Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06222/10
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:05/03/2012
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:OPOSIÇÃO À AQUISIÇÃO DA NACIONALIDADE
LIGAÇÃO EFECTIVA À COMUNIDADE NACIONAL
Sumário:I – Apenas se provando que o Recorrente é casado com uma cidadã portuguesa desde 1993, sendo pai de dois filhos também portugueses, nada se provou que revele uma ligação especial ou um sentimento de pertença à comunidade portuguesa em especial, sendo certo que o Recorrido não vive, e nunca viveu em Portugal, tal como o seu cônjuge e os seus filhos:

II - O facto de ser casado com uma cidadã portuguesa não pode, só por si, ser considerado como elemento constitutivo e determinante da sua ligação à comunidade portuguesa, devendo, tal como resulta dos arts. 22º e 56º, nº 2 do Regulamento da Nacionalidade ser comprovada a ligação efectiva à comunidade nacional;

III – A ligação efectiva à comunidade nacional há-de ser aferida pelo domicílio, pela língua, por aspectos de ordem familiar, cultural, social, de amizade e económico-profissional, que consubstanciem a ideia de pertença à comunidade portuguesa, o que inclui uma integração na sociedade portuguesa.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Recorrente: Ministério Público
Recorrido: …………….

Acordam na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

Vem interposto recurso da sentença do TAC de Lisboa que julgou improcedente a oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, contra ……………., de nacionalidade ………….., deduzida pelo Ministério Público, com fundamento na inexistência de ligação efectiva do requerido à comunidade portuguesa, pedindo que se ordene o arquivamento do processo conducente a esse registo pendente na Conservatória dos Registos Centrais.
Em alegações são formuladas as seguintes conclusões:
1°- Atendendo a que a redacção dos n°s 1 e 2 do art. 3° da Lei n° 37/81, foi mantida pela
Lei 2/2006, continua o estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português, a poder adquirir, em determinadas circunstâncias, a nacionalidade portuguesa.
2°-No entanto, enquanto o art. 9°, na redacção anterior, estabelecia que constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, designadamente, a "não
comprovação, pelo interessado, de ligação efectiva à comunidade nacional";
3°- Já na redacção actual refere-se que constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, designadamente a "inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional".
4°- O art. 56°, n°2 do actual Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo DL n° 237-A/2006, que corresponde ao referido art. 22°, prevê: «2 - Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou da adopção:
a) A inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional;
b) A condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, segundo a lei portuguesa;
c) O exercício de funções públicas sem carácter predominantemente técnico ou a prestação de serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro».
5°- E o art. 57°, n° 1 deste diploma, dispõe-se que:
"Quem requeira a aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou por adopção, deve pronunciar-se sobre a existência de ligação efectiva à comunidade nacional e sobre o disposto nas alíneas b) e c) do n.° 2 do artigo anterior."
6°- Estabelece o n° 7 do mesmo artigo estabelece-se que "sempre que o conservador dos Registos Centrais ou qualquer outra entidade tiver conhecimento de factos susceptíveis de fundamentarem a oposição à aquisição da nacionalidade, por efeito da vontade ou por adopção, deve participá-los ao Ministério Público, junto do competente tribunal administrativo e fiscal, remetendo-lhe todos os elementos de que dispuser"
7°- Da leitura e análise dos citados preceitos retira-se que deixou o legislador de exigir que o interessado comprove a sua ligação efectiva à comunidade nacional, sendo fundamento da oposição a "não comprovação" dessa ligação efectiva. Ou seja, agora. não se faz menção a essa "não comprovação", mas tão-só à inexistência de ligação à comunidade nacional, devendo ser feita ao Ministério Público a participação de factos susceptíveis de fundamentarem a oposição.
8°- O interessado tem necessidade de "pronunciar-se sobre a existência de ligação efectiva à comunidade nacional", crendo-se que será a partir dessa pronuncia que o conservador poderá aquilatar da existência/inexistência de ligação a comunidade nacional e, no caso de se indiciar a inexistência, comunicá-la ao Ministério Público para instauração da acção de oposição.
9°- Portanto, a oposição à aquisição de nacionalidade, "«o que tange à falta de ligação efectiva à comunidade nacional deverá o interessado, pretende adquirir a nacionalidade portuguesa, considerando que lhe assiste esse direito, pronunciar-se sobre a existência daquela ligação. Assim, constatando-se, face às explicações apresentadas com vista à alegada ligação à comunidade nacional, que as razões aduzidas serão insuficientes para se concluir por essa ligação, levará à comunicação ao Ministério Público para a instauração do processo de oposição ".
10°- A acção de simples apreciação tem por fim unicamente obter a declaração da existência ou inexistência de um direito ou de um facto (art. 4°, n°2, al. a) do CPC).
11o- A acção destinada à declaração da inexistência da ligação à comunidade portuguesa deve ser qualificada como uma acção de simples apreciação negativa.
12°- A nova lei "não alterou o figurino da oposição à aquisição da nacionalidade como acção de simples apreciação negativa, destinada demonstração da inexistência de ligação à comunidade nacional, comas consequências daí advindas".
13o- De acordo com o disposto no art. 343º, nº 1 do C. Civil, nas acções de simples apreciação ou declaração negativa, compete ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga.
14o- Mas se quisermos, também pelo facto de estarmos perante uma acção que é consequência de uma pretensão, junto dos Registos Centrais, por banda do interessado, que aí manifesta a sua intenção de adquirir a nacionalidade portuguesa, pelo que lhe cabe, de acordo com as regras gerais do ónus da prova, demonstrar os factos constitutivos dessa sua pretensão.
15°- Face a tudo quanto fica exposto, entende-se que a aplicação imediata dos normativos referidos, não afecta o normal decurso do processado, permitindo, portanto, a prolação de decisão."
16°- Face à matéria dada como provada, deveria o Tribunal “a quo”, considerar que o R. não tinha ligação efectiva à comunidade portuguesa.
17o- Pelo que a sentença recorrida, deve ser revogada e substituída por outra em que se declare a procedência da presente acção.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Foi dado cumprimento ao disposto no art. 146º, nº 1 do CPTA.

Os Factos
A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
1. O requerido nasceu a 5 de Maio de 1972 em …………., ………………..
2. O requerido contraiu casamento em Chexbres, na Suiça, na Suiça, em 21.08.93 com a cidadã portuguesa Maria ……………………….
3. É pai de dois filhos, nascidos na constância do matrimónio, na Suiça, Ismail e Adrien, o mais velho nascido em Outubro de 1994 e o mais novo em Abril de 1997, ambos de nacionalidade portuguesa registados no Consulado Português em Genebra.
4. Em 28 de Maio de 2007, no Consulado-Geral de Portugal em Genebra, o requerido prestou declaração para aquisição da nacionalidade portuguesa, nos termos do art. 3º, da Lei 37/81, de 3/10, com base no casamento que contraiu com a nacional portuguesa antes identificada.
5. Com base nessa declaração foi organizado na Conservatória dos registos Centrais o processo nº……………….., onde se questionou a existência de facto impeditivo da pretendida nacionalidade, razão pela qual foi remetida ao MP certidão para efeitos de instauração do presente processo.
6. Para prova da alegada ligação efectiva à comunidade portuguesa, o requerido juntou cartas subscritas pelo próprio, pela mulher, por familiares amigos/conhecidos e declaração emitida pelo Centro Português de Vevey (cf. documentos, cujas cópias constam de fls. 14, 15, 39, 40, 41, 42 e 43 dos autos, dando-se por reproduzido na íntegra o que deles consta).
7. Nada consta do certificado do registo criminal do requerido.
8. O requerido vive habitualmente com a sua mulher e filhos em ………… na Suiça.

O Direito
A sentença recorrida julgou improcedente a oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, contra R……………., de nacionalidade Kosovar, deduzida pelo Ministério Público, com fundamento na inexistência de ligação efectiva do requerido à comunidade portuguesa, pedindo que se ordene o arquivamento do processo conducente a esse registo pendente na Conservatória dos Registos Centrais.
Para tanto, entendeu-se na sentença, em resumo, o seguinte:
A presente acção foi proposta ao abrigo do estatuído no art. 9º, al. a) da Lei nº 31 /81, de 3/10 e art. 22º e segs. e do DL. nº 322/82 de 12/8, ambos nas redacções dadas pela Lei nº 25/94, de 19/8, e Lei nº 2/2006 de 17/4, DL. nº 253/94 de 20/10, e actual art. 56º, nº 1, al. a) do DL. nº 237-A/2006, de 14/12, respectivamente.
É sobre o A. que recai o ónus da prova de que inexiste ligação com a comunidade nacional.
Uma vez que com a entrada em vigor da Lei n° 2/2006 e do DL. n° 237-A/2006, o ónus da prova, no que se refere à inexistência da ligação efectiva à comunidade nacional se inverte passando a pertencer ao MP.
Na nova lei a inexistência de ligação efectiva à comunidade portuguesa, é entendida com um facto impeditivo da aquisição da nacionalidade portuguesa.
Da matéria dada como provada no âmbito dos presentes autos, não resulta infirmada a inexistência da ligação efectiva à comunidade nacional.

O Recorrente defende que face à matéria dada como provada, deveria o Tribunal “a quo”, considerar que o R. não tinha ligação efectiva à comunidade portuguesa, devendo a sentença ser revogada.

Vejamos.
O Ministério Público opõe-se à aquisição da nacionalidade portuguesa por parte do aqui Recorrido, com fundamento na falta de prova de ligação efectiva à comunidade nacional e no disposto no art.º 9º, al. a) da Lei da Nacionalidade (Lei 37/81, de 3.10, na redacção introduzida pela Lei 25/94, de 19.8).
A Lei Orgânica nº 2/2006, de 17/4, introduziu importantes alterações na Lei nº 37/81, de 3.10.
Por outro lado, foi, por força do DL. nº 237-A/2006, de 14/12, aprovado novo Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, sendo revogado o DL. nº 322/82 de 12 de Agosto.
Com a entrada em vigor deste diploma, passaram também a vigorar as alterações introduzidas pela Lei Orgânica nº 2/2006, de 17/4, ex vi do seu art. 9º, conjugado com o art. 3º.
No art. 3º, nº 1 da Lei 37/81, de 3/10, sistematicamente inserido na Secção l do capítulo II do diploma, sob a epígrafe, aquisição da nacionalidade por efeito da vontade, prevê-se (redacção que foi mantida pela Lei nº 2/2006) o seguinte:
«O estrangeiro casado com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa mediante declaração feita na constância do casamento".
Por outro lado, no art. 9º, na redacção anterior, estabelecia-se o seguinte:
“Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa:
a) A não comprovação, pelo interessado, de ligação efectiva à comunidade nacional;
b) A prática de crime punível com pena de prisão de máximo superior a três anos, segundo a lei portuguesa;
c) O exercício de funções públicas ou a prestação de serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro.”
A redacção actual é a seguinte:
“Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa:
a) A inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional;
b) A condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa;
c) O exercício de funções públicas sem carácter predominantemente técnico ou a prestação de serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro.”.
No art. 22º do DL. nº 322/82, de 12/08, prescrevia-se o seguinte:
1- Todo aquele que requeira registo de aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou por adopção, deve:
a)Comprovar por meio documental, testemunhal ou qualquer outro legalmente admissível a ligação efectiva à comunidade nacional;
b) Juntar certificados do registo criminal, passados pelos serviços competentes portugueses e do país de origem;
c) Ser ouvido, em auto, acerca da existência de quaisquer outros factos susceptíveis de fundamentarem a oposição legal a essa aquisição.
2-[...]
3 - Se o conservador dos Registos Centrais tiver conhecimento de factos susceptíveis de fundamentarem a oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, deve participá-lo ao Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa, remetendo-lhe todos os elementos de que dispuser».
No art. 56º, nº 2 do actual Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo DL. nº 237-A/2006, prevê-se:
“2 - Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou da adopção:
a) A inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional;
(…)”.
No art.º 57º, nº 1 deste diploma, dispõe-se que:
“Quem requeira a aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou por adopção, deve pronunciar-se sobre a existência de ligação efectiva à comunidade nacional e sobre o disposto nas alíneas b) e c) do nº 2 do artigo anterior.”
No nº 7 do mesmo artigo estabelece-se que sempre que o Conservador dos Registos Centrais ou qualquer outra entidade tiver conhecimento de factos susceptíveis de fundamentarem a oposição à aquisição da nacionalidade, por efeito da vontade ou por adopção, deve participá-los ao Ministério Público, junto do competente tribunal administrativo e fiscal, remetendo-lhe todos os elementos de que dispuser.
A aquisição da nacionalidade por efeito da vontade do estrangeiro casado com nacional português, o citado art. 3º, n.º 1, da Lei da Nacionalidade (Lei 37/81, de 3 de Outubro, na redacção da Lei Orgânica 2/2006, e art. 14º, nº 1, do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa), é uma solução legal que se inspira na protecção do interesse da unidade da nacionalidade familiar.
O legislador não impõe este princípio da unidade, mas é uma realidade em que se encontra interessado e que por isso promove ou facilita sempre que ela seja igualmente querida pelos interessados.
Com efeito, o facto relevante para a aquisição da nacionalidade não é o casamento - o estabelecimento de uma relação familiar -, mas a declaração de vontade do estrangeiro que case com um nacional português - cfr., os citados arts. 3º, da Lei da Nacionalidade, e 14º, nº 1, do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa. Como refere Rui Manuel Moura Ramos, in “Do Direito Português da Nacionalidade”, 1992, pág. 151, “o casamento não é mais do que um pressuposto de facto necessário dessa declaração mas não é ele o elemento determinante da aquisição”.
Assim, no regime da nossa lei, a aquisição da nacionalidade portuguesa pode ter lugar desde que o estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português declare, na constância do casamento, que pretende adquirir esta nacionalidade.
Mas o efeito da aquisição da nacionalidade não se produz sem mais pela simples verificação do facto constitutivo que a lei refere – a manifestação de vontade do interessado.
De facto, importa também que ocorra uma condição negativa, ou seja, que não haja sido deduzida pelo Ministério Público oposição à aquisição da nacionalidade ou que, tendo-a sido, ela haja sido considerada judicialmente improcedente.

No caso presente a sentença recorrida concluiu que: «(…), recaindo, face à actual Lei da Nacionalidade, sobre o Ministério Público, o ónus da prova da inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional, e não tendo este logrado demonstrar este fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade (alínea a) do art. 9º), como lhe competia, terá que improceder a presente oposição.»
Ora, o interessado na aquisição da nacionalidade continua a ter necessidade de “pronunciar-se sobre a existência de ligação efectiva à comunidade nacional” (citado art. 57º, nº 1), sendo a partir dessa pronúncia que o conservador poderá aferir da existência (ou falta dela) de ligação à comunidade nacional e, no caso de se indiciar a inexistência, comunicá-la ao Ministério Público para instauração da competente acção de oposição.
No caso concreto o requerente prestou declarações, tendo referido:
“Tem ligação efectiva à comunidade portuguesa porque:
- É pai de dois filhos nascidos na constância do matrimónio, na Suiça, respectivamente Ismail e Adrian, nascidos em Outubro de 1994 e Abril de 1997, registados no Consulado Português em Genebra,
- O facto de não deter a nacionalidade portuguesa, impede-o de viajar livremente com a sua mulher e filhos,
- Tem parcos conhecimentos da língua portuguesa” (cfr. art. 6º da p.i., e ainda ponto 6 do probatório e doc. de fls. 14).
Ora, destas declarações e dos documentos juntos (para os quais remete o ponto 6 do probatório) não resulta o sentimento de pertença ou de identificação com a comunidade nacional, mas antes a conveniência que resultaria para o requerente na obtenção da nacionalidade portuguesa, para poder viajar mais à vontade no espaço Europeu.
Não foi pois minimamente indiciada (pelo ora requerido junto da Conservatória dos Registos Centrais) em termos de residência, de relações sociais ou profissionais, de concretos interesses económicos ou culturais, qualquer afinidade real e concreta com a comunidade nacional portuguesa, que objectivamente consubstanciem uma da ligação efectiva a essa comunidade que justifique, na data em que foi requerida, a aquisição da nacionalidade portuguesa.
Assim, os factos provados são insuficientes, sem mais indícios, para ilustrar o sentimento de pertença à comunidade nacional portuguesa, sendo certo que, apesar de estar casado com uma cidadã portuguesa há mais de 15 anos, continua a ter “parcos conhecimentos da língua portuguesa”, como o próprio recorrido admite no doc. de fls. 14 e 15.
Ora, era exigível ao aqui Recorrido a demonstração de uma maior ligação a Portugal do que a resultante normal convivência do casamento.
A acção de oposição à aquisição da nacionalidade como acção de simples apreciação negativa, destina-se à demonstração da inexistência de ligação à comunidade nacional, com as consequências que daí resultam, face ao disposto no art. 343º, nº 1 do CC, segundo o qual compete ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga.
De todo o modo, por se estar perante uma acção que é consequência de uma pretensão, junto dos Registos Centrais, por parte do interessado, que aí manifesta a sua intenção de adquirir a nacionalidade portuguesa, também lhe cabe, de acordo com as regras gerais do ónus da prova, demonstrar os factos constitutivos da sua pretensão.
Em nosso entender, tal como alega o Recorrente, da matéria de facto dada como provada não resulta preenchido o pressuposto da ligação efectiva à comunidade portuguesa.
Efectivamente, apenas se pode considerar provado que o Recorrente é casado com uma cidadã portuguesa desde 1993, sendo pai de dois filhos também portugueses.
Ou seja, do que se expôs, nada se provou que revele uma ligação especial ou um sentimento de pertença à comunidade portuguesa em especial, sendo certo que o Recorrido não vive, e nunca viveu em Portugal, tal como o seu cônjuge e os seus filhos.
Ora, o facto de ser casado com uma cidadã portuguesa não pode, só por si, ser considerado como elemento constitutivo e determinante da sua ligação à comunidade portuguesa, devendo, tal como resulta dos arts. 22º e 56º, nº 2 do Regulamento da Nacionalidade ser comprovada a ligação efectiva à comunidade nacional.
Como se escreveu no Ac do STJ de 06.07.2006, Proc. 06 B 1740, www.dgsi.pt:
«Para que o cidadão estrangeiro adquira a nacionalidade portuguesa, não basta a prova do casamento com cidadão português há mais de três anos e a declaração de vontade de aquisição da nacionalidade do cônjuge, sendo conforme o art. 9º al a) da lei da Nacionalidade (…) indispensável a existência de uma ligação efectiva do interessado à comunidade nacional, que lhe incumbe provar como estabelecido no art. 22º do RN (…).
A conclusão pela existência ou não de ligação efectiva ou pertença a comunidade nacional terá de resultar da ponderação de um conjunto de circunstâncias, como é o caso do domicílio, da estabilidade da fixação, da família, relevando a nacionalidade portuguesa do cônjuge e dos filhos, da actividade económica ou profissional, do conhecimento da língua falada ou escrita, dos usos, costumes e tradições, da história, da geografia, do convívio e integração nas comunidades portuguesas, das relações sociais, humanas, de integração cultural, da participação na vida comunitária portuguesa, designadamente, em associações culturais, recreativas, desportivas, humanitárias e de apoio, isto é, de todos os aspectos familiares, sociais, económico-profissionais, culturais e de amizade reveladores de um sentimento de pertença à comunidade portuguesa em Portugal ou no estrangeiro, relevando para tanto todos os elementos ou factores susceptíveis de revelar a efectiva inserção do interessado na cultura e no meio social nacional que no caso concorram – ou deixem de concorrer».
Significa isto que a ligação efectiva à comunidade nacional há-de ser aferida pelo domicílio, pela língua, por aspectos de ordem familiar, cultural, social, de amizade e económico-profissional, que consubstanciem a ideia de pertença à comunidade portuguesa, o que inclui uma integração na sociedade portuguesa, “uma vez que só esta permite conhecê-la, partilhar dos seus valores, inteirar-se dos seus problemas, e deste modo, contribuir para a expressão da cultura e melhoria das condições de vida dos portugueses.” (cfr. Ac. STJ de 15.01.2004, Proc. 03 B 3941). No mesmo sentido se tem pronunciado este TCAS, por exemplo nos Acs. de 02.10.2008, Proc. 04125/08, de 19.11.2009, Proc. 04150/08, de 26.05.2011, Proc. 04881/09 e de 17.03.2011, Proc. 06449/10.
Termos em que, sendo de concluir pela inexistência de ligação efectiva à comunidade portuguesa por parte do recorrido, ao julgar improcedente a acção de oposição à aquisição à nacionalidade portuguesa a sentença recorrida incorreu no erro de julgamento que lhe vem imputado, procedendo, consequentemente, as conclusões do Recorrente.

Pelo exposto, acordam em:
a) – conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida e julgando procedente a acção;
b) – sem custas.

Lisboa, 3 de Maio de 2012
Teresa de Sousa
Benjamim Barbosa
Carlos Araújo