Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1944/14.8BESNT
Secção:CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO
Data do Acordão:09/27/2018
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:JUNÇÃO DE DOCUMENTOS AO PROCESSO EM FASE DE RECURSO.
DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA.
ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO.
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE 1ª. INSTÂNCIA RELATIVA À MATÉRIA DE FACTO. ÓNUS DO RECORRENTE.
I.M.I.
SISTEMA DE AVALIAÇÕES DO I.M.I.
COEFICIENTES DE AVALIAÇÃO DE ENQUADRAMENTO E ESPECÍFICOS.
COEFICIENTE DE AFECTAÇÃO. ARTº.41, DO C.I.M.I.
HABITAÇÃO SOCIAL SUJEITA A REGIMES LEGAIS DE CUSTOS CONTROLADOS. ÓNUS DA PROVA.
ACEITES TODOS OS MEIOS DE PROVA ADMITIDOS EM DIREITO.
AS CÂMARAS MUNICIPAIS TEM COMPETÊNCIA PARA EMITIR DECLARAÇÃO A CERTIFICAR A "CLASSIFICAÇÃO DE HABITAÇÃO SOCIAL". O MESMO SE DIGA DAS "CASAS PARA HABITAÇÃO COM CUSTOS CONTROLADOS”.
Sumário:1. Em fase de recurso, a lei processual civil (cfr.artºs.524 e 693-B, do C.P.Civil; artºs.425 e 651, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), somente possibilita a junção de documentos ao processo, sempre e só com as alegações (ou contra-alegações) e não em momentos posteriores, quando ocorra alguma das seguintes circunstâncias:
a-Quando não tenha sido possível a respectiva apresentação em momento anterior (artº.524, nº.1, do C.P.Civil);
b-Quando se destinem à demonstração de factos posteriores aos articulados (artº.524, nº.2, do C.P.Civil);
c-Quando a respectiva apresentação se tenha tornado necessária em resultado de ocorrência posterior ao encerramento da discussão em 1ª Instância (artº.524, nº.2, do C.P.Civil);
d-Quando a junção de documentos se torne necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª Instância (cfr.artº.693-B, do C.P.Civil; artº.651, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6);
e-Nos casos previstos no artº.691, nº.2, als.a) a g) e i) a n), do C. P. Civil (cfr.artº.693-B, do C.P.Civil).
2. A verificação das circunstâncias que se acabam de elencar tem como pressuposto necessário que os factos documentados sejam relevantes/pertinentes à decisão a proferir, o que decorre, desde logo, directamente da circunstância dos documentos cuja junção se pretende deverem ter por desiderato a prova dos fundamentos da acção e/ou da defesa (citado artº.523, do C.P.Civil) e, indirectamente e como consequência do que se vem de referir, do facto de o juiz se encontrar vinculado a mandar retirar do processo os que sejam impertinentes ou desnecessários, por força do estipulado no artº.543, do mesmo compêndio legal.
3. No que diz respeito à hipótese de junção de documentos quando esta se torne necessária em virtude do julgamento efectuado em 1ª Instância (cfr.al.d) supra), o advérbio “apenas”, usado no artº.651, nº.1, do C.P.Civil, significa que a junção só é possível se a necessidade do documento era imprevisível antes de proferida a decisão na 1ª Instância, isto é, se a decisão da 1ª Instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento. A lei quis manifestamente cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão da 1ª. Instância ser proferida.
4. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
5. Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
6. O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida.
7. No que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário). Tal ónus rigoroso ainda se pode considerar mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6.
8. O Imposto Municipal sobre Imóveis, criado pelo Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (I.M.I. - aprovado pelo dec.lei 287/2003, de 12/11), tributo que substituiu a Contribuição Autárquica, deve considerar-se um imposto sobre o património que incide sobre o valor dos prédios situados no território de cada município, dividindo-se, de harmonia com a classificação dos mesmos prédios, em rústico e urbano. O sujeito passivo da relação jurídico-tributária de I.M.I. é aquele que em 31 de Dezembro do ano a que diz respeito o tributo tenha o uso e fruição do prédio, seja proprietário ou usufrutuário, e a matéria colectável do imposto (pressuposto objectivo genérico de qualquer relação jurídico-tributária) é constituída pelo valor tributável dos prédios, o qual consiste no seu valor patrimonial (cfr.preâmbulo e artºs.1, 2, 7 e 8, do C.I.M.I.).
9. O sistema de avaliações do I.M.I. consta dos artºs.38 a 70, do respectivo Código. O objectivo do sistema é determinar o valor de mercado dos imóveis urbanos, a partir de uma fórmula matemática enunciada no artº.38, do C.I.M.I.
10. A avaliação assenta em seis coeficientes, todos eles de carácter objectivo, os quais se podem agregar em dois conjuntos:
a)Os coeficientes macro, de enquadramento ou de contexto - trata-se dos coeficientes que não dependem especificamente de cada prédio individual que vai ser avaliado, mas do contexto económico e urbanístico em que se insere. São factores de variação do valor que não são intrínsecos a cada prédio, mas exteriores, apesar de serem sempre dele indissociáveis. Estes coeficientes aplicam-se, por natureza, a vários prédios e não apenas a um. São eles o valor base dos prédios edificados (Vc) e o coeficiente de localização (CL);
b)Os coeficientes específicos ou individuais - são os que respeitam a características intrínsecas dos próprios imóveis concretamente avaliados. Estamos a falar da área (A), do coeficiente de afectação (Ca), do coeficiente de qualidade e conforto (Cq) e do coeficiente de vetustez (Cv).
11. Especificamente, o coeficiente de afectação corresponde ao valor incorporado no imóvel em função da utilização a que está afecto, conforme resulta do artº.41, do C.I.M.I. A lei assenta no pressuposto de que o valor de mercado de um imóvel também é sensível ao tipo de utilização a que o prédio está afecto. O legislador teve o cuidado de tipificar numa tabela, de forma taxativa e fechada, todos os tipos de afectação a que podem estar sujeitos os imóveis, mais quantificando o coeficiente aplicável a cada uma das afectações, conforme consta do quadro que faz parte integrante do citado artº.41, do C.I.M.I.
12. Na aplicação do coeficiente de afectação deve levar-se em consideração a classificação dos prédios urbanos que resulta do artº.6, nº.2, do C.I.M.I., norma que estabelece como critérios a eleger, tendo em vista a classificação dos prédios, em primeiro lugar, o licenciamento e, em segundo lugar, na falta de licenciamento, o destino normal do imóvel. A lei é relativamente rígida consagrando neste normativo, como critério primeiro de classificação do imóvel, a afectação do mesmo resultante do licenciamento efectuado e, na falta de licenciamento, surgindo o destino normal do imóvel como critério supletivo de aplicação. Já no artº.41, do C.I.M.I., no que diz respeito à determinação do coeficiente de afectação, o legislador dá relevo ao tipo de utilização do prédio edificado de acordo com o quadro constante da mesma norma. Ou seja, quando o objectivo é determinar o coeficiente de afectação, o legislador chama à colação a efectiva utilização do imóvel ou, com mais rigor, o fim a que está afecto no momento em que se procede à avaliação. Assim sendo, é manifesto que na determinação de cada uma das afectações constantes da tabela o que releva é a utilização efectiva do imóvel em causa, como aliás consta do próprio corpo do artº.41, do C.I.M.I.
13. A prova de que o imóvel, a que respeita a avaliação impugnada, deve ser considerado como habitação social sujeita a regimes legais de custos controlados e, em consequência, deve ser-lhe aplicado o coeficiente de afectação 0,7, consagrado no examinado artº.41, do C.I.M.I., pertence ao sujeito passivo (cfr.artº.74, nº.1, da L.G.T.).
14. No procedimento tributário são aceites todos os meios de prova admitidos em direito (cfr.artº.72, da L.G.T., e artº.50, do C.P.P.T.). O mesmo se diga do processo judicial tributário (cfr.artº.115, nº.1, do C.P.P.T.).
15. As Câmaras Municipais tem competência para emitir declaração a certificar a "classificação de habitação social". Com efeito, o ponto 11, da portaria 580/83, de 17/05, emitida pelo Ministério da Habitação, Obras Públicas e Transportes, atribui aos Municípios a competência para certificar a "classificação de habitação social". Por seu turno, o artº.1, nº.2, do Dec.Lei 220/83, de 26/05, determina que se consideram "casas para habitação com custos controlados as que como tal forem classificadas pelo município com jurisdição na área de localização do imóvel, de acordo com portaria do Ministro da Habitação, Obras Públicas e Transportes".
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:1944/14.8BESNT

ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferido pelo Mº. Juiz do T.A.F. de Sintra, exarada a fls.97 a 105 do presente processo, através da qual julgou procedente a presente impugnação judicial intentada pelo recorrido, A……., tendo por objecto 2ª. avaliação de imóvel urbano, inscrito na matriz predial urbana da extinta freguesia de Paço de Arcos e concelho de Oeiras, sob o artigo n.º 1630-Q, avaliado em € 154.450,00.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.119 a 123 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-Visa o presente recurso jurisdicional reagir contra a decisão proferida nos presentes autos, qua julga procedente a impugnação judicial deduzida do acto de fixação de valor patrimonial tributário resultante da segunda avaliação do imóvel inscrito na matriz predial urbana da extinta freguesia de Paço de Arcos, com o artigo 16…-Q, ao qual foi atribuído o valor patrimonial tributário de € 154.450,00;
2-Questão fulcral nos presentes autos é a determinação do coeficiente de afectação a aplicar ao imóvel em análise, a fim de aferir da sua consideração ou não como habitação social sujeita a regimes legais de custos controlados, com consequente aplicação do coeficiente de afectação 0,70 ou de 1,00;
3-Resulta da douta sentença ter o Tribunal a quo assentado o julgamento dos presentes autos fundamentalmente nos factos assentes nos nºs.2 e 3 da factualidade assente, desconsiderando o facto relativo ao conhecimento efectivo, ou não, pela A. Fiscal de tais documentos referidos nos nºs.2 e 3 dos factos assentes;
4-É entendimento da Fazenda Pública que a aplicação do coeficiente de afectação 0,70 reclamado pelo impugnante dependia de confirmação prestada pelo Instituto Nacional de Habitação e Reabilitação Urbana que o prédio a avaliar foi construído ao abrigo do regime de custos controlados da Portaria 500/97, de 21/7, o que não sucedeu, e, não obstante a douta sentença sufragar entendimento diverso, defendendo resultar dos autos o contrário, com base no fundamento de que a Câmara Municipal de Oeiras certificou que o imóvel foi construído a custos controlados e o Instituto Nacional de Habitação e Reabilitação Urbana certificou a sua construção para fins de habitação social (cfr.nºs.1 e 2 da matéria de facto), a verdade é que não resulta da factualidade assente que tais documentos tenham sido levados ao conhecimento da Administração Tributária, e se sim, em que momento;
5-Pelo que, não poderá aferir-se da legalidade da decisão da Administração Tributária, nos termos levados a cabo pela douta sentença, sem cuidar de verificar se o impugnante cumpriu com o ónus que sobre si impendia de comprovar a verificação do pressuposto fáctico de que dependia a qualificação do imóvel como habitação social sujeita a regimes legais de custos controlados;
6-Dos factos assentes vertidos nos nºs.2 e 3 resulta tão só que o impugnante procedeu à junção de tal documentação em sede de impugnação judicial, de nenhum outro número do probatório resultando que a junção de tal documentação se processou em momento anterior, pelo que, a aferição a que o Tribunal a quo procedeu se mostra proferida em erro de julgamento de facto, porquanto considera factos que resultam de documentação que, por impossibilidade lógica, não poderiam ser escrutinados pela AT para efeitos de fixação do valor patrimonial tributário em sede de segunda avaliação;
7-Conforme factos assentes nos nºs.4 e 5 do probatório, o impugnante requereu a segunda avaliação do prédio em causa nos autos, pedindo a aplicação do coeficiente de afectação 0,70, em 19/07/2012, e veio tal requerimento a ser indeferido por ofício do Serviço de Finanças de 7/11/2012, com os fundamentos enunciados no nº.6 do probatório (sendo, nessa sequência, elaborada a ficha de avaliação e emitido o termo de avaliação referidos nos nºs.7 e 8 do probatório), mais resultando dos nºs.2 e 3 do probatório que os documentos em questão datam de 23/11/2012 e de 11/04/2013;
8-Nestes termos, a fixação do valor patrimonial obedeceu ao enquadramento definido legalmente, não tendo o impugnante levado a cabo a prova determinante da aplicação do coeficiente de afectação do imóvel e da consequente alteração da avaliação no referente a tal específico critério, o que implicou a consolidação do valor patrimonial tributário decorrente da segunda avaliação do imóvel;
9-Vejamos que do disposto na alinea a) do n. 3 do artigo 130 do CIMI o sujeito passivo pode, a todo tempo, reclamar de qualquer incorrecção nas inscrições matriciais com base em valor patrimonial considerado desactualizado mas sempre com as limitações decorrentes do n. 4 e do n. 9, o que nos permite concluir que não se mostra o valor patrimonial tributário do imóvel como um elemento cuja alteração depende apenas da vontade do interessado, devendo antes tal alteração conformar-se com os procedimentos descritos na legislação aplicável, mais concretamente as normas dos artigos 76, 77 e 130 do CIMI;
10-E, mais se refira, que mesmo as reclamações do artigo 130 do ClMl apenas produzem efeitos nos termos do seu n. 8, nas liquidações respeitantes ao ano em que for apresentado o pedido, devidamente fundamentado e instruído com os elementos de prova considerados pertinentes pelo interessado (n. 3 do artigo 132), ou promovida a rectificação;
11-Ora, resulta dos autos ter sido dado conhecimento ao impugnante de que a competência para a qualificação do imóvel enquanto habitação social sujeita a regimes legais de custos controlados cabia a entidade diversa da Autoridade Tributária e Aduaneira, concretamente ao Instituto Nacional de Habitação e Reabilitação Urbana, sendo que, conforma termo de avaliação, e de acordo com a informação da Direcção de Serviços de IMI e respectivo despacho, não poderia a aplicação do coeficiente de 0,70 ser aplicado em vez do coeficiente de 1 perante a falta de informação da entidade competente que sustentasse tal alteração, pelo que, se manteve o coeficiente anteriormente aplicado;
12-Atento o exposto, não havia fundamento legal para a consideração do coeficiente pretendido aplicar pelo impugnante, à luz dos normativos legais aplicáveis e considerando a ausência de prova do alegado pelo impugnante, pelo que, se configura a douta sentença proferida em erro de julgamento de facto, e erro de julgamento de direito, por errónea interpretação dos normativos legais aplicáveis - artigos 41 e 76 do CIMI, bem como os relevantes e auxiliares normativos contidos nos nºs.3, al.a), 4, 8 e 9 do artigo 130 do CIMI e nº.3 do artigo 132 do CIMI.
X
O impugnante e ora recorrido produziu contra-alegações (cfr.fls.125 a 129 dos autos), as quais arremata com as seguintes Conclusões:
1-Considerando a AT necessário escrutinar a certificação feita pela Câmara Municipal de Oeiras de que o imóvel recorrido a avaliar em 2ª. avaliação foi construído em regime legal de custos controlados, poderia tê-lo feito porque esse documento lhe foi enviado com registo e a.r., e entregue;
2-O entendimento da recorrente Fazenda Pública de que a aplicação do Ca 0,70 do artigo 41, do CIMI depende de informação dada exclusivamente pelo INHRU de que o
prédio a avaliar foi construído ao abrigo do regime de custos controlados da Portaria n. 500/97, é uma orientação interna. Não tem correspondência na Lei, por isso não tem
força obrigatória geral. Não tem de ser obedecida pelos Tribunais nem pelos avaliadores
que, não sendo funcionários da AT, não estão vinculados às orientações genéricas;

3-A orientação genérica que a recorrente persiste em ver acolhida não ponderou a inexistência nos arquivos do INHRU de documentos relacionados com a construção de habitação social que lhe não esteja entregue para tutelar e administrar;
4-Se o INHRU detivesse os documentos relacionados com a construção do bairro em
que está inserido o imóvel do recorrido, não deixaria de certificar a conformidade
necessária à aplicação do Ca 0,70 do artigo 41, presunção fundamentada na
certificação feita no Bairro do Arco do Cego e na semelhança das situações;

5-O avaliador independente e os Tribunais podem concluir pela aplicação do Ca 0,70
do citado artigo 41, fundamentando-se na interpretação das leis, na convicção formada
após exame dos documentos juntos ao processo ou de informações provenientes de entidades detentoras de documentos relacionados com a construção do imóvel;

6-A Câmara Municipal de Oeiras certificou ter sido o imóvel do recorrido construído a
custos controlados como ficou assente no nº.2 da fundamentação de facto;

7-O requerimento em que o recorrido pediu que fosse levada a efeito a 2ª. avaliação a fazer por um perito independente nunca foi indeferido, e veio a ser atendido como consta dos factos assentes nos nºs.4, 5, 7 e 8 do probatório;
8-Por isso, não pode ser considerado consolidado qualquer valor de avaliação. O resultante da 2ª. avaliação mantem-se impugnado nestes autos;
9-A 2ª. avaliação não foi feita por uma comissão. Foi por um só perito nomeado na qualidade de independente, situação extraordinária acolhida pela Lei 60-A/2011 que a regulou. Não era uma situação apenas sujeita ao disposto no artigo 76 do CIMI e não se descortina como possa a sentença recorrida ter incumprido este preceito. Também não se aceita que a decisão recorrida tenha interpretado erroneamente esse preceito, e também os dos artigos 130 e 132 do CIMI, na medida em que não havia que considerar consolidado qualquer valor resultante de 2ª. avaliação, pois está a ser discutido neste processo;
10-A decisão recorrida também não fez errónea interpretação do artigo 41 do CIMI. Aceitou como válida, como é, a certificação da Câmara Municipal de Oeiras. E decidiu ser de aplicar o Ca 0,70 à casa do recorrido. Por a considerar construída num regime legal de custos controlados. O que o recorrido se esforçou por provar na petição inicial;
11-Pelo que deve ser negado provimento ao recurso e mantida a decisão recorrida. Requer-se que seja admitido documento que a recorrente alega não ter sido entregue eque deveria constar do processo administrativo.
Com o requerimento de contra-alegações juntou os documentos de fls.132 a 137 do processo físico.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do provimento do presente recurso (cfr.fls.144 a 146 dos autos).
X
Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
Com as contra-alegações de recurso, o impugnante e ora recorrido anexou aos presentes autos os documentos de fls.132 a 137 do processo físico, mais alegando que tal junção visa trazer ao processo documentos que já deveriam constar do processo administrativo apenso.
Assim, a questão que ora se impõe decidir, de natureza adjectiva, consiste em saber da possibilidade legal de tal junção e da manutenção dos referidos documentos nos autos.
Vigora no direito português o modelo de apelação restrita, de acordo com o qual o recurso não visa o reexame, sem limites, da causa julgada em 1ª. Instância, mas tão- somente a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o Tribunal “a quo” no momento em que proferiu a sentença. Como resulta de uma jurisprudência uniforme e reiterada, os recursos são meios processuais de impugnação de anteriores decisões judiciais e não ocasião para julgar questões novas. Em princípio, não pode alegar-se matéria nova nos Tribunais Superiores, em fase de recurso, não obstante o Tribunal “ad quem” tenha o dever de apreciar as questões de conhecimento oficioso. Daí que, não devam ser juntos documentos novos na fase de recurso. A lei, porém, prevê excepções que passamos a analisar.
Dispõe o artº.523, do C.P.Civil (cfr.artº.423, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), que os documentos, como meios de prova, da acção ou da defesa, devem ser apresentados com o articulado em que se invoquem os factos que se destinem a demonstrar. Não sendo apresentados com o respectivo articulado, ainda e por livre iniciativa das partes litigantes, enquanto apresentantes, podem ser juntos ao processo até ao encerramento da discussão em 1ª Instância (actualmente até vinte dias antes da realização da audiência final - cfr.artº.423, nº.2, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), embora com a condenação do apresentante em multa, salvo demonstração de que os não pôde oferecer com o articulado próprio.
Em fase de recurso, a lei processual civil (cfr.artºs.524 e 693-B, do C.P.Civil; artºs.425 e 651, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), somente possibilita a junção de documentos ao processo, sempre e só com as alegações (ou contra-alegações) e não em momentos posteriores, quando ocorra alguma das seguintes circunstâncias:
1-Quando não tenha sido possível a respectiva apresentação em momento anterior (artº.524, nº.1, do C.P.Civil);
2-Quando se destinem à demonstração de factos posteriores aos articulados (artº.524, nº.2, do C.P.Civil);
3-Quando a respectiva apresentação se tenha tornado necessária em resultado de ocorrência posterior ao encerramento da discussão em 1ª Instância (artº.524, nº.2, do C.P.Civil);
4-Quando a junção de documentos se torne necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª Instância (cfr.artº.693-B, do C.P.Civil; artº.651, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6);
5-Nos casos previstos no artº.691, nº.2, als.a) a g) e i) a n), do C. P. Civil (cfr.artº.693-B, do C.P.Civil).
A verificação das circunstâncias que se acabam de elencar tem como pressuposto necessário que os factos documentados sejam relevantes/pertinentes à decisão a proferir, o que decorre, desde logo, directamente da circunstância dos documentos cuja junção se pretende deverem ter por desiderato a prova dos fundamentos da acção e/ou da defesa (citado artº.523, do C.P.Civil) e, indirectamente e como consequência do que se vem de referir, do facto de o juiz se encontrar vinculado a mandar retirar do processo os que sejam impertinentes ou desnecessários, por força do estipulado no artº.543, do mesmo compêndio legal (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/3/2011, proc.4593/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/11/2013, proc.6953/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/3/2014, proc.2912/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 9/6/2016, proc.8610/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 25/07/2016, proc.9718/16; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.96 e seg.; António Santos Abrantes Geraldes, Recurso em Processo Civil, Novo Regime, 2ª. Edição Revista e Actualizada, Setembro de 2008, Almedina, pág.227 e seg.).
No que diz respeito à hipótese de junção de documentos quando esta se torne necessária em virtude do julgamento efectuado em 1ª Instância (cfr.nº.4 supra), o advérbio “apenas”, usado no artº.693-B, do C. P. Civil (cfr.artº.651, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), significa que a junção só é possível se a necessidade do documento era imprevisível antes de proferida a decisão na 1ª Instância, isto é, se a decisão da 1ª Instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento. A lei quis, manifestamente, cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes da decisão da 1ª. Instância ser proferida (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/11/2013, proc.6953/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/3/2014, proc.2912/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 9/6/2016, proc.8610/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 25/07/2016, proc.9718/16; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.533 e 534).
Revertendo ao caso dos autos, os documentos em causa devem considerar-se necessários para a prova do facto instrumental (recorde-se que a A. Fiscal, na sua actuação, está sujeita ao princípio da legalidade - cfr.artº.55, da L.G.T.) que se refere ao conhecimento, por parte da Fazenda Pública, do teor da certidão emitida pela Câmara Municipal de Oeiras e identificada no nº.2 do probatório, tudo conforme nº.10 da matéria de facto aditada ao probatório por este Tribunal e infra exarado (vejam-se as conclusões 5 a 7 da apelação).
Concluindo, deve admitir-se a junção aos presentes autos dos documentos de fls.132 a 137 do processo físico, ao abrigo do princípio da investigação vigente no processo judicial tributário (cfr.artº.99, nº.1, da L.G.Tributária; artº.13, nº.1, do C.P.P.Tributário), ao que se provirá no dispositivo do presente acórdão.
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DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.98 a 102 dos presentes autos - numeração nossa):
1-O Bairro Social da Tapada do Mocho, em Paço de Arcos, foi construído a partir de 1973, e os fogos com a tipologia T5 tinham 191 m2 de área (cfr.Circular com a ref. 284, datada de 29 de Abril de 1982, do Ministério da Reforma Administrativa – Obra Social – Comissão Executiva de Construção de Casas Económicas, junta a fls.92 a 99 do processo administrativo apenso);
2-O prédio sito na Rua J…., n.º 3, com o processo n.º 143…, "foi construído pelo Ministério da Reforma Administrativa, Obra Social, Comissão Executiva de Construção de Casas Económicas - a custos controlados" (cfr.certidão n.º 27087/2012, emitida pelo Departamento de Planeamento e Gestão Urbanística, da Câmara Municipal de Oeiras, em 23 de Novembro de 2012, junta a fls.26 dos presentes autos);
3-A fracção autónoma destinada a habitação designada pela letra "Q", do prédio urbano, sito na Rua J…, n.ºs. 3 e 3ª, freguesia de Paço de Arcos, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 16…, integra-se no Bairro Tapada do Mocho, tendo sido construído e atribuído para habitação de fim social ao abrigo do regime do Decreto-Lei 23052 de 23 de Setembro, Portaria 23785, de 18 de Dezembro de 1968 e demais legislação complementar (cfr.Declaração, emitida pelo Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, em 11 de Abril de 2013, junta a fls.27 dos presentes autos);
4-Em 19 de Julho de 2012, o impugnante, A…., com o n.i.f. 1….., requereu a segunda avaliação do seu prédio urbano inscrito sob o artigo 16…-Q, da freguesia de Paço de Arcos, pedindo a aplicação do coeficiente de afectação de 0,70 consagrado no artº.41, do C.I.M.I., previsto para habitação social sujeita a regimes legais de custos controlados (cfr.documento junto a fls.23 dos presentes autos);
5-O impugnante recebeu a resposta ao requerimento descrito no número precedente, de cujo teor se extrai:
“(…)
1.Através do ofício nº 2457, de 2012/10/31, da Direcção de Serviços do IMI, foi recepcionado o despacho constante do anexo. Assim, tendo presente o teor do ofício-circulado nº 40078, de 2005/05/25, da Direcção de Serviços de Avaliações, que transcrevo,
"Tendo surgido dúvidas sobre a aplicação do coeficiente de afectação nos casos de habitação social sujeita a regimes de ustos controlados, informo que pelo meu despacho de 2005/05/04, (…), foi sancionado o seguinte entendimento:
1.O coeficiente de afectação depende do tipo de utilização dos prédios edificados de acordo com a tabela constante do artigo 41º do CIMI.
2. Quando está em causa a avaliação de habitação social sujeita a regimes legais de custos controlados, o coeficiente de afectação a considerar pelo perito é de 0,70.
3. Para que o perito possa considerar o coeficiente 0,70, deverá o contribuinte entregar um comprovativo de que a declaração modelo 1 do IMI entregue respeita a habitação social sujeita a regimes legais de custos controlados (…);
(cfr.documentos juntos a fls.22 a 25 dos presentes autos);
6-A decisão transcrita no número anterior, teve por fundamento, informação elaborada pela Divisão de Administração da Direcção de Serviços do Imposto Municipal sobre Imóveis, de cujo teor se extrai o seguinte:
“(…)
5. Entretanto, sobre esta matéria, foi emitido parecer, na Direcção de Serviços de Consultoria Jurídica e Contencioso (…), cujas conclusões são as seguintes:
i. O artigo 41º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, ao estabelecer a aplicação do coeficiente de afectação 0,70 à habitação sujeita a regimes legais de custos controlados, remeteria a definição dos pressupostos desse coeficiente de afectação menos elevado para a legislação reguladora da habitação social a custos controlados;
ii. O conceito e parâmetros da habitação social a custos controlados vêm definidos na Portaria n.º 500/97, de 21 de Julho;
iii. Não cabem nesse conceito e parâmetros as casas económicas e de renda económica construídas no Estado Novo, enquanto ainda inexistia a figura de habitação social a custos controlados;
iv. Porque excepcional, o artigo 41º do CIMI, não é susceptível de integração analógica a casos não previstos;
v. Cabe ao Instituto Nacional de Habitação e Reabilitação Urbana, nos casos em que a AT não disponha da informação necessária, informar sobre se o prédio urbano a avaliar pode, ou não, ser considerado habitação social de custos controlados. (…)".
(cfr.documentos juntos a fls.25 e 35 a 39 dos presentes autos);
7-Em 26 de Junho de 2014, o impugnante recebeu a ficha de 2ª. avaliação n.º 9787004, referente ao prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1630-Q, da (extinta) freguesia de Paço de Arcos, tudo conforme documento junto a fls.18 dos presentes autos e de cujo teor se extrai que foi aplicado no acto de avaliação o coeficiente de afectação 1,00 (cfr.documento junto a fls.18 dos presentes autos);
8-Em 27 de Junho de 2014, o impugnante recebeu o Termo de Avaliação, datado de 22/05/2014, referente à ficha a que se refere o número 7 e de cujo teor se extrai o seguinte:
“(…)
Visitado o local e analisados os elementos que foram tidos em consideração e deram origem à 1ª avaliação, resolvemos manter todos eles, com excepção do coeficiente de qualidade e conforto (Cq). Este não foi tido em consideração, sendo anulado, dado que da visita ao local, verificou-se que o tipo de construção e o nível de qualidade dos materiais utilizados nos revestimentos e acabamentos, são os normais e utilizados em construção tradicional e de valor médio. Relativamente ao coeficiente de afectação utlizado mantivemos o valor de 1, tendo em consideração o exposto na informação nº 17978/2012, datada de 2012/10/19, Proc. 2012 0000241 (…), da Divisão de Administração da Direcção de Serviços do Imposto Municipal sobre Imóveis e respectivos Pareceres e Despachos. (…)"
(cfr.documentos juntos a fls.19 e 20 dos presentes autos);
9-O imóvel sito na Av. M…., n.º 5 R/C Dto, em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1… RCD, da (extinta) freguesia de São João de Deus, foi considerado "Habitação Social Sujeita a Regimes Legais de Custos Controlados", para efeitos de 2ª avaliação, tendo sido aplicado o coeficiente de afectação 0,7 (cfr.documento junto a fls.31 dos presentes autos).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não foram alegados quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A convicção do Tribunal quanto aos factos considerados provados resultou do exame dos documentos e das informações oficiais constantes dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, conforme indicado junto a cada facto…”.
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Levando em consideração que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou em prova documental constante dos presentes autos e apenso, este Tribunal julga provada a seguinte matéria de facto que se reputa, igualmente, relevante para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.662, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6 (“ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário):
10-O teor da certidão n.º 27087/2012, emitida pelo Departamento de Planeamento e Gestão Urbanística, da Câmara Municipal de Oeiras, em 23 de Novembro de 2012 e identificada no nº.2 do probatório supra foi remetido pelo impugnante para o 2º. Serviço de Finanças de Oeiras, através de carta registada com a.r. assinado em 26/11/2012 (cfr. documentos juntos a fls.132 a 135 dos presentes autos).
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida, em síntese, julgou procedente a impugnação que originou o presente processo, em consequência do que anulou o acto de segunda avaliação que lhe é objecto (cfr.nº.7 do probatório).
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Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O recorrente aduz, em primeiro lugar, que o Tribunal “a quo” assentou o julgamento dos presentes autos na factualidade assente nos nºs.2 e 3 do probatório, desconsiderando o facto relativo ao conhecimento efectivo, ou não, pela A. Fiscal de tais documentos. Que dos factos assentes vertidos nos nºs.2 e 3 resulta tão só que o impugnante procedeu à junção de tal documentação em sede de impugnação judicial, de nenhum outro número do probatório resultando que a junção de tal documentação se processou em momento anterior, pelo que, a aferição a que o Tribunal “a quo” padece de erro de julgamento de facto, porquanto considera factos que resultam de documentação que, por impossibilidade lógica, não poderiam ser escrutinados pela Fazenda Pública para efeitos de fixação do valor patrimonial tributário em sede de segunda avaliação (cfr.conclusões 3 a 6 do recurso), com base em tal alegação pretendendo, supomos, consubstanciar erro de julgamento de facto da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão recorrida comporta tal vício.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr.artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, IV, Coimbra Editora, 1987, pág.566 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e seg.).
Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida. A decisão é errada ou por padecer de “error in procedendo”, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento aplicável, ou de “error in iudicando”, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado. A decisão é injusta quando resulta de uma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos, que lhe são confiados (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/6/2013, proc.5618/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/4/2014, proc.7396/14; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.130; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9ª. edição, 2009, pág.72).
Ainda no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/12/2012, proc.4855/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13).
Tal ónus rigoroso deve considerar-se mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6 (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6531/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.5555/12; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 27/02/2014, proc.7205/13).
No caso concreto, no que diz respeito ao alegado erro de julgamento de facto consubstanciado na falta de prova (facto instrumental) de que a entidade recorrente teve conhecimento em momento anterior à efectivação da 2ª. avaliação do imóvel em causa nos autos da certidão emitida pela Câmara Municipal de Oeiras, remete-se a mesma para a factualidade aditada ao probatório e constante do nº.10 supra. Da concatenação do teor deste nº.10 do probatório, com o seu nº.8, deve retirar-se a conclusão de que a Fazenda Pública tomou conhecimento da certidão emitida pela Câmara Municipal de Oeiras em 26/11/2012, quando a avaliação do imóvel somente se verificou em 22/05/2014.
Pelos motivos expostos, nega-se provimento a este esteio do recurso.
O apelante alega, igualmente e em síntese, que a questão fulcral nos presentes autos é a determinação do coeficiente de afectação a aplicar ao imóvel em análise, a fim de aferir da sua consideração ou não como habitação social sujeita a regimes legais de custos controlados, com consequente aplicação do coeficiente de afectação 0,70 ou, pelo contrário, de 1,00. Que resulta dos autos ter sido dado conhecimento ao impugnante de que a competência para a qualificação do imóvel enquanto habitação social sujeita a regimes legais de custos controlados cabia a entidade diversa da Autoridade Tributária e Aduaneira, concretamente, ao Instituto Nacional de Habitação e Reabilitação Urbana, sendo que, conforma termo de avaliação, e de acordo com a informação da Direcção de Serviços de I.M.I. e respectivo despacho, não poderia a aplicação do coeficiente de 0,70 ser efectuada, em vez do coeficiente de 1, perante a falta de informação da entidade competente que sustentasse tal alteração. Que a decisão recorrida padece de erro de julgamento de direito, em virtude da errónea interpretação dos normativos legais aplicáveis, os artºs.41, 76, 130 e 132, do C.I.M.I. (cfr.conclusões 1, 2 e 7 a 12 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Deslindemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal pecha.
O Imposto Municipal sobre Imóveis, criado pelo Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (I.M.I. - aprovado pelo dec.lei 287/2003, de 12/11), tributo que substituiu a Contribuição Autárquica, deve considerar-se um imposto sobre o património que incide sobre o valor dos prédios situados no território de cada município, dividindo-se, de harmonia com a classificação dos mesmos prédios, em rústico e urbano. O sujeito passivo da relação jurídico-tributária de I.M.I. é aquele que em 31 de Dezembro do ano a que diz respeito o tributo tenha o uso e fruição do prédio, seja proprietário ou usufrutuário, e a matéria colectável do imposto (pressuposto objectivo genérico de qualquer relação jurídico-tributária) é constituída pelo valor tributável dos prédios, o qual consiste no seu valor patrimonial (cfr.preâmbulo e artºs.1, 2, 7 e 8, do C.I.M.I.; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª. edição, 2007, pág.53 e seg.; Esmeralda Nascimento e Márcia Trabulo, Imposto Municipal sobre Imóveis, Notas práticas, Almedina, 2004, pág.15 e seg.).
O sistema de avaliações do I.M.I. consta dos artºs.38 a 70, do respectivo Código. O objectivo do sistema é determinar o valor de mercado dos imóveis urbanos, a partir de uma fórmula matemática enunciada no artº.38, do C.I.M.I., com a seguinte expressão (cfr. José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, Almedina, 2011, pág.45 e seg.; Esmeralda Nascimento e Márcia Trabulo, Imposto Municipal sobre Imóveis, Notas práticas, Almedina, 2004, pág.28 e seg.):
Vt = Vc x A x Ca x CL x Cq x Cv
em que:
Vt = valor patrimonial tributário;
Vc = valor base dos prédios edificados;
A = área bruta de construção mais a área excedente à área de implantação;

Ca = coeficiente de afectação;
CL = coeficiente de localização;
Cq = coeficiente de qualidade e conforto;
Cv = coeficiente de vetustez.
A avaliação assenta nestes seis coeficientes, todos eles de carácter objectivo que se podem agregar em dois conjuntos:
1-Os coeficientes macro, de enquadramento ou de contexto - trata-se dos coeficientes que não dependem especificamente de cada prédio individual que vai ser avaliado, mas do contexto económico e urbanístico em que se insere. São factores de variação do valor que não são intrínsecos a cada prédio, mas exteriores, apesar de serem sempre dele indissociáveis. Estes coeficientes aplicam-se, por natureza, a vários prédios e não apenas a um. São eles o valor base dos prédios edificados (Vc) e o coeficiente de localização (CL).
2-Os coeficientes específicos ou individuais - são os que respeitam a características intrínsecas dos próprios imóveis concretamente avaliados. Estamos a falar da área (A), do coeficiente de afectação (Ca), do coeficiente de qualidade e conforto (Cq) e do coeficiente de vetustez - Cv (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/2/2012, proc.4950/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/2/2014, proc.7223/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/9/2014, proc.6982/13).
Revertendo ao caso dos autos, antes de mais, se dirá que é hoje pacífico que as leis fiscais se interpretam como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (cfr.artº.9, do C. Civil; artº.11, da L.G.Tributária).
Especificamente, o coeficiente de afectação corresponde ao valor incorporado no imóvel em função da utilização a que está afecto, conforme resulta do artº.41, do C.I.M.I. A lei assenta no pressuposto de que o valor de mercado de um imóvel também é sensível ao tipo de utilização a que o prédio está afecto. O legislador teve o cuidado de tipificar numa tabela, de forma taxativa e fechada, todos os tipos de afectação a que podem estar sujeitos os imóveis, mais quantificando o coeficiente aplicável a cada uma das afectações, conforme consta do quadro que faz parte integrante do citado artº.41, do C.I.M.I. e que infra segue:
(redacção aplicável ao caso “sub judice” que resulta da Lei 53-A/2006, de 29/12).
Na aplicação do coeficiente de afectação deve levar-se em consideração a classificação dos prédios urbanos que resulta do artº.6, nº.2, do C.I.M.I., norma que estabelece como critérios a eleger, tendo em vista a classificação dos prédios, em primeiro lugar, o licenciamento e, em segundo lugar, na falta de licenciamento, o destino normal do imóvel. A lei é relativamente rígida consagrando neste normativo, como critério primeiro de classificação do imóvel, a afectação do mesmo resultante do licenciamento efectuado e, na falta de licenciamento, surgindo o destino normal do imóvel como critério supletivo de aplicação.
Já no artº.41, do C.I.M.I., no que diz respeito à determinação do coeficiente de afectação, o legislador dá relevo ao tipo de utilização do prédio edificado de acordo com o quadro identificado acima. Ou seja, quando o objectivo é determinar o coeficiente de afectação, o legislador chama à colação a efectiva utilização do imóvel ou, com mais rigor, o fim a que está afecto no momento em que se procede à sua avaliação, tudo de acordo com a tipologia identificada supra. Assim sendo, é manifesto que na determinação de cada uma das afectações constantes da tabela o que releva é a utilização efectiva do imóvel em causa, como aliás consta do próprio corpo do artº.41, do C.I.M.I. (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/02/2012, proc. 4950/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/02/2012, proc.5290/12; José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, 3ª. Edição, Almedina, 2016, pág.89 e seg.; António Santos Rocha e Outro, Tributação do Património, 2ª. Edição, Almedina, 2018, pág.176 e seg.).
“In casu”, a questão decidenda nos presentes autos consiste em aferir se o imóvel a que respeita a avaliação impugnada, deve ou não ser considerado como habitação social sujeita a regimes legais de custos controlados e, em consequência, se deve ser-lhe aplicado o coeficiente de afectação 0,7, consagrado no examinado artº.41, do C.I.M.I., pertencendo o ónus da prova de tal matéria ao impugnante e ora recorrido (cfr.artº.74, nº.1, da L.G.T.).
Ora, do exame da factualidade provada, deve esta instância judicial de controlo confirmar a decisão do Tribunal “a quo”, porquanto, a Câmara Municipal de Oeiras, certificou que o imóvel em causa foi construído a custos controlados e o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, certificou a sua construção para fins de habitação social (cfr.nºs.2 e 3 do probatório).
Já quanto à autoria das declarações que sustentam a pretensão do impugnante/ recorrido haverá que referir, desde logo, que o conceito de habitação de custos controlados consta actualmente da portaria 500/97, de 21/07, diploma que não consagra a competência para certificação de tal matéria ao citado Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana.
Por outro lado, não se pode ignorar que a tutela de tal assunto variou ao longo dos anos e que a construção do imóvel em causa data de 1973 (cfr.nº.1 do probatório).
Ainda, tal requisito de certificação não resulta da lei, mas sim de uma orientação administrativa da própria Autoridade Tributária.
Assim sendo, tal requisito não poderá ser entendido como obrigatório, ou seja, como a única forma de fazer prova da natureza da construção, quando tal não resulte do próprio título constitutivo do imóvel. Recorde-se que no procedimento tributário são aceites todos os meios de prova admitidos em direito (cfr.artº.72, da L.G.T., e artº.50, do C.P.P.T.). O mesmo se diga do processo judicial tributário (cfr.artº.115, nº.1, do C.P.P.T.).
Acresce, no caso dos autos, que a Câmara Municipal de Oeiras tem competência para emitir a pretendida certidão. Com efeito, do ponto 11, da portaria 580/83, de 17/05, emitida pelo Ministério da Habitação, Obras Públicas e Transportes, atribui aos Municípios a competência para certificar a "classificação de habitação social".
Por seu turno, o artº.1, nº.2, do Dec.Lei 220/83, de 26/05, determina que se consideram "casas para habitação com custos controlados as que como tal forem classificadas pelo município com jurisdição na área de localização do imóvel, de acordo com portaria do Ministro da Habitação, Obras Públicas e Transportes".
Aqui chegados, e face ao teor dos documentos emitidos pela Câmara Municipal de Oeiras e pelo Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, cujo conteúdo e autenticidade não foram questionados pelo recorrente, entende este Tribunal que ao imóvel em causa deve ser aplicado o coeficiente previsto para imóveis destinados a habitação social sujeita a regimes legais de custos controlados, 0,70 (cfr.artº.41, do C.I.M.I.), aquando da sua avaliação.
Por último, sempre se dirá que não vislumbra este Tribunal que a decisão recorrida tenha violado o regime previsto nos artºs.41, 76, 130 e 132, do C.I.M.I.
Atento tudo o relatado, nega-se provimento ao recurso deduzido e confirma-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
X
DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
1-ADMITIR A JUNÇÃO AOS AUTOS dos documentos constantes de fls.132 a 137 do processo físico;
2-NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 27 de Setembro de 2018



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Vital Lopes - 2º. Adjunto)