Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04275/08
Secção:CA 2º JUÍZO
Data do Acordão:02/02/2012
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:CONDENAÇÃO À PRÁTICA DE ATO DEVIDO, LICENÇA SEM VENCIMENTO DE LONGA DURAÇÃO, VACATURA DO LUGAR, PRINCIPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES, PRINCIPIO DA TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA.
Sumário:I. Não tendo a Escola, após a licença sem vencimento de longa duração, abatido a docente nos lugares providos, nem considerado o lugar para efeitos de vaga positiva ou negativa, isto é, continuando a considerar a docente como provida no estabelecimento e nunca considerado a sua vaga em concurso, mantendo a existência de duas vagas no grupo de docência em causa, quer na Portaria nº 194/2005, de 18/02, quer nas Portarias seguintes, existe vaga, nos termos do artº 82º, nº 1 do D.L. nº 100/99, de 31/03, que permita o regresso da docente ao seu lugar de origem.

II. Porque nunca foi abatida, nem se encontra ocupada, a vaga existe, de facto e de Direito.

III. Não se confunde a vacatura do lugar, com a extinção do lugar.

IV. Um contencioso de plena jurisdição, sob o signo do princípio da tutela jurisdicional efetiva não colide com o princípio da separação e interdependência de poderes.

V. Admite-se, na atual configuração da ordem jurídica, constitucional e administrativa, que o juiz administrativo possa emitir sentenças condenatórias da Administração e até sentenças substitutivas de atos administrativos estritamente vinculados, na fase declarativa do processo.

VI. Aferindo-se a ilegalidade do agir administrativo, pautado por critérios de estrita legalidade, e sendo a realização da Justiça, não só um meio, como um fim, exercido por intermediação da lei, há que extrair consequências do princípio da tutela jurisdicional efetiva e dos poderes conferidos ao juiz administrativo, ao nível da reposição da legalidade objetiva e da plena satisfação das posições jurídicas subjetivas dos interessados, acentuando o pendor subjetivo do sistema de justiça administrativa.

VII. A condenação não acarreta a violação do princípio da separação de poderes, do núcleo essencial do poder administrativo ou dos poderes conferidos ao juiz administrativo, mas antes a realização do princípio da tutela jurisdicional efetiva e o exercício do poder jurisdicional à luz da nova conceção do sistema de justiça administrativa e da interdependência e compatibilização dos princípios constitucionais, que elimina a atitude self-restraint da jurisprudência ao tempo do anterior modelo de contencioso administrativo.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

O Ministério da Educação, devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, datada de 10/04/2008 que, no âmbito da ação administrativa especial instaurada por Carla ……………, julgou a ação procedente, condenando a entidade demandada a reconhecer a existência de lugar disponível na Escola EB 2,3, de ………., em ………..r, deferindo o regresso da Autora ao seu lugar de origem no próximo ano letivo de 2008/2009.

Formula o aqui recorrente nas respetivas alegações (cfr. fls. 55 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões que se reproduzem:

“1ª A decisão recorrida incorre em erro de julgamento por erro nos pressupostos de facto e de direito, ao condenar o Réu a reconhecer a existência de lugar disponível na Escola EB 2,3 de ………, em ….. e a deferir o regresso da Autora ao seu lugar de origem no próximo ano letivo de 2008/2009, quando existem no processo administrativo documentos que referem de forma inequívoca a inexistência de vaga no grupo de código 330.

2ª A situação de licença sem vencimento de longa duração determina ope legis a abertura de vaga, nos termos do artigo 80º/1 do DL 100/99, existindo, por isso, o requisito da existência de vaga aquando do pedido do regresso ao quadro de origem.

3ª O lapso da escola, ao não abater a docente nos lugares providos nem considerar o lugar para efeitos de vaga positiva ou negativa, levou a que constasse erradamente na Portaria n.° 194/2005, de 18.02, e nas subsequentes, que a mesma possuía um quadro legal de dois professores providos no grupo de código 22 atualmente grupo 330, quando na realidade deveria apenas constar um.

4ª A escola não dispunha de um quadro de dois docentes no grupo de código 330, tanto mais porque nem sequer possuía dois horários de 22 horas letivas (44 horas letivas) para distribuir por dois docentes.

5ª Consta na informação n.° 214/GRPD, de 4.09.2006, que, nesse ano, para o grupo 330, a Escola apenas solicitou um horário de 8 horas letivas, no qual foi colocado, em regime de afetação, um docente do quadro de zona pedagógica, pelo que, dada a inexistência de vaga, a Administração estava impedida de autorizar o regresso da recorrida à Escola EB 2,3 de ……….

6ª O ato administrativo não está eivado do vício de violação de lei, uma vez que houve uma correta subsunção do quadro factual ao regime jurídico aplicável nos artigos 80º e 82º do DL 100/ 99, de 31/3 e 107º do ECD, em vigor à data.

7ª A sentença sob censura viola estes preceitos, por incorretas interpretação e aplicação, que impunham a consequência da não verificação do vício de violação de lei, precisamente o oposto da conclusão da decisão.

8ª A licença sem vencimento por um ano e a licença sem vencimento de longa duração são dois institutos distintos com regimes jurídicos diversos.

9ª O Tribunal a quo incorre em erro de julgamento quando aplica o regime jurídico da licença sem vencimento por um ano à situação de licença de vencimento de longa duração, como sucede no caso em apreço.

10ª O decidido ao considerar a existência de lugar disponível na Escola EB 2,3 de ………., em ……., e ao determinar o regresso da Autora ao seu lugar de origem no próximo ano letivo de 2008/2009, sem existência de vaga, por considerar que o lugar se encontrava cativo, como se se tratasse de licença sem vencimento por um ano, incorre em erro de julgamento por erro nos pressupostos de facto e de direito.

11ª Os tribunais não podem ser chamados a decidir diretamente sobre o modo como deve ser prosseguido o interesse público, que atos devem ser praticados e que medidas ser tomadas para melhor o realizar, sob pena de violação do princípio da separação de poderes (artº 2 e 111º da CRP)

12ª Ao considerar existir um lugar disponível na Escola EB 2,3 ……., em …….., e ao determinar o regresso da Autora ao seu lugar de origem no próximo ano letivo de 2008/2009, sem existência de vaga, por considerar que o lugar se encontrava cativo, a decisão recorrida determinou o conteúdo de atos a praticar pela Administração, em substituição desta, em da competência exclusiva da Administração, em violação do núcleo essencial da sua autonomia, quando isso está vedado aos poderes de pronúncia dos tribunais, mesmo no âmbito de processos principais, pelo que incorre em erro de julgamento, em violação do princípio da separação de poderes, consagrado nos artigos 2º e 111º da Constituição.”.

Pede a anulação da sentença recorrida.


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A ora recorrida, notificada, apresentou contra-alegações (cfr. fls. 64 e segs.), assim tendo concluído:

“1. Das alegações de Recurso apresentadas pelo Recorrente não constam nenhum dos requisitos exigidos pelo disposto no artigo 690º do CPC aplicável ex vi artigo 1º do CPTA, de acordo com o qual ao recorrente incumbe especificar as normas jurídicas violadas, o sentido em que, no seu entender, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deveriam ter sido interpretadas e aplicadas e, no caso de haver erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entender do recorrente deveria ter sido aplicada, pelo que, salvo devido respeito por diferente opinião, deve tal falta ser cominada nos termos do disposto no n° 4 do artigo 690º do CPC.

2. Ao contrário do alegado pelo Recorrente, o Acórdão ora recorrido ao ter condenado o Réu a reconhecer a existência de lugar disponível na EB 2,3 de ……. em .......... e ao determinar o regresso da Autora ao seu lugar de origem no próximo ano letivo de 2008/2009, não enferma de quaisquer vícios, não padece de erro de julgamento por erro nos pressupostos de facto (os quais, ao contrário do que era exigível, não se encontram especificados nas alegações de recurso) e de direito (erro este que, por não se encontrar devidamente determinado, a Recorrida desconhece) e muito menos violou o principio da separação de poderes, consagrado nos artigos 2º e 111º da Constituição.

3. Não há, portanto, qualquer erro de julgamento porquanto foi o próprio Recorrente que admitiu que o lugar de quadro pertencente à Autora/Recorrida, apesar da sua entrada em Licença de Vencimento de Longa Duração devidamente autorizada, nunca foi – POR ERRO DOS SERVIÇOS DO REU – considerado para provimento mas antes mantido cativo para a Autora naquele especifico grupo de docência, tudo se passando na ótica do Recorrente como se a Recorrida se encontrasse em licença de vencimento por um ano,

4. E, mantendo (embora erradamente) aquele lugar cativo, sob pena de violação do principio da legalidade e da boa-fé a que estão sujeitos, os serviços deveriam ter admitido o regresso da Autora ao seu lugar de origem (nº 3 do artigo 107º do Estatuto da Carreira Docente então em vigor, artigos 13º, 266º, 267º, 268º, 269º e 271º da CRP e 3º a 12º do CPA) pois só assim, em simultâneo com a prossecução do interesse público, respeitavam os direitos protegidos dos particulares e, in casu, da recorrida

5. Daí que não sendo chamado a apreciar do interesse público – com o qual não se imiscuiu – mas sim da conformidade da decisão administrativa impugnada com o direito ao caso aplicável, tenha o tribunal a quo concluído pela sua ilegalidade não tendo, com tal atuação, violado qualquer princípio de separação de poderes.”.

Pede que seja mantida a sentença recorrida.


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O Ministério Público junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto no art. 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso, com fundamento em a sentença recorrida ter considerado indevidamente existir um lugar cativo, aplicando ao caso vertente o regime jurídico da licença sem vencimento por um ano, ao invés dos normativos respeitantes à licença sem vencimento de longa duração (cfr. fls. 80-81).

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A recorrida pronunciou-se sobre o parecer do Ministério Público no sentido de não lhe assistir razão (cfr. fls. 84-85).

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Colhidos os vistos legais foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, sendo certo que o objeto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos arts. 660º, n.º 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, n.º 1 todos do CPC ex vi artº 140º do CPTA.

As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento na apreciação dos factos e em erro na aplicação das regras de direito [conclusões 1ª, 2ª, 3ª, 4ª, 5ª, 6ª, 7ª, 8ª, 9ª, 10ª, 11ª e 12ª].

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO
O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:
“A. Consta da Informação nº 544/2003/DSG R 17 (fls não numerada do P.A.):
Assunto: Pedido de licença sem vencimento de longa duração
PQND – Carla ……………………………..
1 – A docente supracitada, Professora do 9º Grupo do QND da Escola do 2º e 3º Ciclo de .......... – .........., solicita uma licença sem vencimento de longa duração, nos termos do Artº 78º do Dec.-Lei nº Lei n° 100/99, de 31/03, por motivos particulares.

2 – Conforme se verifica no registo biográfico, a requerente possui mais de cinco anos de serviço, conforme exige o nº 1 do artigo 78º do Decreto-Lei nº 100/99, de março, na redação dada pela Lei nº 117/99, de 11/8 e no artº 107º do ECD. Pelo que é de conceder a licença.

B. Na referida “informação” foi exarado o seguinte despacho, datado de 28 de maio de 2003: “Autorizo” (Ass. Ilegível)

C. Consta da carta datada de 27 de outubro de 2005, subscrita pela Autora e recebida na DGRHE do Réu, no dia 28 seguinte (Fls. não numerada do P.A.):

(...) junto envio declaração médica comprovativa de robustez física e psíquica para o exercício de funções docentes, para anexar ao pedido de reingresso no quadro da escola de 2.° e 3.° ciclos de .........., enviado no passado dia 30 de setembro (...)


D. Consta da informação nº 214/GRPD/ 2º e 3º CEB e ES/2006, de 4 de setembro de 2006 (Fls. não numerada do P.A.)
(…)
2. No apuramento das necessidades permanentes para o ano letivo de 2004/2005, a escola EB 2,3 de .........., em .........., considerou um lugar em LSVLD, mas não abateu a docente nos lugares providos nem considerou o lugar para efeitos de vaga positiva ou negativa. Na Portaria 194/2005, de 18/02, e nas portarias seguintes, a escola continua a possuir um quadro legal de dois professores neste grupo de docência.
3. O estabelecimento de ensino considerou sempre que possuía dois lugares no quadro legal e dois professores providos.
4. Considerando que a docente era provida na escola, pois a sua vaga nunca foi considerada para concurso, aquando do apuramento para as necessidades residuais, a escola requisitava um horário para substituição da docente.
(...)
6. Tendo em consideração a requisição de necessidades permanentes elaborado pela escola em janeiro de 2006 e onde não consta nenhuma vaga a concurso no grupo de docência de código 22, o GRPD informou a DSGRH de que não havia vaga para o regresso da docente.
7. A interessada nunca poderia ser colocada por concurso na sua escola de origem pois, caso o estabelecimento de ensino tivesse declarado vaga, esta teria sido retirada do mesmo para que a docente Carla Luís pudesse regressar ao seu quadro de origem.
(…)
10. Em 2004, ao não pôr a vaga a concurso, a escola cometeu um erro; mas, caso tivesse colocado a vaga a concurso esta estaria, provavelmente, ocupada, e a situação da reclamante seria a mesma – professora que solicitou o regresso da LSVLD, sem lugar na escola de origem. (...)

E. Por requerimento datado de 26 de setembro de 2006, dirigido ao Diretor-Geral, da Direção-Geral de Recursos Humanos da Educação, a Autora requereu o regresso ao seu lugar de origem para o ano letivo seguinte.

F. Consta do ofício nº 1797, de 27/02/2007, dirigido à Autora pela Diretora de Serviços de Recrutamento de Pessoal (Doc. nº 1 anexo à PI.):
Assunto: Regresso ao Quadro de origem - LSVLD
Em referência ao requerimento enviado em 26/09/2006, informa-se V. Exª que, tendo em consideração a requisição de necessidade permanentes elaborada pela EB 2,3 de .........., .........., em janeiro de 2006, a mesma declarou:
- Quadro legal – 2; Lugares providos -2: Horas letivas sobrantes – 5H; N.º de Vagas a abrir – 0.
Por este facto não constam vagas a concurso no grupo de docência de código 22, tendo-se informado a DSGRH de que não havia vaga para o regresso de V. Ex.ª.
Reitera-se assim a informação prestada anteriormente, pelo que a DSGRH/DGCT não podia autorizar o seu regresso ao referido Estabelecimento de Ensino.”.

DO DIREITO

Considerada a factualidade dada por assente, importa entrar na análise do fundamento do presente recurso jurisdicional.

Erro de julgamento na apreciação dos factos e de aplicação das regras de direito [conclusões 1ª, 2ª, 3ª, 4ª, 5ª, 6ª, 7ª, 8ª, 9ª, 10ª e 11ª]

Nos termos que decorrem da alegação do recurso o tribunal a quo incorre em erro de julgamento, quer na apreciação dos factos, quer quanto à interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis.

Considera o recorrente que a sentença recorrida erra quando decidiu existir lugar disponível na Escola EB 2,3 de .........., em .......... e a deferir o regresso da Autora ao seu lugar de origem, no ano letivo de 2008/2009, por existirem no processo administrativo documentos que referem a inexistência de vaga no grupo de código 330 e que a situação de licença sem vencimento de longa duração determina ope legis, a abertura de vaga, a qual se distingue da licença sem vencimento por um ano.

Vejamos no que concerne ao erro de julgamento da matéria de facto.

Nos termos do artigo 685º-B do CPC, incumbe ao recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto o ónus de especificar, sob pena de rejeição:
a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados (nº 1);
b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida …” (nº 1) e
c) que no “caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 522º-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição” (nº 2).

Na citada disposição impõe-se um ónus especial de alegação quando se pretenda impugnar a matéria de facto, que impende sobre o aqui recorrente e que o mesmo, de forma manifesta, não satisfez, como decorre, quer do teor das alegações, quer das conclusões formuladas.

A este Tribunal de recurso assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal a quo, desde que ocorram os pressupostos previstos nos artºs. 712º do CPC e 149º do CPTA, incumbindo-lhe reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.

O recorrente, no caso dos autos, não identifica, em concreto, qualquer ponto da factualidade que considera erradamente julgado, nem ainda, logra identificar qual o documento constante do processo administrativo que determina esse incorreto julgamento, limitando-se à mera alegação do errado julgamento da matéria de facto.

Não é imputado qualquer excesso ou deficiência à matéria factual selecionada e nem ainda, é concretizado o erro de julgamento sobre a matéria de facto em que a sentença incorreu, pelo que, forçoso se tem de entender que não estão verificados os requisitos processuais de que a lei faz depender a impugnação da matéria de facto.

Assim, em face da concreta alegação do recorrente, assumida nas conclusões do recurso, mais do que estar impugnada a matéria de facto que foi dada como provada na sentença recorrida, está em causa uma divergência da valoração dos factos, com reflexo ao nível da interpretação e aplicação das normas legais.

Considerando a factualidade assente, decalcada dos documentos que integram o processo administrativo (o recorrente, Ministério da Educação, não contestou, nem apresentou alegações finais), extrai-se que a autora solicitou o gozo de licença sem vencimento de longa duração, nos termos do artº 78º do D.L. nº 100/99, de 31/03, a qual foi autorizada.

Decorrido o período de tempo (não concretamente determinado), veio a autora requerer o regresso ao seu quadro de origem, na Escola Básica 2, 3 de .........., em .........., o qual foi indeferido, com o fundamento de inexistência de vaga.

A sentença recorrida julgou não ocorrer esse pressuposto de facto e, com base nos factos apurados e na respetiva aplicação do Direito, condenou o Ministério da Educação a reconhecer a existência de lugar disponível no estabelecimento de ensino e a deferir o regresso da autora ao seu lugar de origem no próximo ano letivo.

Para o que ora importa, convém relembrar a factualidade que resulta provada nos autos e que consiste no facto de a Escola Básica 2, 3 de .........., em .........., após a licença sem vencimento de longa duração da autora, não ter abatido a docente nos lugares providos, nem ter considerado o lugar para efeitos de vaga positiva ou negativa.

Por isso, quer a Portaria nº 194/2005, de 18/02, quer as Portarias seguintes, continuaram a prever que a Escola possui um quadro legal de dois professores no grupo de docência em causa, o grupo de código 22, atualmente grupo 330, e que sempre se tenha considerado que tal estabelecimento possuía dois lugares no quadro legal e dois professores providos.

Mais se encontra demonstrado que a autora era considerada como docente provida na Escola e que a sua vaga nunca foi considerada para concurso, procedendo a Escola à requisição de um horário para substituição da docente.

Decorre ainda do probatório que o Ministério da Educação entendeu que não havia vaga que permitisse o regresso da docente ao seu lugar de origem, porque aquando da requisição das necessidades permanentes da Escola, em janeiro de 2006, se considerou não existir necessidade de outro docente.

Tal é o que decorre do teor da “Informação nº 214/GRPD/ 2º e 3º CEB e ES/2006”, de 4 de setembro de 2006, emanada pelos serviços, ora assente na alínea D do probatório.

Atento o citado quadro factual, vejamos qual a fundamentação de direito expendida na sentença recorrida, afim de apreender os invocados erros de julgamento:

Resulta da “informação” constante do processo administrativo e transcrita, no essencial, no probatório supra, que após a entrada da Autora em situação de licença sem vencimento de longa duração, a escola que integra o seu lugar de origem não informou os serviços competentes da abertura da vaga implicada pela concessão da licença, mantendo o lugar cativo e promovendo a substituição da titular por via de contratação derivada do apuramento de necessidades residuais.

Temos assim que, efetivamente, como argumentam os Serviços do Réu na correspondência que endereçaram à Autora, não existe vaga disponível no seu serviço de origem.

Existe, contudo, reservado desde o início do período em que esteve ausente no gozo de licença sem vencimento, de longa duração, porque nunca foi colocado a concurso, o lugar de que é titular, na Escola EB 2,3 de ...........

Por irregularidade cometida pelos serviços do Réu, tudo se passou como se a Autora tivesse gozado uma licença por um período até ao máximo de um ano previsto no art.º 106º do Estatuto da Carreira Docente (Dec.-Lei n. 139-A/90, de 28 de abril, com as alterações posteriores) e 76º/77º do Dec.-Lei nº 100/99, de 31 de março, (também objeto de alterações posteriores), ou seja, mantendo-lhe o direito à ocupação do lugar em que se encontrava provida.

Desta forma, revela-se absolutamente incompreensível o comportamento dos serviços, ao denegarem à Autora a retoma de funções no seu lugar de origem, quando decorre da “Informação” transcrita no probatório que mesmo que se houvesse candidatado ao lugar em questão no âmbito do concurso geral, não teria hipótese de obter nele provimento, simplesmente porque a vaga não se encontra aberta.

Admitem, contudo, de acordo com tal “informação” implicitamente, que quando for declarada a vaga, dada a pendência do pedido de regresso da Autora, terá de ser-lhe atribuída em conformidade com o disposto no nº 3 do art. 107º de ECD.

Não resulta dos autos nem do processo administrativo apenso que o lugar em que a Autora se encontrava provida na Escola EB 2,3 de .........., em .........., na data em que entrou no gozo da licença sem vencimento de longa duração, haja sido posteriormente colocado a concurso para provimento, e ocupado, mas antes, que tem sido, desde então, pontualmente ocupado no apuramento para as necessidades residuais, para o que a escola requisitava um horário para substituição da docente (vd. a “informação” referida no probatório).

Nesta conformidade, cumprida a formalidade prevista no artº 83º do Dec.-Lei nº 100/99, de 31 de março, nada pode impedir o regresso da Autora ao seu lugar de origem, sem necessidade de sujeição a concurso, porque se encontra cativo em consequência de erro dos serviços.


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Considerando que a possibilidade de colocação da Autora no lugar em que se encontrava provida quando iniciou o período de licença sem vencimento, se deve unicamente a erro dos serviços, embora haja pedido a condenação do Réu em permitir a retoma de funções no ano letivo de 2007/2008, não respeitaria o princípio da equidade a determinação do seu regresso imediato, dado que, se o referido erro não tivesse ocorrido, estaria obrigada a aguardar a verificação de vaga, podendo, em alternativa, de acordo com o disposto nos n. 5 do artº 107º do ECD, na redação que lhe conferiu o Dec.-Lei n. 1/98, de 2 de janeiro, apresentar-se a concurso para nova colocação num lugar dos quadros, permanecendo na situação de licença sem vencimento de longa duração, caso a não obtivesse, nos termos do consignado no nº 5 seguinte; isto, para além de que o lugar de docência em questão, porque se mantém, apurado em termos de necessidades residuais, encontra-se ocupado por docente em horário de substituição, pelo que o regresso imediato da Autora, em pleno final de ano letivo, implicaria, necessariamente, prejuízos para os discentes.”.

A licença sem vencimento consiste na interrupção do serviço durante a qual ficam suspensas todas as vantagens e regalias da função – cfr. Marcello Caetano, “Manual de Direito Administrativo”, vol. II, 10ª ed., Almedina, pág. 740.

Nos termos do disposto no nº 1 do artº 80º do D.L. nº 100/99, de 31/03, a licença sem vencimento de longa duração determina ope legis a abertura de vaga, pelo que, o regresso ao lugar de origem mostra-se condicionado à existência de vacatura de lugar.

Por essa razão se determina no nº 1 do artº 82º do citado diploma, que o funcionário em gozo de licença sem vencimento de longa duração só pode requerer o regresso ao serviço ao fim de um ano nesta situação, cabendo-lhe uma das vagas existentes ou a primeira da sua categoria que venha a ocorrer no serviço de origem.

Pelo que, constitui pressuposto do regresso ao serviço, que exista uma vaga.

Contudo, no presente caso, como resulta demonstrado nos autos, a Escola em causa, não abateu a docente nos lugares providos, nem considerou o lugar para efeitos de vaga positiva ou negativa, o que veio a repercutir-se diretamente na Portaria nº 194/2005, de 18/02 e nas Portarias dos anos seguintes, ao aí fazer-se constar que a Escola possui um quadro legal de dois professores providos no quadro de código 22 (atualmente grupo 330).

Deste modo, extrai-se que, não tendo o estabelecimento de ensino colocado tal vaga a concurso, não a tendo preenchido com qualquer docente e não a tendo abatido, a mesma continua existente, de facto e de Direito.

Assim é, porque efetivamente o quadro da Escola EB 2,3 de .........., em .......... prevê duas vagas para o grupo de docência em causa, em sintonia com a respetiva consagração em Portaria ministerial, e tal vaga não se encontra ocupada ou preenchida por qualquer outro docente.

E o facto de a vaga não se encontrar preenchida, significa precisamente que a vaga existe.

Tal não se mostra abalado pela alegação do recorrente e do Ministério Público de que para que a vaga existisse, seria exigível que o estabelecimento de ensino dispusesse de dois docentes no grupo de código 330 e dois horários de 22 horas letivas, quando apenas dispõe de um docente, pois isso significa que apenas uma das vagas está preenchida, com a atribuição do respetivo horário e não que inexista no quadro do estabelecimento dois lugares para aquele grupo.

O que se verifica, tal como bem entendeu a sentença recorrida é que, ocorrendo como efeito da licença sem vencimento de longa duração, a vacatura do lugar ope legis, permitindo, em consequência, que o mesmo seja preenchido através de concurso, ou abatido, caso se entenda que não existe necessidade de o manter, o estabelecimento em causa nada fez, mantendo ou reservando a vaga existente.

Tal determina que, efetivamente, a vaga em causa exista, porque nunca foi abatida, nem se encontra ocupada.

O recorrente, Ministério da Educação, com a sua alegação parece confundir o efeito de abertura de vaga ou de vacatura do lugar, por efeito da licença sem vencimento de longa duração, com o da extinção do lugar, pelo que, tal como bem entendeu a sentença sob recurso, existindo vaga, a Administração não poderia, validamente, recusar o regresso da docente à Escola.

A vacatura do lugar ocorre por efeito da desocupação do lugar, isto é, quando o lugar se mantém aguardando novo titular e a extinção do lugar ocorre quando o lugar não se mantém para além da desocupação.

O efeito a que a lei associa ao gozo da licença sem vencimento de longa duração consiste o da vacatura do lugar, que consiste em o lugar do quadro estar desocupado e se manter sem que o seu anterior titular permaneça a ele ligado – cfr. a este respeito João Alfaia, “Conceitos Fundamentais do Regime Jurídico do Funcionalismo Público”, 1º Vol., 1985, Almedina, pág. 408.

Se por efeito da referida licença, não se reconhece à docente o direito à titularidade do lugar, nem o direito à cativação do lugar, por existir a vacatura do lugar e a suspensão de todos os direitos e da maioria dos seus deveres (mantendo-se aqueles que são comuns a todas as situações de pessoal), exceciona-se o direito de regressar ao lugar da mesma ou equivalente categoria, que se mantém, caso exista vaga, como no presente caso (referindo-se ao “direito de regresso ao serviço”, vide João Alfaia, obra cit., pág. 662-663).

Além do mais, não tem o recorrente razão quando alega que o Tribunal a quo incorre em erro de julgamento quando aplica o regime jurídico da licença sem vencimento por um ano à situação de licença sem vencimento de longa duração, pois o que decorre do julgado em 1ª instancia consiste na convocação dos citados regimes legais, para dizer que a Escola ao ter agido como agiu, isto é, ao cativar a vaga da docente em licença sem vencimento de longa duração, procedeu como se a situação da docente se tratasse de licença sem vencimento por um ano, juízo que se mostra corretamente formulado, em face das disposições legais aplicáveis, dos artºs. 76º e segs. e 78º e segs. do D.L. nº 100/99, de 31/03.

De resto, vale para os presentes autos a doutrina do Acórdão do TCA Norte, datado de 16/12/2004, proc. nº 124/04, segundo o qual:

I. Nos termos do artigo 82º/1 do DL 100/99, o regresso ao serviço está dependente da existência de uma vaga, isto é, da existência de um lugar não preenchido correspondente à categoria profissional do funcionário no pertinente quadro de pessoal.

II. A vaga é, pois, uma situação que apenas cessa por preenchimento – através da nomeação de um funcionário para ocupação do lugar – ou pela alteração do quadro de pessoal. Assim, uma vaga não pode considerar-se aberta ou fechada por invocação circunstancial da conveniência do serviço.

III. A situação de licença sem vencimento de longa duração determina ope legis a abertura de vaga, nos termos do artigo 80º/1 do DL 100/99. Por isso, existe a priori o requisito existência de vaga.” (sublinhado nosso).

Conclui-se, pois, que a sentença recorrida não incorreu em qualquer erro, seja na interpretação e valoração dos factos, seja na respetiva interpretação e aplicação dos normativos de Direito, pelo que se deve manter.

Por último, em relação à alegação do recorrente nas conclusões 11ª e 12ª, quanto o de a sentença a quo ter violado o princípio da separação de poderes e o núcleo essencial da sua autonomia, ao determinar o regresso da docente ao seu lugar de origem no próximo ano letivo, por estar a determinar o conteúdo dos atos e praticar pela Administração, impõe dizer-se o seguinte.

Nos termos do nº 1 do artº 3º do CPTA, em respeito pelo princípio da separação e interdependência dos poderes, os Tribunais Administrativos julgam do cumprimento das normas e princípios jurídicos que vinculam a Administração e não da conveniência ou oportunidade da sua atuação.

Em concretização do princípio da plena jurisdição dos Tribunais Administrativos e como forma de assegurar a efetividade da sua tutela, podem fixar oficiosamente um prazo para o cumprimento dos deveres que imponha à Administração, assim como sanções pecuniárias compulsórias (nº 2 do artº 3º do CPTA).

Além disso, têm o poder de proferir sentenças que produzam os efeitos do ato administrativo devido, quando a prática e o conteúdo do ato sejam estritamente vinculados, assim como de condenar a entidade competente à prática do ato ilegalmente omitido ou recusado – artº 3º, nº 3, artº 66º, nº 1, artº 71º e artº 95º, nºs 3 e 4, todos do CPTA.

O caso trazido a juízo deve ser configurado como situação em que a atuação da Administração se pauta por critérios de estrita legalidade, em que está em causa saber se estão ou não reunidos os pressupostos para o regresso de uma docente ao seu lugar de origem, em sequência do gozo de uma licença sem vencimento de longa duração, nos termos definidos pela lei, pelo que é recusar qualquer margem de livre oportunidade ou de conveniência do agir administrativo que vede a emissão da pronúncia condenatória emitida na sentença recorrida.

Um contencioso de plena jurisdição, sob o signo do princípio da tutela jurisdicional efetiva não colide com o princípio da separação e interdependência de poderes.

Admite-se, na atual configuração da ordem jurídica, constitucional e administrativa, que o juiz administrativo possa emitir sentenças condenatórias da Administração e até sentenças substitutivas de atos administrativos estritamente vinculados, na fase declarativa do processo – cfr. a propósito, João Pacheco de Amorim, “A Substituição Judicial da Administração na Prática de Atos Devidos”, in “Reforma do Contencioso Administrativo, Trabalhos Preparatórios (O Debate Universitário)”, Vol. I, Ministério da Justiça, Lisboa, 2000, pág. 475 e Marco Real Martins, “Sentenças Substitutivas de Atos Administrativos sob o signo do Princípio da Tutela Jurisdicional Efetiva – em especial, nos procedimentos de formação de contratos públicos”, in “O Direito”, Ano 143.º, 2011, II, Almedina.

O princípio da proibição de sentenças de condenação, segundo o qual a Administração não podia ser condenada a coisa diversa do que o pagamento de quantias pecuniárias, designadamente, não podia ser condenada à prática de atos administrativos, nem lhe serem impostas injunções tendentes à prática de atos não administrativos, veio paulatinamente a sofrer desvios, a que está associada a interpretação do princípio da separação de poderes sem caráter absoluto, antes enquadrado no âmbito dos demais princípios consagrados na Constituição, de entre os quais, o princípio da tutela jurisdicional efetiva.

“(…) a produção de um efeito substitutivo (de um ato administrativo vinculado quanto ao seu quid e ao seu an) pela sentença prolatada em sede declarativa – antecipando, assim, os efeitos típicos da fase executiva “complementar” (…) – não só é admissível (à luz do princípio da separação de poderes), como também necessária (desta feita, sobretudo à luz do princípio da tutela jurisdicional efetiva administrativa, depois de o mesmo ser sujeito ao “teste” de ponderação, concordância prática ou harmonização), quando a restauração da ordem jurídica o imponha (por haver norma jurídica prévia cuja previsão, estatuição e sentido deôntico não permitam inferir qualquer “espaço de liberdade” para valorações próprias do exercício da função administrativa), caso esse em que, necessariamente, se tratará de uma atividade fungível (a ser exercida, in casu, pelo juiz administrativo, em substituição do ente administrativo normalmente competente para o efeito, por este se ter revelado incumpridor no exercício da sua competência de efetivação do interesse público secundário a que estava adstrito).

(…)

Ora, dúvidas não se oferecem quanto à delimitação negativa operada ao princípio da separação de poderes pelo princípio da tutela jurisdicional efetiva (administrativa): a influência valorativa deste último postula (…), a existência de sentenças condenatórias e, sempre que possível (ou seja, sempre que exequível e não se traduza numa violação da reserva de administração constitucionalmente garantida), substitutivas (…). Efetivamente, o princípio da separação de poderes vale com o conteúdo prescrito pela Constituição; isso mesmo resulta da parte final do nº 1 do artigo 111º da Lei Fundamental: “Os órgãos de soberania devem observar a separação e a interdependência estabelecidas na Constituição” (…), isto é, com o conteúdo que lhe é atribuído pela Constituição, o que implica a sua harmonização com os demais direitos ou valores potencialmente conflituantes.” – vide Marco Real Martins, obra cit., pág. 393 e nota 13, a pág. 395-396.

Condenar a Administração, não significa substituí-la, não traduz a sua substituição, nem fazer o que ao poder administrativo compete fazer.

A condenação da Administração à prática de ato devido, apelidada de “revolução coperniciana” da Justiça Administrativa por Vasco Pereira da Silva (inO Contencioso Administrativo como “Direito Constitucional Concretizado” ou “Ainda por concretizar”?”, Almedina, Coimbra, 1999, pág. 43-44), traduz-se na imposição de adotar uma conduta que, por força da lei, é devida ao administrado, pelo que, “é um instituto que oferece a proteção jurídica ao particular que tem um direito ou interesse legalmente protegido à emissão de um ato administrativo, quando a Administração Pública presenteia esse particular com uma recusa expressa ou com o silêncio, comportamentos contrários à atuação pretendida pela lei.” (cfr. Rita Calçada Pires, “O Pedido de Condenação à Prática de Ato Administrativo Legalmente Devido”, Almedina, 2004, pág. 16.

Deste modo, não assiste razão ao recorrente quando dirige a citada censura à sentença recorrida, havendo que ter presente que a “separação entre administrar e julgar é pressuposto para se discutirem problemas de substituição entre o poder judicial e o poder administrativo” (cfr. Paulo Otero, “O Poder de Substituição em Direito Administrativo, Enquadramento Dogmático-Constitucional”, Vol. I, Lex, Lisboa, 1995, pág. 38-39), num contexto do evoluir das relações entre o poder judicial e o poder executivo.

“(…) se a função oferecida pela Constituição à Administração não é atendida, nem exercida, então, visto não se poder prescindir dessa função e como os poderes se relacionam entre si, colmatando as falhas de uns por outros, através de institutos de controlo imprescindíveis à concretização das tarefas constitucionalmente impostas, então, em nome dessa interdependência de poderes que supõe o respetivo cruzamento, pode o tribunal condenar a Administração sem que para isso incorra em violação do princípio da separação de poderes, uma vez que a visão clássica, onde cada poder é estático e permanente fechado no seu espaço individual de ação, não representa sequer um reflexo da realidade que hoje caracteriza o relacionamento entre poderes.” (cfr. Rita Calçada Pires, obra cit., pág. 117).

Aferindo-se a ilegalidade do agir administrativo, pautado por critérios de estrita legalidade, e sendo a realização da Justiça, não só um meio, como um fim em si mesmo, exercido por intermediação da lei, há que extrair as devidas consequências do princípio da tutela jurisdicional efetiva e dos poderes conferidos ao juiz administrativo, não só ao nível da reposição da legalidade objetiva, mas da plena satisfação das posições jurídicas subjetivas dos interessados, acentuando o pendor subjetivo do sistema de justiça administrativa.

Está em causa o “conferir um sentido atualista – e também pragmático / funcional / finalístico – ao princípio da separação de poderes, mais próprio de um Estado de Direito Democrático pós-modernista, de cariz marcadamente social, a partir do reconhecimento de que a tarefa de “administrar a justiça” (cfr. artigo 202º, nº 1 da Constituição) envolve sobretudo hoje muito mais que a mera aplicação de normas, mediante raciocínios lógico-subsuntivos, “passando pela concretização e operacionalização dos valores e princípios constitucionais”” – cfr. Marco Real Martins, obra cit., pág. 406.

Deste modo, é de confirmar integralmente a sentença recorrida, traduzindo-se a condenação do Ministério da Educação a deferir o regresso da docente ao lugar de origem uma consequência da existência de vaga, enquanto imposição da lei e do Direito.

Tal condenação não acarreta a violação do princípio da separação de poderes, do núcleo essencial do poder administrativo ou dos poderes conferidos ao juiz administrativo e aos Tribunais Administrativos, mas antes a realização do princípio da tutela jurisdicional efetiva e o exercício do poder jurisdicional à luz da nova conceção do sistema de justiça administrativa e da interdependência e compatibilização dos princípios constitucionais, que elimina a atitude self-restraint da jurisprudência ao tempo do anterior modelo de contencioso administrativo.

Termos em que improcedem todas as conclusões do recurso.


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Em suma, pelo exposto, será de improceder o recurso que se nos mostra dirigido, por não provados os seus respetivos fundamentos.

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Sumariando, nos termos do nº 7 do artº 713º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. Não tendo a Escola, após a licença sem vencimento de longa duração, abatido a docente nos lugares providos, nem considerado o lugar para efeitos de vaga positiva ou negativa, isto é, continuando a considerar a docente como provida no estabelecimento e nunca considerado a sua vaga em concurso, mantendo a existência de duas vagas no grupo de docência em causa, quer na Portaria nº 194/2005, de 18/02, quer nas Portarias seguintes, existe vaga, nos termos do artº 82º, nº 1 do D.L. nº 100/99, de 31/03, que permita o regresso da docente ao seu lugar de origem.

II. Porque nunca foi abatida, nem se encontra ocupada, a vaga existe, de facto e de Direito.

III. Não se confunde a vacatura do lugar, com a extinção do lugar.

IV. Um contencioso de plena jurisdição, sob o signo do princípio da tutela jurisdicional efetiva não colide com o princípio da separação e interdependência de poderes.

V. Admite-se, na atual configuração da ordem jurídica, constitucional e administrativa, que o juiz administrativo possa emitir sentenças condenatórias da Administração e até sentenças substitutivas de atos administrativos estritamente vinculados, na fase declarativa do processo.

VI. Aferindo-se a ilegalidade do agir administrativo, pautado por critérios de estrita legalidade, e sendo a realização da Justiça, não só um meio, como um fim, exercido por intermediação da lei, há que extrair consequências do princípio da tutela jurisdicional efetiva e dos poderes conferidos ao juiz administrativo, ao nível da reposição da legalidade objetiva e da plena satisfação das posições jurídicas subjetivas dos interessados, acentuando o pendor subjetivo do sistema de justiça administrativa.

VII. A condenação não acarreta a violação do princípio da separação de poderes, do núcleo essencial do poder administrativo ou dos poderes conferidos ao juiz administrativo, mas antes a realização do princípio da tutela jurisdicional efetiva e o exercício do poder jurisdicional à luz da nova conceção do sistema de justiça administrativa e da interdependência e compatibilização dos princípios constitucionais, que elimina a atitude self-restraint da jurisprudência ao tempo do anterior modelo de contencioso administrativo.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente.

Registe e notifique.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)

(Maria Cristina Gallego Santos)

(António Paulo Vasconcelos)