Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1307/13.2BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:04/13/2023
Relator:FREDERICO MACEDO BRANCO
Descritores:ABONO PARA FALHAS
Sumário:I – O abono para falhas é um suplemento ou acréscimo remuneratório atribuído em função de uma particularidade específica da prestação de trabalho, que se traduz no manuseamento de dinheiro, caracterizando-se e justificando-se como um subsídio destinado a indemnizar funcionários e agentes pelas despesas e riscos inerentes a tal manuseamento que é suscetível de gerar falhas contabilísticas em operações de tesouraria.
II - O pagamento do abono para falhas no âmbito da Administração Local é regulado pelo Decreto-Lei n.º 4/89, de 06/01, o qual era, na sua versão inicial, aplicável apenas aos funcionários e agentes da administração central e dos institutos públicos que revestissem a natureza de serviços personalizados ou de fundos públicos (art.º 1.º, na redação originária).
Em qualquer caso, a Lei n.º 64-A/2008, de 31/12, que aprovou o Orçamento do Estado para 2009, alterou os art.ºs 1.º, 2.º e 4.º, do Decreto-Lei n.º 4/89, de 06/01 (cfr. o respetivo art.º 24.º), passando o art.º 1.º a estipular que este último diploma “é aplicável aos serviços da administração direta e indireta do Estado, bem como, com as adaptações respeitantes às competências dos correspondentes órgãos das autarquias locais, aos serviços das administrações autárquicas”.
III – Determina o Despacho n.º 15409/2009 que “têm direito ao suplemento designado «abono para falhas», regulado pelo Decreto-Lei n.º 4/89, de 6 de janeiro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 276/98, de 11 de setembro, e pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, os trabalhadores titulares da categoria de assistente técnico da carreira geral de assistente técnico que ocupem postos de trabalho que, de acordo com a caracterização constante do mapa de pessoal, se reportem às áreas de tesouraria ou cobrança que envolvam a responsabilidade inerente ao manuseamento ou guarda de valores, numerário, títulos ou documentos” (1.º parágrafo)
Acresce que, “nas autarquias locais, têm ainda direito ao suplemento a que se refere o número anterior os trabalhadores titulares da categoria de coordenador técnico da carreira de assistente técnico que se encontrem nas mesmas condições, bem como os titulares da categoria subsistente de tesoureiro-chefe” (2.º parágrafo)
V – Verificando-se que o Recorrente não é titular da categoria de assistente técnico da carreira geral de assistente técnico, não ocupa posto de trabalho que se reporte às áreas de tesouraria ou cobrança, nem se pode entender que o seu posto de trabalho, à luz do respetivo conteúdo funcional envolva predominantemente a responsabilidade inerente ao manuseamento ou guarda de valores, numerário, títulos ou documentos, a titulo predominante, não tem direito ao abono por falhas.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I Relatório
A....., devidamente identificado nos autos, no âmbito da ação administrativa Comum, intentada contra o Município da Amadora tendente, predominantemente, ao reconhecimento do seu direito a auferir abono para falhas no período compreendido entre abril de 2008 e novembro de 2011, inconformado com a Sentença proferida em 29 de fevereiro de 2016, no TAF de Sintra, que julgou improcedente a Ação, veio interpor recurso jurisdicional para esta Instância.
Formula o aqui Recorrente/A..... nas suas alegações do Recurso Jurisdicional, apresentadas em 8 de abril de 2016, as seguintes conclusões:
“1 - Não se conforma o ora Agravante com a douta sentença recorrida, porquanto entende não existir lugar ao pagamento de abono para falhas, no período compreendido entre Abril de 1998 e Novembro de 2011;
2 - Entende, contudo, o Agravante, com o devido respeito, que os argumentos do tribunal “a quo” não poderão prosseguir, tendo existido uma interpretação incorreta do direito aplicável ao caso sub judice;
3 - O Recorrente é trabalhador da Câmara Municipal da Amadora, desde Abril de 1998, detendo, atualmente, a categoria profissional de Assistente Técnico, da carreira de Assistente Técnico tendo, anteriormente à categoria profissional agora detida, atribuída de Assistente Técnico, da carreira de Assistente Técnico agora detida, atribuída a categoria profissional de Encarregado de Parques Desportivos.
4 - No exercício das suas funções para a Recorrida, o Recorrente procedeu sempre ao manuseamento e transporte de dinheiro, designadamente das receitas de aluguer de campo desportivo pertencente ao Município da Amadora, sendo estas receitas transportadas pelo Agravante para a Câmara Municipal da Amadora e para a instituição Bancária respetiva;
5 - Esta situação teve o seu início desde Abril de 1998, momento em que o Recorrente tomou posse na Câmara Municipal da Amadora como encarregado de Parques Desportivos, em que passou a assumir, de forma diária e ininterrupta e mediante instrução e autorização superior, o manuseamento das receitas dos equipamentos desportivos.
6- O Despacho n.º 4/88 do Gabinete do Secretário de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território, publicado no DR II Série, nº 80, de 06.04.89, que aprovou o conteúdo funcional de diversas categorias, veio dispor, para a categoria de Encarregado de Parques Desportivos, inserida no Grupo de Pessoal auxiliar, o seguinte: Encarregado de parques desportivos e ou recreativos - orienta e coordena a atividade dos trabalhadores em serviço no parque desportivo e ou recreativo – orienta e coordena a atividade dos trabalhadores em serviço no parque desportivo e ou recreativo a seu cargo, de acordo com as orientações superiormente recebidas; é responsável pelo cumprimento do regulamento interno, pelos bens e equipamento existentes nas instalações e pela conferência de receitas arrecadas até à sua entrega na tesouraria da Câmara; quando em serviço na piscina, compete-lhe ainda o controlo diário das instalações de tratamento, aquecimento, desinfeção e limpeza.
7 - Verificando-se, assim, constar do conteúdo funcional da categoria detida pelo Recorrente de Encarregado de Parques Desportivos o manuseamento e transporte de dinheiro por parte do Agravante, designadamente das receitas de aluguer de Campo desportivo pertencente ao Município da Amadora;
8 - Dispondo o n.º 4 do artigo 17° do Decreto-Lei n.°247/87, de 17 de junho, diploma aplicável até 31 de Dezembro de 2008, que “o pessoal integrado em carreira cujo conteúdo funcional implique o manuseamento de dinheiro terá direito a abono para falhas, de montante igual a metade de referido no n.°”1”, e sendo pacifico , então, que o Recorrente manuseava e transportava dinheiro, sendo por ele responsável, funções estas previstas no conteúdo funcional da sua categoria profissional e para as quais tinha autorização superior, é patente que o ora Agravante tinha direito a auferir abono para falhas, o que nunca sucedeu, neste período;
9 - No que concerne à caução que não terá sido prestada, facto invocado na douta sentença como determinante para a inexistência do direito do Agravante a receber abono para falhas, esta deveria, tal como refere o artigo 16° nº 2 do Decreto-Lei nº 247/87, de 17 de Junho, ser fixada pelo órgão executivo, assim a este o cumprimento deste preceito e não ao trabalhador;
10 - O Recorrente exercia as funções profissionais para as quais foi nomeado e, como se viu, implicavam o manuseamento de dinheiro, e tinha para o seu exercício , naturalmente, autorização e conhecimento superior, pelo que tornar o Recorrente refém de o órgão executivo da Recorrida fixar o valor da caução, nos termos do artigo 16º do diploma legal acima referido, é legitimar o incumprimento da lei e a violação do direito a auferir o abono para falhas por parte do trabalhador;
11 - Mais, o pagamento do abono para falhas reclamado não poderá, salvo o devido respeito, ser recusado com fundamento em não ter sido prestada caução referida na lei, sendo a caução uma garantia e não uma contrapartida, nada na lei faz depender o pagamento do abono para falhas da prestação de caução;
12 - A Recorrida deveria, de Abril de 1998 a Dezembro de 2008, ter pago ao Recorrente o abono para falhas, nos termos da disposição legal acima indicada e discriminados na p.i.,, sendo de referir, quanto ao período compreendido entre 01 de Janeiro de 2009 e Novembro de 2011, e sobre o qual o Recorrente reclamava, o direito a auferir abono para falhas, que a Recorrida, em 2014, na pendência do presente processo judicial procedeu ao seu pagamento, reconhecendo, dessa forma razão aos argumentos invocados.
13 - Pelo que, ao contrário do vertido na douta sentença recorrida, o Recorrente tem, igualmente, direito a auferir o abono para falhas relativo ao período compreendido entre abril de 1998 e Dezembro de 2008, nos termos e valores discriminados na PI.
Termos em que e nos demais de direito, vem o Agravante requerer a Vossas Excelências que seja concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, com as legais consequências.”

O Recurso veio a ser admitido por Despacho de 16/5/2016.

A Entidade Recorrida/Município, devidamente notificada, veio a apresentar as suas Contra-alegações de Recurso em 22 de junho de 2016, nas quais concluiu:
“(i) Do conteúdo funcional da categoria de encarregado de parques desportivos e/ou recreativos não resulta a realização de qualquer tarefa ou atividade verdadeiramente conectada com o manuseamento de dinheiro, mas somente a realização de tarefas que envolvem a "conferência de receitas arrecadadas e a sua entrega na tesouraria da câmara", o que apenas acarreta a averiguação da existência de receitas e, em caso positivo, da sua entrega junto da tesouraria, pelo que bem andou a douta sentença recorrida ao determinar que sempre a pretensão do Recorrente teria que improceder, já que o conteúdo funcional da categoria de Encarregado de Parques Desportivos não prevê a realização de tarefas de manuseamento de dinheiros, enquanto ponto de partida para atribuição do abono para falhas;
(ii) Mesmo que se considerasse que o conteúdo funcional da categoria do Recorrente implicava o manuseamento de dinheiro, ou que de entre as suas tarefas se encontrava a cobrança de dinheiro (o que não acontece - cf. ponto 7 dos factos dados como provados), certo é que, na qualidade de interessado na obtenção do abono para falhas, o Recorrente nunca precedeu à prestação de caução, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 17º e do artigo 16º do Decreto-lei nº 247/87, de 17 de junho, pelo que falha o preenchimento do segundo dos requisitos essenciais para a atribuição do abono para falhas nos termos do artigo 17º, nº 4, do Decreto-lei nº 247/87, de 17 de junho;
(iii) De resto, conforme é sublinhado pela douta sentença recorrida, a atribuição do abono para falhas sempre pressuponha a autorização expressa e fundamentada para tanto, o que também não se verifica no caso em apreço, independentemente, aliás, de o Recorrente vir agora alegar, mas sem demonstrar ou concretizar, que havia instrução e autorização superior nesse sentido;
(iv) Assim, é manifesto que no período compreendido entre abril de 1998 e 31 de dezembro de 2008 não estavam reunidos os pressupostos que faziam depender a atribuição do abono para falhas ao ora Recorrente, motivo pelo qual nenhuma quantia lhe é devida a esse título durante esse mesmo período, bem andando, por isso, a douta sentença recorrida;
(v) Depois de 1 de janeiro de 2009, a atribuição deste tipo de suplemento remuneratório ficou dependente do facto de os trabalhadores, nas áreas de cobrança e tesouraria, manusearem ou terem à sua guarda valores, numerário, títulos ou documentos e por isso serem responsáveis, acontecendo, porém, que o Recorrente, no período entre 1 de janeiro de 2009 e 30 de novembro de 2011, nunca exerceu funções nas áreas de tesouraria ou de cobrança, sequer foi responsável por valores, numerário, títulos ou documentos que eventualmente tenha manuseado ou tenha tido à sua guarda, motivo pelo qual, e sem mais considerandos, podemos afirmar que, durante aquele lapso temporal, o mesmo não reuniu os pressupostos vertidos no artigo 2º, nº 1, do Decreto-lei nº 4/89, de 6 de janeiro, e que, reitera-se, faziam depender a atribuição do abono para falhas, pelo que nenhuma quantia lhe é devida a esse título durante esse período.
(vi) Face a todo o exposto, a sentença recorrida não merece qualquer censura, devendo, assim, manter-se na íntegra.
Termos em que o Recurso deve ser julgado improcedente, com as legais consequências, com o que V. Ex.cias, Senhores Desembargadores, farão Justiça!”

O Ministério Público junto deste TCAS, notificado em 05/07/2016, nada veio dizer, requerer ou Promover.

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
As questões a apreciar resultam da necessidade de verificar, designadamente, se, tal como defendido pelo Recorrente, terá existido por parte do tribunal a quo, “uma interpretação incorreta do direito aplicável ao caso sub judice”, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade como provada, a qual aqui se reproduz:
“1. O A. é trabalhador da Câmara Municipal da Amadora, desde Abril de 1998, detendo, atualmente, a categoria profissional de Assistente Técnico, da carreira de Assistente Técnico – doc. nº 1 junto com a p.i.
2. Auferindo, presentemente, a remuneração mensal de € 944,02, referente ao 10° Nível Remuneratório, correspondente à 5ª posição da sua categoria profissional, acrescido de € 4,27 diários a titulo de subsidio de refeição – doc. nº 2 junto com a p.i.
3. O A., anteriormente à categoria profissional agora detida, tinha atribuída a categoria profissional de Encarregado de Parques Desportivos – por acordo.
4. O Autor tomou Posse como Encarregado de Parques Desportivos e Recreativos (tendo sido nomeado em comissão de serviço) em 07/04/98 – doc. nº 1 junto com a p.i.
5. Em 6 de Maio de 1998, 12 de Maio de 1998 e 11 de Novembro de 1998, o Autor assinou no local do “cobrador” no impresso dos - Rendimentos cobrados pelo Modelo 11 - A‖ – docs. 3 a 6 juntos com a p.i.
6. Igualmente assinou no local do “cobrador” em 4/07/2003 e 12/01/2012 – docs. nº 11, 12 e 13.
7. Em Fevereiro de 2006 o A. foi colocado no Complexo Desportivo Municipal Monte da Galega, onde continuou a exercer as funções e tarefas inerentes a categoria do encarregado do parques desportivos e/ou recreativos, tendo, inclusive, sido emitida informação sobre o seu conteúdo funcional, afirmando-se, para tanto, que:
“Incumbe ao encarregado dos instalações Desportivas as seguintes tarefas:
a) Supervisionar e garantir a normal funcionamento das instalações, no que concerne, ao cumprimento do horário de funcionamento, limpeza das instalações, controlo do sistema de iluminação, sistema de som e sistema de águas quentes sanitárias;
b) Inventariar e controlar sistematicamente os equipamentos e materiais existentes nas instalações e a seu estado de conservação, coordenando o pessoal auxiliar na gestão dos mesmos, nomeadamente no seu transporte e armazenamento;
c) Realizar com regularidade levantamentos de necessidades e informar o responsável técnico da necessidade de aquisição de equipamentos ou materiais e cumprir com os procedimentos de abate de material quando este se apresentar degradado e sem possibilidade de recuperação;
d) Cumprir e fazer cumprir o regulamento de utilização do Complexo Desportivo
e) (...); Dar conhecimento ao Responsável técnico das ocorrências verificadas e proceder à elaboração de relatório mensais do funcionamento das instalações;
f) Proceder à contagem de receitas e acerto de contas junto da Tesouraria Municipal, nos termos do Sistema de Controlo Interno da Câmara Municipal da Amadora;
g) Controlar o registo diário e mensal dos utilizadores em mapas apropriados ¯ doc. nº 2 junto com a Contestação.
8. Em 1/12/2011 o Município Réu atribuiu ao Autor o abono para falhas, tendo comunicado ao STAL por ofício de 3 Abril 2012 – doc. nº 3 junto com a Contestação.”
IV – Do Direito
O Autor, aqui Recorrente, não se conformando com a decisão adotada pelo Tribunal a quo, veio recorrer da mesma.

Desde logo, no que ao direito concerne e no que aqui releva, discorreu-se em 1ª instância:
“(...) O Despacho nº 4/88, do Gabinete do Secretário de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território, publicado no DR II série, nº 80, de 6/04/89, que aprovou o conteúdo funcional de diversas carreiras e categorias, veio dispor o seguinte, no que ora interessa:
“(…) I - Grupo de pessoal auxiliar:
a) Chefe de transportes mecânicos — orienta e coordena a atividade do serviço de transportes mecânicos; tem a seu cargo a previsão, planificação e controlo do movimento diário das viaturas, bem como a informação estatística e controlo das requisições respeitantes ao serviço;
b) Encarregado de cemitério — coordena a gestão dos edifícios e equipamentos do cemitério; coordena a atividade de outros trabalhadores de campo; (…)
c) Encarregado de parques desportivos e ou recreativos — orienta e coordena a atividade dos trabalhadores em serviço no parque desportivo e ou recreativo a seu cargo, de acordo com as orientações superiormente recebidas; é responsável pelo cumprimento do regulamento interno, pelos bens e equipamento existentes nas instalações e pela conferência de receitas arrecadadas até à sua entrega na tesouraria da câmara; quando em serviço na piscina, compete-lhe ainda o controlo diário das instalações de tratamento, aquecimento, desinfeção e limpeza;
E quanto ao direito de abono para falhas, o mesmo vinha regulado, antes da Lei nº 12 – A/2008, 27/02, no artigo 17° do Decreto-Lei n° 247/87, de 17 de Junho, sob a epígrafe ¯Abono para falhas e gratificações”.
Nos termos do n° 1 do referido preceito “o abono para falhas dos tesoureiros (era) fixado em 20% do vencimento ilíquido da respetiva categoria‖, sendo que o n° 4 deste mesmo normativo, por sua vez, consagrava que ¯o pessoal integrado em carreira cujo conteúdo funcional implique o manuseamento do dinheiro terá direito a abono para falhas, de montante igual a metade do referido no n° 2, devendo prestar caução nos termos do artigo 16º”.
Por sua vez, o artigo 16° do Decreto-Lei n° 247/87, de 17 de Junho, estipulava que:
“2 - Não pode ser conferida posse ao funcionário provido na categoria de tesoureiro sem que se mostre ter sido prestada caução.
2 — A caução a prestar será fixada pelo órgão executivo e o seu valor nunca poderá ser superior a metade do vencimento ilíquido anual da categoria de ingresso na carreira de tesoureiro.
3 — A caução poderá ser prestada mediante depósito de dinheiro, títulos de dívida pública fundada, hipoteca sobre vários prédios rústicos ou urbanos ou seguro de caução”,
Com a entrada em vigor da Lei n° 12 - A/2008, de 27 de Fevereiro, que aprovou o Regime de Vinculação, Carreiras e Remunerações da Função Pública (LVCR), por um lado, e com as alterações que foram introduzidas no artigo 24º da Lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro (Lei de Orçamento de Estado para 2009 — LOE 2009), por outro, o Decreto-Lei nº 247/87, de 17 de Junho foi revogado, passando o abono para falhas a ser atribuído aos trabalhadores da função pública de acordo com o disposto no Decreto-Lei nº 4/89, de 6 de Janeiro (com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto Lei nº 276/98, de 11 de Setembro e pelo artigo 24º da LOE 2009).
Deste modo, nos termos do artigo 2º, nº 1, do Decreto-Lei nº 4/89, de 6 de Janeiro, o abono para falhas passou a ser atribuído aos “trabalhadores que manuseiem ou tenham à sua guarda, nas áreas de tesouraria ou cobrança, valores, numerário, títulos ou documentos, sendo por eles responsáveis”.
Assim, a atribuição do abono para falhas dependia do preenchimento de dois requisitos:
- o conteúdo funcional da carreira (ou categoria) do trabalhador englobar o manuseamento de dinheiro, e
- prestação de caução por aquele a quem é atribuído o abono.
O A. tomou Posse como Encarregado de Parques Desportivos e/ou Recreativos (nº 4 do probatório), exercendo funções nos locais indicados pelo Município, com o conteúdo funcional referido em 7.
Constata-se, porém, que o seu conteúdo funcional não implicava o manuseamento de dinheiro, conforme instituído no nº 4 do art.º 17º do DL nº 247/87, 17/06. Não obstante, ainda que algumas vezes o Autor tivesse exercido as funções de cobrador (cf. nº 5 e 6 do probatório), não alegou, sequer, que tivesse prestado caução, pelo que, sem esse requisito, também não lhe podia ser atribuído o abono para falhas.
Conforme tem vindo a ser entendido pela jurisprudência, a atribuição de abono para falhas, além de ser dependente do facto do trabalhador manusear dinheiros, carecia, além disso, de autorização superior, mediante fundamentação (…)”.
E desde logo porque, com referência aos dois regimes antes e depois de 1 de Janeiro 2009, o Autor não detinha a descrição do manuseamento de dinheiros no conteúdo funcional das funções que ocupava.
Ainda que tivesse tido à sua guarda o manuseamento e a responsabilidade de dinheiros, como se de um tesoureiro se tratasse, não prestou caução.
E, em qualquer caso, a concessão de tal abono sempre dependeria de autorização superior, o que acabou por acontecer a partir de 1/12/2011, data em que o Município Réu atribuiu ao Autor o abono para falhas (cf. nº 8 do probatório).
Em consequência, improcede a pretensão do Autor.”

Vejamos:
Atenda-se, desde logo, que o abono para falhas é um suplemento ou acréscimo remuneratório atribuído em função de uma particularidade específica da prestação de trabalho, que se traduz no manuseamento de dinheiro, caracterizando-se e justificando-se como um subsídio destinado a indemnizar funcionários e agentes pelas despesas e riscos inerentes a tal manuseamento que é suscetível de gerar falhas contabilísticas em operações de tesouraria (cfr. João Alfaia, in “Conceitos Fundamentais do Regime Jurídico do Funcionalismo Público”, II, 1988, págs. 872 e 873; Paulo Veiga e Moura in “Função Pública”, 1º. vol., 2ª edição, pág. 345; Parecer do Conselho Consultivo da PGR n.º 123/96 in: DR II Série, de 24/03/1998).

Em qualquer caso, é incontornável o facto do abono por falhas ter carater excecional e pressupor uma atividade funcional predominante relacionada com o manuseamento de dinheiro.

Não se põe em causa que o Recorrente no âmbito das suas funções, residual e esporadicamente tenha contacto com dinheiro, o que, em qualquer caso, se não mostra suficiente para determinar que esse manuseamento possa, em algum momento, ter tido carater principal e predominante.

É desde logo claro, e tal como explicitado pelo tribunal a quo, que o conteúdo funcional do Recorrente não evidencia a necessidade de manuseamento de dinheiro como atividade predominante.

Não merece pois censura o entendimento adotado pelo tribunal em 1ª instância, no sentido de não reconhecer que o Recorrente devesse auferir o controvertido Abono por Falhas.

O pagamento do abono para falhas no âmbito da Administração Local começou por ser regulado no Decreto-Lei n.º 247/87, de 17/06, diploma que estabelecia, além do mais, o regime de carreiras e categorias, bem como as formas de provimento, do pessoal das câmaras municipais, serviços municipalizados, federações e associações de municípios, assembleias distritais e juntas de freguesia (art.º 1.º, n.º 1).

Dispunha o art.º 17.º, n.º 1, deste diploma que “o abono para falhas dos tesoureiros é fixado em 10% do vencimento ilíquido da respetiva categoria”, acrescentando o n.º 4 que “o pessoal integrado em carreira cujo conteúdo funcional implique o manuseamento de dinheiro terá direito a abono para falhas, de montante igual a metade do referido no n.º 1, devendo prestar caução nos termos do artigo 16.º”.

Este art.º 16.º prescrevia que “não pode ser conferida posse ao funcionário provido na categoria de tesoureiro sem que se mostre ter sido prestada caução” (n.º 1), e que “a caução a prestar será fixada pelo órgão executivo e o seu valor nunca poderá ser superior a metade do vencimento ilíquido anual da categoria de ingresso na carreira de tesoureiro” (n.º 2), e que “a caução poderá ser prestada mediante depósito de dinheiro, títulos de dívida pública fundada, hipoteca sobre prédios rústicos ou urbanos ou seguro caução” (n.º 3).

Sucede que a Lei n.º 12-A/2008, de 27/02 (que fixa o regime de vinculação de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas) veio revogar o Decreto-Lei n.º 247/87, de 17/06, com efeitos a partir de 01/01/2009 (cfr. os art.ºs 116.º, alínea q), e 118.º, n.º 7, da Lei n.º 12-A/2008, de 27/02, e o art.º 23.º da Lei n.º 59/2008, de 11/09, que aprova o regime do contrato de trabalho em funções públicas).

Com esta revogação, o pagamento do abono para falhas no âmbito da Administração Local passou a ser regulado pelo Decreto-Lei n.º 4/89, de 06/01, o qual era, na sua versão inicial, aplicável apenas aos funcionários e agentes da administração central e dos institutos públicos que revestissem a natureza de serviços personalizados ou de fundos públicos (art.º 1.º, na redação originária).

Em qualquer caso, a Lei n.º 64-A/2008, de 31/12, que aprovou o Orçamento do Estado para 2009, alterou os art.ºs 1.º, 2.º e 4.º, do Decreto-Lei n.º 4/89, de 06/01 (cfr. o respetivo art.º 24.º), passando esse art.º 1.º a estipular que este último diploma “é aplicável aos serviços da administração direta e indireta do Estado, bem como, com as adaptações respeitantes às competências dos correspondentes órgãos das autarquias locais, aos serviços das administrações autárquicas”.

Nos termos do art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 4/89, de 06/01 (na redação conferida pela Lei n.º 64-A/2008, de 31/12), “têm direito a um suplemento remuneratório designado ‘abono para falhas’ os trabalhadores que manuseiem ou tenham à sua guarda, nas áreas de tesouraria ou cobrança, valores, numerário, títulos ou documentos, sendo por eles responsáveis ” (n.º 1), sendo que “as carreiras e ou categorias, bem como os trabalhadores que, em cada departamento ministerial, têm direito a ‘abono para falhas’, são determinadas por despacho conjunto do respetivo membro do Governo e dos responsáveis pelas áreas das finanças e da Administração Pública” (n.º 2)

Por seu turno, o art.º 4.º, n.º 1, do mesmo diploma legal passou a dizer que “o montante pecuniário do ‘abono para falhas’ é fixado na portaria referida no n.º 2 do artigo 68.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro”.
Trata-se da Portaria n.º 1553-C/2008, também de 31/12, que aprovou, ao abrigo do art.º 68.º, n.ºs 2 e 4, da Lei n.º 12-A/2008, de 27/02, a tabela remuneratória única dos trabalhadores que exercem funções públicas, prescrevendo no seu ponto 9.º que, nos termos do n.º 1 do art.º 4.º do Decreto-Lei n.º 4/89, de 06/01, o montante pecuniário do abono para falhas é de € 86,29.

Já o Despacho n.º 15409/2009, de 30/06, com produção de efeitos a 01/01/2009, publicado em Diário da República, II Série, n.º 130, de 08/07/2009, aprovado ao abrigo do n.º 2 do art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 4/89, de 06/01, e proveniente do Ministério das Finanças e da Administração Pública, refere, no seu preâmbulo, o seguinte:
“O suplemento remuneratório designado «abono para falhas», regulamentado pelo Decreto-Lei n.º 4/89, de 6 de janeiro, com a redação dada pelo Decreto-Lei n.º 276/98, de 11 de setembro, foi já objeto da revisão a que se reporta o artigo 112.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, através da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, tendo já sido fixado o seu valor pela Portaria n.º 1553-C/2008, de 31 de dezembro.”

No entanto, o reconhecimento do direito ao abono depende da identificação das carreiras e ou categorias, bem como dos trabalhadores que manuseiem ou tenham à sua guarda, nas áreas de tesouraria ou cobrança, valores, numerário, títulos ou documentos, sendo por eles responsáveis.

Atendendo a que, no atual elenco das carreiras, não existe qualquer carreira ou categoria inequivocamente associada a esta área, como anteriormente acontecia com a carreira de tesoureiro, e ao facto de os trabalhadores nela integrados terem transitado para a carreira e categoria de assistente técnico, reconhece-se agora o direito a esse abono aos trabalhadores integrados em carreira e categoria que ocupem postos de trabalho nas áreas de tesouraria ou cobrança que envolvam a responsabilidade inerente ao manuseamento ou guarda de valores, numerário, títulos ou documentos.

Neste sentido, determina o Despacho n.º 15409/2009 que têm direito ao suplemento designado «abono para falhas», regulado pelo Decreto-Lei n.º 4/89, de 6 de janeiro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 276/98, de 11 de setembro, e pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, os trabalhadores titulares da categoria de assistente técnico da carreira geral de assistente técnico que ocupem postos de trabalho que, de acordo com a caracterização constante do mapa de pessoal, se reportem às áreas de tesouraria ou cobrança que envolvam a responsabilidade inerente ao manuseamento ou guarda de valores, numerário, títulos ou documentos” (1.º parágrafo)

Acresce que, “nas autarquias locais, têm ainda direito ao suplemento a que se refere o número anterior os trabalhadores titulares da categoria de coordenador técnico da carreira de assistente técnico que se encontrem nas mesmas condições, bem como os titulares da categoria subsistente de tesoureiro-chefe” (2.º parágrafo)

Perante o exposto, temos que, no tocante ao abono para falhas no âmbito da Administração Autárquica, o seguinte:
i. até 31/12/2008 regeu o Decreto-Lei n.º 247/87, de 17/06;
ii. a partir de 01/01/2009 regem o Decreto-Lei n.º 4/89, de 06/01 (alterado pelo Decreto-Lei n.º 276/98, de 11/09, e revisto pela Lei n.º 64.º-A/2008, de 31/12), a Portaria n.º 1553-C/2008, de 31/12, e o Despacho n.º 15409/2009, de 30/06.

Volvendo ao caso concreto, o aqui Recorrente, peticiona, o pagamento de Abono para Falhas no período compreendido entre abril de 2008 e novembro de 2011,

De acordo com o regime previsto no Decreto-Lei n.º 247/87, de 17/06 (cfr. art.º 17.º), constata-se que o direito ao abono para falhas decorre diretamente da lei, sem necessidade de apreciação discricionária por parte da Administração Autárquica, uma vez que a sua atribuição só dependia de o funcionário (não pertencente à carreira de tesoureiro) estar integrado em carreira cujo conteúdo funcional implicasse o manuseamento de dinheiro, bem como da prestação de caução, pressupostos que o aqui Recorrente não preenchia.

Assim, conclui-se que o Recorrente não têm direito ao abono para falhas de acordo com o regime constante do Decreto-Lei n.º 247/87, de 17/06, por referência ao período reclamado, de abril a dezembro de 2008, por não preencher qualquer dos requisitos aplicáveis.

E o que dizer do reconhecimento desse direito com base no Decreto-Lei n.º 4/89, de 06/01, desde 01/01/2009 até novembro de 2011?

Diga-se, desde já, que a pretensão do Recorrente não pode igualmente proceder.

Para além de ter sido alterado o montante do abono para falhas, que deixou de corresponder a metade do atribuído mensalmente aos tesoureiros para passar a ser determinado diariamente, segundo uma fórmula fixada na lei, e distribuído na proporção do tempo de serviço prestado no exercício das funções que o justificam, verifica-se que mudou, também, a forma de reconhecimento do respetivo direito.

De uma leitura conjugada dos preceitos do Decreto-Lei n.º 4/89, de 06/01, (alterado pelo Decreto-Lei n.º 276/98, de 11/09, e revisto pela Lei n.º 64-A/2008, de 31/12), e do Despacho n.º 15409/2009, de 30/06, decorre que, para a atribuição do abono para falhas, é exigido cumulativamente:
- que o trabalhador, titular da categoria de assistente técnico da carreira geral de assistente técnico, ocupe posto de trabalho que se reporte às áreas de tesouraria ou cobrança;
- que esse posto de trabalho envolva a responsabilidade inerente ao manuseamento ou guarda de valores, numerário, títulos ou documentos;
- que tais funções sejam assim descritas no mapa de pessoal.

De facto, o reconhecimento do direito ao abono para falhas deixou de decorrer diretamente da lei, sem necessidade de apreciação discricionária por parte da Administração Autárquica, para exigir decisão administrativa expressa que o reconheça de forma fundamentada, designadamente por referência à carreira abrangida, aos riscos efetivos, aos montantes anuais movimentados e às responsabilidades que impendem sobre os funcionários ou agentes para os quais o mesmo é solicitado.

Ora, atentos os requisitos acima evidenciados, é manifesto que o Recorrente não preenche esses requisitos, não podendo, assim, ser reconhecido o seu direito ao recebimento do abono para falhas, nos termos do regime agora em análise.

Verifica-se, desde logo, que o aqui Recorrente não é titular da categoria de assistente técnico da carreira geral de assistente técnico, não ocupa posto de trabalho que se reporte às áreas de tesouraria ou cobrança, nem se pode entender que o seu posto de trabalho, à luz do respetivo conteúdo funcional envolva necessariamente a responsabilidade inerente ao manuseamento ou guarda de valores, numerário, títulos ou documentos, a titulo predominante.

Também não é o aqui Recorrente titular da categoria de coordenador técnico da carreira de assistente técnico, nem da categoria subsistente de tesoureiro-chefe.

Assim sendo, não cumprindo os requisitos impostos pelo Decreto-Lei n.º 4/89, de 06/01, e pelo Despacho n.º 15409/2009, de 30/06, para que o Recorrente pudesse ter direito à perceção do abono para falhas ao abrigo do regime renovado que entrou em vigor em 01/01/2009, era imperioso que houvesse despacho expresso e fundamentado nesse sentido (cfr. art.ºs 1.º, 2.º, n.º 2, e 2.º-A do Decreto-Lei n.º 4/89, de 06/01, e 5.º parágrafo do Despacho n.º 15409/2009, de 30/06), no caso proferido pelo Presidente da Câmara Municipal da Amadora, ou por quem detivesse essa competência delegada, o que nunca terá ocorrido, sendo que nada nesse sentido foi sequer alegado e menos ainda provado (cfr. o acórdão do TCAN nº 276/08.5BECBR, de 19/10/2012).

Para além do demais já enunciado, é incontornável que o aqui Recorrente nunca manuseou dinheiro como atividade funcional predominante, ao que acresce a inexistência de despacho prévio a viabilizar tal abono, como resulta expresso do novo regime jurídico então aplicável.

Note-se ainda que a concessão do abono para falhas mediante despacho expresso e fundamentado envolverá momentos discricionários, próprios da Administração Autárquica, que o poder jurisdicional não pode nem deve ultrapassar, sob pena de atentar contra a separação de poderes.

Por todo o exposto, conclui-se que o Recorrente não tem direito, nos termos legais, ao recebimento do almejado abono para falhas, o que determina a improcedência do pedido de condenação do Município no seu pagamento, nos termos indicados na petição inicial.

Em face de tudo quanto precede, não merece censura a decisão proferida pelo tribunal a quo.


* * *

Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, negar provimento ao Recurso, confirmando-se a decisão proferida em 1ª instância.

Custas pelo Recorrente, sem prejuízo de eventual isenção.

Lisboa, 13 de abril de 2023
Frederico de Frias Macedo Branco

Alda Nunes

Lina Costa