Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2255/15.7BELSB
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:03/30/2017
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:NACIONALIDADE
NATURALIZAÇÃO
REGISTO CRIMINAL
REABILITAÇÃO
Sumário:i)A construção do edifício jurídico em que assenta o juízo a efectuar no processo de aquisição de nacionalidade por naturalização, terá necessariamente que levar em consideração que já nos termos da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, se previa o cancelamento definitivo de decisões que aplicaram penas, sendo que o actual artigo 11.º da Lei 37/2015, de 5 de Maio, mantém o regime, embora com alterações (fixando uma dilação de 3 anos para o cancelamento definitivo – n.º 6), o que corresponde a uma reabilitação legal ou de direito, que tem lugar, automaticamente, e de forma irrevogável, decorrido determinado lapso de tempo, sem que, entretanto, tenha ocorrido nova condenação por crime.

ii)Pelo que o requisito contido na al. d), do nº 1 do artigo 6º da Lei da Nacionalidade, relativo à aquisição da nacionalidade, por naturalização, deve ser conjugado com o instituto da reabilitação legal ou de direito.
Votação:COM UMA DECLARAÇÃO DE VOTO
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

António ……………………. (Recorrente), inconformado com a decisão do TAF de Sintra que julgou improcedente a acção administrativa especial por si intentada contra o Instituto dos Registos e do Notariado, I.P. - Conservatória dos Registos Centrais por (Recorrido) e manteve o acto que indeferiu o pedido de aquisição de nacionalidade portuguesa por naturalização formulado, com fundamento na falta de preenchimento do requisito a que se refere a alínea d) do n.º 1 do art. 6.º da Lei da Nacionalidade.

As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões:

1- O recorrente intentou a presente ação contra a ré pedindo a anulação da decisão, datada de 27-5-2011, que indeferiu o seu pedido de concessão de nacionalidade portuguesa e a condenação da ré a conceder-lhe a nacionalidade portuguesa por naturalização.

2 - No dia 17 de julho de 2008 o ora recorrente deu entrada de um pedido de concessão da nacionalidade portuguesa, ao abrigo do artigo 6º n.° 1 da Lei da Nacionalidade.

3 - Aos 27 de maio de 2011, veio a ré confirmar o parecer de indeferimento do pedido de concessão de nacionalidade portuguesa por este não ter preenchido o requisito da alínea d) do n.° 1 ao artigo 6º da Lei da Nacionalidade.

4 - Não se conformando com a decisão, apresentou a presente acção, que foi agora julgada improcedente, por não ter a Mma juiz a quo concordado com os argumentos apresentados, quer relativamente ao facto de este ter tido condenações em pena de multa, quando estávamos perante um crime quer permitia multa ou pena de prisão e ainda a argumentação relativa ao cancelamento do registo criminal.

5 - Pode ser afastado o acesso à cidadania portuguesa ao recorrente, sem mais, em virtude da prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, quando em concreto é aplicada uma pena de multa.

6 - Ora, no entender do recorrente a aplicação da norma em causa sem a consideração de quaisquer outras circunstâncias é desadequada à noção de nacionalidade supra descrita e ao próprio instituto da naturalização.

7 - Certo é que o cidadão que pretenda aceder à nacionalidade portuguesa, por via da naturalização, como no caso aqui em presença, tem subjacente uma ligação à comunidade nacional traduzida em factos duradouros e essenciais à identificação sociológica do homem como cidadão português [o conhecimento da língua portuguesa, o tempo de residência no país, a ligação efectiva], que o transformam, na prática, sem mais, em cidadão português.

8 - Como já vem sendo entendido pela nossa jurisprudência mais recente [vd. Sentença de 17-6-2009, no Proc. n° 1264/08.7 BESNT], a aplicação desta norma, ao caso concreto, sem a consideração de quaisquer outras circunstâncias revela-se desadequada à própria noção de nacionalidade e ao espírito que lhe subjaz. E ainda nesse sentido, vide Sentenças proferidas no âmbito dos Processos n°s 884/08.4 BESNT - Ia U.O. e 1503/09.7 BELSB - 2a U.O. - TAF Sintra.

9 - Entretanto o Supremo Tribunal Administrativo, veio agora, através do recurso 076/2012 esclarecer o sentido do artigo 6° alínea d) da Lei da Nacionalidade, “Entendeu o Tribunal que tendo o requerente sido condenado, com trânsito em Julgado, por um crime de ofensas corporais simples punível com pena de multa, nos termos do artigo 143° n.° 1 do C. Penal, tendo a medida concreta dessa pena sido fixada em 120 dias de multa, não podia a recorrente ter indeferido a pretensão da recorrida, com o fundamento em que se não verificava o requisito exigido pelo artigo 6o n.° 1 d) da LN ”

“Portanto, tendo a Recorrida, ali arguida, sido condenada pela prática de crime punível com pena de multa, a situação da Recorrida é, objectivamente, enquadrãvel no citado art06°, n°l d) da LN, pelo que não podia a Recorrente ter indeferido a sua pretensão de adquirir a nacionalidade portuguesa, por naturalização, com fundamento em que se não verificava o requisito exigido naquele preceito legal.

10- Entendemos que este acórdão do Supremo Tribunal Administrativo veio clarificar a aplicação desta norma, pelo que no caso do recorrente também se deve considerar este entendimento.

11- O recorrente vive legalmente em Portugal desde 26 de março de 1993, há 23 anos, em Portugal tem tido uma vida digna, onde reside com a sua mãe e onde tem toda a sua família.

12- O recorrente foi condenado numa pena de multa, que pagou, tendo sido saldada a sua dívida para com a sociedade portuguesa.

13- Acresce que tais factos ocorreram em 2002, ou seja há 14 anos e o recorrente pagou a multa a que foi condenado, tendo a pena sido considerada extinta pelo cumprimento.

14- Entendemos que para o indeferimento do pedido formulado pelo recorrente, baseado na alínea d) do n.° 1 do artigo 6º da lei da nacionalidade, sem a consideração de quaisquer outras circunstâncias revela-se desadequada à própria noção de nacionalidade ao espírito que lhe subjaz. Não basta a condenação por sí só, temos ainda que ter em atenção o caso concreto.

15- Não tendo a ré tido em consideração o caso concreto. Limitando-se a indeferir porque tem uma condenação, violou o espírito da própria lei.

16- Temos ainda a análise da indesejabilidade. Será que se poderá considerar indesejável um cidadão apenas porque num momento de fraqueza cometeu o crime e que prontamente pagou a sua dívida?

17- Não se vislumbra qualquer efeito pernicioso para os demais elementos da comunidade, se a sociedade incluir no seu seio alguém que já pagou a sua "dívida".

18- Entendemos que a decisão da ré e a decisão ora recorrida, põe seriamente em crise o cumprimento da nossa Lei Fundamental, quer pela via da recepção do Direito Internacional [artigo 4º da CRP], quer através do princípio da interpretação e da integração do sentido dos direitos fundamentais constante do artigo 16°, de acordo com a regra relativa à nacionalidade consagrada o artigo 15° da DUDH.

19- A Constituição da República Portuguesa dispõe no seu artigo 30°, n° 4, que «nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos”.

20- Com fundamento no disposto no artigo 30°, n° 4 da CRP, foram declaradas materialmente inconstitucionais as disposições da lei ordinária que determinam a produção automática de efeitos profissionais, civis ou políticos decorrentes da aplicação de penas criminais, neste sentido o Acórdão do Tribunal Constitucional com força obrigatória geral, de 20 de Abril de 1986, no Diário da República, 1 Série, de 3 de Junho de 1986.

21- Ainda no Acórdão n° 93-359-2 TC, de 25 de Maio de 1993, o Tribunal Constitucional estribou a sua posição na estatuição consagrada no n° 4 do artigo 30° da Constituição da República Portuguesa, onde se estabelece que nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos, abrangendo tanto os efeitos ligados a certas penas como os ligados à condenação por certos crimes, «pretendendo-se com tal preceito proibir que, em resultado de quaisquer condenações penais, se produzisse “ope legis” a perda daqueles direitos.

22- Tal significa, em abono do princípio do Estado de Direito Democrático, e do princípio vigente, por via do artigo 15°, n° 1 da CRP, de igualdade de tratamento ou até por força do princípio político-criminal de luta contra o efeito estigmatizante, dessocializador e criminógeno das penas, que se apresenta indiscutível na nossa Constituição político-criminal, através do artigo 30°, n° 4 da CRP, não se aceita que a condenação de alguém [ainda para mais em pena não privativa da liberdade], implique sem mais [automática e necessariamente] a recusa na concessão da nacionalidade.

23- Face ao que antecede, não poderemos deixar de suscitar a inconstitucionalidade da alínea d) do artigo 6º da Lei da Nacionalidade, com a interpretação que foi dada pela Ré na decisão que se coloca em causa, bem como na decisão ora recorrida.

24- Mormente quando estamos perante situações, como a que se debate, em que a pena já foi cumprida e as expectativas comunitárias devidamente ressarcidas, também não podemos esquecer a decisão do Supremo Tribunal Administrativo, acima referida que veio através do recurso 076/2012 esclarecer o sentido do artigo 6o alínea d) da Lei da Nacionalidade,

25- E que entendeu que quando o crime é punível com pena de prisão ou com pena de multa e se no caso concreto for aplicada a pena de multa, que se deve considerar que a situação dos requerentes é, objectivamente, enquadrável no citado art°6°, n° 1 d) da LN, pelo que não podia a Ré ter indeferido a sua pretensão de adquirir a nacionalidade portuguesa, por naturalização, com fundamento em que se não verificava o requisito exigido naquele preceito legal.

26- Entendemos que este acórdão do Supremo Tribunal Administrativo veio clarificar a aplicação desta norma, pelo que no caso do recorrente também se deve considerar este entendimento.

27- Também não nos podemos esquecer da relevância da reabilitação legal ou de direito para efeitos de aquisição da nacionalidade portuguesa por naturalização.

28- A nacionalidade ê uma situação jurídica geral, status, direito de personalidade, vínculo pessoal jurídico - público, direito fundamental, tudo isto associado intrinsecamente à integração numa comunidade nacional.

29- Deste modo, o que, verdadeiramente, está na base do conceito jurídico de nacionalidade é um facto social de pertença, uma conexão genuína de vivência, de interesses e de sentimentos, em conjunto com a existência de direitos e deveres recíprocos, mas que tomam aquela pessoa como sujeito de uma comunidade concreta.

30- Consequentemente teremos de nos ater ao principio da ligação efetiva e genuína entre a pessoa em causa e o Estado Português e a comunidade nacional.

31- O acesso à cidadania portuguesa representa, assim, uma expectativa jurídica de obtenção de um direito cujo conteúdo é o direito subjectivo ou pessoal da cidadania portuguesa com todo o complexo dos poderes e deveres com que o direito interno/constitucional e o direito ordinário) o reveste.

32- No caso de aquisição da nacionalidade por naturalização, o seu facto constitutivo é uma decisão da autoridade pública, o governo, que mediante solicitação dos interessados, pode ou não conceder-lhes a nacionalidade portuguesa, nos termos do artigo 6°da lei da nacionalidade e do artigo 19° do regulamento.

33- Tendendo o vinculo da nacionalidade a dar expressão aos valores sociológicos, culturais, económicos, jurídicos, políticos e outros que constituem o património da comunidade nacional, compreende-se que essa comunidade nacional não queira assumir cidadãos que, pelos seus comportamentos, nomeadamente do foro criminal.

34- Pretende-se agora averiguar se a ligação do recorrente ao estado português e à comunidade nacional é afastada pela prática de crimes de menor gravidade há mais de 10 anos atras, mais concretamente em 2002, há 14 anos já extinto e cancelado do registo criminal, pelo decurso de 5 anos após a extinção, por não ter sido registada nova condenação.

35- Entendemos, como aliás já foi referido, que a aplicação do artigo 6o n.° 1 al. d) da lei da nacionalidade, ao caso concreto, sem a consideração de quaisquer outras circunstâncias é desadequada à noção de nacionalidade, tal como a descrevemos, ao próprio instituto da naturalização e bem assim o disposto no artigo 19° n.° 2 d) do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa,

36- Na aquisição da nacionalidade portuguesa por naturalização, por contraponto à aquisição, por efeito da vontade, não esta em causa o efeito de uma declaração de vontade em função de um acontecimento exterior de vínculos ou elos à comunidade portuguesa muito mais exigentes e consistentes do ponto de vista da cidadania.

37- O cidadão que pretenda aceder à nacionalidade portuguesa, por via da naturalização, tem subjacente em ligação ã comunidade nacional traduzida em factos duradouros e essenciais à identificação sociológica do homem como cidadão português, que o transformam na prática num cidadão português.

38- O recorrente vive em Portugal desde 1993, como foi referido, ou seja há 23 anos. Teve alguns episódios, numa determinada fase da vida, sendo que há já vários anos que não existem relatos de cometimento de novos crimes.

39- Não se vislumbra qualquer efeito pernicioso ou nefasto para os demais elementos da comunidade, se incluirmos no seu seio alguém que já “pagou” pelo que fez, cumprindo os deveres de um qualquer cidadão português.

O Recorrido apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido e formulando as seguintes conclusões:

I. Tendo o Autor sido condenado por sentença, transitada em julgado, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos, não reúne o requisito objectivamente exigido no art.º 6º n.º 1, alínea d) da LN para a naturalização como português, estando a actividade da Administração vinculada à observância dos pressupostos legais exigidos;

II. A douta sentença recorrida fez a interpretação mais correcta e respeitadora dos princípios do Direito da Nacionalidade, mormente da alínea d) do nº 1 do art.º 6º da LN, a qual, pela sua clareza e rigor conceptual, é juridicamente inatacável, não padecendo as suas conclusões de qualquer vício.

III. A Conservatória do Registo Civil de Torres Vedras, ao indeferir o pedido de naturalização requerido pelo Autor, interpretou e aplicou correctamente a alínea d) do nº 1 do art.º 6º da Lei da Nacionalidade, conforme ensinam a melhor doutrina e jurisprudência, não se verificando qualquer vício de violação de lei que afecte a validade da decisão que proferiu e que a sentença recorrida acolheu;

Sentença esta que, por esse motivo,

IV. Deve manter-se.



Neste Tribunal Central Administrativo, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, notificada nos termos do disposto nos artigos 146.º e 147.º do CPTA, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.


Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


I. 1. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar se a decisão recorrida enferma de erro de julgamento ao ter concluído pela validade do acto que indeferiu o pedido de aquisição de nacionalidade por naturalização, formulado em abrigo do disposto no art. 6.º, n.º 1, da Lei da Nacionalidade, tendo considerado como relevante a moldura penal abstractamente aplicável ao crime cometido e não a pena constante da condenação.



II. Fundamentação

II.1. De facto

A matéria de facto pertinente é a constante da sentença recorrida, a qual se dá aqui por reproduzida, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 663.º, n.º 6, do Código de Processo Civil.



II.2. De direito

O presente recurso jurisdicional vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou improcedente o pedido formulado pelo Autor e ora Recorrente, mantendo assim o acto de 25.05.2011 da Conservadora dos Registos Centrais que indeferiu o pedido de aquisição de nacionalidade portuguesa por naturalização por aquele formulado ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º da Lei da Nacionalidade, aprovada pela Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro, alterada e republicada pela Lei n.º 2/2006, de 17 de Abril.

Insurge-se o Recorrente contra o assim decidido, concluindo que o pedido de aquisição de nacionalidade portuguesa, por naturalização, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º da LN, deveria ter sido deferido, uma vez que se é certo que foi condenado por sentença transitada em julgado pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa, a verdade é que a pena concreta que lhe foi aplicada foi uma pena de multa, que já pagou, vivendo o recorrente em Portugal desde 1993. Sendo que a pena foi já considerada extinta pelo cumprimento, nada constando no certificado de registo criminal, pelo decurso de 5 anos após a extinção e não foi registada nova condenação. Pelo que o indeferimento em causa se mostra desadequado.

Vejamos então.

O recente acórdão do STA de 15.09.2016, no proc. n.º 392/16, tratou a questão decidenda nos seguintes termos:

“(…)

O artigo 6º nº 1 da Lei da Nacionalidade; sob a epígrafe “Requisitos”, à data da prática do acto impugnado, dispunha o seguinte:

«1 - O Governo concede a nacionalidade portuguesa, por naturalização, aos estrangeiros que satisfaçam cumulativamente os seguintes requisitos:

(…)

d) Não terem sido condenados, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa».

Por seu turno, o artigo 19º do Regulamento da Nacionalidade – aprovado pelo D.L. nº 237-A/2006, de 14 de Dezembro – sob a epígrafe “Naturalização de estrangeiros residentes no território português”, tem a seguinte redacção:

«1 - O Governo concede a nacionalidade portuguesa, por naturalização, aos estrangeiros quando satisfaçam os seguintes requisitos:

(…)

d) Não tenham sido condenados, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, segundo a lei portuguesa».

Atentemos, agora, na mais recente jurisprudência deste Supremo Tribunal acerca desta questão da aquisição da nacionalidade portuguesa, por naturalização, prevista na al. d), do nº 1 do artº 6º da LN, conjugado com o instituto da reabilitação legal ou de direito».

No Acórdão citado na decisão recorrida, proferido em 21/05/2015, este STA após análise da Lei de Identificação Criminal em paralelo com as normas da LNP, consignou-se:

«(…)

«Em síntese, o que se poderá retirar da leitura de todos estes preceitos, é que, entre outros aspectos, a organização do registo criminal, o modo de veicular a informação através dos certificados do registo criminal, o acesso restrito e funcionalizado à informação, e a previsão do cancelamento ou cessação de vigência das decisões judiciais reabilitadas, tudo isto está disciplinado na Lei de Identificação Criminal [LIC] de forma estrita e rigorosa, devendo a obtenção de informações contidas no registo criminal ser feita através da forma prevista na lei [v.g., pelas entidades que a elas possam aceder]. Para o que agora mais nos interessa, é importante reter que existe uma proibição legal expressa de transcrição das decisões judiciais canceladas ou cuja vigência cessou nos certificados do registo criminal. Assim sendo, e tendo em conta que o conhecimento dos antecedentes criminais de uma pessoa se efectiva através do acesso ao seu registo criminal, nomeadamente através do respectivo certificado, há necessariamente que conjugar a LN, e designadamente o seu artigo 6º, nº1, alínea d), com a LIC e o regime jurídico nela contido. Mais ainda, e ao contrário do que sustenta a recorrente, a verdadeira excepção, que teria que estar expressamente contida, quer na LN, quer na LIC, seria a de permitir o acesso dos serviços competentes para a apreciação dos pedidos de aquisição da nacionalidade portuguesa [e para a sua concessão], no caso, por naturalização, a um ficheiro contendo o registo integral de todas as decisões judiciais condenatórias do requerente da nacionalidade. Pense-se, por exemplo, no facto de que os certificados de registo criminal pedidos para concorrer a certos empregos públicos ou privados que exijam especiais garantias de idoneidade poderão conter informações que são excluídas dos certificados emitidos para outros fins - possibilidade expressamente consagrada na LIC.

Mas atentemos no caso concreto dos autos. Sustenta a recorrente que a alínea d) do nº1 do artigo 6º da LN não excepciona nenhum caso, sendo este um dos argumentos a favor da irrelevância da reabilitação legal ou de direito do requerente da nacionalidade portuguesa. Sucede que ter em consideração a reabilitação não equivale a uma excepção. O conhecimento dos antecedentes criminais, necessário para verificar se a exigência contida em tal preceito foi cumprida, será atestado mediante a apresentação pelo interessado [ou mediante o pedido oficioso] do certificado do registo criminal do requerente da nacionalidade. Ora, se este tiver sido reabilitado, as decisões judiciais canceladas ou que cessaram vigência não poderão ser transcritas para o certificado. E, ainda que as decisões canceladas ou cuja vigência cessou não sejam imediatamente apagadas ou destruídas, elas não poderão ser livremente utilizadas [vejam-se os actuais artigos 10º e 11º, nº6, da LIC].

O argumento de que, a ser assim, não se justifica a referência feita ao SEF e à PJ no artigo 27º do Regulamento da Nacionalidade, ainda em vigor, também não colhe. A referência ao SEF é óbvia tendo em conta o requisito previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 6º da LN [Residirem legalmente no território português há pelo menos seis anos]. Com efeito, é o SEF que emite o documento que comprova a residência legal em Portugal há pelo menos seis anos. A referência à PJ não poderá significar o acesso a registo com a transcrição integral dos antecedentes criminais do requerente da nacionalidade. E isto, basicamente, por dois motivos. Em primeiro lugar, se a ideia era tomar conhecimento de todas as decisões judiciais de condenação, mesmo aquelas que já foram canceladas ou que cessaram vigência, então o lógico é que essa informação fosse pedida directamente à DGAJ. Em segundo lugar, a PJ tem acesso ao registo criminal das pessoas para prosseguir os seus próprios fins de investigação criminal, não podendo desviar a informação para outros fins, como seja, para efeitos do procedimento de aquisição da nacionalidade (…)

2.3.2. Atentemos agora no instituto da reabilitação. Deixando de parte as considerações históricas a seu respeito, pode afirmar-se que actualmente ocorre uma assimilação desta figura ao simples cancelamento do registo criminal. Dito de outro modo, “Do ponto de vista dos resultados práticos, equivale a reabilitação ao cancelamento do registo criminal [sublinhado nosso]” - vide A.M. Almeida Costa, O registo criminal. História. Direito comparado. Análise político-criminal do instituto, Coimbra, 1985, página 217. Ver ainda J. Figueiredo Dias, Direito Penal Português. As consequências jurídicas do crime, Lisboa, 1993, página 653.

A reabilitação legal ou de direito, contrariamente à reabilitação judicial e à administrativa [em que há uma indagação prévia sobre a reintegração social], opera de forma automática, impõe-se bastando-se com o simples decurso do tempo e a ausência de novas condenações sobre o indivíduo [A.M. Almeida Costa, O registo criminal. História. Direito comparado. Análise político-criminal do instituto, Coimbra, 1985, páginas 217-8, e J. Figueiredo Dias, Direito Penal Português. As consequências jurídicas do crime, Lisboa, 1993, página 655]. Ela assenta na presunção de que o indivíduo se encontra reintegrado socialmente [ver A.M. Almeida Costa, O registo criminal. História. Direito comparado. Análise político-criminal do instituto, Coimbra, 1985, página 218, nota 393].

A reabilitação é um direito, um verdadeiro direito do condenado já ressocializado, susceptível de ser feito valer em juízo [ver A.M. Almeida Costa, O registo criminal. História. Direito comparado. Análise político-criminal do instituto, Coimbra, 1985, páginas 214 e 223, e J. Figueiredo Dias, Direito Penal Português. As consequências jurídicas do crime, Lisboa, 1993, página 655]. Com a reabilitação cessa o estado de perigosidade e indignidade do réu ex-condenado e deixam de se justificar as considerações de necessidade de defesa social [A.M. Almeida Costa, O registo criminal. História. Direito comparado. Análise político-criminal do instituto, Coimbra, 1985, páginas 213-4].

No tocante especificamente ao cancelamento do registo criminal, o mesmo pode consistir na eliminação total ou parcial das inscrições contidas nos cadastros ou, pelo menos, na sua não comunicação às entidades que, de acordo com a lei, normalmente podem aceder a essas inscrições [A.M. Almeida Costa, O registo criminal. História. Direito comparado. Análise político-criminal do instituto, Coimbra, 1985, página 204].

Como decorre do que atrás foi exposto relativamente aos preceitos da LIC, pode determinar-se o cancelamento para certos fins ou pessoas. Pode, por exemplo, vedar-se o acesso ao registo para fins não judiciais.

Por último, diga-se que as decisões judiciais canceladas ou cuja vigência cessou devem ser consideradas extintas, não se lhes devendo ligar quaisquer efeitos [ver A.M. Almeida Costa, O registo criminal. História. Direito comparado. Análise político-criminal do instituto, Coimbra, 1985, página 378 - embora reportando-se especificamente à sua utilização como meios de prova para efeitos processuais]. Isso mesmo é assinalado no parecer da Provedoria de Justiça, onde é sugerido que nada justifica um tratamento distinto em termos de utilização da informação cancelada para fins processuais e para fins de aquisição da nacionalidade [Processo R-5580/08 (A5)]. [sublinhado nosso]

2.3.3. De forma igualmente breve, deve referir-se que a partir de 2006 a LN aligeirou as exigências ou requisitos de aquisição da nacionalidade por naturalização. Para o que agora releva, desapareceram os requisitos da idoneidade moral e civil e da suficiência dos meios de subsistência. Porventura, o legislador terá percebido que, se por um lado, o Estado tem o poder de determinar quem são os seus nacionais, por outro, as políticas da nacionalidade não devem ser discriminatórias.

2.3.4. Em síntese, tudo tem que ver com o modo como deve ser interpretada a alínea d) do nº1 do artigo 6º da LN. Ora, uma adequada interpretação deste preceito deverá ter em conta não apenas o elemento textual, como de igual forma o racional e o sistemático. O resultado interpretativo obtido - vale por dizer, a aceitação da relevância da reabilitação legal ou de direito para efeitos de aquisição da nacionalidade -, por sua vez, é o que corresponde à solução mais rights friendly, na medida em que é o que confere mais plenitude ao direito à aquisição da nacionalidade e ao direito à reabilitação, bem assim como ao princípio da máxima efectividade». [sublinhados nossos]

(…)»

Ora, esta jurisprudência, que aqui também adoptamos [não desconhecendo que em tempos, estas questões eram alvo de decisões divergentes], para efeitos de decisão, nesta sede recursiva [aliás, também acolhida na íntegra no acórdão recorrido] por entendermos ser a que melhor interpreta a lei, e permite a sua aplicação de forma mais rigorosa, mostra-se perfeitamente adequada ao dissídio dos autos – no mesmo sentido cfr. o Acórdão nº 106/2016 do Tribunal Constitucional onde se decidiu «interpretar as normas da alínea b) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade portuguesa no sentido de que o impedimento de adquirir a nacionalidade portuguesa, nelas previsto, decorrente da condenação em pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, deve ter em conta a ponderação do legislador efectuada em sede de cessação da vigência da condenação penal, inscrita no registo criminal e seu cancelamento e correspondente reabilitação legal».

(…)

Esta interpretação, ao contrário do defendido pela recorrente [aqui a seguida pela sentença recorrida], parece-nos a mais adequada à letra da lei e à unidade do sistema jurídico (…)”.

Aliás, esta posição jurisprudencial é aquela que melhor acolhe as conclusões do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 106/2016, proc. n.º 757/13 (in Diário da República, 2.ª série, n.º 62, de 30.03.2016), onde se exarou, ao que aqui releva, o seguinte discurso fundamentador que aqui cumpre transcrever:

É certo que a Lei da Nacionalidade portuguesa não refere qualquer limite temporal nem prevê a situação de ter ocorrido a cessação da vigência da decisão que aplica a pena para os efeitos da aplicação dos seus artigos 6.º ou 9.º (podendo aqui contrapor -se as soluções já adotadas nos ordenamentos estrangeiros acima referidos, prevendo tanto a Lei da Cidadania italiana como o Código Civil francês que o requisito — negativo — da condenação penal não se aplica em caso de reabilitação do condenado ou cessação da vigência da decisão no registo criminal).

Como se afirmou já, é a própria Constituição que comete ao legislador a tarefa de concretizar o direito a aceder à cidadania portuguesa, resultando essa incumbência na Lei n.º 37/81, de 3 de outubro (Lei da Nacionalidade portuguesa), que contém o regime desse direito fundamental.

E, como se afirmou igualmente, cabe ao legislador, nessa tarefa, a ponderação das conexões relevantes com o Estado português e os critérios que lhes presidem, resultando, do mesmo passo, a definição da comunidade nacional e a regulação do direito fundamental (pessoal) daqueles que, como in casu, a pretendem integrar — o direito à cidadania, consagrado no artigo 26.º, n.º 1, da CRP.

Ora, pode considerar -se que o fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa em causa resulta da conexão estabelecida pelo legislador entre a inserção do indivíduo na comunidade nacional, de acordo com a vontade por si manifestada, e uma exigência de respeito pelos bens jurídicos reputados de valiosos pelos cidadãos dessa mesma comunidade política, aos quais, através do legislador democraticamente eleito que os representa, entenderam conferir uma tutela penal (a que corresponde uma pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos) — conexão essa que a ocorrência da condenação em causa tende a infirmar — e assim correspondendo a motivo de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa.

Contudo, não se pode deixar de ter igualmente presente que é a mesma comunidade que, também representada pelo legislador democraticamente eleito, por via dos institutos da reabilitação (judicial ou legal) e da cessação do registo criminal das decisões condenatórias (decorrido um período temporal para tanto fixado), não permite a valoração da conduta criminosa em causa para além dos limites decorrentes da reabilitação ou da cessação da vigência das condenações no registo criminal, por imperativos decorrentes das ideias de plena integração e de ressocialização da pessoa condenada na sociedade em que se insere.

De facto, ao tempo da decisão ora recorrida, a Lei n.º 57/98, de 18 de agosto, no seu artigo 15.º, previa o cancelamento definitivo de decisões que aplicaram penas, o que corresponde a uma reabilitação legal ou de direito, que tem lugar, automaticamente, e de forma irrevogável, decorrido determinado lapso de tempo, sem que, entretanto, tenha ocorrido nova condenação por crime.

Este sistema de cessação de vigência e cancelamento das decisões condenatórias foi essencialmente mantido na atual Lei da Identificação Criminal (Lei n.º 37/2015, de 5 de maio), como decorre do seu artigo 11.º:

(…)

Atendendo ao exposto, da ponderação efetuada pelo legislador ordinário, no plano geral e abstrato, em duas sedes distintas — a da fixação dos critérios objetivos de que depende a aquisição da nacionalidade por efeito da vontade e a pertença à comunidade política, por um lado, e a da fixação dos prazos de que depende a cessação da vigência no registo criminal das decisões penais condenatórias e o seu cancelamento definitivo, por outro —, resulta uma aparente contradição no quadro do sistema jurídico já que sendo as ponderações, em abstrato efetuadas, de sinal contrário, a ponderação efetuada na primeira daqueles sedes tem por efeito, prima facie, neutralizar ou nulificar a ponderação efectuada na segunda.

Ora tal aparente contradição intrasistémica não pode deixar de ser resolvida de harmonia com a Constituição e com a jusfundamentalidade reconhecida pela mesma Lei Fundamental ao direito (fundamental) — e, sublinhe -se, integrado dos direitos, liberdades e garantias pessoais — em causa: o direito à nacionalidade portuguesa, previsto e tutelado pelo artigo 26.º, n.º 1 (e n.º 4) da Constituição.

Assim sendo, as normas em causa da Lei da Nacionalidade portuguesa e do Regulamento da Nacionalidade portuguesa ora sindicadas — que, no seu elemento literal, conferem relevância, para o efeito, automático, de impedir a aquisição nacionalidade portuguesa por efeito da vontade, a condenação penal transitada em julgado (pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos) —, carecem, sob pena de contradição, de ser interpretadas no quadro do sistema, em conformidade com a proteção conferida pela Constituição, em consonância com o Direito internacional, ao direito jusfundamental à nacionalidade.

Esta interpretação deve ter em conta a ponderação efectuada pelo legislador democraticamente legitimado que não permite valorar a conduta criminosa para além dos limites decorrentes da cessação da vigência das decisões condenatórias no registo criminal e seu cancelamento e, assim, do instituto da reabilitação (legal) — assim resultando que esta última ponderação tem por efeito neutralizar a ponderação do legislador quanto ao fundamento subjacente à fixação do requisito objetivo (de verificação negativa) previsto nas normas ora sindicadas.

Sendo o fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade em causa o resultado da ponderação, feita pelo legislador, sobre o quanto a ofensa, por via da prática de um crime, indicia o desrespeito pelos valores comunitários a que o ordenamento jurídico nacional conferiu tutela penal, as normas que prevêem tal fundamento não podem deixar de ser interpretadas em conformidade com a natureza jusfundamental do direito à nacionalidade — para mais integrado na categoria de direitos, liberdades e garantias —, conferida pela Constituição de modo a levar em conta a ponderação feita pelo mesmo legislador em sede de cessação da vigência no registo criminal das decisões nele inscritas, assim correspondendo a uma reabilitação legal, sob pena de, por essa via, fazer vigorar automaticamente, para aquele efeito, o desvalor da ofensa a bens jurídicos (corporizado na condenação penal) que, por outra via, a mesma comunidade política tem já por superado. [sublinhado nosso] Note -se que o entendimento que leva em conta a aceitação da relevância da reabilitação legal ou de direito para efeitos de aquisição da nacionalidade portuguesa por naturalização foi já defendido, quanto à norma de conteúdo e finalidade em tudo semelhantes às normas ora sob escrutínio, plasmada no artigo 6.º, n.º 1, alínea d), da Lei da Nacionalidade Portuguesa, na jurisprudência constante do Acórdão da 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo proferido em 21/05/2015, no Processo n.º 129/15 (disponível em www.dgsi.pt) e assim sumariada:

(…)

Assim, porque não se afiguraria constitucionalmente admissível uma interpretação das normas da alínea b) do artigo 9.º da Lei da Nacionalidade portuguesa e da alínea b) do n.º 2 do artigo 56.º do Regulamento da Nacionalidade portuguesa, nas versões aplicadas nos autos, que desconsiderasse a ponderação do legislador efetuada em sede de cessação da vigência da condenação penal inscrita no registo criminal e seu cancelamento e a correspondente reabilitação legal, sob pena de contradição intrasistémica, justifica-se proferir uma decisão interpretativa, ao abrigo do disposto no artigo 80.º, n.º 3, da LTC, devendo o Tribunal recorrido adotar a interpretação que se julgou conforme à Constituição e, assim, reformular a fundamentação da solução encontrada para o caso concreto ali em julgamento. [sublinhado nosso]”

De resto, foi esta a posição também por nós adoptada no acórdão de 3.11.2016, proc. n.º 13709/16.

A construção do edifício jurídico em que assenta o juízo a efectuar no processo de aquisição de nacionalidade, por naturalização, terá necessariamente que levar em consideração que já nos termos da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, se previa o cancelamento definitivo de decisões que aplicaram penas, sendo que o actual art. 11.º da Lei 37/2015, de 5 de Maio, mantém, embora com alterações (fixando uma dilação de 3 anos para o cancelamento definitivo – n.º 6), o que corresponde a uma reabilitação legal ou de direito, que tem lugar, automaticamente, e de forma irrevogável, decorrido determinado lapso de tempo, sem que, entretanto, tenha ocorrido nova condenação por crime. Situação esta a que o caso do ora Recorrente se subsume integralmente.

Razões estas que, também aqui, na procedência do recurso (conclusões 12 a 15, 18 a 22 e 27 a 35) determinam que a interpretação efectuada pelo Tribunal a quo das normas em questão não estão de acordo com o quadro normativo – bloco legal - de referência e supra identificado, tendo assim a sentença recorrida que ser revogada.

De acordo com o exposto, terá que julgar-se a acção procedente, anular-se o acto impugnado e condenar-se a ora Recorrida ao deferimento do pedido de aquisição de nacionalidade portuguesa formulado, com a feitura do respectivo registo.



III. Conclusões

Sumariando:

i) A construção do edifício jurídico em que assenta o juízo a efectuar no processo de aquisição de nacionalidade por naturalização, terá necessariamente que levar em consideração que já nos termos da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, se previa o cancelamento definitivo de decisões que aplicaram penas, sendo que o actual artigo 11.º da Lei 37/2015, de 5 de Maio, mantém o regime, embora com alterações (fixando uma dilação de 3 anos para o cancelamento definitivo – n.º 6), o que corresponde a uma reabilitação legal ou de direito, que tem lugar, automaticamente, e de forma irrevogável, decorrido determinado lapso de tempo, sem que, entretanto, tenha ocorrido nova condenação por crime.

ii) Pelo que o requisito contido na al. d), do nº 1 do artigo 6º da Lei da Nacionalidade, relativo à aquisição da nacionalidade, por naturalização, deve ser conjugado com o instituto da reabilitação legal ou de direito.



IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

- Conceder provimento ao recurso e revogar a sentença; e, em substituição,

- Julgar a acção procedente e condenar o Recorrido a deferir o pedido de aquisição de nacionalidade portuguesa, por naturalização, formulado pelo ora Recorrente.

Custas pela Recorrida em ambas as instâncias.

Lisboa, 30 de Março de 2017





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Pedro Marchão Marques


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Maria Helena Canelas


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Cristina Santos

Declaração de voto:
Salvo o devido respeito pela fundamentação que obteve vencimento, entendo que a situação concreta não reporta ao instituto da reabilitação penal.
O processo penal em que o ora Recorrente foi condenado extinguiu-se pelo cumprimento da pena de multa, cujo pagamento efectuou.
A meu ver, a questão cabe no enquadramento do Acórdão do STA de 05-02-2013 tirado no procº n°76/12 em que se fundamentou como segue:
"(…) Ora, nos casos em que a lei prevê a possibilidade de escolha, pelo juiz, entre dois tipos de pena aplicáveis, em alternativa, a um determinado tipo de crime, sendo uma, a pena de prisão até três anos e a outra, a pena de multa, como vimos acontece no crime de ofensas à integridade física simples, a verificação do requisito previsto no citado art°6°, n°l d) da LN dependerá da escolha que o juiz que proferiu a condenação crime fez ao abrigo do art°70° do C. Penal, ou seja, depende de o juiz ter considerado o crime cometido punível com pena de multa e não com pena de prisão até três anos. Com efeito, nem a letra, nem a ratio do preceito consente, a nosso ver, outra interpretação, sendo certo que a intenção do legislador subjacente às alterações introduzidas na LN, pela Lei Orgânica n°2/2006, designadamente no citado art°6°, foi claramente a de facilitar e não de restringir a integração de estrangeiros imigrados no nosso país, bem como acentuar o carácter de direito fundamental do direito à nacionalidade, reduzindo o poder do Estado na sua modelação ( Cf. Rui Moura Ramos, obra citada, p.225 e segs. ).
E, assim sendo, uma vez que o crime cometido pela Recorrida era, nos termos do art°143° do CP, punível com pena de prisão até três anos ou com pena de multa e cabendo a opção por uma ou por outra dessas penas ao julgador, haverá que verificar, na respectiva sentença condenatória, por qual delas o juiz optou, pois, como referimos, só se tivesse considerado o crime punível com pena de prisão até três anos não se verificaria o requisito exigido pelo citado art°6°, n°l d) da LN,
6. Ora, no presente caso, o juiz do 1° juízo criminal de Lisboa considerou que o crime de ofensas corporais simples cometido pela Recorrida era punível com pena de multa e não com pena de prisão até três anos, tendo-lhe depois fixado a medida concreta da pena em 120 dias de multa.
Com efeito e como consta da respectiva sentença, requisitada pela própria Recorrente e cuja certidão se encontra a fls. 28/36 do processo instrutor, aí se refere que «...ponderando que as arguidas não têm condenações criminais anteriores por este tipo de crime, olhando a todos os elementos dos autos e atendendo a todos os factos provados, e sendo certo que as arguidas estão socialmente integradas, o Tribunal entende ser de optar, em relação a todas elas, pela pena de natureza pecuniária prevista no art°143°, n°l do Código Penal, porquanto está apta a realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. disposto no art°70° do mesmo Código Penal).
No entanto, vistas aquelas referidas circunstâncias, as penas de multa a aplicar devem constituir uma censura suficientemente forte para que as arguidas não voltem a agredir quem quer que seja. Assim, o Tribunal entende ser de fixar a medida concreta das penas de multa em 120 dias, à taxa de l euro.» (negritos nossos)
Portanto, tendo a Recorrida, ali arguida, sido condenada pela prática de crime punível com pena de multa, a situação da Recorrida é, objectivamente, enquadrável no citado art°6°, nºl d) da LN, pelo que não podia a Recorrente ter indeferido a sua pretensão de adquirir a nacionalidade portuguesa, por naturalização, com fundamento em que se não verificava o requisito exigido naquele preceito legal.
Neste sentido, aplicando a fundamentação constante do Acórdão transcrito, voto a decisão.
(Cristina dos Santos)