Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05048/09
Secção:CA - 2.º Juízo
Data do Acordão:06/18/2009
Relator:Coelho da Cunha
Descritores:DEC-LEI 216/92.
ATRASO NA CONCLUSÃO DE UM CURSO DE MESTRADO, IMPUTÁVEL A UMA UNIVERSIDADE.
DEVER DE INDEMNIZAÇÃO.
Sumário: I - A ultrapassagem por parte de uma Universidade, por cerca de três anos, dos prazos para a conclusão de um curso de mestrado, previstos nos artigos 13º e 14º do D.L. 216/92, de 13 de Outubro constitui facto ilicíto.
II - Resultando de tal atraso, injustificado pela Ré, um prejuízo na progressão da carreira de uma licenciada que se havia candidatado ao curso de mestrado, e verificando-se os demais pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, a A. não poderá deixar de ser indemnizada, designadamente no tocante a diferenças salariais.
Aditamento:
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência no 2º Juízo do TCA Sul


1. Relatório.
Maria ..., professora do ensino secundário, intentou no TAF de Beja acção administrativa comum de indemnização por responsabilidade civil, com processo ordinário, contra a Universidade de Évora, pedindo o pagamento das quantias de € 18.118,36 por atraso na progressão da carreira e de € 2.500 por danos morais
Considerando verificados os pressupostos da responsabilidade civil, o Mmo. Juiz “a quo” julgou a acção procedente e condenou a Ré a pagar à Autora, a título de indemnização por danos patrimoniais, a quantia de € 15.618,36, acrescida de juros legais desde a citação até efectivo e integral pagamento, absolvendo a Ré do mais peticionado. –
Inconformada, a Universidade de Évora interpôs recurso jurisdicional para este TCA-Sul, em cujas alegações enunciou as conclusões de fls. 98, nas quais refere o seguinte:
1ª) Os prazos fixados no Dec. Lei nº 216/92, de 13.10, são prazos meramente indicativos ou ordenadores e não peremptórios;
2ª) Não constituindo, consequentemente, uma formalidade essencial do procedimento administrativo que aquela lei regulamenta; –
3ª) O não cumprimento dos referidos prazos não acarreta qualquer ilegalidade; –
4ª) A norma constitucional que fixa o direito de acesso à justiça em prazo razoável, não é aplicável directamente aos processos administrativos graciosos, mas sim à actividade judicial; –
5ª) Não integra o núcleo essencial dos direitos fundamentais da recorrida, o direito ao título de mestrado em determinado prazo; –
6ª) A sentença recorrida, aplicando directamente ao caso em apreço as normas constitucionais ínsitas nos artigos 20º, 22º, e 268º nos 4 e 5 da CRP, fez errada aplicação do direito; –
7ª) Sendo os prazos fixados no Dec. Lei nº 216/92 meramente ordenadores, o seu não cumprimento por parte da Universidade de Évora não constitui acto ilícito; –
8ª) A Universidade de Évora não praticou qualquer acção ou omissão geradora de responsabilidade civil;
9ª) Decidindo em contrário, a sentença recorrida violou o nº 1 do artigo 2º e art. 6º do Dec. Lei 48051;
10ª) Deve, consequentemente ser revogada a sentença recorrida, julgando-se improcedente, por não provada, a acção.
A recorrida contraalegou, pugnando pela manutenção do julgado. –
A Digna Magistrada do MºPº emitiu parecer sobre o mérito do recurso. –
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2. Matéria de Facto
A sentença recorrida considerou provada a seguinte factualidade, com relevo para a decisão:
a) A A. é professora do ensino secundário, sendo Licenciada em Arquitectura; –
b) A A. foi admitida ao Curso de Mestrado em “Recuperação do Património Arquitectónico e Paisagístico”, Leccionado pela Ré no ano lectivo de 1993/94; –
c) A A. concluiu a parte escolar do referido curso de Mestrado em 10.03.95;
d) A A. concluiu a redacção da sua dissertação em 13.06.97, entregando-a nessa data e requerendo a sua admissão ao acto final do mestrado; –
e) Em 2.12.97, a Ré proferiu o despacho de nomeação do júri; –
f) A Ré não proferiu despacho a aceitar a dissertação da A. ou recomendando a reformulação da dissertação; –
g) A 26.4.00, a A. dirigiu ao Reitor da Universidade de Évora a exposição com vista a ser concluído o seu curso de mestrado;
h) A Ré marcou a prova pública da dissertação, convocando a A. para 5.07.2001, através do ofício de 15.06.2001;
i) Em 5.7.2001, a A. foi aprovada por unanimidade;
j) A A. concluiu o curso de Mestrado em 5.7.2001;
k) Conforme ofício da DREL, de 31.08.2001, por despacho de 27.08.2001 do Director Regional foi atribuída à A. a bonificação de quatro anos no tempo de serviço, de que resultou o seguinte posicionamento na carreira:
– escalão 9º, índice 299, com efeitos a 1.08.2001;
– escalão 10º, índice 340, com efeitos a 1.05.2003;
l) Em 31.12.97, a A. encontrava-se no 6º escalão, índice 200 da carreira docente, com 16 anos e 302 dias de serviço docente; –
m) Em 1.04.98, a A. passou ao 7º escalão; –
n) Entre 1.01.99 e 31.3.2000, a A. esteve posicionada no 7º escalão, a que correspondia o índice 210; –
o) Em 1.04.2000, a A. passou para o 8º escalão; –
p) De 1.04.2000 a 30.06.2000, a A. esteve no 8º escalão, índice 240; –
q) De 1.7.2000 a 31.07.2001, a A. esteve no 8º escalão, índice 243; –
r) Em 31.07.2001 passou ao 9º escalão; –
s) No período de 1.1.98 a Julho de 2001, a A. sofreu preocupações e insónias, o que lhe provocou angústia e desgostos.
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3.Direito Aplicável
Considerando o disposto no artigo 22º da C.R.P. e nos artigos 2º nº 1 do D.L. 48051 e 483º do Código Civil, o tribunal “a quo” considerou preenchidos os requisitos da responsabilidade civil, condenando a Ré no pagamento à A. das quantias supra indicadas. –
Observou a douta sentença recorrida que a Universidade de Évora, pessoa colectiva de direito público, violou o disposto no artigo 13º nº 1 do D.L. 216/92, de 13.10, que dispõe um prazo de 30 dias, após a entrega da dissertação, para nomear o juri para dissertação (sublinhado nosso), assim como violou o disposto no artigo 14º nº 1 do mesmo Dec. Lei nº 216/92, de 13.10, que impõe um prazo de 30 dias, após a publicação do despacho de nomeação do júri, para proferir um despacho de aceitação da dissertação ou de recomendação de reformulação da dissertação apresentada. –
Finalmente, a Ré terá violado ainda o disposto no artigo 14º nº 5 do D.L. nº 216/92, de 13.10, que obrigava a marcar a prova pública de discussão da dissertação para um prazo de 60 dias após o despacho de aceitação ou de recomendação da reformulação da dissertação (sublinhado nosso). –
Concluiu, assim, a decisão recorrida que a violação de tais normas acarretou um atraso ilegal e injustificado na marcação da prova final e na realização dos actos preparatórios, atraso esse que se reflectiu na progressão da carreira da Autora e nas respectivas diferenças salariais. –
Nas conclusões das suas alegações, a Universidade de Évora sustenta que o prazos do Dec. Lei nº 216/92, de 13 de Outubro, são meramente ordenadores, não constituindo consequentemente, uma formalidade essencial do procedimento administrativo que aquela lei regulamenta, pelo que o não cumprimento dos referidos prazos não acarreta qualquer ilegalidade (conclusões 2ª a 3ª). –
Na tese da recorrente, a norma constitucional que fixa o direito de acesso à justiça em prazo razoável, mas é aplicável directamente aos processos administrativos graciosos, mas sim à actividade judicial, nem integra o núcleo essencial dos direitos fundamentais da recorrida o direito ao título de mestrado em determinado prazo (conclusões 4ª e 5ª). –
Assim, a sentença recorrida, aplicando directamente ao caso em apreço as normas constitucionais ínsitas nos artigos 20º, 22º nº 4 e 268º nº5 da CRP fez errada aplicação do direito (conclusão 6ª), sendo certo que o não cumprimento daqueles prazos ordenadores não constitui acto ilícito (conclusão 7ª). –
Em suma, a Universidade não praticou qualquer acção ou omissão geradora de responsabilidade civil, pelo que a sentença recorrida violou o nº 1 do artigo 2º e o art. 6º do Dec. Lei nº 48.051. –
De notar que, ainda que implicitamente, a recorrente alega a nulidade por omissão de pronúncia derivada do não conhecimento da natureza daqueles prazos.
Salvo o devido respeito, não podemos aceitar a tese da recorrente. –
Considerar os prazos previstos nos artigos 13º nº 1, 14º nº 1 e 14º nº 5 como prazo simplesmente ordenadores, cujo incumprimento não traria quaisquer consequências para a Universidade é, quanto a nós, uma solução inaceitável do ponto de vista jurídico, que permitiria adiar, indefinidamente, a marcação dos actos necessários para a aquisição do mestrado.
Se o legislador estabeleceu os prazos de 30 dias, para nomear o júri para apreciação da dissertação, bem como para a publicação do despacho de nomeação do júri, e o prazo de 60 dias para marcar a prova de dissertação, é porque pretendeu que o procedimento se desenrolasse num determinado período temporal. –
Daí que não repugne o recurso efectuado pela sentença recorrida ao disposto no artigo 20º nº 4 e 5 e ao artigo 268º nº 4 e 5 da C.R.P., bem como ao estatuído no artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. –
O direito de acesso à justiça em prazo razoável não deve restringir ao exercício da actividade judicial, mas estar igualmente presente no âmbito de um procedimento administrativo. –
Como escreve Irineu Cabral Barreto, “As garantias do nº 1 do artigo 6º aplicam-se a todo o processo administrativo que se debruce sobre um direito ou obrigação de carácter civil, mesmo que no seu início assuma uma forma unilateral …” (cfr. “Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, Editorial Notícias, 1995, notas ao artigo 6º). –
Estando a Administração sujeita ao princípio da proporcionalidade, embora se admita que a contagem dos prazos não seja rígida, não pode admitir-se, por via daquelas regras constitucionais, o excessivo atraso na marcha do procedimento, sob pena de afectar, irremediavelmente, os interesses dos particulares. –
Como justamente se nota na decisão recorrida, “a apreciação da razoabilidade da duração dum processo terá de ser feita analisando cada caso em concreto e numa perspectiva global, tendo como ponto de partida, no caso vertente (uma acção declarativa), a data da entrada da acção no tribunal competente, e como ponto final a data em que é tomada a prolação definitiva, contabilizando as instâncias de recurso (incluindo a junto do Tribunal Constitucional) e ainda a fase executiva. In casu, consideramos também que não nos podemos socorrer, única e exclusivamente do que deriva das regras legais que definem o prazo ou os sucessivos prazos para a prática e prolação dos actos procedimentais, nomeadamente e porque são os em crise, os constantes dos artigos 13º nº 1, 14º nº 1 e 5 do D.L. nº 216/92, de 13 de Outubro (diploma que estabelece o quadro jurídico de atribuição dos graus de mestre e de doutor pelas instituições universitários). –
Recordando a factualidade assente, nomeadamente que a Autora concluiu a redacção da dissertação em 13.6.1997, entregando-a nessa data, e a Ré Universidade nomeou o júri em 2.12.97 e só veio a marcar a prova pública de dissertação em 15.06.01, que foi realizada em 5.7.2001 (cfr. als. c), d), e) e h) dos factos provados, não podemos considerar como prazo razoável o prazo decorrido, que é de cerca de três anos (enquantos previstos na lei são apenas de 30 + 30 + 60 dias). –
Para tal demora não se vislumbra qualquer motivação, nem a Ré a apresenta, limitando-se a dizer que estamos perante prazos ordenadores. –
É indiscutível, portanto, a ilicitude do acto, lesiva para a valorização social e profissional da recorrida, que viu injustificadamente retardada a sua progressão na carreira. –
Não pode também deixar de reconhecer-se a culpa da Administração, que inclusive foi alertada pela A. para a anormal morosidade deste procedimento, com o requerimento de 26.4.2000, em que pediu ao Reitor da Universidade de Évora que fosse concluído o seu curso de mestrado, bem como os danos especificados na decisão recorrida, atinentes à perda de progressão na carreira e respectivas diferenças salariais, que configuram os danos patrimoniais sofridos pela Autora, e o nexo de causalidade entre o facto ilícito e os prejuízos, apurado segundo a teoria da causalidade adequada prevista no artigo 563º do Código. –
O montante indemnizatório correspondente, portanto, ao valor de € 15.618,36, relativo a diferenças salariais, subsídio de férias e de Natal, que a A. teria recebido entre 1.1.98 e 31.7.2001, caso tivesse concluído o curso de mestrado na data prevista no D.L. nº 216/92, de 13.10, ou seja em Dezembro de 1997.
Bem andou, portanto, a sentença recorrida ao considerar verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual da Universidade de Évora para com a Autora. –
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4. Decisão.
Em face do exposto, acordam em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.
Custas pela A. e pela Ré em ambas as instâncias, na proporção do respectivo decaimento, (visto que a A. não logrou obter a condenação da Ré pelo pedido efectuado a título de danos morais). –
Lisboa, 18.06.09

as.) António de Almeida Coelho da Cunha (Relator)
Mário Frederico Gonçalves Pereira
António Paulo Esteves Aguiar de Vasconcelos