Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:505/17.4BESNT-R1
Secção:CT
Data do Acordão:06/04/2020
Relator:BENJAMIM BARBOSA
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL;
ENTREGA DE IMÓVEL;
RECURSO.
Sumário:I. As alegações e respectivas conclusões, da reclamação contra a rejeição de recurso, não se destinam a suprir a falta de indicação, nas alegações do recurso rejeitado, de elementos que eram determinantes para a admissibilidade deste.
II. No quadro do regime legal anterior à Lei n.º 118/2019, de 17 de Setembro, não é admissível o recurso de revista relativo a decisão de tribunal tributário de primeira instância proferida em causa de valor inferior a €500.000.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:

1. Relatório

1.1. As partes

A Fazenda Pública, não se conformado com a sentença do TAF de Sintra que nos autos de Outros Incidentes da Execução Fiscal indeferiu o pedido de recurso ao auxílio da força pública para entrega de imóvel vendido em execução fiscal instaurada contra C….., e que esta alegadamente ocupa, interpôs recurso jurisdicional.

O referido recurso foi indeferido liminarmente.

Dessa decisão de indeferimento interpôs a recorrente a presente reclamação.


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1.2. O Objecto da reclamação

1.2.1. Nas suas alegações a recorrente formulou as seguintes conclusões:

1.ª Vem a presente reclamação apresentada contra o douto despacho proferido pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal "a quo", de 03-07-2017, o qual indeferiu o recurso apresentado sobre a decisão final tomada em 05-06-2017 que recusou o pedido formulado pela Fazenda Pública no sentido de requisitar o auxílio da força pública com vista à entrega do imóvel vendido em execução fiscal ao adquirente, BPI, S.A.

2.ª A Fazenda Pública admite que não foram indicadas naquele momento eventuais decisões judiciais que perfilhassem decisão oposta, descortinamos, porém, as decisões tomadas pelas 1.ª U.O. e 2.ª U.O. deste Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, nos processos 352/17.3BESNT e 1232/16.5BESNT, respectivamente, também elas da mesma espécie, verificando que, em ambos os casos, estamos perante vendas de imóveis em sede de execução fiscal cujas aberturas de propostas foram anteriores à entrada em vigor da Lei 13/2016 de 23 de maio (23-03-2016 in casu e 20-05-2016 no processo 1232/16.5BESNT) sendo as adjudicações posteriores a essa data, em 07 e 16-06-2016, respetivamente.

3.ª Sendo que, em nenhum destes casos a solução perfilhada,  que acabou por ser diametralmente oposta  à que resulta dos presentes autos, passou pela reapreciação  da venda à luz daquele regime legal – e que configurando questão prévia que contende com a adequação do meio processual sempre a decisão tomada nos presentes autos se mostraria em oposição com as decisões tomadas nos processos mencionados supra, que se dispensaram de suportar-se em semelhante fundamento

4.ª Este tribunal (e Mmo Juiz), recentemente, não deixou de admitir o recurso apresentado pela Fazenda Pública no processo 1281/16.3BESNT cuja decisão suportou-se em idênticos fundamentos àqueles que alicerçaram a decisão tomada nos presentes autos.  

5.ª Cumprirá notar que, subsidiariamente, a Fazenda Pública suportou-se ainda no recurso previsto no art. 150° do CPTA, aplicável ex vi alínea c), do art. 2°, do CPPT, por entender existir importância fundamental em virtude da relevância jurídico-social que a questão Ievanta, e por entender, de resto, que o recurso é claramente necessário para a melhoria do direito.

6.ª Mecanismo que, apesar de excepcional, tem vindo a ser aceite pelo Colendo STA, e de que é exemplo o citado acórdão de 08 de março de 2017, proferido no processo 01328/2016, tendo logo em sede de recurso sido enunciados os fundamentos de admissibilidade da revista mediante concretização da relevância jurídica e social que o caso merece.

7.ª A Fazenda Pública defende que a verificação dos requisitos de admissão impõe forçosamente por parte do tribunal a quo de um despacho de admissão do recurso, mas, ainda que assim não fosse o que só tribunal superior poderia apreciar em concreto, no mínimo impunha-se ao tribunal de primeira instância um dever de pronúncia sobre a admissibilidade da revista, sob pena de, não o fazendo, incorrer em manifesta omissão de pronúncia.

8.ª Nos termos do preceituado no citado art. 615°, n°.1, al. d), do CPC, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar. Decorre desta norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão. No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no art. º 125.º, n.º 1, do CPPT, no penúltimo segmento da norma.

9.ª A referida nulidade reconduz-se a um incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no art.608°, n°.2, do mesmo diploma, o qual consiste no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Estamos perante um diferente fundamento de recurso, não perante novo argumento relativamente à mesma questão.

10.ª Não pode se pode tomar por prejudicada a decisão pela solução dada à oposição de julgados porque o que está em causa é um diferente fundamento invocado que não comunga dos mesmos pressupostos que o primeiro. Impunha-se, pois, uma tomada de posição.

11.ª E o que se diz sobre as nulidades da sentença vale, via de regra, para os despachos (cfr. 666.º, n.º 3 e 613.°, n° 3, todos do NCPC, aplicável ex vi da alínea e), do art. 2.º do CPPT

12.ª Assim, verifica-se que o douto despacho recorrido é nulo, por violação do disposto no n.º do art. 150.º, do CPTA, aplicável ex vi da alínea c), do art. 2° do CPPT; art. 125° do CPPT por remissão dos arts. 615°, n°. 1, al. d), 608º, nº 2, 666º, nº 3 e 613º, nº 3, todos do NCPC, aplicáveis ex vi da alínea e) do art. 2º, do CPPT.


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1.2.2. Contra-alegações

O reclamado não apresentou contra-alegações.


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1.3. Parecer do Ministério Público

O Exm.º Magistrado do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.


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2. Fundamentação

2.1. De facto

2.1.1. Factos provados
1. No âmbito da execução fiscal instaurado contra a executada C….., com o n° ….., foi penhorada a fracção autónoma designada pela letra “F”, do prédio urbano sito na Rua ….., inscrito na matriz predial urbana da Freguesia de ….., sob o art° ….., e descrita na 1ª C.R.P. de Sintra sob o n° ….., o qual se destina a habitação a qual, após registo, foi objecto de venda mediante leilão electrónico realizada em 23-03-2016, no âmbito do qual foi aceite e adjudicada a proposta apresentada pelo proponente o Banco “….., S.A.” e emitido o título de transmissão a seu favor em 07-06-2016;
2. Não tendo a executada efectuado voluntariamente a entrega do imóvel ao adquirente, a Fazenda Pública requereu ao TAF de Sintra que decretasse a sua entrega efectiva, através de petição inicial entrada em juízo em 07-04-2017 e que deu origem ao processo n.º 505/17.4BESNT.

3. Por sentença de 05-06-2017, proferida nesses autos, o pedido foi indeferido.

4. Dessa sentença a ora reclamante interpôs recurso para o TCA Sul, tendo formulado, nas respectivas alegações, as seguintes conclusões:

1.ª         O presente recurso visa reagir contra a douta decisão que em sede de Outros Incidentes da Execução Fiscal viu recusado o pedido deduzido pela Autoridade Tributária em sede execução fiscal da requisição do auxílio da força pública, decidida que foi a entrega do bem imóvel na sequência do requerimento apresentado pelo Adquirente Banco ….. (…..).

2.ª           Não obstante o valor da causa fixada pela sentença recorrida não exceder um quarto da alçada fixada para os tribunais judiciais de 1a instância, e, não ter sido aplicada sanção acessória, o que em termos gerais, obstaria a eventual interposição de recurso da decisão judicial face ao disposto nos arts. 105° da LGT e 280°, n° 4, do CPPT, por referência ao art. 225°, da Lei 82-B/2014 de 31 de Dezembro - entende a Fazenda Pública, tal como vem sustentado pela jurisprudência do STA que o mencionado comando normativo não esgota as possibilidades de recurso, permitindo que o mesmo seja apresentado, estribado no 280, n° 5 do CPPT[1], por se entender que se encontra verificada a "oposição de julgado”, no sentido em que o fundamento esgrimido pela douta sentença recorrida parte da premissa de que à data da entrada em vigor do regime da Lei 13/2016 de 23 de maio a venda ainda não se tinha concretizado — afastando o entendimento que o Colendo STA e o Venerando TCA Norte têm sobre esta matéria pois que fixam o momento da transmissão (ou da concretização da venda, se quisermos) à data da abertura das propostas, e que coloca desde logo um problema de aplicação retroativa do mencionado regime e que viola de forma flagrante o principio da irretroatividade da lei, tal como vem previsto no art. 12°, n° 1, do Código Civil.
3.ª           À data da abertura das propostas (23-03-2016) ainda não vigorava o regime da Lei 13/2016 de 23 de maio cuja vigência só se iniciou no dia seguinte ao da sua publicação — inexistindo fundamento para aplicar este regime a factos (vendas) anteriores ao da sua entrada em vigor.
4.ª           Caso assim não se entenda e porque se trata de contencioso que contende com um incidente relativo ao cumprimento de um acto administrativo (entrega de um bem imóvel ao adquirente), em matéria tributária, que não comporta a apreciação da legalidade do acto de liquidação, da autoria da administração tributária,(,..) regulado pelas normas sobre processo nos tribunais administrativos, nos termos do n° 2, do art. 97°, do CPPT, permite, no caso em apreço o recurso com fundamento previsto no art. 150° do CPTA[2], subsidiariamente aplicável por remissão da alínea c) do art. 2° do CPPT, por se afigurar como manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito a admissão deste recurso e pela importância fundamental que esta última assume à luz da relevância jurídica e social da questão..
5.ª           A posição tomada pelo tribunal a quo é absolutamente insustentável desafiando a orientação jurisprudencial prévia já produzida pelos tribunais superiores sobre o momento em que a venda se concretiza, mas também porque, manifestamente estamos perante um problema de ilegal aplicação retroativa de um regime que vigorando para o futuro não pode obviamente aplicar-se a um facto passado, a uma venda já concretizada, a uma transmissão já ocorrida — sobressaindo aqui a relevância iurídica do caso e a necessária melhor aplicação do direito.
6.ª           O indeferimento do pedido formulado pela Fazenda Pública tomado pelo tribunal a quo, levanta desde logo problemas de segurança jurídica e de estabilização de decisões já resolvidas (caso decidido/caso resolvido), de excesso de pronúncia e de recurso a um fundamento que colide inapelavelmente com o meio processual aqui em causa (sabido como é ser a Reclamação Judicial do art. 276° do CPPT e não o presente Incidente, o meio próprio para se discutir a eventual ilegalidade da venda com vista à sua anulação).
7.ª           No que concerne à relevância social do caso que a decisão tomada neste sentido para o futuro não produz outro efeito jurídico senão lesar o próprio adquirente que está de boa-fé o qual se vê, por um lado, na impossibilidade de reverter o negócio em sede de execução fiscal estando este como está, consumado. Por outro lado, vê o tribunal indeferir o pedido de requisição do auxílio da força pública impedindo-o de exercer a posse do imóvel.
8.ª           Sem esquecer a gravidade dos efeitos produzidos pela posição tomada pelo tribunal no que concerne ao futuro face ao universo de novos pedidos formulados pela Fazenda Pública como intermediária daqueloutros novos adquirentes de boa-fé sobre outros bens imóveis vendidos em execução fiscal que aguardam a prolação de um despacho que lhes permita efetivar a posse dos bens por si adquiridos. E que não são poucos.
9.ª           A douta sentença recorrida, dispõe o art. 256°, n° 2 e 3, do CPPT que o adquirente de um bem penhorado em processo de execução fiscal pode requerer ao órgão de execução fiscal, contra o executado e no próprio processo, a entrega do bem com base no título de transmissão, cabendo ao OEF solicitar o auxílio das autoridades policiais para entrega do bem.
10.ª E face ao pedido, admite tratar-se de bem imóvel destinado a habitação; que o executado não procedeu à sua entrega apesar das notificações levadas a cabo para o efeito e, por fim, que um requerimento foi apresentado por parte do adquirente com base no titulo de transmissão no sentido de efetivar a posse do imóvel.
11.ª Recorreu, porém, o tribunal a quo ao regime previsto na Lei 13/2016 de 23 de maio de 2016 o qual contém restrições à venda executiva no âmbito da execução fiscal relativamente a imóveis destinados exclusivamente à habitação própria e permanente do devedor - julgando de imediato que no caso em apreço à data da entrada em vigor deste regime a venda ainda não tinha ocorrido
12.ª Tudo está em saber se, de facto, à data da entrada em vigor da Lei 13/2016 de 23 de maio, cuja vigência se iniciou no dia seguinte ao da sua publicação a venda já tinha ocorrido ou não, sendo certo que como já fizemos notar pela jurisprudência citada supra (§ 2° e 3° deste articulado — questão prévia) os tribunais superiores têm vindo a entender reiteradamente que o momento relevante para efeitos de transmissão (venda) é o da aceitação por parte do OEF da proposta apresentada pelo adquirente e que ocorre como é sabido com a abertura das propostas.
13.ª Ora, à data da abertura das propostas (23-03-2016) ainda não tinha sido publicada a Lei 13/2016 a qual só iniciou a sua vigência dois meses depois. Pelo que, inexiste, na ótica da Fazenda Pública, fundamento legal para aplicar este regime a factos (vendas) anteriores ao da sua entrada em vigor.
14.ª Não é possível afirmar que a venda se realizou e depois alegar que a Lei 13/2016 de 23 de maio entrou em vigor antes da data de realização da venda, sem entrar em manifesta contradição.
15.ª Verifica-se, por outro lado, que para o tribunal a quo não basta que dos autos decorra que o imóvel em causa se destinava meramente à habitação, tendo desde logo imposto a prova do facto negativo. Ou seja, que o imóvel em causa não se destinava à habitação própria e permanente do próprio devedor.
16.ª O tribunal a quo não pode exigir à Fazenda Pública que faça prova (diabólica) do facto negativo, e, ademais, sem evidenciar um único normativo que imponha o ónus nesse sentido.
17.ª Ademais, que perante o que resulta dos autos de execução fiscal sempre foi claro que o imóvel destinava-se à habitação (sendo essa a sua natureza), e não a habitação própria e permanente do devedor.
18.ª Perante a natureza do imóvel, do que foi recolhido e inexistindo qualquer tipo de indício que contrariasse a natureza do bem imóvel, e, ademais, verificando-se que as tentativas de contacto, nomeadamente, por correio registado — sempre se mostraram infrutíferas, mais uma vez o que se impunha era concluir, à luz da experiência comum, que aquele imóvel não constituía habitação própria e permanente do devedor.
19.ª Retira ainda a douta decisão recorrida a ilação de que a Fazenda Pública no §25° do seu articulado inicial entende que o imóvel constitui o domicílio do devedor, sendo que para isso a mera leitura do parágrafo permite perceber que o que a douta sentença enuncia não tem aderência à realidade. A RFP nesse ou noutro parágrafo nunca se reportou em concreto ao domicilio do devedor, dando conta tão só que, em abstrato, o Parecer (da PSP) que está na base de qualquer necessidade de prévia intervenção judicial coloca-se com qualquer indivíduo ocupante do imóvel, e não apenas ou necessariamente do devedor.
20.ª Tampouco o OEF afirma que se trata do domicílio do devedor, limitando-se a enunciar que se trata de bem destinado à habitação. lnexistindo qualquer afirmação no sentido de que o imóvel constitui domicilio do devedor, tanto mais para o órgão de polícia criminal a necessidade de sancionar jurisdicionalmente a intervenção coloca-se seja com quem for, nomeadamente, com qualquer terceiro ocupante que faça dele seu domicílio.
21.ª O objecto dos presentes autos visa não a reapreciação da legalidade da venda, mas o pedido de produção de um despacho que legitime, se necessário, o uso da força para efectivar a entrega de um bem que um terceiro adquiriu de boa-fé cuja posse não consegue obter.
22.ª A AT não se conforma que a douta sentença se tenha suportado na eventual irregularidade da venda (note-se que se está sempre e só a falar em abstracto porque não se vislumbra qualquer vício assacável à venda) e que, quando muito, deveria ter sido suscitada pela própria Executada naquela altura, sendo forçoso concluir, que se eventual irregularidade existiu a mesma já se encontraria sanada, não podendo, agora, a douta sentença alterar a própria Ordem Jurídica já consolidada esgotados que estão os seus poderes jurisdicionais.
23.ª Ainda que assim não se entendesse e conforme aflorámos supra (§ 52°) se na ótica da sentença recorrida está em causa um fundamento que obsta à realização da venda então forçosamente teremos de aceitar que essa questão só deve ser apreciada no seio do meio processual adequado que é a Reclamação Judicial prevista no art. 276°, do CPPT.
24.ª Não podia a douta sentença recorrida, com base na fundamentação com que se suportou, indeferir a pretensão formulada pela Fazenda Pública no presente Incidente e ao fazê-lo incorreu na nos seguintes erros de julgamento:

1 -         Má apreciação do regime legal aplicável aos factos em apreço, cumpridas que foram as condições previstas no art. 256°, n° 2 e 3, do CPPT e que o douto tribunal não refutou, ao arrepio do disposto nos art. 2°, 50 e 6° da Lei 13/2016 de 23 de maio e do disposto no art. 12°, do Código Civil.

2 -        Ainda que assim não fosse, má apreciação da prova produzida nos autos, a qual devia ser apreciada de forma conjugada e à luz da experiência comum — logrando ficar cabalmente demonstrado tratar-se de mero imóvel de habitação, que por si só não constituía habitação própria e permanente do devedor e sem que dos factos alegados pela Fazenda Pública e pelo OEF se pudesse retirar a ilação que o imóvel constituía domicilio do devedor (Facto C), violando assim o disposto no art. 2°, 5° e 6° da Lei 13/2016 de 23 de maio.

3 -        Subsidiáriamente, e admitindo-se em abstracto a eventual anulação da venda, a irregularidade teria de se ter por necessariamente sanada "ope legism, nomeadamente, por decurso do prazo para a sua arguição — e que uma vez consolidada na Ordem Jurídica obrigatoriamente esgota o poder jurisdicional do tribunal nesse particular.

4 —    Em todo o caso estando em causa fundamento que obsta à realização da venda então forçosamente teremos de aceitar que essa questão só deve ser apreciada no seio do meio processual adequado que é a Reclamação Judicial prevista no art. 276°, do CPPT, não existindo, à luz do fundamento esgrimido pela sentença recorrida, motivo que lograsse fazer improceder o pedido formulado pela Fazenda Pública.
25.ª Impõe-se nesta medida a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por acórdão que, reconhecendo como melhor pronúncia a apreciação da matéria de direito e de facto sufragada pela AT - julgue procedente o presente recurso, e, consequentemente, defira a pretensão correctamente formulada pela Fazenda Público no âmbito do presente Incidente da Execução Fiscal, e nos termos das conclusões que seguem e que V. Exas melhor suprirão, julgando legal a sobredita correção.

5. O requerimento de interposição de recurso foi indeferido por despacho de 03-07-2017, com a seguinte fundamentação:

“Atento a que o requerente não indica quaisquer decisões que perfilhem solução oposta á proferida por este Tribunal, relativamente ao mesmo fundamento de direito, antes contesta a decisão de aplicação da Lei nº 13/2016, de 23.05 à questão sob judicio, matéria não apreciada nos referidos Ac. do colendo STA, pelo que não se verifica qualquer oposição de julgados, o que obstaculiza a interposição de recurso com esse fundamento, pelo que vai o mesmo indeferido por não ser o mesmo admissível, nos termos do disposto nos nº 4 e 5, do artº 280º, do CPPT.

Notifique”.


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2.1.2. Motivação:

Os factos considerados provados em 2.1.1. baseiam-se na documentação dos autos e na consulta do processo principal (505/17.4BESNT), efectuada via SITAF.


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2.2. De Direito

A reclamante Fazenda Pública apresentou reclamação do despacho do Mm.º Juiz de Sintra que indeferiu o recurso que interpôs, do despacho que lhe negou o auxílio da força pública para desocupação de imóvel vendido em execução fiscal, com fundamento na violação da Lei n.º 13/2016, de 23 de Maio.

O recurso foi interposto “nos termos dos artigos 279.º, n.º 1, alínea b), in fine, e n.º 2, 280.º e 282.º, todos do Código de Procedimento e Processo Tributário”

Nas conclusões das suas alegações a reclamante reconhece que no requerimento de interposição do recurso não indicou decisões judiciais que perfilhassem solução oposta, porém, indica agora naquelas as decisões proferidas nos processos 352/17.3BESNT e 1232/16.5BESNT. Alega, também, que, subsidiariamente, se suportou no recurso de revista previsto no artigo 150.º do CPTA.

Vejamos, antes de mais, se a decisão reclamada padece da arguida omissão de pronúncia.

Como alega a reclamante, esta invocou, expressamente,  que “nos termos do n° 2, do art. 97°, do CPPT, permite, no caso em apreço o recurso com fundamento previsto no art. 150° do CPTA[3], subsidiariamente aplicável por remissão da alínea c) do art. 2° do CPPT, por se afigurar como manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito a admissão deste recurso e pela importância fundamental que esta última assume à luz da relevância jurídica e social da questão” (conclusão 4.ª das conclusões de recurso, referida supra em 2.1.1.4).

Como é patente, sobre essa questão o despacho reclamado nada disse, limitando-se a indeferir o recurso com fundamento na falta de indicação das decisões em oposição com a sentença recorrida.

Portanto, sem necessidade de mais considerandos, por inúteis, é manifesto que o referido despacho padece de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do disposto nos artigos 615.º, n.º 1, al. d), do CPC e 125.º, n.º 1, do CPPT.

Padecendo de omissão de pronúncia o despacho reclamado tem de ser necessariamente revogado.

Vejamos então, agora, se há motivo para atender a reclamação da reclamante.

A tese é de que existem decisões opostas à decisão recorrida e de que, pela sua importância fundamental, deve ser admitido o recurso de revista.

Considerando que a situação em apreço é anterior à Lei n.º 118/2019, de 17 de Setembro, o quadro jurídico-processual a aplicar é o anterior a essa lei, ou seja, o CPPT na versão pregressa, de que serão todos os normativos que adiante se indicarem sem menção de outra expressa proveniência.

Como estamos perante uma decisão de um tribunal de primeira instância, o regime do recurso aplicável é que se encontra regulado nos números 1, 4 e 5 do artigo 280.º do CPPT.

O n.º 4 veda o recurso nas hipóteses em que o valor da causa não ultrapasse o valor da alçada fixada para os tribunais tributários de 1.ª instância.

Contudo, o n.º 5 permite o recurso quando a decisão perfilhe uma “solução oposta relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência substancial de regulamentação jurídica, com mais de três sentenças do mesmo ou outro tribunal de igual grau ou com uma decisão de tribunal de hierarquia superior”.

Comentando estas duas normas escreve Jorge Lopes de Sousa:

“I - Os requisitos da espécie de recursos jurisdicionais constantes do art. 280.º, n.º 4 a 5 do CPPT são definidos através das expressões «mesmo fundamento de direito», «solução oposta» e «ausência substancial de regulamentação jurídica", que são os mesmos utilizados no ETAF para os recursos com fundamento em oposição de julgados pelo que se deve concluir que se pretendeu adoptar globalmente os requisitos deste último tipo de recursos”[4].

É, portanto, aplicável a disciplina do artigo 284.º, n.º 1, do CPPT, devendo o requerimento da interposição do recurso indicar, com a necessária individualização, as decisões anteriores que estejam em oposição com a sentença.

Ora, em relação a tais decisões a recorrente nada referiu.

É certo que o vem fazer agora nas alegações da reclamação. Mas será que é atendível essa indicação?

Afigura-se-nos que não.

Em primeiro lugar a reclamação deve indicar o fundamento de discordância com a decisão reclamada e não para servir de instrumento de reparação do requerimento de interposição do recurso.

Em segundo lugar, as decisões referidas não atingem o número exigido pelo n.º 5 do artigo 280.º do CPPT.

Acresce que nas decisões invocadas não está dado como provado que o(a) executado(a) tem a sua residência habitual no imóvel, facto determinante para recusa da entrega coerciva no caso dos autos.

Ou seja, não há a identidade fáctica requerida pelo regime da oposição de julgados para que se possa concluir que existe a referida oposição.

Por fim, embora o erro não seja decisivo, o recurso devia ser dirigido ao STA e não ao TCA (cfr. artigo 280.º, n.º 5, do CPPT), sendo certo que existem questões de facto a apreciar que sempre impediriam o recurso ao STA.

Donde, ser patente que o recurso previsto no n.º 5 do artigo 280.º do CPPT não é aplicável ao caso sub judice.

Quanto à invocação, a título subsidiário, do recurso de revista, ele também se mostra insusceptível de dar razão à reclamante. Com efeito, o recurso de revista deveria ser dirigido ao STA e não ao TCA, pelo que é inaplicável à presente reclamação.

Por outro lado, tal recurso, quando interposto de decisões de um tribunal de primeira instância, só é admissível em causas de valor superior a €500.000,00 (cfr. artigo 151.º, n.º 1, do CPTA), sendo que nos demais casos o recurso de revista só é admissível de decisões do TCA (cfr. artigo 150.º, n.º 1, do CPTA).

Pelo que carece de pertinência a sua chamada à colação.

Donde, não ter qualquer cabimento defender-se que a decisão recorrida podia ser objecto de recurso de revista.

Em resumo e para concluir, a reclamação é de todo improcedente.


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3 - Dispositivo:

Face ao exposto acordam em revogar o despacho reclamado e, indeferindo a reclamação, rejeitar o recurso interposto.

Custas pela reclamante.

D.n.

Lisboa, 2020-06-04

Benjamim Barbosa

Ana Pinhol

Isabel Fernandes

______________
[1]   Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e Processo Tributário, anotado e comentado. vol IV, 6.ª edição, Áreas editores, 2011,anotação 11, 1 a) e 11 c) ao art. 280.º, p. 421 e 422
[2]   Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e Processo Tributário, anotado e comentado, vol IV, 6" edição, Áreas editores, 2011,anotações10, 12 e 13 ao art. 280°, p.419
[3]   Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e Processo Tributário, anotado e comentado, vol IV, 6" edição, Áreas editores, 2011,anotações10, 12 e 13 ao art. 280°, p.419
[4] Cfr. Código de Procedimento e Processo Tributário Anotado, vol. IV, 6.ª ed., Lisboa, Áreas Ed.ª, 2011, p. 427