Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06848/13
Secção:CT
Data do Acordão:07/12/2017
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:IRC
SGII
FUNDAMENTAÇÃO
MAIS-VALIAS
JUROS COMPENSATÓRIOS
Sumário:I - Em matéria tributária, o dever de fundamentação (embora nem sempre com o mesmo grau de exigência) deve sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários, bem como as operações de apuramento da matéria tributável e do imposto.
II - Mesmo tendo presente que as exigências de fundamentação não são um elenco de regras absolutas e estanques, sendo imprescindível olhar atentamente para o caso concreto, pode concluir-se que, in casu, não é explícito o caminho percorrido na declaração fundamentadora para chegar ao concreto conteúdo do acto de liquidação impugnado, mormente se tivermos em atenção a sucessão de actos verificada entre o relatório inicial de fiscalização e os diferentes documentos de correcção.
III - A diferente classificação de um bem imóvel em imobilizado/ património ou activo permutável/ existências deve atender à intenção que motivou a sua aquisição e a sua permanência na titularidade do alienante, por um determinado período.
IV - No caso concreto, a L…, tal como resulta da CRComercial, constituiu-se tendo por objecto o arrendamento de imóveis próprios, por ela adquiridos ou construídos, e a prestação de serviços conexos, tendo isso, pois, justificado a aquisição do terreno e construção do edifício de escritórios na Av. … para arrendamento.
V - São efectivamente razões muito concretas, particularidades do caso concreto, que nos levam a dar relevo às circunstâncias verificadas que determinaram que a L… redireccionasse um novo destino para o imóvel por si construído que, até um certo momento, era destinado ao arrendamento e que, posteriormente, foi destinado à venda.
VI - Ficou efectivamente comprovado que a venda se revelou a opção da L… para continuar a operar e manter o estatuto de SGII, tudo num contexto de alterações legislativas do próprio regime legal das SGII que vieram impor a estas sociedades ratios de composição do seu património imobiliário em imóveis destinados a arrendamento comercial e a habitação.
VII - Daí que a qualificação do ganho como mais-valia se mostre justificada, não devendo ser posta em causa, nem desconsiderada, a contabilização do imóvel efectuada (como imobilizado), consentânea com a função que o imóvel assumiu na empresa e para o qual foi adquirido.
VIII - A exigência de fundamentar a liquidação de juros compensatórios não pode deixar de se integrar no dever geral de fundamentação dos actos administrativos e dos actos tributários em particular, exigência esta constitucionalmente imposta (cfr. artigo 268º, nº3 da CRP).
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

1 – RELATÓRIO

L... IMOBILIÁRIA, SA., C... - IMOBILIÁRIA, SA., e I... – IMOBILIARIA SA., sociedades novas que sucederam à L...-SOCIEDADE DE GESTÃO E INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO, SA, sociedade cindida, por cisão operada por escritura pública de 22/10/92, na modalidade de cisão-dissolução, impugnaram judicialmente a liquidação de IRC (e juros compensatórios) do exercício de 1990, no montante de 194.423.529$00.

Na impugnação deduzida, as impugnantes haviam invocado: a falta de fundamentação da correcção correspondente ao valor de 10.583.718$00, respeitante a amortizações (cfr. artigo 11 da p.i); a falta de fundamentação da liquidação de juros compensatórios (cfr. artigo 52º da p.i); a não verificação dos pressupostos legais para a liquidação de juros compensatórios e, como tal, a violação do disposto no artigo 80º do CIRC (cfr. artigos 54º a 66 da p.i) e o vício de violação de lei quanto à correcção efectuada no valor de 296.111.015$00, montante este contabilizado pela L... SGII, SA como mais-valia na alienação do imobilizado corpóreo (cfr. artigos 23 a 50 da p.i).

O Tribunal Tributário de Lisboa julgou a impugnação judicial parcialmente procedente.

Em concreto, foi anulada a correcção correspondente a 10.583.718$00, por falta de fundamentação (anulação com efeitos ao nível do imposto e juros respectivos) e foi mantida a correcção de 296.111.015$00, respeitante ao valor contabilizado pela L... SGII, SA como mais-valia na alienação do imobilizado corpóreo.


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Inconformada com tal sentença, a Recorrente, FAZENDA PÚBLICA, interpôs recurso para este Tribunal Central Administrativo Sul, formulando as seguintes conclusões:

1) Nos termos do art. 82º do CPT, então aplicável, a fundamentação dos actos tributários deveria conter, ainda que de forma sucinta, as disposições legais aplicadas, bem como a qualificação e quantificação dos factos e as operações de apuramento da matéria tributável e do imposto, estabelecendo, por sua vez, o nº 1 do art. 125º do CPA que a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respectivo acto.

2) No caso em apreço, tendo em vista as razões de facto e de direito mencionadas no "Anexo ao mapa de apuramento Mod. DC – 22” relativamente à fundamentação das correcções efectuadas no "Quadro 18 - campo 205 e campo 218”, as quais, por sua vez, decorrem das correcções propostas, neste âmbito, no relatório da IGF, não se vislumbram minimamente as razões pelas quais se concluiu na sentença recorrida que tais correcções não se apresentariam fundamentadas quer quanto à respectiva origem quer quanto aos motivos que as determinaram.

3) Com efeito, tal como resulta do mapa de apuramento Mod. DC - 22, o questionado valor de 10.583.718$00, inscrito no campo 240 do Quadro 18, corresponde precisamente à diferença entre o valor indicado no campo 205 (20.183.718$00, respeitante a reintegrações e amortizações não aceites como custo) e o valor mencionado no campo 218 (9.600.000$00, correspondente a 40% do aumento das reintegrações resultantes da reavaliação do imobilizado corpóreo), constituindo o montante que, pelas razões devidamente explicitadas no referido "Anexo ao mapa de apuramento Mod. - DC 22", foi apurado para efeitos de acréscimo ao lucro tributável do exercício, sendo certo que a efectivação de tais alterações aos valores declarados decorre, por sua vez, das correcções propostas no relatório da IGF, cuja fotocópia foi junta ao mapa de apuramento Mod. DC -22.

4) Assim, diversamente do concluído na decisão recorrida, pode considerar-se que a fundamentação respeitante às sobreditas correcções se revela compatível com os requisitos enunciados nos preceitos legais supratranscritos, na medida em que, ainda que de forma sucinta, foram enunciadas, no aludido "Anexo ao mapa de apuramento Mod. DC - 22", as razões subjacentes à efectivação das correcções em causa, sendo claro que, por outro lado, tal como decorre do teor da própria petição inicial, não obstante a forma concisa utilizada na fundamentação de tais correcções, a ora impugnante, embora discordando da efectivação das mesmas, não deixa de evidenciar um conhecimento adequado das razões de facto e de direito subjacentes às correcções em questão.

5) Aliás, as questionadas correcções figuram entre o tipo de actos que, por razões atinentes à sua própria natureza, não são susceptíveis de requerer uma fundamentação longa e solene, sendo notório que a forma concisa utilizada não terá obstado ao conhecimento, por parte da Interessada, do iter lógico e jurídico do procedimento em causa, o que equivale a dizer que, tal como se reconhece no Ac. do STA de 11/12/2002, rec. 01486, o dever de fundamentação tem uma bitola não mensurável por um parâmetro único, antes variando em função do tipo legal do acto.

6) Assim, prevalecendo a este respeito o entendimento jurisprudencial de que a fundamentação não carece de ser exaustiva, bastando ser sucinta (Ac. do TCAS, de 5/12/2006, proc. 01386/06), só poderá concluir-se que, tendo a ora Impugnante tomado conhecimento do essencial das razões respeitantes às correcções em causa, terá ficado seguramente satisfeito, de forma suficiente, clara e congruente, o dever de fundamentação legalmente imposto à AF.

7) Decorre do exposto que, no que respeita ao juízo formulado a propósito da fundamentação das correcções em causa, cuja efectivação originou o acréscimo, ao lucro tributável, do valor de 10.583.718$00 (o qual corresponde precisamente à diferença entre o valor inscrito no campo 205 e o montante mencionado no campo 218, ambos do Quadro 18), a sentença recorrida fez uma aplicação inadequada do estabelecido nos preceitos legais supratranscritos, razão pela qual deverá a mesma ser revogada, na parte que constitui o objecto do presente recurso, com as legais consequências.


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As Recorridas, L... IMOBILIÁRIA, SA., C... - IMOBILIÁRIA, SA., I... – IMOBILIARIA SA., contra-alegaram, expendendo o seguinte quadro conclusivo:

Nos termos supra expostos, as ora Recorridas, concluem as suas contra-alegações requerendo que se mantenha parcialmente a decisão a quo, confirmando-se a ilegalidade do tributo de que foi alvo por falta de fundamentação, nos termos julgados pelo Tribunal a quo com os seguintes fundamentos:

1. O presente Recurso da Fazenda tem por objecto a sentença porquanto esta dá «por provada a falta de fundamentação na parte referente à correcção de 10.583.718$00, devendo, nesta parte, ser corrigida a liquidação e anulado o imposto e respectivos acréscimos legais» (cfr. Capítulo IV da sentença).

2. A sentença veio dar parcialmente razão às recorridas, no que diz respeito ao vício da falta de fundamentação, tendo chegado a explicitar as clamorosas obscuridades do acto de liquidação, nos seus cálculos (refere que as correcções são “eventualmente resultantes” de…) e na sua errada remissão para o DC 22.

3. A Fazenda não contesta, de modo algum o julgamento da matéria de facto efectuado pelo Tribunal a quo (capítulo III, pp. 10 da sentença).

4. Analisando esta problemática à luz dos factos apurados e que não são contestados pela Fazenda, nas suas alegações, o tribunal concluiu que as recorridas têm razão.

«Na verdade o documento de correcção que deu origem à liquidação aqui em conflito remete para a fundamentação constante no relatório da IGF onde é tido em conta o lucro apurado pela empresa (87.425.443$) e depois ao proceder à correcção parte do valor correspondente ao lucro tributável declarado no montante de 106.775.443$; olvidando ou pelo menos abstendo-se de proceder a qualquer referência às correcções levadas a efeito através da DC a que se faz referência no ponto F. do probatório, correcções essas que tiveram como ponto de partida o lucro declarado no montante de 87.425443$».

5. Na verdade, a questão dos autos não plasma apenas uma fundamentação concisa e parca, como alega a Fazenda juntando que esta «não carece de ser exaustiva bastando ser concisa»;

6. No caso, tem de entender-se que a fundamentação externada pela Recorrente não satisfaz o requisito de fundamentação exigível, do ponto de vista formal, sendo insuficiente porque não permite a reconstituição do iter cognoscitivo que determinou a decisão, sendo aliás a impugnação até a prova clara dessa situação, dado que, a existência de contradições e insuficiências na fundamentação do acto anulado pela sentença a quo decorre claramente do probatório e dos elementos integrados nos autos, bem como da Mod. DC-22 a que os autos se reportam.

7. As Recorridas não percepcionaram de forma clara toda a realidade que envolve a liquidação em apreço, discutindo apenas certos elementos que integram a mesma, como os acréscimos de P'I'E. 3,208,506 à matéria colectável decorrente de deduções de rendimento de aplicações financeiras, bem como o montante de PTE. 296,111,015 correspondente ao valor contabilizado pela L... SGII, SA como mais valia na alienação do imobilizado corpóreo, não lhe tendo sido permitida a apreciação do mérito substancial da totalidade da referida liquidação.

8. Demonstrou-se que a tentativa por parte da Recorrente de colagem da situação fáctica dos presentes autos à situação fáctica da jurisprudência sobre fundamentação concisa não pode ser feita, por se tratar de situações substancialmente diferentes.

9. Verificou-se informação contraditória, na matéria essencial que é precisamente a de saber, qual o montante e natureza das correcções e da matéria colectável após as correcções.

10. Assim, a fundamentação do relatório da IGF aponta num determinado sentido e a liquidação não segue esse caminho.

11. Bem andou por isso o tribunal, ao reconhecer que o acto está ferido de vício de falta de fundamentação, pelo menos no montante de matéria colectável de € 52 791, 36 (10.583.718$00).

12. A Fazenda omite, na suas alegações, as contradições e incongruências patentes que fazem parte do probatório entre os elementos a que a AF vai extrair a informação - e.g. Relatório do IGF - e os valores incluídos na liquidação ou reliquidação.

13. A indicação do mapa Mod. DC 22 impediu que as Recorridas, pudessem apreender qual o iter cognoscitivo e valorativo da Administração tributária no âmbito da liquidação em crise nomeadamente porque remete para um documento que indica um determinado valor de matéria colectável - o relatório da IGF - e depois parte de um outro montante para liquidar imposto sendo certo que esta diferença "parece" resultar de correcções às amortizações praticadas que já tinham sido adicionalmente liquidadas.

14. Nesta conformidade, é jurisprudência unânime que uma das vertentes do dever de fundamentação previsto, entre outros, no artigo 77º da LGT e assegurado no artigo 268º da CRP, se consubstancia no dever de explicar o porquê de ser utilizado um determinado valor para determinação da matéria colectável em vez de outro, como se sublinha no acórdão do STA de 19 de Março de 2009, proferido no âmbito do processo n.º 0890/08, do qual resulta que «[n]ão está fundamentado um acto de liquidação [...] em que foi aplicada uma margem de comercialização de 25% [...], sem nada se dizer sobre as razões da escolha dessa margem, em detrimento de qualquer outra» (cit itálicos nossos).

15. No mesmo sentido, também o acórdão do STA de 21 de Novembro de 2012 esclarece «Se do teor da liquidação não consta qualquer explicação, ainda que sumária, que permita esclarecer um destinatário normal sobre o motivo da alteração ao rendimento global que a Administração fiscal operou entre a ''primitiva liquidação" e a apelidada de "reliquidação" - sequer que tal [diferença de valor resulta de alteração aos rendimentos da categoria G] -, o acto de liquidação adicional está ferido de vício de forma de falta de fundamentação, determinante da sua anulabilidade».

16. Assim, não existindo uma fundamentação clara, suficiente e completa, de facto e de direito, foi correcto o entendimento do tribunal a quo ao anular - em parte - o acto impugnado, posto que este se encontra manifestamente ferido do VÍCIO DE FORMA, razão pela qual se pugna pela parcial manutenção da sentença recorrida.

Termos em que se deverão dar por provados os factos evidenciados e documentalmente suportados nos Autos negando-se provimento ao presente recurso jurisdicional interposto pelo Fazenda Pública, mantendo-se, nessa parte, a sentença recorrida e tudo com as devidas consequências legais.

Assim se respeitará o DIREITO e será feita JUSTIÇA!


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Na parte em que a sentença lhes foi desfavorável, vieram as impugnantes, L... IMOBILIÁRIA, SA., C... - IMOBILIÁRIA, SA., I... – IMOBILIARIA SA., interpor recurso da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa. Concluem a alegação recursória nos termos que se seguem:

ii. As ora Recorrentes não concordam com o julgamento da matéria de facto efectuado pelo Tribunal a quo (capítulo III, pp. 2 a 10 da sentença), nem com o enquadramento jurídico e a decisão perfilhados pela sentença em causa (capítulo III, pp. 4 in fine a 14 da sentença). Entendem as ora Recorrentes existir erro de julgamento dado, por um lado, se ter privilegiado unicamente o Relatório da fiscalização (ignorando a realidade concreta respeitante às L... SGII, e à legislação das SGIIs no que à discussão em causa, importava) e, por outro lado, se ter cometido um erro na apreciação das provas em contradição com os concretos meios probatórios constantes do processo que impunham uma decisão diferente da tomada sobre a matéria de facto e de direito. Vejamos:
a) A contenda subjacente a estes autos resulta de uma liquidação efectuada pela Administração tributária sobre o ganho obtido pela "L..., Sociedade de Gestão e Investimento Imobiliário, SA" com a venda de um imóvel situado na Av. ..., a qual gerou uma mais-valia no montante de € 1.276.995,5 (PTE. 296,111,015), cujo valor de realização foi totalmente reinvestido, nos termos do artigo 44 n.º1 do CIRC, pelas recorrentes;
b) O tribunal não desceu ao concreto dos factos, ignorou totalmente as acções da L... SGII e os constrangimentos legais impostos em 1990 sobre todas as SGIIs e não enxergou a questão sub judice: examinar aquela realidade no seu todo e determinar, então, a natureza do ganho obtido na venda do imóvel em causa.
c) Para o tribunal, para além da questão formal da fundamentação, estava em causa decidir se houve cumprimento dos requisitos das SGIIs e a correcta aplicação da taxa de imposto;
d) Foi neste errado enquadramento da questão que o tribunal negou a razão das recorrentes, uma vez que considerou que houve violação da legislação disciplinadora da actividade das SGIIs;
e) E, para proferir a sua decisão, é absolutamente inaceitável que o Tribunal a quo, no capítulo «Fundamentação. De facto», tenha decidido «importar» automaticamente grande parte do conteúdo do relatório da Inspecção Geral Tributária (I.G.F.) - vide pontos D) a E) do capítulo III, pp. 3 a 8 da sentença, i.e., juízos opinativos e valorativos controvertidos que não são factos... - sem uma apreciação crítica e, mais importante ainda, sem tomar em linha de conta a impugnação que havia sido deduzida pelas ora Recorrentes;
f) Ora, a correcção que não chegou a ser minimamente apreciada pelo tribunal, diz respeito à mais valia na alienação do imóvel;
g) A sentença veio dar parcialmente razão à recorrentes, no que diz respeito ao vício da falta de fundamentação, tendo chegado a explicitar as clamorosas obscuridades do acto de liquidação, nos seus cálculos (refere que as correcções são «eventualmente resultante» de ...) e na sua errada remissão para o DC 22.

h) O tribunal, em lugar de proceder como lhe competia face à total falta de fundamentação à sua anulação, vem-se substituir à Administração tributária e proceder a uma série de deduções aritméticas pelas quais expurga a liquidação originária do montante de matéria colectável de € 52 791, 36 (PTE. 10.583.718) aproveitando a restante.
i) Acresce, que esta falta de fundamentação se continuou a verificar ao longo do presente processo judicial, inclusive clamorosamente na sentença que não explica porque é que considera que o acto está fundamentado e se bastou - uma vez mais! - a remeter para o relatório da Inspecção... como se a fundamentação fosse um juízo tautológico de pura remissão em remissão! .
iii) Os factos assentes, ainda que de modo deficiente, pelo tribunal permitem mesmo assim, no entender das Recorrentes, que seja reconhecida a razão que lhes assiste, todavia, caso assim não se entenda, então impõe-se o aditamento nos termos do artigo 712.º do CPC, à matéria de facto fixada pelo tribunal a quo, dos seguintes factos que constam dos autos (cfr. doc.s 9 e 11):
a. «Foi realizada uma auscultação prévia às SGII no sentido de estas se pronunciarem sobre as alterações profundas previstas no quadro jurídico que enquadrava a sua actividade, facultando­ lhes a leitura do ante projecto do Decreto-lei em questão»
b. «A medida que obriga as SGII a terem um terço do seu património em imóveis de habitação para arrendamento levou a uma profunda modificação dos programas de investimento das SGII em actividade; foi já nesse sentido que a L... resolveu desmobilizar algum património, tendo efectuado um contrato de promessa de venda de edifício em construção na Av. 5 de de Outubro».
iv) Da conjugação dos diversos preceitos legais em causa (Artigo 1º do DL 291/85 24.VII., modificado pelo DL 237/87,12.VI.; artigos 1º e 2º do DL 2/90,3.I. e artigo 6º do DL 135/91 de 4.VI e artigo 44 n°1 do código do IRC) e dos próprios diplomas no seu conjunto, ficou também demonstrado o seguinte:

a) O tribunal dispunha de todos os elementos que lhe permitiam concluir que o acto de liquidação erra nos pressupostos de facto e de direito, porque não se deveria ter corrigido para efeitos contabilísticos e fiscais o valor contabilizado como mais-valias com a alienação do imóvel tal qual como sucedeu com o valor das correcções com as reintegrações conforme se demonstrou em acção própria.
b) Não se demonstrou qualquer suporte nos factos e na lei para a não consideração como imobilizado do imóvel adquirido pela sociedade em 1988 e vendido em 1990 no âmbito de medidas excepcionais que culminaram na dissolução da empresa.
c) Demonstrou-se que no decorrer do exercício da sua actividade a sociedade ao contabilizar o terreno para construção e os custos com a construção do edifício em contas de imobilizado procedeu em estrita obediência às normas contabilísticas que lhe eram aplicáveis.
d) Apurou-se também que a fiscalização nunca pôs sequer em causa que o imóvel estava registado no imobilizado da empresa e que sentença também não.
e) Ora, a doutrina que se tem debruçado sobre esta questão da contabilização de um bem como elemento do seu património esclarece que "o que é determinante para esta classificação de um elemento do património da empresa como parte integrante do activo imobilizado, não é pois a natureza do bem, mas sim a sua função dentro da empresa.(...)" .
f) E que "a classificação em termos contabilísticos, tem o significado de um comportamento declarativo da empresa, que produz efeitos nos termos e com os limites de qualquer outra declaração tributária. Verificando-se aqui a dupla função da contabilidade da empresa, que sendo organizada nos termos da lei comercial e fiscal deverá permitir o controlo do lucro tributável tendo por isso efeitos declarativos ("Ainda sobre o conceito de mais valias " J.L.SALDANHA SANCHES, in Fisco nº 65/66 pág.s 16-17).
g) De facto, estabelece-se na explicação à conta de imobilizações do POC que esta integra "os imobilizados tangíveis, móveis ou imóveis, que a empresa utiliza na sua actividade operacional que não se destinam a ser vendidos ou transformados, com carácter de permanência superior a um ano".
h) Nestes termos, o critério determinante para a classificação do bem em imobilizado/património ou activo permutável/existências é a intenção que motivou a sua aquisição e a sua permanência na titularidade.
i) Ainda assim esclareceu-se que para apurar esta intenção e para que nunca se venha invocar tratar-se de um arranjo contabilístico, pode esta ser apurada através do destino normal desse bem no quadro "normal" da actividade da empresa. Para esse efeito o critério determinante é o objecto social da sociedade (cfr.Ac. STA de 10.V.1989).
j) Esse mesmo carácter normal vem referido no POC a propósito da classe 4 das contas de imobilizações " bens detidos com continuidade e permanência que não se destinam a ser vendidos ou transformados no decurso normal das operações da empresa”.
k) O tribunal parece não ter apreendido, aquilo que ficou patente no processo, isto é, o carácter "anormal", excepcional, da medida legislativa que veio obrigar à libertação, por via de alienação, de património afecto a actividade da empresa de arrendamento comercial.
l) Ficou demonstrado que foi por este motivo, que em 1990 se concretizou a venda final do referido edifício imobilizado e que foi detido pela empresa por dois anos, tendo sido gerada uma mais-valia no montante de € 1.476.995,5 (PTE. 296,111,015).
m) Assim, a contabilização do imóvel na conta de imobilizado da empresa foi correcta e baseou-se nas regras do POC tal como constam do DL 410/89;º
n) O destino normal do bem detido pelas SGIIs era a sua afectação à obtenção de rendimento e não a sua alienação como resulta expresso nos diplomas que instituíram as SGII e nas posteriores alterações;
o) A L... constitui-se, para desenvolver a actividade principal de arrendamento, e não de compra e venda, tal como fixada nos diplomas citados que instituíram e alteraram o seu regime ( DL 291/85,24.VII; DL237/87,12.VII; DL 135/91,4. IV).
p) Aliás, se assim não fosse ter-se-iam os sócios socorrido de outros instrumentos legais mais expeditos para esse fim sem estarem submetidos às autorizações e sem as restrições às operações que impendiam sobre as SGII.
q) Nestes termos o destino normal do bem adquirido pela L... era a sua compra e submissão a prestações de serviços e construção para em seguida serem arrendados, isto é, serem afectos de modo duradouro à obtenção de rendimentos através do respectivo arrendamento. (cfr. Parecer nº86/93 de M.H. DE FREITAS PEREIRA em Ciência e Técnica Fiscal nº 371, doutrina sancionada por despacho do Subsecretário de Estado Adjunto da Secretária de Estado Adjunta e do Orçamento de 17 de Agosto de 1993).
r) A Administração Fiscal confundiu a intenção com que o imóvel foi adquirido com o destino efectivo que este veio a ter por vicissitudes ligadas a alterações legislativas do próprio estatuto legal das SGII.
s) De facto, o DL 2/90 de 3 de Janeiro que estabeleceu essas alterações, no ano em causa, foi antecedido de discussões políticas perante a opinião pública em meados de 1989 que tornaram, desde essa data, conhecida a probabilidade de uma alteração nesse sentido.
t) A própria I.G.F. reconheceu que o compromisso de venda do imóvel "enquadra-se na estratégia adaptada pela empresa face às disposições contidas no DL 2/90 de 3 de Janeiro".
u) Nestes termos à data da celebração do contrato promessa de compra e venda do imóvel já a sociedade conhecia a eventualidade da modificação legislativa que lhe seria aplicável.
v) Assim evidenciou-se também que a decisão de alteração do destino do bem que ficou espelhada no contrato promessa, teve apenas motivações reguladoras e não a de obter qualquer vantagem fiscal.
w) Aliás, quando estabeleceu novos ratios, a lei preocupou-se em dispor detalhadamente, no artigo 15º do DL135/91, a neutralidade fiscal não só da alteração do destino dos bens como da própria perda do estatuto de SGII reconhecendo o impacto empresarial das modificações e imposição dos ratios referidos.
x) Penalizar depois a SGII não reconhecendo uma alteração a cujo prejuízo o próprio legislador quis poupá-la admitindo a renúncia ao estatuto de SGII sem perda de benefícios, não teria qualquer coerência com a lei;

y) A jurisprudência sobre esta matéria, tem entendido que é necessário distinguir os comportamentos da empresa que por terem uma estrita justificação empresarial devem ser aceites pela Administração Fiscal e aqueles que por terem como objectivo apenas a redução da carga fiscal não devem ser por ela aceites (cfr. Ac.STA de 21.IV.1993,Rec.n°1.4534, in Fisco nº69, págs70 e segs.).

z) Aliás, o tribunal deveria ter reconhecido que, em caso de dúvida, a Administração Fiscal deveria ter-se abstido de praticar o acto, em atenção aos mais elevados princípios por que se deve pautar a sua actividade, em estreito respeito aos princípios da legalidade tributária, da justiça e da segurança jurídica, nomeadamente quando se tratava de garantir e proteger de forma particular a confiança das SGIIs. A prática do acto ora mantido derrogou aqueles princípios, manifestando total desprezo por regras e princípios jurídico­ tributários constitucionais do maior relevo [cfr. artigos 106º (2), 62º, 61º, 18º (3) e 266º todos da C.R.P.].
aa) O tribunal cometeu sucessivos erros de apreciação, por um lado reconhece a natureza de imobilizado do bem, depois invoca a existência de um contrato promessa como se tal mudasse por si, a natureza do bem para existências e do ganho para proveito, e depois nega a razão das recorrentes invocando um fundamento alheio à questão da "inverificação dos requisitos legalmente exigidos das SGIIS'”...

bb) Acresce que conforme as recorrentes invocaram, a manter se o acto de liquidação teria então de se reconhecer o montante das deduções à colecta de acordo com a aplicação da tabela de conversão dos benefícios fiscais às SGII (artigo 2° n°1 alínea e) do E.B.F.).
cc) Quanto aos juros compensatórios, nem a decisão recorrida nem anteriormente o Fisco sustentam a sua validade e fundamentam a sua liquidação, sendo certo que a liquidação não indica sequer o montante da taxa aplicável, nem o início e o fim da sua contagem, pelo que faltam, em absoluto, os pressupostos básicos para a sua liquidação;

dd) Detectando-se dificuldades de interpretação sobre a contabilização de imóveis e o reconhecimento dos respectivos ganhos nunca se poderia concluir haver culpa no comportamento da Sociedade, logo, de acordo com a jurisprudência superior, não podem ser devidos juros compensatórios in casu.

Termos em que se deverão dar por provados os factos atrás evidenciados e documentalmente suportados nos Autos, concedendo-se provimento ao presente recurso jurisdicional, revogando-se parcialmente a sentença e substituindo-a por uma decisão que anule os actos tributário, e tudo com as devidas consequências legais.

Assim se respeitará o DIREITO e será feita JUSTIÇA!


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A Exma. Magistrada do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública e negado provimento ao recurso interposto pelas Impugnantes.

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Recolhidos os vistos legais, vem o processo submetido à Secção de Contencioso Tributário para julgamento do recurso.

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2 - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. De facto

É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida:

“(…)

A - A sociedade Impugnante, L...- Sociedade de Gestão e Investimento lmobiliário, SA., com o NIPC ..., encontrava-se, à data dos factos, a exercer a atividade principal de "Operações sobre Imóveis" com o CAE 831900 - cfr. fls. 354v dos autos.

B - A constituição da sociedade foi autorizada por portaria publicada no D.R. -II Série n.º 287 de 15/12/87, por escritura realizada em 28/01/1988 no ... Cartório Notarial de Lisboa e publicada na III série do D.R. em 24/02/01988 (n.º 45) - cfr. fls. 213 dos autos.

C - Em Março de 1993, a sociedade foi objeto de Inspeção levada a efeito pelos serviços da Inspeção Geral de Finanças, efetuado ao abrigo do art. 13.º do DL n.º 363/89 de 16/10, com origem na Informação elaborada sobre um despacho do Secretário dos Assuntos Fiscais sobre matéria elaborada em anterior exame à escrita daquela empresa, tendo em vista o seu estudo face à evolução do regime jurídico das SGII - cfr. fls. 212/213 dos autos, não contestado

D - No âmbito da ação inspetiva supra referida, foi verificado que:

"(...)

2.4. Actividade económica

A actividade económica dos anos de 1990 e 1991 constitui, a continuidade da actividade que a empresa vinha desenvolvendo nos anos anteriores (...)

Quanto a tal actividade parece-nos importante que referir que constitui essencialmente em:

- Arrendamento do Edifício da Av. ..., 14 Lisboa, adquirido por realização em espécie do capital;

- Construção de 3 edifícios em Lisboa, destinados a arrendamento comercial, dos quais um foi alienado na fase final da construção das obras em 1990.

Os indicadores expressivos de tal actividade apresentam os seguintes valores (em contos):

Já no decurso do presente exame à escrita, a "L...” optou por renunciar ao estatuto de SGII, utilizando para tal a prerrogativa regulada pelo art.º 15 do D.L. n.º 135/91 de 4 de Abril, na redacção da Lei n.º 2/92 de 9 de Março (...)

VERIFICAÇÃO DO EXERCÍCIO DA ACTIVIDADE

Terrenos - Programas de construção

A “L...” adquiriu terrenos onde iniciou obras de construção relativamente às quais se verificou a seguinte evolução;

Av. ...

Terreno adquirido em Abril de 1988 por 80 867 contos (valor de compra + despesas ....), no qual foi construído um edifício destinado a escritórios. Em 1989, a contabilidade reflete para esta obra em curso o valor de 130 696 contos e, em 1990, o valor de 418 770 contos, o qual, constitui o custo global contabilizado até à data da venda daquele Imóvel em construção(...)

Av. ...

O contrato de promessa de compra e venda do lote de terreno sob a designação supra foi celebrado em 88.12.14 e a escritura de compra em 90.07.30, pelo valor de 320.848 contos (valor de aquisição e despesas ....). A obra em curso refere-se a edifício para escritórios até à data de 91.12.31 tinha sido imobilizado um montante total de 1463 840 contos.

Av. ...

O contrato de promessa de compra e venda deste lote de terreno foi celebrado em 88.04. 15 e a escritura em 90.03.19, pelo valor de 253 407 contos (valor de compra + despesas ....). De acordo com os dados recolhidos o lote de terreno originalmente adquirido pela empresa foi objecto de contrato de permuta celebrado com a Câmara Municipal de Lisboa em 91.04.22 (…) por problemas relacionados com a inaptidão (...)

Naquele negócio a “L..." registou uma perda (menos-valias) de 18 054 contos no terreno dado em permuta e um custo de aquisição de 615 013 contos do lote recebido em permuta no qual se inclui despesas. (...)

O projecto para estes terrenos refere-se a edifício para escritórios e na conta de obras em curso foram imobilizados valores de 82 469 e 686 079 contos até, respectivamente 31 de Dezembro de 1990 e 1991.

Ainda quanto a estes terrenos, a políticas seguida pela "L..." de proceder a reavaliações ao abrigo da legislação específica das SGII, teve o efeito seguinte (anual) na valorimetria dos terrenos (em contos) matéria que será apreciada com mais detalhe no ponto 3.2 deste relatório:

1990 1991

Terreno da Av. ... 879352 (...)

“ “ “ da Av. ... 1646593(1) (...)

(...)

3.2. Reavaliação

Utilizando a prerrogativa legal prevista na legislação reguladora da actividade das SGII, a "L..." reavaliou o património imobiliário nos seguintes termos:

a) Ano de 1990

Neste ano a reavaliação foi efectuada nos termos da alínea

(...)

3.3.

3.4. Património não directamente afecto ao objecto das SGII

Para o ano de 1990, e, tal como estipula o artº 5° do D.L. n° 291/85, de 24 de Julho, o património das SGII não directamente afecto ao objecto social não pode exceder 15% da soma do capital social realizado e reservas, pelo que nos termos legais apurou-se um valor limite correspondente a 876 234 contos (15% X 5 841 558 contos).

Em resultado da análise efectuada, parece-nos de considerar como património não directamente afecto ao objecto social, o montante de 922 769 contos respeitante a:

- valor do custo total de construção de um imóvel vendido no final de Dezembro 416 770
contos; e

- aplicação financeira de curto prazo em titulas negociáveis 505 999 contos,

(…)

3.5. Património para arrendamento habitacional

(...)

Ora, a "L..." nunca dispôs de qualquer património para arrendamento habitacional. Deste modo, relativamente a 1990, a empresa não cumpriu a obrigação estipulada pelo D.L. n° 2/90, de 3 de Janeiro (acréscimo de 5 pontos percentuais no rácio habitação para arrendamento/património imobiliário). (...)

3.6. Renuncia ao estatuto de SGII

Na sequencia da publicação do D.L. n° 135/91, de 4 de Abril, o órgão de administração da sociedade pugnou pelo interesse em continuar com o estatuto realçando, no entanto, a necessidade de proceder a "uma significativa reestruturação da sociedade em face do património que possui e do que tem em construção " (...).

Aquela deliberação foi objecto de revisão passado cerca de 1 ano e o mesmo órgão de administração propôs a cisão -dissolução da sociedade como forma de, ao abrigo das prerrogativas previstas no artº15º do D.L. n° 135/91, de 4 de Abril, na redacção da Lei n° 2/92, de 9 de Março, renunciar ao estatuto de SGII. Na sequência daquela deliberação, foi elaborado projecto de cisão -dissolução, e submetido a registo na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa em 2 de Junho e, em assembleia geral de accionistas de 14 de Julho, foi deliberada a dissolução da sociedade, tendo do facto sido dado conhecimento a IGF, no prazo fixado no n° 2 do artº 15 daquele Decreto-Lei (...)

4. VERIFICAÇÃO DA SITUAÇÃO TRIBUTARIA

4.1. Imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas - IRC

A análise em sede de IRC foi efectuada mediante testes por amostragem e incidiu sobre as contas de exploração (proveitos e custos) e de balanço, constando deste relatório as referências as contas que mereceram propostas de correcção ao lucro tributável.

a) Amortização do exercício

Conforme descrição a fls. (...) a "L..." procedeu a reavaliação do seu património imobiliário em 1990 e 1991 (para o caso releva o edifício da Av. ..., 14 Lisboa), sobre o qual praticou amortizações com base nos valores após reavaliação, como se expõe:

Ano de 1990

Valor de aquisição na constituição da sociedade Este valor corresponde a 75% do conjunto edifício e terreno 750 000 000$

Reavaliação em 1989 89 752 691$

Outros valores imobilizados em 1990 2 651 267$

Reavaliação em 1990 1 107 596 042$

Soma 1 950 OO0 000$

Amortização praticada (1 950 000 000$ X 0.025) 48 750 000$

(...)

d) Alienação de imobilizado corpóreo - Mais valias

No ano de 1990, a "L..." registou uma mais-valia na alienação de imobilizado corpóreo no valor de 296 111 015$, referente a venda de edifício em construção sito na Av. ..., em Lisboa.

Sobre este imóvel construído pela "L..." parece-nos de salientar o seguinte conjunto de factos:

1°. 0 terreno onde está implantado o edifício foi adquirido por escritura celebrada em Abril de 1988 pelo valor valor de 80 857 contos, valor de compra + despesas. (...);

2° Os registos contabilísticos evidenciam na conta de obras em curso os seguintes valores de construção, referentes a esta obra:

-em 89.12.31 -130 695contos;

- em 90.12.31, na data de transferência de imobilizado em curso para imobilizado corpóreo , o valor de 335 913 contos (...);

3.° Em 89.05.05, a "L..." celebrou um "contrato promessa de construção, constituição de propriedade horizontal, compra e venda, com constituição de caução", com o Sr. F..., o qual, posteriormente, cedeu a sua posição contractual à R..., Comercio de Veículos SA (...)

4°Em execução do contrato citado a "L..." procedeu a venda daquele imóvel, conforme escritura de compra e venda celebrada em 90.12.27 (...)

5.° Quanto a este imóvel a "L..." considerou-o como se fosse um bem para uso próprio ou para fruição, tendo para o efeito adoptado os seguintes procedimentos:

- Imobilização dos custos de construção numa conta de obras em curso e subsequente
transferência para a conta do imobilizado corpóreo na data da venda;

- Apuramento das mais-valias contabilísticas e fiscais (...) e exercício do direito a dedução das mais valias contabilísticas no quadro 06 do Anexo 22-A da declaração mod. 22. Dos factos expostos, merece-nos especial destaque o citado "contrato de promessa" celebrado entre a "L..." e o promitente comprador em 89.05.05, atendendo ao conjunto de operações a que a empresa ficou vinculada, nomeadamente, as 3 a 6 clausulas que se sintetizam assim:

(...)

Face ao exposto anteriormente, parece-nos concluir que:

a) Aquele documento constitui prova evidente de intenção de construção de prédio para venda por parte da "L...";

b) Era conhecida, com segurança para além de qualquer dúvida, o destino (a aplicar) prometido dar ao imóvel.

Assim sendo, caberia um tratamento contabilístico diferente do adaptado pela empresa, tendo em vista a qualificação das operações não só face ao "POC" (na classificação dos elementos do activo passou a ter-se em conta o seu destino), mas também o enquadramento em sede de IRC, parecendo-nos adequado que, durante o período de construção, os valores relativos aquela obra deveriam ter sido relevados numa conta de "Produtos e trabalhos em euros" (classe de existências).

(...)

e) Apuramento do lucro tributável

Em resultado do que se expos anteriormente, propomos que o lucro tributável apresentado pela empresa nos anos de 1990 e 1991 seja corrigido nos seguintes termos:

1990 1991
• Lucro tributável apurado pela empresa
-Linha 52 do Q. 06 do Anexo 22-A 87425443$ (...)
• Correcções em resultado do exame:

A acrescer 29 933 718$
Amortizações do exercício (...) (…)
Correcções relativas a resultados de - (...)
exercícios anteriores (...)

Deduções ao rendimento (...) 3 208 506$ (...)
Alienação do imobilizado corpóreo
- Mais-Valias (...) 296 111 015$ -
Resultado fiscal apurado em exame a escrita
416 678 682$ (...)
(...)

5. CONCLUSOES E PROPOSTA

5.1. Conclusões

Do que antecede pode concluir-se que:

a) Quanto aos terrenos que a "L..." deteve em 1990 e 1991 parece-nos que foram respeitadas as disposições legais em vigor naqueles anos porque para todos existiam projectos de construção, ao e as obras já estavam em curso (...)

b) Em 1990 e 1991, a empresa procedeu a reavaliação do seu património imobiliário nos
seguintes termos:

Em 1990, reavaliou ao abrigo da alínea a) do n° 1 do artº 10° do DL n.° 291/85, de 14.7, na redacção do DL n.° 237/87, de 12.6; e

Em 1991, nos termos da alínea b) do n.° 1 do artº 12° do D.L n.° 135/191, de 4.4 (...).

(...)

c) Em 1990, o património não directamente afecto ao objecto social excedeu o limite de 15% imposto pelo art.º 5° do D.L. n.° 291/85 de 24.7 (...). Alem de não sancionável por este diploma, tal situação está ultrapassada, porquanto, a empresa renunciou ao estatuto de SGII tal como lhe era permitido pelo D.L n.° 135/91, de 4.4, na redacção da Lei n.° 2/92, de 9 de Marco;

d) A "L..." nunca dispôs de qualquer património imobiliário para arrendamento
habitacional. Assim, em 1990 não atingiu o rácio de crescimento anual de 5 pontos
percentuais, tal como estipula o n.° 2 do art.º 1.° do DL n.° 2/90, de 3 de Janeiro, sendo que
ao facto é também aplicável a circunstância citada na parte final da alínea anterior (...);

e) A "L... renunciou ao estatuto de SGII como lhe era permitido pelo D.L. n.° 135/91, tendo comunicado o facto a IGF no prazo previsto no n.° 2 do art.º 15° do referido diploma (…).

f) Decorrente verificação a situação tributaria efectuada aos exercícios de 1990 e 1991,
propomos acréscimo ao lucro tributável de IRC com os seguintes fundamentos (...):

- Amortizações não aceites fiscalmente por incidirem sobre o valor do imobilizado reavaliado ao abrigo de legislação especifica das SGII;

- Impostos sobre lucros de exercícios anteriores;

- Deduções indevidas de rendimento de aplicações financeiras que não conferem esse direito.

- Ganho extraordinário (mais-valia na alienação de imobilizado corpóreo ) em relação ao qual propomos que seja considerado resultado (ganho) operacional.

(...)"

Tudo conforme fls. 211 e seguintes dos autos.

E - As propostas de correção supra obtiveram concordância do Diretor da Direcção Distrital de Finanças de Lisboa, conforme despacho proferido em 29/04/1994 - cfr. fls. 211 dos autos.

F - A matéria coletável da sociedade aqui Impugnante havia sido objeto das correções que a seguir se referem:
              APURAMENTO DO RESULTADO PARA EFEITOS FISCAIS
                A ACRESCER
(...) V.DAS CORRECCOES
5 Reintegrações e amortizações não aceites como custo (...) 205 +
    9.750.000$
(...)
18 40% do aumento das reintegrações resultantes da reavaliação do imobilizado corpóreo (...) 218 + 9.600.000$
(...)
25 Soma (+1 ...+ 24) 240 19.350.000$
                A DEDUZIR
(...)
39 Soma(+ 26 +...38)
                      APURAMENTO
40 TOTAL DAS CORRECÇOES (+25) - (+39) 261 + 19.350.000$
41 LUCRO DECLARADO 262 + 87.425.443$
42 LUCRO TRIBUTAVEL CORRIGIDO +40) + (+41) 263 + 106.775.443$
Tudo conforme consta do Mod. DC - 22, preenchido e objeto de concordância do Diretor Distrital em 25/10/1993 - cfr. fls. 207 a 209v dos autos.

G - Com vista à concretização das correções propostas e referidas em E. , deste probatório, foi preenchido o impresso Mod. DC-22, que remete, no que respeita a "Fundamentação das correcções efectuadas", para o relatório da IGF, a que se faz referência no ponto D., deste probatório, nos seguintes termos:
              APURAMENTO DO RESULTADO PARA EFEITOS FISCAIS
                AACRESCER
(...) V DAS CORRECCOES
5 Reintegrações e amortizações não aceites como custo (...) 205 +
    20.183.718$
(...)
18 40% do aumento das reintegrações resultantes da reavaliação do imobilizado corpóreo (...) 218 +
    9.600.000$
(…)
25 Soma (+1 ...+ 24) 240 -
    10583.718$
                A DEDUZIR
29 Mais Valias Contabilisticas 244 .
    296.111.015$
(...)
35 Beneficios Fiscais 250 .
    3.208.506$
(...)
39 Soma (+ 26+38) 260 .
    299.319.521$
                      APURAMENTO
40 TOTAL DAS CORRECCOES (+25) - (+39) 261 +
    309.903.239$
41 LUCRO DECLARADO 262 +
    106.775.443$
42 LUCRO TRIBUTAVEL CORRIGIDO +40) + (+41) 263 +
    416.678.682$
Tudo conforme fls. 209 a 210v dos autos.

H - As correções supra deram lugar a liquidação adicional n.° ..., no montante de 194 423 529$00, com data limite de pagamento em 26/07/1995, (face a correção da matéria colectável apurada no montante de 106. 775.443$ para 416.678.682$) - cfr. fls. 33 e 34 dos autos (Doc. 1 a p.i.)

I - A liquidação supra foi endereçada por carta para a sede da sociedade - cfr. fls. 33 e 34 dos autos (Doc. 1 a p.i.)

J - A sociedade Impugnante foi cindida e dissolvida por escritura pública lavrada no ... Cartório Notarial de Lisboa, em 22/10/1992, sendo ali referida que a:

«(...)"L... - SOCIEDADE DE GESTAO E INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO, SA.", é uma sociedade com estatuto de "SGII", e foi constituída por escritura de vinte e oito de Janeiro de mil novecentos e oitenta e oito, (...), regendo-se pelo contrato social, pelas disposições aplicáveis do Código das Sociedades Comerciais e, em especial, pelo disposto no Decreto-Lei numero cento e trinta e cinco/noventa e um, de quatro de Abril, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei numero cinquenta e um/noventa e um de três de Agosto e pela Lei numero dois de noventa e dois, de nove de Março».

Tudo conforme fls. 35 e seguintes dos autos (Doc. 2 a p.i.).

K - No documento supra, ficou ainda expresso que a sociedade 'cindida - dissolvida', usando a faculdade conferida pelo art. ... do citado D.L. n.° 135/91, "pretende renunciar ao estatuto de SGII e transmitir a totalidade do seu património para três novas sociedades a constituir - cfr. fls. 35 e seguintes dos autos (Doc. 2 a p.i.).

L - As novas sociedades constituídas estão identificadas no documento a que nos vimos referindo como: "L... - Imobiliaria, SA.", "C... - Imobiliaria, SA." e "I... -Imobiliaria, SA" - cfr. fls. 35 e seguintes dos autos (Doc. 2 a p.i.).

M - Em 05/05/1989, foi celebrado, pela "L... - SGII, SA.," e F..., um contrato de promessa de compra e venda, em que a sociedade prometia vender e aquele, comprar, todas as fracções do prédio urbano que a sociedade Impugnante se encontrava, à data a construir no lote de terreno situado nas Avenidas ... e ... em Lisboa - cfr. fls. 140 e seguintes dos autos (Doc. 12 a p.i.)

N - A presente Impugnação foi deduzida em 24/10/1995 - cfr. fls. 2 dos autos.

Factos não provados

Dos autos não resulta provados os factos referidos nos pontos 9. al. c), ou seja que no ano a que se reportam os factos o lote de terreno para construção sito na Av. ... se destinasse à construção de edifício para arrendamento de escritórios.

Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.


«»

No tocante aos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos, em concreto, no teor dos documentos indicados em cada uma das alíneas supra.

Quanto ao facto não provado decorre da circunstância de o mesmo ter sido objecto de contrato de promessa de compra e venda celebrado, entre "L... - SGII, SA.," e F..., logo em 05/05/1989, pelo qual a sociedade prometia vender e aquele, comprar, todas as frações do prédio urbano que a sociedade Impugnante se encontrava, à data a construir naquele lote.


*

2.2. De direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

No caso, como decorre do supra exposto, vêm-nos dirigidos dois recursos jurisdicionais.

Ora, lidas as conclusões das alegações de ambos os recursos, temos as seguintes questões a analisar:

(I) Recurso interposto pela FAZENDA PÚBLICA

- saber se a sentença errou ao julgar não fundamentada a correcção correspondente ao montante de 10.583.718$00.

(II) Recurso interposto pelas L... IMOBILIÁRIA, SA., C... - IMOBILIÁRIA, SA., I... – IMOBILIARIA SA

– saber se a sentença recorrida errou no julgamento da matéria de facto;

– saber se a sentença recorrida errou ao não julgar verificado o vício de falta de fundamentação relativamente à totalidade das correcções subjacentes à liquidação impugnada;

– saber se a sentença recorrida errou ao julgar não verificado o vício de violação de lei invocado relativamente ao montante corrigido de 296.111.015$00;

– saber se a sentença recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia quanto aos vícios imputados pelas impugnantes à liquidação de juros compensatórios.


*

Sendo dois os recursos interpostos e atentando na natureza das questões a decidir, importa que deixemos clara a ordem pela qual passaremos a conhecer os recursos.

E, aqui, importa dizer que, não obstante no recurso interposto pelas Recorrentes, L... IMOBILIÁRIA, SA., C... - IMOBILIÁRIA, SA., I... – IMOBILIARIA SA., se invocar uma nulidade da sentença por omissão de pronúncia (assim interpretamos a conclusão cc), a verdade é que a mesma se cinge à liquidação de juros compensatórios, apresentando-se, portanto, como algo perfeitamente autonomizado (e autonomizável) e que, como está bem de ver, vindo a julgar-se verificada tal omissão (com a consequente nulidade), a mesma só afectará a decisão parcialmente.

Daí que entendamos que, no caso concreto, tal questão possa e deva ser apreciada a final, o que, na economia do acórdão, será até mais escorreito e lógico.

Ainda outro esclarecimento se impõe com vista a melhor dar a conhecer as razões pelas quais optamos, no caso, por apreciar em 1º lugar o recurso interposto pela Fazenda Pública, o qual se cinge, conforme visto, à apreciada falta de fundamentação da correcção correspondente ao montante de 10.583.718$00.

É verdade, e não se desconsidera, que no recurso interposto pelas L..., C... e I..., se defende que a sentença deveria ter anulado a totalidade da liquidação impugnada por falta de fundamentação. Ou seja, neste entendimento, a falta de fundamentação estender-se-ia, não apenas à correcção no montante de 10.583.718$00, mas também às restantes, incluindo os juros compensatórios.

Nesta perspectiva, faria sentido, ao analisar o vício correspondente à falta de fundamentação, que se analisasse tal vício abarcando todas as correcções contestadas e, bem assim, os juros compensatórios.

Contudo, esta análise não seria correcta, pois pecaria por excesso.

É que, da leitura atenta que fazemos do articulado inicial, não nos restam dúvidas que o vício correspondente à falta de fundamentação apenas foi invocado relativamente à correcção correspondente ao montante de 10.583.718$00 e, bem assim, quanto aos juros compensatórios.

Daí que, pretender agora analisar a falta de fundamentação das restantes correcções que estão na base da liquidação contestada, mais não seria que conhecer de uma questão nova e, tal conhecimento, não é admissível em sede de recurso jurisdicional.

Por conseguinte, entendemos que faz sentido - e torna a apreciação que nos compete mais escorreita – que iniciemos a análise que se segue pelo recurso interposto pela Fazenda Pública.

Com isto dito, avancemos.


*

A questão que aqui se coloca, como deixámos indicado, corresponde a saber se a sentença errou ao julgar não fundamentada a correcção respeitante a 10.583.718$00.

A Fazenda Pública discorda do decidido, sustentando, em síntese, que: “tal como resulta do mapa de apuramento Mod. DC - 22, o questionado valor de 10.583.718$00, inscrito no campo 240 do Quadro 18, corresponde precisamente à diferença entre o valor indicado no campo 205 (20.183.718$00, respeitante a reintegrações e amortizações não aceites como custo) e o valor mencionado no campo 218 (9.600.000$00, correspondente a 40% do aumento das reintegrações resultantes da reavaliação do imobilizado corpóreo), constituindo o montante que, pelas razões devidamente explicitadas no referido "Anexo ao mapa de apuramento Mod. - DC 22", foi apurado para efeitos de acréscimo ao lucro tributável do exercício, sendo certo que a efectivação de tais alterações aos valores declarados decorre, por sua vez, das correcções propostas no relatório da IGF, cuja fotocópia foi junta ao mapa de apuramento Mod. DC -22. Assim, diversamente do concluído na decisão recorrida, pode considerar-se que a fundamentação respeitante às sobreditas correcções se revela compatível com os requisitos enunciados (…), na medida em que, ainda que de forma sucinta, foram enunciadas, no aludido "Anexo ao mapa de apuramento Mod. DC - 22", as razões subjacentes à efectivação das correcções em causa, sendo claro que, por outro lado, tal como decorre do teor da própria petição inicial, não obstante a forma concisa utilizada na fundamentação de tais correcções, a ora impugnante, embora discordando da efectivação das mesmas, não deixa de evidenciar um conhecimento adequado das razões de facto e de direito subjacentes às correcções em questão”.

Importa, pois, apreciar se a correcção em apreço, no montante de 10.583.718$00, padece do vício de falta de fundamentação.

Para concluir que a correcção em causa não estava devidamente fundamentada, a sentença, após fazer o devido enquadramento legal e jurisprudencial sobre o dever de fundamentar os actos tributários, concluiu nos seguintes termos:

“(…)

Na verdade o documento de correcção que deu origem à liquidação aqui em conflito remete para a fundamentação constante no relatório da Inspecção Geral de Finanças onde é tido em conta o valor do lucro apurado pela empresa (87.425.443$). E depois, ao proceder à correcção parte do valor correspondente ao lucro tributável declarado no montante de 106.775.443$, olvidando, ou pelo menos abstendo-se de proceder a qualquer referência às correcções levadas a efeito através do DC a que se faz referência no ponto F do probatório, correcções essas que tiveram como ponto de partida o lucro declarado no montante de 87.425.443$ e fixando-o em 106.775.443$.

Termos em que se considera não fundamentada a correcção do montante de 10.583.718$00, diferença eventualmente resultante de correcções e amortizações não aceites como custo fiscal, mas não fundamentadas nem quanto à respectiva origem nem aos motivos que levaram à correcção”.

Vejamos, então, desde já se adiantando que a apreciação feita pelo Tribunal a quo não nos merece censura.

Ora, o que resulta da análise da matéria de facto, e que nos permite estabelecer o percurso seguido pelos serviços até à emissão da liquidação impugnada, é que foi elaborado um relatório de inspecção por parte da IGF e dois DC 22 (um primeiro em de 1993 e outro de 1994). Mais se retira que o despacho do Director de Finanças de Lisboa que confirma as correcções propostas pela IGF, de 29/04/94, remete (por concordância com anterior posição do Chefe de Serviços) para os Mapas de apuramento DC 22/2, - além do mais, do exercício de 1990 - o que nos faz supor tratar-se do 2º DC 22, elaborado em 1994 e, como tal, contemporâneo do despacho do Director de Finanças (cfr. pág. 211 dos autos, ponto E dos factos provados).

Ora, o relatório da IGF (que está na base de ambos os DC 22) assume, como ponto de partida, o lucro tributável de 87.425.443$00 e, para o exercício em análise, propõe correcções de 329.253.239$00, onde se incluem os valores de 296.111.015$00 (mais-valias), de 3.208.506$00 (dedução ao rendimento) e de 29.933.178$00 (amortizações do exercício).

Na liquidação impugnada parte-se de um valor inicial de 106.775.443$00 e não de 87.425.443$00, fixando-se o valor final corrigido em 406.678.682$00, o que faz perceber que 309.903.239$00 é efectivamente o valor das correcções reflectidas na liquidação adicional impugnada.

Ora, já dissemos que o valor das correcções propostas pela IGF foi de 329.253.239$00, pelo que entre este montante corrigido e o reflectido na liquidação impugnada há uma diferença de 19.350.000$00 (329.253.239$00-309.903.239$00).

É verdade que os apontados 19.350.000$00 já haviam sido reflectidos num primeiro Mapa de Apuramento DC 22, o que pode explicar a diferença entre o lucro tributável declarado, de 87.425.443$00 (e considerado pela IGF) e o valor de 106.775.443$00, montante este que, como se disse, foi o ponto de partida da liquidação adicional ora sindicada.

Porém, também é verdade que esta conclusão não é evidente, nem clara, em face dos elementos que fundamentam o acto tributário aqui impugnado, razão pela qual a Mma. Juíza terá colocado a hipótese (que não a certeza) de o montante de 10.583.718$00, ser a “diferença eventualmente resultante de correcções e amortizações não aceites como custo fiscal.”

Note-se que fica por explicar, visto o procedimento de liquidação na sua globalidade e a sua evolução cronológica, a razão pela qual num primeiro momento é proposta uma correcção, decorrente da diferença entre a amortização contabilística e fiscal, de 29.933.718$00, vindo a ser efectivada uma correcção de 10.583.718$00. Tal dificuldade no acompanhamento do percurso seguido até à emissão da liquidação sindicada, é tanto maior quanto se constata que na base fundamentadora do acto contestado está o relatório da IGF e o DC 22/ 2º apuramento, que não explicam a diferença encontrada.

Por conseguinte, tal como as Impugnantes se depararam com dúvidas sobre a motivação do acto, quanto ao montante de 10.583.718$00, também o Tribunal a quo manifestou idênticas dúvidas e, diga-se, também este Tribunal não pode afirmar, com a certeza que aqui se exige, qual a base que sustenta a referida correcção.

Importa não perder de vista, como a jurisprudência reiteradamente tem afirmado, que a elevação à categoria de garantia do contribuinte do dever de fundamentação facilmente se percebe quando atentamos nos objectivos deste instituto, quer se trate do propósito de pacificação das relações entre a Administração e o administrado, quer na perspectiva da defesa do contribuinte, quer, ainda, tendo em vista o próprio autocontrole da Administração.

Na verdade, um contribuinte conhecedor dos motivos do acto praticado pode convencer-se da sua justeza e aceitá-lo ou, conhecendo os motivos e deles discordando, pode atacar o acto pondo em crise os seus fundamentos e, ainda, tal dever funcionará como forma de a própria Administração se autofiscalizar em resultado da reflexão e ponderação sobre os motivos que estão na origem do acto (entre muitos arestos, veja-se o acórdão do TCAN de 17/05/12, proc. n.º 137/02-Porto).

É certo que, em muitos casos, a garantia de fundamentação fica cumprida ainda que seja efectuada de forma sumária, através de uma declaração de concordância com anteriores informações, pareceres ou propostas. Contudo, e em matéria tributária, tal dever de fundamentação (embora nem sempre com o mesmo grau de exigência) deve sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários, bem como as operações de apuramento da matéria tributável e do imposto.

Efectivamente, a fundamentação do acto tributário, como de qualquer acto administrativo, deve ser clara (as razões de facto e de direito não podem ser confusas ou ambíguas, sob pena de não se dar a conhecer o que determinou o agente a praticar o acto ou a escolher o seu conteúdo), congruente (o conteúdo do acto tem de ter uma relação lógica com os fundamentos invocados) suficiente (por forma a tornar claros os pressupostos tidos em conta pelo autor do acto) e tem que ser expressa (sob pena de pôr em causa a funcionalidade e objectivos do próprio instituto) - entre muitos outros, vejam-se os acórdãos de 12/03/13, processo nº 01674/13, do STA e o acórdão do TCAS de 26/06/14, processo nº 5778/12.

De tudo o que se disse - e mesmo tendo presente que as exigências de fundamentação não são um elenco de regras absolutas e estanques, sendo imprescindível olhar atentamente para o caso concreto - pode concluir-se que, in casu, não é explícito o caminho percorrido na declaração fundamentadora para chegar ao concreto conteúdo do acto de liquidação impugnado, mormente se tivermos em atenção a sucessão de actos verificada entre o relatório inicial de fiscalização e os diferentes documentos de correcção.

No caso, compulsados todos os elementos subjacentes constantes dos autos, ficam dúvidas, ou seja, não é claro o que está na base da correcção correspondente aos 10.583.718$00, confrontando-se o Tribunal com a necessidade de formular hipóteses sobre a motivação subjacente a tal valor, o que definitivamente põe em causa a clareza e congruência que a declaração fundamentadora do acto deveria espelhar.

Foi, pois, violado o disposto no artigo 82º do CPT, preceito legal aplicável à data dos factos.

Termos em que, julgam-se improcedentes as conclusões da alegação do recurso interposto pela Fazenda Pública e se nega provimento ao mesmo, mantendo-se, nesta parte e em conformidade, a sentença recorrida que determinou a anulação da correcção no montante de 10.583.718$00 e correspondentes juros compensatórios.


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Passemos, agora, ao recurso interposto pelas sociedades Impugnantes, a L... IMOBILIÁRIA, SA., C... - IMOBILIÁRIA, SA., I... – IMOBILIARIA SA.

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A primeira questão que nos vem dirigida prende-se com o erro de julgamento da matéria de facto.

Aqui, o primeiro aspecto que motiva a discordância das Recorrentes com a sentença prende-se com a circunstância de o Tribunal a quo ter “decidido «importar» automaticamente grande parte do conteúdo do relatório da Inspecção Geral Tributária (I.G.F.) - vide pontos D) a E) do capítulo III, pp. 3 a 8 da sentença, i.e., juízos opinativos e valorativos controvertidos que não são factos... - sem uma apreciação crítica e, mais importante ainda, sem tomar em linha de conta a impugnação que havia sido deduzida pelas ora Recorrentes”.

Lida a matéria de facto, entendemos que esta crítica não colhe.

Com efeito, a sentença limita-se, na alínea D) dos factos provados, a reproduzir (parcialmente) o relatório de fiscalização elaborado pela IGF, relatório este que é um facto relevante na medida em que constitui, também ele, a base fundamentadora do acto tributário de liquidação impugnado.

A elaboração do relatório em causa, com o conteúdo que vem indicado, é um elemento que é relevante e que deve, como se verificou, constar da factualidade provada, sendo certo que daqui não decorre (nem isso sucedeu) que o Tribunal a quo acolha acriticamente todo o seu conteúdo, designadamente opiniões e meros juízos.

Visto este primeiro aspecto, avancemos.

Da leitura conjugada do teor integral das contra-alegações e das respectivas conclusões, resulta claro que as Recorrentes se insurgem contra o facto considerado não provado, a saber:

“Dos autos não resulta provados os factos referidos nos pontos 9. al. c), ou seja que no ano a que se reportam os factos o lote de terreno para construção sito na Av. ... se destinasse à construção de edifício para arrendamento de escritórios”.

Para assim concluir quanto à factualidade não provada, o Tribunal a quo evidenciou a circunstância de “de o mesmo ter sido objecto de contrato de promessa de compra e venda celebrado, entre "L... - SGII, SA.," e F..., logo em 05/05/1989, pelo qual a sociedade prometia vender e aquele, comprar, todas as frações do prédio urbano que a sociedade Impugnante se encontrava, à data a construir naquele lote”.

Ora, as Recorrentes insurgem-se contra o assim decidido.

Entendem, por um lado, que “é o próprio relatório da IGF em que se fundamenta a sentença, que fornece essa prova, vide a inclusão nos factos provados da menção de “terreno adquirido em Abril de 1988 (…) no qual foi construído um edifício destinado a escritórios”.

Por outro lado, referem que o alegado e provado pelas impugnantes demonstra que a decisão de vender – e, portanto, o abandono da intenção de arrendamento das fracções construídas – se justificou na sequência de medidas legislativas que obrigaram as SGII a terem um terço do seu património em imóveis de habitação para arrendamento.

Vejamos, por partes, impondo-se que façamos um enquadramento inicial para que melhor se perceba o que aqui está em causa.

Como se perceberá, em grande medida, a sorte do presente recurso assenta na matéria de facto e no julgamento que dela se faça, sendo imperioso que recuperemos todo o circunstancialismo que envolveu o exercício da actividade da L..., sociedade de gestão e investimento imobiliário.

Ora, a questão que se coloca é a de uma correcção, no montante de 296.111.015$00, relativa a mais-valias apuradas com a venda de um imóvel, sito na Av. ..., sendo que, no caso, o valor de realização foi totalmente reinvestido nos termos do artigo 44º do CIRC.

No relatório de fiscalização, evidencia-se que: a L... considerou o imóvel em causa como se fosse um bem para uso e fruição, tendo, como tal, imobilizado os custos de construção numa conta de obras em curso, com a subsequente transferência para a conta do imobilizado corpóreo na data da venda; e que apurou as mais-valias contabilísticas e fiscais e exerceu o direito à dedução das mais-valias contabilísticas na respectiva Dec. Mod. 22.

Porém, entende a AT que o tratamento contabilístico adoptado deveria ter sido outro, já que, durante o período de construção, os valores relativos àquela obra deveriam ter sido relevados numa conta de produtos e trabalhos em curso (classe de existências).

A AT ressalta, como decisiva, a circunstância de em Maio de 89 ter sido celebrado um contrato-promessa, através do qual a L... prometia construir o prédio em regime de propriedade horizontal e vender as fracções autónomas do prédio em causa, o que demonstra a sua intenção de venda e não de destinar o prédio ao arrendamento comercial.

Ora, ao longo do processo, o que as Recorrentes alegaram e pretenderam demonstrar é que, não obstante a promessa de construção e venda e a alienação, a verdade é que a sua intenção inicial era a construção e arrendamento e que o diferente destino dado ao bem deveu--se às alterações legislativas que o regime das SGII sofreu, desde a constituição inicial da L..., concretamente a alteração introduzida no sentido de impor a estas sociedades que um terço do seu património em imóveis fosse destinado ao arrendamento para habitação. Como os imóveis haviam sido adquiridos e construídos para o arrendamento comercial, a L... viu-se na necessidade de alienar património para assegurar os rácios legalmente impostos.

E, para assim demonstrarem, as Recorrentes remetem, não apenas para o próprio relatório de inspecção, mas também para os elementos por elas juntos que demonstram as diligências efectuadas pelas SGII junto das autoridades competentes no sentido de travar as intenções do legislador. Mais juntou o relatório de gestão e contas, com vista a esclarecer as razões subjacentes à alienação do imóvel sito do Av. ..., que aqui está em causa.

Com sito dito, vejamos.

Em primeiro lugar, salvo o devido respeito, a factualidade alegada na alínea c), 9 da petição inicial não é exactamente o que corresponde ao facto não provado, tal como foi considerado pela sentença, afigurando-se-nos importante esclarecer a diferença existente.

Ora, na petição inicial, a Impugnantes, concretamente no ponto 9, alínea c), afirmavam que haviam adquirido, em 28/04/88, um terreno na Av. .../ ... destinado à construção de edifício para arrendamento de escritórios.

Como se percebe, a não prova deste facto não pode corresponder à afirmação segundo a qual “no ano a que se reportam os factos o lote de terreno para construção sito na Av. ... se destinasse à construção de edifício para arrendamento de escritórios”, já que não está em causa – até como adiante melhor se perceberá – saber o que aconteceu ao terreno para construção em 1990 (ano da liquidação, ou ano a que se reportam os factos), já que não se discute que nesse ano o edifício construído no lote de terreno foi vendido, na sequência de contrato-promessa celebrado em 05/05/89.

O que, lida a petição inicial, está em causa é, repete-se, saber se o lote de terreno sito na Av. ..., foi adquirido com a intenção de aí ser construído um edifício de escritórios destinados a arrendamento ou à venda. É que, como bem se percebe, não há dúvidas de que o edifício de escritórios foi construído pelas Recorrentes e por elas vendido; o que interessa apurar é se, tal como alegado, a intenção era inicialmente a de arrendar - como defendem as Recorrentes - ou se era a de vender – como defende a AT.

A questão assume importância decisiva face ao que está em causa nos autos, atendendo ao especial regime em que a L... se inseria, ou seja, enquanto sociedade de gestão de investimento imobiliário.

Por conseguinte, o que até aqui se disse basta para, reconhecendo razão às Recorrentes, eliminarmos o facto não provado, tal como ele se mostra formulado.

Vejamos, então, não perdendo de vista que no ponto 9, alínea c) da petição, as impugnantes afirmavam que haviam adquirido, em 28/04/88, um terreno na Av. .../ ... destinado à construção de edifício para arrendamento de escritórios.

Ora, que a L..., ao adquirir o lote de terreno na Av. ..., se propôs nele construir para arrendamento comercial não parece ter levantado dúvidas nem à IGF, já que, são os próprios inspectores que afirmam que a L... construiu 3 edifícios em Lisboa, “destinados a arrendamento comercial”, dos quais um – o da Av. ... – foi alienado na fase final da conclusão das obras em 1990 (cfr. fls. 4 do relatório). Mais se afirma no relatório, a propósito do terreno na Av. ..., que o mesmo foi “adquirido em Abril de 1988 por 80 857 contos (…), no qual foi construído um edifício destinado a escritórios” (cfr. fls. 5 do relatório).

Com interesse para o que aqui apreciamos, importa reter o que consta ainda de tal documento da IGF, onde se afirma que “Em 27 de Outubro de 1990, a L... celebrou a escritura de venda do edifício em construção sito na Av. ... (…) relativamente ao qual existia uma contrato-promessa de construção, constituição de propriedade horizontal, compra e venda, com constituição de caução celebrado em 89.05.05 pelo qual a L... prometeu vender aquele imóvel após a conclusão da construção (…) pelo valor de global de (…).

Não obstante este compromisso de venda anteceder cerca de 7 meses a publicação do D.L 2/90, de 3 de Janeiro, enquadra-se na estratégia adoptada pela empresa (possibilidade de vender parte dos imóveis em construção) face às disposições contidas naquele diploma, conforme consta do relatório de gestão do exercício de 1989. (…). Aliás, a venda, ou a possibilidade de tomada de decisão de venda de prédios em fase de construção, constituiu a resposta formulada pela L... face à obrigatoriedade legal das SGII passarem a dispor de imóveis destinados a arrendamento para habitação, de que o DL. Nº2/90, de 3 de Janeiro, foi o primeiro a impor tal obrigatoriedade (…)”.

Ora, bastaria o que ficou dito para perceber que, tal como a IGF apreendeu, face aos elementos analisados, se pode concluir que inicialmente a intenção da L..., quanto ao terreno da Av. ..., era a de construir um edifício de escritórios e arrendá-los, em conformidade, aliás, com o seu objecto social.

Com efeito, isto mesmo resulta do relatório da IGF, conforme transcrito, apesar de, mais adiante, se evidenciar novamente a celebração de um contrato-promessa de construção e venda, o que levou os serviços a considerarem, quanto à operação em apreço, a intenção de construção para venda.

Mas há outros elementos que devidamente analisados e concatenados nos levam a concluir que, tal como as Recorrentes alegam, houve uma alteração das circunstâncias (mormente do regime legal das SGII) que determinou a L... a inflectir as intenções iniciais reservadas para imóvel da Av. ....

Ora, desde logo, isso está espelhado no relatório de gestão e contas do exercício de 1989, no qual o Conselho de Administração dá conta aos accionistas que, apesar das diligências efectuadas pelas SGII junto do Governo, o DL 2/90 veio a obrigar as SGII a terem um terço do seu património em imóveis de habitação para arrendamento, o que determinou a L... a “desmobilizar algum património tendo efectuado um contrato promessa de venda do edifício em construção na Avª ...”.

Devem aqui evidenciar-se, igualmente, os elementos que demonstram os contactos das SGII junto do Ministério das Finanças, em 1989, alertando para os riscos envolvidos, para o exercício da actividade das SGII, com as alterações legislativas anunciadas no sentido de impor limites ao arrendamento comercial, impondo a reserva de um terço do seu património em imóveis destinados ao arrendamento para habitação.

Acresce, ainda, como se constata, que as licenças para obras no terreno sito na Av. ... são datadas de Janeiro de 1989, ou seja, anteriores ao contrato-promessa a que se refere o ponto M dos factos provados, o que indicia que mesmo antes de decidir vender, já a L... pretendia construir os escritórios.

Tendo tudo isto presente, entende-se, como já se disse antes, eliminar o facto não provado e acrescentar, tal como pretendem as Impugnantes, a seguinte factualidade:

O. O terreno situado na Av. ..., adquirido em Abril de 1988, foi inicialmente destinado à construção de escritórios e ao seu arrendamento – cfr. relatório da IGF, relatório de gestão e contas do exercício de 1989 e documento nº 6 junto da p.i

P. Em 19 de Janeiro de 1989, a L... obteve licença de obras para continuação dos trabalhos de construção a que se referia a licença que impendia sobre o prédio e que já havia caducado – cfr. doc. 6 junto à p.i

Q. Em Maio de 1989, antes de introduzir alterações no regime jurídico das SGII, no sentido de as sujeitar a ratios de composição do seu património em imóveis destinados a arrendamento para habitação, o Governo tomou a iniciativa de auscultar as SGII, tendo as SGII constituídas manifestado a sua posição em carta dirigida ao Ministro das Finanças, datada de 3 de Maio de 1989 – cfr. doc. 10 junto à p.i

R. Dá-se por integralmente reproduzido o teor do relatório de gestão e contas do ano de 1989, elaborado pelo Conselho de Administração da L..., em 22 de Janeiro de 1990, no qual de pode ler, além do mais, que (cfr. Doc. 11):

“(…)

Já no decorrer deste ano, e contra o que se esperava em face das muitas exposições apresentadas pelas SGII ao Governo, fomos surpreendidos com a publicação do Decreto Lei 2/90, de 3 de Janeiro, que obriga as SGII a terem um terço do seu património em imóveis de habitação para arrendamento.

Esta medida, a não ser alterada pelo Governo (há razões para pensar que o venha a ser na sequência das diligências que têm vindo a ser feitas pela Comissão Instaladora da Associação Nacional das SGII), levará, certamente, a uma profunda modificação dos programas de investimento das SGII em actividade.

Foi já nesse sentido que se resolveu desmobilizar algum património, tendo efectuado um contrato promessa de venda do edifício em construção na Avº .... Encara-se, igualmente, a possibilidade de vender parte dos imóveis a construir na Avª ... /Rua ... e na Avª ..., os quais se destinavam a arrendamento.

Aguarda-se a clarificação da situação criada pelo Decreto-Lei nº 2/90 para tomar decisões definidas sobre caminhos a seguir”.


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Estabilizada a matéria de facto, avancemos para as questões de direito.

Comecemos por nos referir à questão que autonomizámos nos seguintes termos: saber se a sentença recorrida errou ao não julgar verificado o vício de falta de fundamentação relativamente à totalidade das correcções subjacentes à liquidação impugnada.

Na verdade, no recurso interposto pelas Impugnantes, concretamente nas conclusões h) e i), aí se defende que o Tribunal a quo deveria ter determinado, com base em falta de fundamentação, a anulação total da liquidação contestada e não apenas a sua anulação pelo montante corrigido de 10.583.718$00, pois o que se verifica é a “total falta de fundamentação”.

Com todo o respeito que nos merece o entendimento das Recorrentes, parece-nos que, neste ponto, foi – como já acima dissemos - estabelecida alguma confusão entre a correcção relativamente à qual se sustentou, em sede de petição inicial, a verificação do vício de falta de fundamentação e a extensão dos efeitos invalidantes desse vício.

É que, se bem interpretamos a p.i, aí se defende a falta de fundamentação para o montante corrigido de 10.583.718$00 que não para as restantes correcções – a afirmação segundo a qual (cfr. artigo 17º da p.i) “Em vez de ter acrescido à matéria colectável o valor de PTE 299.319.521 correspondente às correcções da mais-valia da alienação no montante de PTE 296.111.015 e o montante de PTE 3.208,506 relativa a deduções de rendimento de aplicações financeiras veio a acrescer o montante de PTE 309.903.239 sem que tal correcção explique a opção tomada, sendo certo que esta diferença parece resultar das correcções às amortizações praticadas que já tinham sido adicionalmente liquidadas”, leva-nos a concluir que as Impugnantes não afirmavam desconhecer as razões dos valores corrigidos de 296.111.015$00 e de 3.208.506$00.

Assim terá sido interpretado pelo Tribunal a quo e também este Tribunal de recurso assim interpreta a extensão da invocação do vício correspondente à falta de fundamentação.

E a isto não obsta que, na p.i, as impugnantes tenham pedido que fosse “anulado o acto de liquidação de IRC, derrama e respectivos juros compensatórios por falta de fundamentação”, pois que a extensão da invalidade do vício invocado é matéria puramente jurídica relativamente à qual o Tribunal há-de decidir em função da procedência do vício, nos exactos termos em que foi invocado.

Ora, no caso, a falta de fundamentação de uma correcção perfeitamente delimitada não determina, como é bom de ver, a anulação de todo o acto, mas apenas a parte afectada pelo vício, conclusão consentânea com a ideia de divisibilidade do acto tributário.

Com isto dito, e sem necessidade de maiores considerações, conclui-se nada haver a apontar à sentença quando esta não estendeu a falta de fundamentação a todas as correcções subjacentes ao acto de liquidação objecto de impugnação judicial.

Termos em que improcedem as conclusões relativamente à questão que vimos apreciando.


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Enfrentemos, seguidamente, a questão de saber se saber se a sentença recorrida errou ao julgar não verificado o vício de violação de lei invocado relativamente ao montante corrigido de 296.111.015$00.

Antes de prosseguirmos, deixamos devida nota daquela que foi a análise levada a cabo pelo Tribunal a quo.

Na sentença recorrida deixou-se dito, além do mais, o seguinte:

“(…)

Regime especial das SGII

O regime especial de tributação das Sociedades de Gestão da Investimento imobiliário (SGII) foi criado pelo Dec. Lei n.º 291/85, de 24 de Julho, dentro da preocupação de ajudar a solucionar problemas que o sector imobiliário e tinha como objetivo essencial o arrendamento de Imóveis por elas constituídos ou adquiridos.

Este regime foi legalmente delimitado no Dec Lei supra enunciado, quer em termos do objeto das referidas sociedades, quer do respetivo processo de constituição, quer ainda de composição patrimonial.

Neste sentido se estatuía no Decreto Lei n.º 291/88 de 24/07:

"Artigo 1.º • (Objecto)

1 - As sociedades de gestão e Investimento imobiliário, abreviadamente designadas por SGII, têm por objecto principal o arrendamento de Imóveis próprios, por elas adquiridos ou construídos, e a prestação de serviços conexos.

2 - (...)

Artigo 5º • (Composição patrimonial e gestão)

O valor do património não directamente afecto ao objecto das SGII, conforme o n.º 1 do artigo 1.º não poderá exceder 15% da soma do capital social realizado e reservas.

Artigo 6.º - (Terrenos para construção)

1 - As SGII apenas poderão adquirir terrenos que se destinem directamente à execução de programas de construção, não podendo o valor total dos terrenos detidos, em cada momento, ultrapassar 10% do valor global do respectivo património Imobiliário.

2 - (...)"

Apreciação

A Impugnante foi constituída, de acordo com o regime supra, em 28 de Janeiro de 1988, devidamente autorizada por portaria do Ministro das Finanças.

Não obstante, refere-nos o relatório da IGF, que a "L..." nunca dispôs de qualquer património Imobiliário para arrendamento habitacional e que o seu património não directamente afeto ao objecto social excedeu, nesse exercício, o limite de 15% imposto pelo art.º 5.º do D.L. n.º 291/85 de 24.7.

Situação que a Impugnante não logrou contrariar, limitando-se a invocar em seu beneficio a intenção com que foi adquirido o terreno para construção situado na Av. ... / ..., nomeadamente a de construção de edifico para arrendamento de escritórios.

Contudo, independentemente da intenção inicial como o terreno possa ter sido adquirido, o que aqui não se contesta, a verdade é que, pelo menos, na data da formalização do contrato de promessa de compra e venda enunciado no ponto M., do probatório (em 05/05/1989) o destino do mesmo projetava-se de forma diferente, dado que, ali se refere que a sociedade Impugnante se comprometeu a vender a F..., 'todas as fracções do prédio urbano que (...) se encontrava, à data a construir no lote de terreno situado nas Avenidas ... e ... em Lisboa.

Termos forçoso se toma concluir pela inverificação, na situação em apreço, dos requisitos legalmente exigidos no regime especial das SGIIs no exercício de 1990.

Soçobrando, assim, sem mais os argumentos esgrimidos´”.

As Recorrentes insurgem-se contra o assim decidido sustentando, além do mais, que “ao contrário daquilo que o Tribunal entendeu, o regime de tributação em causa nos autos, não é um regime fiscal específico das SGII, pelo que o seu aproveitamento, não está dependente do cumprimento pela sociedade dos ratios dessa actividade. Esses ratios eram importantes, sim, para a política de gestão da aquisição e alienação de activos imobiliários. E, por isso tais ratios e as alterações sucessivas da lei ditaram o comportamento das empresas ao adquirir e ao alienar os imóveis”.

Parece-nos, claro, que a análise feita pelo Tribunal a quo se afastou, em certa medida, da questão essencial, já que não estava em discussão a questão de saber se a L... cumpria, ou não, as percentagens legalmente impostas para o património não directamente afecto ao objecto social e se, por isso, cumpria os pressupostos legais para beneficiar do estatuto de SGII.

E dizemos que não estava em questão já que, como resulta do relatório da IGF, aí se consignou, a esse propósito, que “Em 1990, o património não directamente afecto ao objecto social excedeu o limite de 15% imposto pelo art.º 5° do D.L. n.° 291/85 de 24.7 (...). Alem de não sancionável por este diploma, tal situação está ultrapassada, porquanto, a empresa renunciou ao estatuto de SGII tal como lhe era permitido pelo D.L n.° 135/91, de 4.4, na redacção da Lei n.° 2/92, de 9 de Marco” (…) “A "L... renunciou ao estatuto de SGII como lhe era permitido pelo D.L. n.° 135/91, tendo comunicado o facto a IGF no prazo previsto no n.° 2 do art.º 15° do referido diploma (…)”.

A questão que estava em discussão – e que aqui se mantém – é a de saber se deve, ou não, manter-se o acréscimo ao lucro tributável respeitante a um ganho extraordinário (mais-valia na alienação de imobilizado corpóreo), considerado pela IGF como resultado (ganho) operacional.

A questão tem subjacente, já o dissemos, um ganho obtido pela L..., SGII com a venda de um imóvel sito na Av. ... que gerou uma mais-valia no montante de 296.111.015$00.

Para a IGF, não é acertada a consideração, pela L..., do imóvel em causa como se fosse um bem para uso e fruição, com a imobilização dos custos de construção numa conta de obras em curso e com a subsequente transferência para a conta do imobilizado corpóreo na data da venda. A entidade fiscalizadora entende que o tratamento contabilístico adoptado deveria ter sido outro, já que, durante o período de construção, os valores relativos àquela obra deveriam ter sido relevados numa conta de produtos e trabalhos em curso (classe de existências). Ressalta aqui, como determinante, a circunstância de em Maio de 89 ter sido celebrado um contrato-promessa, através do qual a L... prometia construir o prédio em regime de propriedade horizontal e vender as fracções autónomas do prédio em causa, o que, segundo a IGF, demonstra a sua intenção de venda do edifício (e não de arrendamento),

Vejamos.

Se atentarmos no objecto social da L... e se tivermos em conta a matéria de facto provada, parece-nos claro poder concluir que a sociedade, optando por contabilizar, desde a aquisição em 1988, o terreno para construção e os custos com a construção de um edifício de escritórios em contas de imobilizado (imobilizado em curso e imobilizado corpóreo), procedeu com acerto e com observância das normas contabilísticas aplicáveis.

Deve aqui evidenciar-se, como sustentam as Recorrentes, a propósito da contabilização de um bem como elemento do património da empresa que “o que é determinante para esta classificação de um elemento do património da empresa como parte integrante do activo imobilizado, não é pois a natureza do bem, mas sim a função dentro da empresa”.

Deve, ainda, ter-se em conta o que se estabelece na explicação à conta imobilizações do POC que esta integra “os imobilizados tangíveis, móveis ou imóveis, que a empresa utiliza na sua actividade operacional, que não se destinam a ser vendidos ou transformados, com carácter de permanência superior a um ano”.

Portanto, a diferente classificação de um bem imóvel em imobilizado/ património ou activo permutável/ existências deve atender à intenção que motivou a sua aquisição e a sua permanência na titularidade do alienante, por um determinado período.

No caso concreto, a L..., tal como resulta da CRComercial, constituiu-se tendo por objecto o arrendamento de imóveis próprios, por ela adquiridos ou construídos, e a prestação de serviços conexos, tendo isso, pois, justificado a aquisição do terreno e construção do edifício de escritórios na Av. ... para arrendamento.

Está para nós claro, como resulta da matéria de facto, que a construção e posterior arrendamento dos escritórios construídos era o objectivo da empresa para o terreno da Av. ..., ou seja, propunha-se a L... afectar o imóvel de modo duradouro à obtenção de rendimentos através do arrendamento comercial.

Daí, já vimos, os termos em que a correspondente contabilização foi sendo feita.

Ora, é verdade e este Tribunal não desconsidera, que o imóvel foi vendido e, antes disso, foi celebrada a promessa de venda, o que, aliás, nos termos expostos, sustenta o entendimento da AT de que o imóvel em causa deveria ter sido tratado como existências.

As específicas particularidades de caso sub judice permitem, porém, conceber este quadro em termos diversos daquilo que foi entendido pela IGF e dar razão às Impugnantes.

Ou seja, são razões muito concretas, particularidades do caso concreto, que nos levam a dar relevo às circunstâncias verificadas que determinaram que a L... redireccionasse um novo destino para o imóvel por si construído que, até um certo momento, se pode dizer que era claramente destinado ao arrendamento e que, posteriormente, foi destinado à venda. Ficou efectivamente comprovado que a venda se revelou a opção da L... para continuar a operar e manter o estatuto de SGII, tudo num contexto de alterações legislativas do próprio regime legal das SGII que, como já antes mencionado, vieram impor a estas sociedades ratios de composição do seu património imobiliário em imóveis destinados a arrendamento comercial e a habitação.

Com efeito, vimos já, que antes das alterações operadas pelo DL nº 2/90, de 3 de Janeiro, já as alterações nos ratios de composição do património imobiliário das SGII eram conhecidas e foram postas à discussão pública, o que, aliás, motivou a manifestação de discordância das SGII, seja porque se tinham constituído para outros fins e, como tal, por as alterações se traduzirem numa surpresa comprometedora do exercício da sua actividade, seja porque, à data dos factos, o mercado de arrendamento para habitação não era economicamente atractivo.

Portanto, repete-se, foi neste contexto de, pode dizer-se, alteração das circunstâncias inicialmente estabelecidas paras as SGII, que a L... decidiu desmobilizar património que inicialmente estava concebido para ao arrendamento comercial e destiná-lo à venda. Note-se, aliás, que a L... obteve licença de obras antes mesmo do contrato-promessa de compra e venda e que as mencionadas pronúncias junto do poder executivo são cronologicamente próximas da celebração de tal contrato-promessa.

Todos estes elementos, já antes o dissemos, nos levam a perceber que se tratou de uma decisão empresarial determinada por alterações exteriores à vontade da sociedade, sem que haja qualquer elemento que indicie que se tratou de uma estratégia destinada a obter ganhos fiscais.

Tudo aponta, efectivamente, para a ocorrência de uma situação excepcional que determinou, no caso, uma venda extraordinária.

Daí que a qualificação do ganho como mais-valia se mostre justificada, não devendo ser posta em causa, nem desconsiderada, a contabilização do imóvel efectuada (como imobilizado), consentânea com a função que o imóvel assumiu na empresa e para o qual foi adquirido.

Para mais, têm razão as recorrentes quando invocam que: “… quando estabeleceu novos ratios, a lei preocupou-se em dispor detalhadamente, no artigo 15º do DL135/91, a neutralidade fiscal não só da alteração do destino dos bens como da própria perda do estatuto de SGII reconhecendo o impacto empresarial das modificações e imposição dos ratios referidos”, pelo que “penalizar depois a SGII não reconhecendo uma alteração a cujo prejuízo o próprio legislador quis poupá-la admitindo a renúncia ao estatuto de SGII sem perda de benefícios, não teria qualquer coerência com a lei”.

A anulação da correcção efectuada e a manutenção dos valores apurados pela L... afigura-se-nos, no específico contexto ocorrido, uma solução que, para além de legalmente suportada, é justa e atende aos princípios da segurança e da confiança que devem nortear a actuação dos órgãos administrativos.

Termos em que, sem necessidade de mais e maiores considerações, se julgam procedentes as conclusões atinentes à questão que vimos de analisar, devendo, nesta parte, revogar-se a sentença e, consequentemente, julgar a impugnação judicial procedente e anular a correcção no montante de 296.111.015$00 e os correspondentes juros compensatórios liquidados.


*

Passemos à última questão, importando saber se a sentença recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia quanto aos vícios imputados pelas impugnantes à liquidação de juros compensatórios.

Há, aqui, que fazer já uma precisão.

É que, nesta fase, os juros compensatórios que subsistem são já só os que foram liquidados com respeito à correcção no montante de 3.208.506$00, pois que os juros devidos em razão das correcções nos montantes de 10.583.718$00 e de 296.111.015$00, foram já anulados em resultado da anulação do imposto que lhes estava subjacente.

Vejamos, então, o que se nos oferece dizer sobre a alegada omissão de pronúncia.

Nos termos do disposto no artigo 125º, nº1 do CPPT, constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.

Como é sabido, a nulidade por omissão de pronúncia [também prevista no actual artigo 615º, nº1, alínea d) do CPC, a que correspondia o anterior artigo 668º, nº1, alínea d) do mesmo diploma], só se verifica perante uma violação dos deveres de pronúncia do Tribunal sobre questões que este deva apreciar. Tal significa, no que concerne aos deveres de cognição do Tribunal, que ao juiz se impõe a obrigação de conhecer todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas, naturalmente, aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Assume, assim, especial importância o conceito de questões, o qual, nas palavras de J. Lopes de Sousa (in CPPT, anotado e comentado, 6º edição, II Volume, Áreas Editora, págs. 363 e 364) “abrange tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir e à controvérsia que as partes sobre elas suscitem”.

O conhecimento de todas as questões não equivale à exigência imposta ao Tribunal de conhecer de todos os argumentos e razões invocadas pela parte, pois que, como ensinava Alberto dos Reis, “são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer questões de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal qualquer questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CPC, anotado, I Vol. págs. 284, 285 e V Vol. pág. 139).

Ora, no caso em apreciação, temos, tal como resulta daquilo que deixámos dito, que a alegada omissão de pronúncia radica no apontado não conhecimento dos vícios imputados à liquidação de juros compensatórios, seja a invocada falta de fundamentação, seja a não verificação dos pressupostos dos quais a lei (cfr. artigo 80º do CIRC) faz depender a sua liquidação.

E, na verdade, lida a sentença, somos levados a concluir que o Tribunal a quo não apreciou autonomamente as questões que lhe foram colocadas relativamente aos juros compensatórios, sendo certo que a (i)legalidade dos juros compensatórios é questão cujo conhecimento não foi (nem podia ser) julgado prejudicado, sem prejuízo, naturalmente, da anulação dos juros liquidados por referência à correcção de IRC no montante de 10.583.718$00 (nesta parte, os juros foram anulados por ter sido anulado o imposto e não por padecerem de vício próprio e autónomo).

Por conseguinte, deve concluir-se, quanto a esta questão – perfeitamente autonomizável das demais – que o Tribunal a quo incorreu em nulidade por omissão de pronúncia, já que não a apreciou, nem decidiu, nem, tão-pouco, julgou prejudicado o seu conhecimento.

Procedem, pois, quanto à invocada omissão de pronúncia, as conclusões da alegação do recurso interposto pelas ora Recorrentes.

No caso concreto, e como facilmente se percebe, tal nulidade afecta unicamente uma parte da sentença que é claramente autonomizável, pelo que será adequado falar, a este propósito, de nulidade parcial.

Haverá, agora, que saber, de acordo com o artigo anterior 715º do CPC (actual, 665º do NCPC), se se pode aplicar no processo vertente a regra da substituição do tribunal ad quem ao tribunal recorrido, nos termos da qual os poderes de cognição deste Tribunal Central Administrativo Sul incluem todas as questões que ao Tribunal recorrido era lícito conhecer, ainda que a decisão recorrida as não haja apreciado.

A competência conferida à 2ª Instância para reapreciar o julgamento da matéria de facto e alterar, em via de substituição, o julgado em 1ª Instância, apenas é possível se do processo constarem todos os elementos de prova, de acordo com o disposto no artigo 662º, nº1 do NCPC e, a contrario, no nº 2, al. c), ex vi artigo 2º, al. e) do CPPT - anterior 712.º, n.º 1, al. a). do CPC.

Ora, in casu, os autos fornecem todos os elementos de prova (concretamente documental) para decidir da questão colocada e cujo conhecimento foi omitido, pelo que passaremos a decidir em conformidade, quanto à legalidade da liquidação dos juros compensatórios.

Vejamos, então, começando pela falta de fundamentação.

Ora, a liquidação impugnada apurou um valor a pagar de 194.423.529$00, dos quais 73.502.968$00 são respeitantes a juros compensatórios.

E, na realidade, vista a liquidação propriamente dita, o relatório de fiscalização e o DC correspondente, não descortinamos qualquer elemento que nos permita perceber sobre a motivação da liquidação daquele concreto montante de juros, seja no que se refere à disposição legal ao abrigo da qual os mesmos foram liquidados, à taxa ou até ao período de tempo de cálculo dos mesmos; nada, mesmo nada, foi dito.

No caso, a referência à liquidação de juros resume-se ao seu quantum final, os tais 73.502.968$00.

A solução, então, que se impõe não levanta dúvidas, independentemente da circunstância de, à data em que a liquidação foi emitida (1995), não existir uma norma legal equivalente ao actual nº 9 do artigo 35º da LGT.

Vigoravam, porém, à data que para aqui importa, os artigos 82º e 83º do CPT, respeitantes à fundamentação dos actos tributários e aos juros compensatórios, daí se retirando que, por um lado, que a fundamentação dos actos tributários deve conter, ainda que de forma sucinta, as disposições legais aplicadas, a qualificação e quantificação dos factos e as operações de apuramento da matéria tributável e do imposto e que, por outro lado, a lei deixava claros os pressupostos da liquidação dos juros, a sua forma e período de contagem e, bem assim, a taxa aplicável.

Ora, a exigência de fundamentar a liquidação de juros compensatórios não pode deixar de ser integrar no dever geral de fundamentação dos actos administrativos e dos actos tributários em particular, exigência esta constitucionalmente imposta (cfr. artigo 268º, nº3 da CRP).

Portanto, exige-se da Administração que dê a conhecer o seu itinerário para concluir por um determinado montante de juros compensatórios, sendo necessário evidenciar o comportamento que justifica a liquidação de tais juros.

Como aponta J. Lopes de Sousa e outros, in LGT anotada, 4ª edição, 2012, Encontros de Escrita, pág. 285:

“Assim, o conhecimento integral do itinerário valorativo e cognoscitivo seguido pela entidade que liquidar os juros não dispensará:

- a indicação do montante dos juros, separado do montante do tributo, se for liquidado concomitantemente;

- os termos inicial e final da contagem dos juros;

- a taxa ou taxas e os períodos a que se reporta cada uma delas, se não for a mesma taxa aplicada para o cálculo da totalidade dos juros;

- a indicação dos diplomas legais que prevêem a responsabilidade por juros compensatórios e os que prevêem as taxas aplicadas;

- a situação fáctica violadora da lei que justifica a liquidação dos juros ou os factos que levaram a Administração Tributária a concluir que o atraso na liquidação se deveu a actuação culposa do contribuinte”

Ora, repete-se, no caso, nada, nenhum elemento foi externado no sentido de motivar a liquidação dos juros e o seu concreto montante. Sabemos apenas que a Administração Fiscal liquidou adicionalmente juros compensatórios no valor de 73.502.968$00, por referência ao imposto adicionalmente liquidado e que fez incluir no acto tributário de liquidação adicional nº ....

Trata-se de uma actuação insuficiente, quase inexistente, do ponto de vista das exigências legais de fundamentação, o que, in casu, não pode deixar de levar à conclusão no sentido da anulação da liquidação dos juros compensatórios.

Como tal, há que reconhecer razão às impugnantes, quanto a este vício invocado na petição inicial e, em conformidade, anular a liquidação adicional de juros compensatórios, o que aqui se determina.


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3 – DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em:

- negar provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública, mantendo o decidido quanto à correcção no montante de 10.583.718$00.

- conceder provimento ao recurso interposto pelas Recorrentes, determinando-se, em consequência:

- a revogação da sentença na parte relativa à correcção no montante de 296.111.015$00, anulando o imposto e juros correspondentes;

- julgar verificada a nulidade parcial da sentença, por omissão de pronúncia, e, em consequência, julgar, em substituição, procedente a impugnação quanto à falta de fundamentação dos juros compensatórios, determinando a sua anulação, em conformidade.

Sem custas, por delas estar isenta a Fazenda Pública (processo instaurado anteriormente a 2004).

Lisboa, 12/07/17


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(Catarina Almeida e Sousa)

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(Bárbara Tavares Teles)

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(Pereira Gameiro)