Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2660/15.9BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:06/29/2017
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:OMISSÃO DE PRONÚNCIA (VÍCIO DE “PETITIONEM BREVIS”).
ARTº.615, Nº.1, AL.D), DO C.P.CIVIL. ARTº.125, Nº.1, DO C.P.P.TRIBUTÁRIO.
NULIDADES DA SENTENÇA EM PROCESSO JUDICIAL CONTRA-ORDENACIONAL TRIBUTÁRIO.
ARTº.379, Nº.1, AL.C), DO C.P.PENAL. NULIDADE DEVIDO A OMISSÃO DE PRONÚNCIA.
DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA.
ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO.
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE 1ª. INSTÂNCIA RELATIVA À MATÉRIA DE FACTO. ÓNUS DO RECORRENTE.
REGIME DE RECURSO EM SEDE CONTRA-ORDENACIONAL TRIBUTÁRIA.
POSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO DE ERROS DE JULGAMENTO DE FACTO. ARTº.83, NºS.1 E 2, DO R.G.I.T.
TIPO LEGAL CONTRA-ORDENACIONAL PREVISTO NO ARTº.114, NºS.1, 2 E 5, AL.A), DO R.G.I.T.
“PRESTAÇÃO TRIBUTÁRIA DEDUZIDA” CONSTANTE DO ARTº.114, DO R.G.I.T.
CONDUTA NEGLIGENTE.
LEGISLADOR FAZ EXPRESSA MENÇÃO À “ENTREGA” E NÃO AO “PAGAMENTO” DO TRIBUTO.
INSTITUTO DA DISPENSA DE PENA. ARTº.32, DO R.G.I.T.
Sumário:1. A omissão de pronúncia (vício de “petitionem brevis”) pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes (cfr.artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil).
2. No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, no penúltimo segmento da norma.
3. No que diz respeito ao regime das nulidades da sentença lavrada em processo judicial contra-ordenacional tributário, encontram-se as mesmas previstas nos artºs.379, e 410, nº.2, do C.P.Penal, aplicáveis “ex vi” dos artºs.3, al.b), do R.G.I.T., e 41, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo dec.lei 433/82, de 27/10.
4. Nos termos do artº.379, nº.1, al.c), do C.P.Penal, a sentença é nula, além do mais, quando o Tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, vício que consubstancia a supra examinada omissão de pronúncia.
5. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
6. Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
7. O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida.
8. No que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário). Tal ónus rigoroso ainda se pode considerar mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6.
9. Especificamente, no que diz respeito ao regime de recurso em sede contra-ordenacional tributária, desde logo, se deve referir que pode o T.C.A. conhecer de apelação relativa a alegados erros de julgamento de facto, atento o disposto no artº.83, nºs.1 e 2, do R.G.I.T., norma especial face ao que dispõe o artº.75, nº.1, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo dec.lei 433/82, de 27/10.
10. A norma punitiva da conduta em causa nos presentes autos é a constante do artº.114, nºs.1, 2 e 5, al.a), do R.G.I.T., na versão em vigor no ano de 2013 (redacção da Lei 64-B/2011, de 30/12). Estamos perante prestação tributária de I.V.A. autoliquidada pela sociedade recorrente e relativa ao período de Agosto de 2013, no valor de € 59.244,53, cujo termo final do prazo de pagamento voluntário ocorreu em 10/10/2013 (entrega do montante de imposto exigível até ao dia 10 do segundo mês seguinte àquele a que respeite o tributo, quando o sujeito passivo esteja enquadrado no regime normal de periodicidade mensal - cfr.artºs.27, nº.1, e 41, nº.1, al.a), do C.I.V.A.; artº.114, nºs.1 e 5, al.a), do R.G.I.T.).
11. Por prestação tributária entende-se qualquer tributo que caiba cobrar à Administração Fiscal ou à Administração da S. Social (cfr.artº.11, al.a), do R.G.I.T.). Com a utilização da expressão “prestação tributária deduzida” pretendeu o legislador aludir a todas as situações em que é apurada uma prestação tributária, isto é, uma quantia de imposto nos termos do artº.11, al.a), do R.G.I.T., pelo sujeito passivo e através de uma subtracção de uma quantia global, sendo que tal montante tem de ser entregue à A. Fiscal.
12. Não existindo dolo, a falta de entrega da prestação deduzida nos termos da lei é susceptível de constituir a infracção por negligência, prevista no nº.2 deste artigo, sendo esta a espécie (ao nível do nexo de culpa - cfr.artº.24, nº.1, do R.G.I.T.) de contra-ordenação imputada ao arguido neste processo.
13. O legislador faz expressa menção à “entrega” e não ao “pagamento” do tributo. O verbo “entregar” provém, etimologicamente, do vocábulo latino “integrare”, isto é, passar às mãos de outrem. A “entrega” não tem de traduzir-se num acto material, antes pode ser uma “entrega” que ocorre por força da lei e, neste sentido, estamos perante uma “entrega legal”. Certo é que, de acordo com a lei, a entrega do imposto pressupõe a possibilidade do credor dispor de tal quantia, contrariamente ao que defende o recorrente, situação que, no caso concreto, se não verificou dentro do prazo legalmente previsto para o efeito.
14. O instituto da dispensa de pena deve considerar-se atinente ao domínio específico das consequências jurídicas do crime e, portanto, como produto de um acto especial de determinação da medida concreta da pena (cfr.artº.74, do C.Penal; artº.32, do R.G.I.T.).
15. “In casu”, atenta a matéria de facto provada, considera o Tribunal que o arguido já regularizou a sua situação tributária, não sendo possível determinar a existência de qualquer prejuízo para a Fazenda Pública. Por outro lado, o lapso cometido pelo arguido afigura-se, atentas as circunstâncias e a ausência noticiada de antecedentes por parte do mesmo, revelador de um diminuto grau de culpa. Tal situação integra a previsão do artº.32, nº.1, do R.G.I.T. (cfr.anterior artº.116, da Lei Geral Tributária), estando reunidos os três pressupostos cumulativos (de natureza objectiva e subjectiva) de aplicação do referido instituto.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
"S..., S.A.", com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mº. Juiz do T.A.F. de Sintra, exarada a fls.72 a 75 do presente processo de recurso de contra-ordenação, através do qual julgou improcedente o salvatério intentado pelo arguido, mais mantendo a decisão de aplicação de coima exarada no âmbito do processo de contra-ordenação nº...., o qual corre seus termos no 3º. Serviço de Finanças de ....
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.82 a 91-verso dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-O presente recurso é interposto da sentença de 7.09.2016 que negou provimento ao recurso da decisão de aplicação de coima proferida no âmbito do processo de contraordenação n.º ..., instaurado em virtude da prática de uma alegada infração ao disposto nos artigos 27.º, n.º 1, e 41.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código do IVA, em concreto pela entrega da prestação tributária fora do prazo legal, consubstanciada na contraordenação prevista e punida pelos artigos 114.º, n.º 2 e n.º 5, alínea a) e 26.º, n.º 4, do RGIT;
2-Não pode a recorrente conformar-se com a sentença sub judice, desde logo por incorrer aquela em erro de julgamento de facto ao decidir que o pagamento do imposto referente ao período de Agosto de 2013 foi efetuado um dia depois do prazo legal, em violação do disposto nos artigos 27.º, n.º 1, e 41.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código do IVA, e, por consequência que havia ocorrido a infração imputada à recorrente;
3-Sucede que a sentença recorrida deu como provada a ordem de pagamento do imposto em questão pela recorrente, através de transferência bancária, no dia 10.10.2013, último dia do prazo legal de pagamento, o que é quanto basta para se concluir pelo cumprimento da obrigação de entrega da prestação que recaía sobre a recorrente e, portanto, pela inexistência da infração que lhe é imputada;
4-Com efeito, em face do regime legal vertido nos artigos 27.º, n.º 1, e 41.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código do IVA, assim como dos artigos 1.º, 4.º, n.º 1, e 4.-A, do Decreto-Lei n.º 229/95, de 11 de Setembro, a recorrente apenas tinha de assegurar a entrega do IVA do período de Agosto de 2013 até ao dia 10.10.2013, num dos locais de cobrança legalmente autorizados e mediante a utilização de um dos meios e de uma das formas de pagamento legalmente previstos;
5-Ora, a recorrente efetuou, no dia 10.10.2013 e, portanto dentro do prazo previsto nos artigos 27.º, n.º 1 e 41.º, n. 1, alínea a), do Código do IVA, o pagamento em apreço num local de cobrança autorizado pela lei (serviço de Homebanking), utilizando um dos meios de pagamento (transferência bancária através de instituição de crédito localizada em território nacional) e uma das formas de pagamento legalmente previstas (documento de pagamento gerado após a submissão da respetiva declaração periódica - cf. doc. n.º 1 do recurso de decisão de aplicação da coima);
6-Resulta, pois, evidente o erro de julgamento de facto em que incorreu a sentença recorrida ao concluir pela prática da infração consubstanciada na entrega, fora do prazo legal, da prestação tributária em questão;
7-Acresce que, não obstante o afirmado na decisão recorrida, para efeitos do cumprimento da obrigação de entrega do imposto, é irrelevante o facto de a entrada efetiva da prestação nos cofres do Estado ter ocorrido no dia seguinte ao termo do respetivo prazo de pagamento voluntário, resultando evidente do disposto no n.º 1 do artigo 27.º, do Código do IVA, que o sujeito passivo cumpre com a obrigação aí prevista com a entrega do imposto realizada num dos locais de cobrança legalmente autorizados e mediante a utilização de um dos meios e de uma das formas de pagamento legalmente previstos;
8-É ainda irrelevante, para aferir do cumprimento da obrigação legal de pagamento do IVA, que o pagamento não seja realizado, nas palavras da sentença recorrida, em "momento coincidente" com o da apresentação da declaração periódica prevista no artigo 41.º do Código do IVA;
9-O que impõem as normas constantes dos artigos 27. n. 1 e 41.º, n.º 1, ambos do Código do IVA, é tão-só a apresentação da declaração periódica, assim como a entrega do imposto naquela apurado, até ao termo do respetivo prazo legal;
10-Adicionalmente, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto, na medida em que concluiu pela verificação da infração tributária por afirmar ainda que a situação na origem da contraordenação em crise é "prática frequente" (cf.p.5 da sentença recorrida), quando, nenhum dos factos constantes do probatório permite retirar tal ilação;
11-Caso assim não se entenda, o que apenas por cautela de patrocínio se equaciona, sempre padecerá a sentença recorrida de erro de julgamento por errónea interpretação do artigo 27., n.º 1, do Código do IVA, por entender que daí resulta a imposição, não apenas da entrega do imposto dentro do prazo legalmente estipulado, mas ainda que o sujeito passivo assegure a disponibilização dos correspondentes fundos nos cofres do Estado dentro daquele prazo;
12-Ora, interpretando o artigo 27.º, n.º 1, do Código do IVA, com recurso aos, aqui relevantes, elementos interpretativos literal e sistemático, aplicáveis por força do artigo 11.º da LGT e previstos no artigo 9. do CC, só poderá concluir-se que o sujeito passivo cumpre com a obrigação prevista na supra referida norma sempre que procede à entrega da prestação tributária até ao termo do prazo legal, num local de cobrança autorizado por lei e utilizando um dos meios e uma das formas de pagamento legalmente previstas, não tendo qualquer suporte na lei a exigência acrescida de que o contribuinte assegure, dentro do prazo de entrega, a entrada dos fundos nos cofres do Estado;
13-Atento o exposto, e sendo inequívoca a entrega da prestação tributária dentro do respetivo prazo legal [cf. nº.6 do probatório], incorreu em erro de julgamento a sentença recorrida ao interpretar o n. 1 do artigo 27.º do Código do IVA no sentido de que se impõe ao sujeito passivo, além da entrega, que assegure a efetiva disponibilização dos fundos na conta do Estado, dentro daquele prazo;
14-Encontrando-se, pois, por demais demonstrado que a recorrente cumpriu com o pagamento do IVA do período de Agosto de 2013 no respetivo prazo legal, só poderá concluir-se que a respetiva receita tributária foi acautelada em tempo;
15-Assim, a entender-se, por algum motivo que a recorrente não descortina, que ocorreu a prática da infração em crise, impõe-se decidir pela total ausência de prejuízo para a receita tributária, determinante da dispensa de aplicação da coima, nos termos e para o efeito do disposto no n.1 do artigo 32.º do RGIT;
16-Por assim não ter entendido, decidindo pela existência de prejuízo efetivo para a receita tributária e concluindo pela não verificação dos pressupostos dos quais depende a dispensa de aplicação da coima previstos no artº.32, nº.1, do RGIT, incorreu a sentença recorrida em erro de julgamento;
17-A sentença sob análise incorreu ainda em omissão de pronúncia decorrente da não apreciação das questões de substituição da coima por admoestação e da sua especial atenuação;
18-Com efeito, de acordo com o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do Código de Processo Penal (CPP), aplicável ao processo contraordenacional fiscal por remissão da alínea b) do artigo 3 do RGIT e do artigo 41.º do Regime Geral das Contraordenações (RGCO), é nula a sentença, porquanto o Tribunal se não pronunciou sobre as questões levantadas no recurso judicial de aplicação de coima relativas à substituição da coima por admoestação a que se refere o artigo 51 do RGCO, aplicável ex vi artigo 3, alínea b), do RGIT, e á sua especial atenuação, nos termos do artigo 32, nº.2, do RGIT;
19-Caso se entenda não padecer a sentença daquela nulidade por ter o Tribunal recorrido declarado ficavam prejudicadas as referidas questões, o que por mera cautela de patrocínio se equaciona, sempre aquela incorrerá em erro de julgamento;
20-Assim, caso não proceda o acima alegado, o que apenas por cautela de patrocínio se equaciona, deverá nesta sede conhecer-se das aludidas questões, desde logo se concluindo que o pretenso comportamento infrator não deverá ser sancionado mediante a aplicação da coima prevista no artigo 114.º do RGIT, mas sim com a pena de admoestação, nos termos do artigo 51 do RGCO, aplicável ex vi artigo 3.º, alínea b), do RGIT, na medida em que ficou inequivocamente demonstrado que não só se encontra regularizada a falta cometida, como a gravidade da infração é manifestamente reduzida e a culpa, a existir culpa, é notoriamente diminuta;
21-Acresce por fim que, não procedendo o supra exposto, sempre deverá determinar-se a atenuação especial da coima nos termos do artigo 32.º, n.º 2, do RGIT;
22-Com efeito, não só a recorrente reconhece o seu dever de pagamento da prestação tributária dentro do prazo legal, como procedeu à regularização da situação em momento anterior à instauração do processo de contraordenação;
23-TERMOS EM QUE deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado e, em consequência, ser revogada a sentença que negou provimento ao recurso da decisão de aplicação de coima, com as demais consequências legais, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!
X
Não foram produzidas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual pugna pelo não provimento do recurso (cfr.fls.108 a 110 dos autos).
X
Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A decisão recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.72 e 73 dos autos - numeração nossa):
1-Em 02.03.2014 foi elaborado o Auto de Notícia n.º... que deu origem ao processo de contraordenação n.º..., que aqui se dá por reproduzido, de onde resulta, além do mais, que «[...] o sujeito passivo, "S..., S.A.", não entregou [...] no respectivo prazo legal, a prestação tributária exigível», referindo-se ao IVA do período de 08/2013, no valor de € 59.244,53, cujo prazo limite de pagamento voluntário terminou em 10.10.2013, sendo considerado o cumprimento da obrigação no dia 11.10.2013 (cfr.documento junto a fls.2 dos presentes autos);
2-Por decisão de 24.04.2015, que aqui se dá por integralmente reproduzida, foi aplicada à ora recorrente coima no montante de € 17.773,35, acrescida de custas processuais no valor de € 76,50 com fundamento na violação dos artºs.27, nº1 e 41, nº1, a), do CIVA, pagamento do imposto fora do prazo, invocando-se como norma punitiva os artºs.114 nº2 e nº5, a), e o artº.26, nº4, ambos do RGIT - falta de entrega de prestação tributária dentro do prazo - sendo a conduta negligente (cfr.documento junto a fls.21 e 22 dos presentes autos);
3-Em 28.04.2015 foi a ora recorrente notificada da decisão de aplicação de coima identificada no nº.2 (cfr.documentos juntos a fls.23 a 25 dos presentes autos);
4-Em 20.05.2015 o recurso que originou o presente processo foi remetido ao 3º. Serviço de Finanças de ... por via postal registada (cfr.data de registo aposta a fls.26 dos presentes autos);
5-Em 07.10.2013 a sociedade recorrente entregou a declaração periódica de IVA, relativa ao período de 2013/08, na qual apurou imposto a pagar no valor de € 59.244,53 (cfr.documento junto a fls.5 dos presentes autos);
6-Em 10.10.2013 a ora recorrente, através de ordem emitida em ''homebanking" ao banco "...", no qual é titular da conta n.º ..., determinou a transferência do valor correspondente ao imposto a que se refere o nº.5, operação que foi concretizada, com o valor disponível na conta do beneficiário (o Estado) em 11.10.2013 (cfr.documentos juntos a fls.13 e 14 dos presentes autos).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não se mostram provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão do mérito da causa de acordo com as possíveis soluções de direito…”.
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…Os documentos referidos não foram impugnados pelas partes e não há indícios que ponham em causa a sua genuinidade…”.
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a decisão recorrida julgou improcedente o salvatério intentado pelo arguido, mais mantendo a decisão de aplicação de coima objecto do processo (cfr.nº.2 do probatório).
X
Antes de mais, diremos que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.412, nº.1, do C.P.Penal, “ex vi” do artº.3, al.b), do R.G.I.T., e do artº.74, nº.4, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo dec.lei 433/82, de 27/10).
O recorrente dissente do julgado alegando, em primeiro lugar e em síntese, que a decisão recorrida incorreu em omissão de pronúncia decorrente da não apreciação das questões de substituição da coima por admoestação e da sua especial atenuação (cfr.conclusões 17 e 18 do recurso), com base em tal argumentação pretendendo concretizar uma nulidade da decisão recorrida devido a omissão de pronúncia.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
A sentença é uma decisão judicial proferida pelos Tribunais no exercício da sua função jurisdicional que, no caso posto à sua apreciação, dirimem um conflito de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativo-tributárias. Tem por obrigação conhecer do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para o caso concreto. Esta peça processual pode padecer de vícios de duas ordens, os quais obstam à eficácia ou validade da dicção do direito:
1-Por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e então a consequência é a sua revogação;
2-Por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artº.615, do C.P.Civil.
Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1º. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº.608, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como se infere do que já deixámos expresso, a omissão de pronúncia pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes. Por outras palavras, haverá omissão de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de “petitionem brevis”, a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por uma lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das “questões”) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 142 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37).
No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, no penúltimo segmento da norma (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.911 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.50/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/3/2011, proc.2442/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/5/2011, proc.4629/11).
Mais se dirá que a sentença nula é a que está inquinada por vícios de actividade (erros de construção ou formação), os quais devem ser contrapostos aos vícios de julgamento (erros de julgamento de facto ou de direito). A nulidade da sentença em causa reveste a natureza de uma nulidade sanável ou relativa (por contraposição às nulidades insanáveis ou absolutas), sendo que a sanação de tais vícios de actividade se opera, desde logo, com o trânsito em julgado da decisão judicial em causa, quando não for deduzido recurso (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/10/2013, proc.6608/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7119/13; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.122 e seg.).
Trata-se, em qualquer caso, nesta nulidade, de falta de pronúncia sobre questões e não de falta de realização de diligências instrutórias ou de falta de avaliação de provas que poderiam ter sido apreciadas. A falta de realização de diligências constituirá uma nulidade processual e não uma nulidade de sentença. A falta de avaliação de provas produzidas, tal como a sua errada avaliação, constituirá um erro de julgamento da matéria de facto. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e referir se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P. Tributário).
Ainda, a nulidade de omissão de pronúncia impõe ao juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Se o Tribunal entende que o conhecimento de uma questão está prejudicado e o declara expressamente, poderá haver erro de julgamento, se for errado o entendimento em que se baseia esse não conhecimento, mas não nulidade por omissão de pronúncia.
Por último, embora o Tribunal tenha também dever de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso não suscitadas pelas partes (cfr.artº.608, nº.2, do C.P.Civil), a omissão de tal dever não constituirá nulidade da sentença, mas sim um erro de julgamento. Com efeito, nestes casos, a omissão de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso deve significar que o Tribunal entendeu, implicitamente, que a solução das mesmas não é relevante para a apreciação da causa. Se esta posição for errada, haverá um erro de julgamento. Se o não for, não haverá erro de julgamento, nem se justificaria, naturalmente, que fosse declarada a existência de uma nulidade para o Tribunal ser obrigado a tomar posição explícita sobre uma questão irrelevante para a decisão. Aliás, nem seria razoável que se impusesse ao Tribunal a tarefa inútil de apreciar explicitamente cada uma das questões legalmente qualificadas como de conhecimento oficioso sobre as quais não se suscita controvérsia no caso concreto, o que ressalta, desde logo, da dimensão da lista de excepções dilatórias de conhecimento oficioso (cfr.artºs.577 e 578, do C.P.Civil), e da apreciável quantidade de vícios geradores de nulidade contida no artº.133, nº.2, do C.P.Administrativo (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 28/5/2003, rec.1757/02; ac.T.C.A.Sul-2.ªSecção, 25/8/2008, proc.2569/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/9/2012, proc.3171/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7119/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.365).
Especificamente, no que diz respeito ao regime das nulidades da sentença lavrada em processo judicial contra-ordenacional tributário, encontram-se as mesmas previstas nos artºs.379, e 410, nº.2, do C.P.Penal, aplicáveis “ex vi” dos artºs.3, al.b), do R.G.I.T., e 41, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo dec.lei 433/82, de 27/10 (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/01/2017, proc.7064/13; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.558; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2ª. Edição, Universidade Católica Editora, 2008, pág.967).
Nos termos do artº.379, nº.1, al.c), do C.P.Penal, a sentença é nula, além do mais, quando o Tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, vício que consubstancia a supra examinada omissão de pronúncia.
As nulidades da sentença só podem ser arguidas perante o Tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário. No caso contrário, o recurso pode ter como fundamento qualquer uma das nulidades, mas só o Tribunal de recurso pode delas conhecer, mais sendo matéria de conhecimento oficioso (cfr.ac.S.T.J., 8/1/1998, rec.610/97; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/01/2017, proc.7064/13; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.558; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2ª. Edição, Universidade Católica Editora, 2008, pág.966).
Revertendo ao caso dos autos, do exame da decisão do Tribunal “a quo”, principalmente do seu enquadramento jurídico (cfr.fls.73 a 75 dos autos), constata-se que a mesma apreciou a conduta da sociedade recorrente, enquadrando-a nos mencionados artºs.27, nº.1, e 41, nº.1, al.a), do C.I.V.A., pagamento do imposto fora do prazo, mais invocando como norma punitiva os artºs.114, nºs.2, e 5, al.a), e 26, nº.4, ambos do R.G.I.T., assim concordando com o enquadramento jurídico efectuado pela decisão administrativa de aplicação de coima. Após, examinou a possibilidade de aplicação do regime de dispensa de coima prevista no artº.32, do R.G.I.T., ao caso dos autos, concluindo pela falta de verificação dos requisitos cumulativos da aplicação de tal procedimento. Após, estudou o pedido subsidiário relativo à possibilidade de aplicação ao caso dos autos da pena de admoestação ou do regime especial de atenuação da coima, concluindo pela não aplicabilidade dos mesmos em face das circunstâncias do caso concreto julgadas provadas pela A. Fiscal.
Em suma, não padece a decisão recorrida da examinada nulidade devido a omissão de pronúncia, assim improcedendo o presente esteio do recurso.
O apelante defende, igualmente e em sinopse, que é evidente o erro de julgamento de facto em que incorreu a sentença recorrida ao concluir pela prática da infracção consubstanciada na entrega, fora do prazo legal, da prestação tributária em questão no processo. Que incorreu em novo erro de julgamento de facto, na medida em que concluiu que a situação na origem da contraordenação em crise é "prática frequente", quando nenhum dos factos constantes do probatório permite retirar tal ilação (cfr.conclusões 6 e 10 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar, supomos, um erro de julgamento de facto da sentença recorrida.
Dissequemos se a decisão do Tribunal "a quo" padece de tal vício.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr.artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, IV, Coimbra Editora, 1987, pág.566 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e seg.).
Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida. A decisão é errada ou por padecer de “error in procedendo”, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento aplicável, ou de “error in iudicando”, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado. A decisão é injusta quando resulta de uma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos, que lhe são confiados (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/6/2013, proc.5618/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/4/2014, proc.7396/14; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.130; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9ª. edição, 2009, pág.72).
Ainda no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/12/2012, proc.4855/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13).
Tal ónus rigoroso deve considerar-se mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6 (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6531/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.5555/12; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 27/02/2014, proc.7205/13).
Especificamente, no que diz respeito ao regime de recurso em sede contra-ordenacional tributária, desde logo, se deve referir que pode o T.C.A. conhecer de apelação relativa a alegados erros de julgamento de facto, atento o disposto no artº.83, nºs.1 e 2, do R.G.I.T., norma especial face ao que dispõe o artº.75, nº.1, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo dec.lei 433/82, de 27/10 (cfr.Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.563 e seg.; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Contra-Ordenações, Anotações ao Regime Geral, 6ª. edição, 2011, Áreas Editora, pág.582).
Revertendo ao caso dos autos, deve concluir-se que não nos encontramos perante qualquer erro de julgamento de facto no caso “sub judice”. Concretizando, quanto ao alegado erro de julgamento de facto em que incorreu a sentença recorrida ao concluir pela prática da infracção consubstanciada na entrega, fora do prazo legal, da prestação tributária em questão no processo, deve corroborar este Tribunal a decisão recorrida, visto que se encontram reunidos os pressupostos da prática da contra-ordenação em causa nos autos, p.p. nos artºs.27, nº.1, e 41, nº.1, al.a), do C.I.V.A. (pagamento do imposto fora do prazo legal estipulado para o efeito), mais invocando como norma punitiva os artºs.114, nºs.2, e 5, al.a), e 26, nº.4, ambos do R.G.I.T.
No entanto, o enquadramento jurídico efectuado pelo Tribunal “a quo” não consubstancia qualquer erro de julgamento de facto passível de apreciação por este Tribunal de recurso.
Já quanto à referência constante da decisão recorrida à circunstância, relevante em sede de medida concreta da pena, da prática frequente de infracções de idêntica jaez, consta tal vector agravante da medida concreta da pena da decisão de aplicação de coima (cfr.nº.2 do probatório), mais se devendo mencionar que deriva tal conclusão da A. Fiscal de informação exarada a fls.17 e 18 do processo, na qual se faz expressa menção ao facto de ser frequente a sociedade arguida utilizar esta forma de pagamento do imposto no último dia do prazo fixado para o efeito, o que leva à entrada do imposto nos cofres do Estado um dia após o termo do prazo legal. Do exame do processo, também se deve aludir ao facto de se encontrar identificado outro processo contra-ordenacional no qual surge a sociedade recorrente como arguida e que correu termos no 3º. Serviço de Finanças de ... sob o nº.... (cfr.documento junto a fls.1-C do processo).
Atento o referido, não pode, mais uma vez, consubstanciar-se tal referência como um erro de julgamento de facto da decisão recorrida.
Face ao exposto, julga-se improcedente este fundamento do recurso, confirmando-se a decisão recorrida neste segmento.
O recorrente dissente do julgado alegando, em síntese, que interpretando o artº.27, nº.1, do C.I.V.A., com recurso aos elementos interpretativos literal e sistemático, aplicáveis por força do artº.11, da L.G.T., e previstos no artº.9, do C.Civil, só poderá concluir-se que o sujeito passivo cumpre com a obrigação prevista na supra referida norma sempre que procede à entrega da prestação tributária até ao termo do prazo legal, num local de cobrança autorizado por lei e utilizando um dos meios e uma das formas de pagamento legalmente previstas, não tendo qualquer suporte na lei a exigência acrescida de que o contribuinte assegure, dentro do prazo de entrega, a entrada dos fundos nos cofres do Estado. Que incorreu em erro de julgamento a sentença recorrida ao interpretar o citado artº.27, nº.1, do C.I.V.A., no sentido de que se impõe ao sujeito passivo, além da entrega, que assegure a efectiva disponibilização dos fundos na conta do Estado, dentro daquele prazo (cfr.conclusões 1 a 5, 7 a 9 e 11 a 14 do recurso), com base em tal argumentação pretendendo concretizar, supomos, um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
A norma punitiva da conduta em causa nos presentes autos é a constante do artº.114, nºs.1, 2 e 5, al.a), do R.G.I.T., na versão em vigor no ano de 2013 (redacção da Lei 64-B/2011, de 30/12), a qual tinha o seguinte conteúdo:
Artigo 114.º
(Falta de entrega da prestação tributária)

1-A não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período superior, desde que os factos não constituam crime, ao credor tributário, da prestação tributária deduzida nos termos da lei é punível com coima variável entre o valor da prestação em falta e o seu dobro, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido.
2-Se a conduta prevista no número anterior for imputável a título de negligência, e ainda que o período da não entrega ultrapasse os 90 dias, será aplicável coima variável entre 10% e metade do imposto em falta, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido.
(…)
5-Para efeitos contra-ordenacionais são puníveis como falta de entrega da prestação tributária:
a) A falta de liquidação, liquidação inferior à devida ou liquidação indevida de imposto em factura ou documento equivalente, a falta de entrega, total ou parcial, ao credor tributário do imposto devido que tenha sido liquidado ou que devesse ter sido liquidado em factura ou documento equivalente, ou a sua menção, dedução ou rectificação sem observância dos termos legais;
(...).

Por prestação tributária entende-se qualquer tributo que caiba cobrar à Administração Fiscal ou à Administração da S. Social (cfr.artº.11, al.a), do R.G.I.T.).
Com a utilização da expressão “prestação tributária deduzida” pretendeu o legislador aludir a todas as situações em que é apurada uma prestação tributária, isto é, uma quantia de imposto nos termos do artº.11, al.a), do R.G.I.T., pelo sujeito passivo e através de uma subtracção de uma quantia global, sendo que tal montante tem de ser entregue à A. Fiscal (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/10/2013, proc.6925/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/04/2015, proc.8459/15; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.813 e 814).
No nº.5 do preceito sob exegese (artº.114, do R.G.I.T.), equiparam-se às situações em que há falta de entrega de prestação tributária recebida e que deva ser entregue à A. Fiscal, as omissões que têm como consequência a falta de cobrança de imposto devido, nomeadamente, por falta de pagamentos por conta que o sujeito passivo deva efectuar, por conta do imposto devido a final, tal como a falta de entrega do pagamento especial por conta (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/11/2015, proc.8920/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/06/2017, proc.1206/15.3BELRA; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.812 e seg.).
Não existindo dolo, a falta de entrega da prestação nos da lei é susceptível de constituir a infracção por negligência, prevista no nº.2 deste artigo, sendo esta a espécie (ao nível do nexo de culpa - cfr.artº.24, nº.1, do R.G.I.T.) de contra-ordenação imputada ao arguido neste processo (cfr.nº.2 do probatório).
De acordo com a doutrina penalista, determinada conduta considera-se dolosa sempre que o agente pretenda com a mesma atingir um resultado típico (dolo directo), ou preveja tal resultado como consequência necessária da sua actuação (dolo necessário), ou ainda, embora não desejando tal resultado como consequência directa ou necessária da sua conduta, prossegue, apesar de tudo, a mesma (dolo eventual). Por sua vez a conduta do agente considera-se meramente negligente quando o agente não pretende atingir o facto oposto à lei mas age sem a necessária diligência para o evitar. Para se concluir pela actuação dolosa ou negligente do agente deve o Tribunal lançar mão do critério da normalidade ou da experiência comum.
O C.I.V.A. impõe obrigações de quatro tipos aos sujeitos passivos de imposto, entre elas se encontrando a obrigação de pagamento, da qual é expressão do artº.27, do mesmo diploma (cfr.Clotilde Celorico Palma e Outros, Código do IVA e RITI, Notas e Comentários, Almedina, 2014, pág.304 e seg.).
“In casu”, estamos perante prestação tributária de I.V.A. autoliquidada pela sociedade recorrente e relativa ao período de Agosto de 2013, no valor de € 59.244,53, cujo termo final do prazo de pagamento voluntário ocorreu em 10/10/2013 (entrega do montante de imposto exigível até ao dia 10 do segundo mês seguinte àquele a que respeite o tributo, quando o sujeito passivo esteja enquadrado no regime normal de periodicidade mensal - cfr.artºs.27, nº.1, e 41, nº.1, al.a), do C.I.V.A.; artº.114, nºs.1 e 5, al.a), do R.G.I.T.).
A contra-ordenação p.p. no artº.114, do R.G.I.T., constitui o reverso do crime de abuso de confiança fiscal p.p. no artº.105, do mesmo diploma. Assim, a não entrega, total ou parcial, por um período até noventa dias (computados desde o termo do prazo legal em que a respectiva entrega deve efectuar-se - cfr.artº.41, do C.I.V.A.), do imposto devido, constitui a infracção prevista no citado artº.114, do R.G.I.T. Por sua vez, quando tenham decorrido mais de noventa dias sobre o termo legal do prazo de entrega da prestação e a conduta seja dolosa, estaremos perante o crime de abuso de confiança fiscal p.p. no artº.105, do R.G.I.T. (cfr.Manuel Cavaleiro de Ferreira, Lições de Direito Penal, Parte Geral, I, Editorial Verbo, 1988, pág.206 e seg.; A. José de Sousa, Infracções Fiscais não Aduaneiras, 2ª. edição, Almedina, 1995, pág.136; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.812 e seg.).
O legislador faz expressa menção à “entrega” e não ao “pagamento” do tributo. O verbo “entregar” provém, etimologicamente, do vocábulo latino “integrare”, isto é, passar às mãos de outrem. A “entrega” não tem de traduzir-se num acto material, antes pode ser uma “entrega” que ocorre por força da lei e, neste sentido, estamos perante uma “entrega legal” (cfr.Jorge de Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do C. Penal, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, pág.98).
E recorde-se que o I.V.A. liquidado de acordo com o método subtractivo indirecto ou método de crédito de imposto é tributo que pertence ao Estado e que o sujeito passivo tem a obrigação de liquidar e cobrar por conta do mesmo Estado (cfr.José Casalta Nabais, Direito Fiscal, 6ª. Edição, Almedina, 2010, pág.620).
De acordo com o artº.4, do dec.lei 229/95, de 11/9 (diploma que regulamenta a cobrança e os reembolsos de I.V.A.) o pagamento do tributo só pode ser efectuado:
a) Com moeda corrente;
b) Por cheque sacado sobre instituição de crédito localizada no território nacional ou em outro EM da UE, ou no Espaço Económico Europeu;
c) Por transferência bancária, efectuada mediante instituição de crédito localizada no território nacional ou em outro EM da UE, ou no Espaço Económico Europeu, devendo conter a referência de pagamento;
d) Através de entidades cobradoras que, para esse efeito, venham a celebrar com o IGCP os necessários acordos.
Certo é que, de acordo com a lei, a entrega do imposto pressupõe a possibilidade do credor dispor de tal quantia, contrariamente ao que defende o recorrente, situação que, no caso concreto, se não verificou dentro do prazo legalmente previsto para o efeito (o apelante deu ordem de pagamento do imposto em causa ao seu banco - o ''..." - tendo a concretização da referida ordem de pagamento ocorrido no dia imediatamente seguinte, 11/10/2013, através da entrada do respectivo montante na conta destino - cfr.nº.6 do probatório).
Concluindo, a entrega do imposto ao Estado somente ocorreu no dia 11/10/2013, portanto, no dia seguinte ao termo do prazo legal previsto para o efeito, pelo que, se deve confirmar a sentença recorrida, quando decide que ocorreu o facto contra-ordenacional imputado à ora recorrente, sendo legal o levantamento do respectivo auto de notícia.
Rematando, julga-se improcedente este fundamento do recurso, confirmando-se a decisão recorrida, também neste segmento.
Aduz, ainda, o recorrente que, entendendo-se ter ocorrido a prática da infracção tributária objecto do processo, se impõe decidir pela total ausência de prejuízo para a receita fiscal, determinante da dispensa de aplicação da coima, nos termos e para o efeito do disposto no artº.32, nº.1, do R.G.I.T. Por assim não ter entendido, decidindo pela existência de prejuízo efetivo para a receita tributária e concluindo pela não verificação dos pressupostos dos quais depende a dispensa de aplicação da coima previstos no citado artº.32, nº.1, do R.G.I.T., incorreu a sentença recorrida em erro de julgamento (cfr.conclusões 15 e 16 do recurso), com base em tal alegação pretendendo consubstanciar mais um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Deslindemos se a decisão do Tribunal “a quo” comporta tal vício.
O instituto da dispensa de pena deve considerar-se atinente ao domínio específico das consequências jurídicas do crime e, portanto, como produto de um acto especial de determinação da medida concreta da pena (cfr.artº.74, do C.Penal; artº.32, do R.G.I.T.; Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte Geral, II, As consequências jurídicas do crime, Editorial Notícias, 1993, pág.314 e seg.).
“In casu”, atenta a matéria de facto provada, considera o Tribunal que o arguido já regularizou a sua situação tributária (cfr.nº.6 da matéria de facto provada), não sendo possível determinar a existência de qualquer prejuízo para a Fazenda Pública. Por outro lado, o lapso cometido pelo arguido afigura-se, atentas as circunstâncias e a ausência noticiada de antecedentes por parte do mesmo, revelador de um diminuto grau de culpa. Tal situação integra a previsão do artº.32, nº.1, do R.G.I.T. (cfr.anterior artº.116, da Lei Geral Tributária), estando reunidos os três pressupostos cumulativos (de natureza objectiva e subjectiva) de aplicação do referido instituto (cfr.Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.320 e seg.).
Arrematando, considera o Tribunal que não deve aplicar qualquer coima ao arguido no presente processo, decisão a que se procederá na parte dispositiva do acórdão, em consequência do que se concede provimento ao recurso e se revoga a decisão recorrida, prejudicado ficando o conhecimento do último esteio da apelação.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO, REVOGAR A DECISÃO RECORRIDA e, em consequência, AO ABRIGO DO ARTº.32, Nº.1, DO R. G. I. TRIBUTÁRIAS, ISENTAR O ARGUIDO DA APLICAÇÃO DE QUALQUER COIMA.
X
Condena-se o recorrente em custas, fixando-se a taxa de justiça em duas (2) U.C. (cfr.artº.8, nº.9, do R.C.P., Tabela III anexa).
X
Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 29 de Junho de 2017



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto)