneas A), T e U), do probatório)].
«Com [a presunção do n.º 4 do artigo 6.º], procede-se a uma qualificação supletiva de quantias, cuja causa não esteja expressa nas contas correntes em causa. (…) O que a lei, com aquela presunção, quis resolver foi a qualificação das quantias escrituradas cuja “causa” jurídica não foi expressamente declarada» (3). Neste sentido, a jurisprudência sublinha que «[c]oncluindo-se que os lançamentos feitos em conta corrente de sócios não resultam de mútuos, de prestação de trabalhos ou do exercício de cargos sociais, têm os mesmos que ter-se, presumidamente, como feitos a título de lucros ou de adiantamento dos lucros (nº 4, in fine, do art. 7º do CIRS).] // As presunções estabelecidas nesse preceito legal podem ser ilididas com base em decisão judicial, acto administrativo, declaração do Banco de Portugal ou reconhecimento pela Direcção - Geral das Contribuições e Impostos» [Ac. do TCAS, de 11.01.2011, P. 4357/10].
Por outras palavras, foram efectuados pagamentos e lançamentos na conta do sócio recorrente marido sem justificação aparente (alínea A) do probatório); lançamentos passíveis de ser tributados a título de adiantamentos por conta dos lucros [artigo 6.º/4, do CIRS], como sucedeu, in casu; ao que acresce que a prova descaracterizante do facto base da presunção (contraprova) não logrou ser efectuada.
Ao julgar no sentido referido a sentença recorrida não merece a censura que lhe é desferida.
Termos em que se impõe julgar improcedentes as presentes conclusões de recurso.
DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em, concedendo provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Fazenda Pública, revogar a sentença recorrida e, negando provimento ao recurso subordinado, julgar improcedente a impugnação.

Custas pelos recorrentes particulares.
Registe.
Notifique.

(Jorge Cortês - Relator)



(1º. Adjunto)



(2º. Adjunto)

(1) Cfr. «n.º 1. O rendimento colectável de IRS apurar-se-á de harmonia com as regras estabelecidas nas secções precedentes e com as regras relativas a benefícios fiscais a que os sujeitos passivos tenham direito, com base na declaração anual de rendimentos apresentada em prazo legal e noutros elementos que a Direcção-Geral dos Impostos disponha O n.º 2 do preceito tinha seguinte redacção: «2. A Direcção-Geral dos Impostos procederá à fixação do conjunto dos rendimentos líquidos sujeitos a tributação quando: // a) Ocorra alguma das situações ou factos previstos nos artigos 28.º, 32.º, n.º 4, 38.º ou 50.º; // b) Não tenha sido apresentada a declaração prevista no artigo 57.º, quando o deva ser». // alínea c) foi eliminada conforme redacção dada pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 45/98, de 03.03.

(2) “Regime de revisão da matéria tributável – opção pelo regime de reclamação // 1. O regime de revisão da matéria tributável previsto nos artigos 84.º e seguintes do Código será aplicável aos impostos liquidados a partir da sua entrada em vigor, podendo, no entanto, o contribuinte, facultativamente, optar na petição respectiva, pelo regime de reclamação actualmente previsto nos Códigos do IRS, IRC e do IVA. // 2. A opção por um dos regimes de reclamação referidos no número anterior exclui a utilização do outro, simultânea ou sucessivamente, quanto ao mesmo período de tributação, excepto se não for possível obter decisão com base no primeiro processo utilizado. // 3. Para efeitos da impugnação regulada no artigo 136.º será sempre obrigatória a prévia reclamação da matéria tributável fixada».

(3) José Guilherme Xavier de Basto, IRS, Incidência real e determinação dos rendimentos líquidos, Coimbra Editora, 2007, p. 339/340.