Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:341/15.2BELLE
Secção:CA
Data do Acordão:06/06/2019
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:DIREITO DO CONTRADITÓRIO;
DEFESA DAS EXCEPÇÕES;
AUDIÊNCIA PRÉVIA;
NULIDADE PROCESSUAL;
PRESCRIÇÃO;
CONHECIMENTO DO DIREITO;
INCAPACIDADE PARA O EXERCÍCIO DO DIREITO;
CONHECIMENTO NO SANEADOR;
Sumário:I – Nos termos do actual Código de Processo Civil (CPC), após a fase dos articulados, a réplica só é admissível se visar a defesa em caso de reconvenção. No que se refere à defesa das excepções, o CPC remete-a para a audiência prévia, momento em que se garante o contraditório das partes. Inexistindo a audiência prévia e não podendo o A. responder à matéria da excepção, ocorrerá uma violação do seu direito do contraditório;
II - A preterição do rito processual adequado – isto é, a preterição da audiência prévia – implica a ocorrência de uma nulidade processual, por se estar a omitir um acto processual que a lei impunha e se estar a vedar a possibilidade da parte interessada se pronunciar sobre uma excepção que foi invocada nos autos pelas contrapartes e que influiu no exame da causa;
III - Para a aferição do que seja o conhecimento pelo lesado do seu direito de indemnização, importa apurar, casuisticamente, das circunstâncias que objectivamente justificam que aquele lesado deva ter tal conhecimento. Haverá que avaliar se aquelas circunstâncias concretas permitiriam a um qualquer hipotético lesado, usando de uma diligência média, percepcionar ou consciencializar da existência de um direito a ser indemnizado;
IV - Se vier alegado e ficar provado que o titular do direito durante um certo tempo não esteve capaz para o respectivo exercício, a correspondente inacção deixa de lhe ser censurada e o prazo prescricional só começa a correr a partir da data em que tal titular passou a ter condições para agir e exercer o seu direito;
V - Se os factos essenciais ao conhecimento da excepção de prescrição se mostrarem controvertidos no momento da prolação do despacho saneador, o apuramento dos mesmos deve fazer-se através da audiência que se vier a realizar, devendo relegar-se para final o conhecimento dessa excepção.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul

I - RELATÓRIO
J.....recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Loulé, proferida em 12-05-2015, que julgou improcedente a acção administrativa comum intentada pelo ora Recorrente, na qual pedia o pagamento de uma indemnização a título de responsabilidade civil por factos ilícitos, no valor de €46.770,92, pelos danos patrimoniais sofridos e no valor de €75.000,00, pelos danos não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal, vencidos a partir da data da citação e até efectivo e integral pagamento, bem como no pagamento de custas e procuradoria condigna.

O Recorrente apresentou as suas alegações, onde formulou as seguintes conclusões: “1.- O presente recurso é interposto ao abrigo do disposto nos artigos 142°, nº 3 do C.P.T.A. e 629°, nº 1 e 644°, nº 1, alínea a) do NCPC, aplicável ex vi do artigo 35° da CPTA.
2.- Os presentes autos foram à distribuição no Tribunal Administrativo e Fiscal por remessa ordenada pelo Tribunal da Comarca de Faro, Instância Central, 1ª Secção Cível.
3.- Remessa requerida após decisão de incompetência em razão da matéria, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 99° do NCPC e antes de audiência prévia.
4.- Tal como está configurado o actual processo civil, às excepções não pode o A. responder em articulado, remetendo-se a discussão das mesmas para a audiência prévia.
5.- A legislação processual civil em vigor - aplicável à acção administrativa comum ex vi do artigo 35° do CPTA- apenas determina a não realização de audiência preliminar nos casos previstos no artigo 592° do NCPC.
6.- Nos presentes autos não se verifica qualquer das circunstâncias previstas em tal normativo, pelo que teria de realizar-se a audiência preliminar, sob pena de ao A. ser injusta e definitivamente vedada a possibilidade de responder à excepção peremptória de prescrição do direito de peticionar indemnização.
7.- Ao proferir sentença sem que ao A. haja sido dada a possibilidade de se pronunciar sobre tal excepção, nomeadamente em audiência prévia, fez o Mmº Juiz a quo errada interpretação e aplicação das normas constantes dos artigos 591°, 592º e 593° do NCPC, violando-as.
8.- O artigo 498° do CC faz depender o início da contagem do prazo prescricional do momento em que o lesado tomou efectivamente conhecimento do direito que lhe compete.
9.- Não resulta de qualquer dos factos considerados provados qualquer facto que possa permitir a conclusão sobre a data em que o A. efectivamente tomou conhecimento do seu direito.
10.- Tudo quanto consta alegado na petição inicial resulta de conhecimento que o A. adquiriu em data posterior à do diagnóstico de úlcera no duodeno e por recurso ao seu processo clínico, obtido muito posteriormente, nomeadamente do Centro de Medicina Física e de Reabilitação do Sul (CMRSul).
11.- Nos termos da legislação em vigor e entendimento da Jurisprudência, a parte que alega a prescrição nos termos do artigo 498° do CC tem o ónus de alegar e provar o momento em que o lesado teve efectivo conhecimento do direito que lhe assiste e invoca.
12.- Em nenhuma das contestações apresentadas nos autos é feita a alegação e prova do momento em que o A. teve conhecimento do seu direito. Apenas e tão somente se limitam as RR a indicar as datas de internamento, diagnóstico e tratamento.
13.- Os factos alegados na petição inicial, geradores da responsabilidade civil das RR., ocorreram na sequência de acidente de viação que deixou o A. paraplégico.
14.- À data do acidente era um jovem com 28 anos, saudável e activo.
15.- Na sequência do acidente passou por um prolongado período de internamentos, tratamentos, intervenções procedimentos que lhe causaram - e lhe foi diagnosticada - forte depressão e foi acometido de doença pulmonar, suspeita de tuberculose.
16.- O que bem demonstra que não tinha condições físicas nem psicológicas para tomar efectivo conhecimento ou sequer ponderar a existência de um seu direito a ser indemnizado, no momento do diagnóstico de úlcera no duodeno.
17.- Tudo esclarecimentos que o Tribunal a quo não curou de solicitar ou esclarecer junto do A. antes de considerar verificada a prescrição.
18.- E que não levou em consideração na sua decisão, não obstante alegados na petição inicial.
19.- Ao decidir pela prescrição do direito do A. de vir exigir indemnização pelos actos praticados pelas RR., sem qualquer convite a aperfeiçoamento do articulado, sem solicitar qualquer esclarecimento sobre o momento em que efectivamente tomou conhecimento do seu direito a exigir indemnização e ainda sem que as RR hajam provado o momento de tal conhecimento quando invocaram a prescrição (o que lhes competia, como é Jurisprudência corrente), fez o Mmº Juiz a quo errada interpretação e aplicação das normas contidas nos artigos 5°, nº 1, in fine, 6° e 7° do NCPC e nos artigos 342°, nº 2 e 498° do CC, violando-as e restringindo inadmissivelmente o direito do A a ser ressarcido dos danos que lhe foram causados.
20.- Ocorre ainda que dispõe o nº 3 do artigo 498° do CC: "Se o facto constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável."
21.- Nos presentes autos o que está em causa, e isso mesmo é alegado na petição inicial são actos médicos, intervenções e tratamentos, realizados em violação das legis artis, fatos subsumíveis ao facto ilícito típico previsto e punido pelo artigo 150°, nº 2 do Código Penal com pena de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias.
22.- Às RR são imputados factos constitutivos de crime para o qual a lei prevê um prazo de prescrição de 5 anos, nos termos do disposto no artigo 118°, nº 1, alínea c) do Código Penal.
23.- Mesmo a considerar-se que o momento a partir do qual se começa a contar o prazo prescricional é o da data do diagnóstico de úlcera no duodeno (o que se diz sem conceder e apenas por necessidade de raciocínio se representa), não decorreu ainda o prazo de prescrição aplicável nos presentes autos e que é o de 5 anos, nos termos do nº 3 do artigo 498° do CC.
24.- Pelo que também por aqui, decidindo como decidiu, fez o Mmo Juiz a quo errada interpretação e aplicação da norma contida no nº 3 do artigo 498º do CC, violando-a.
25.- E é entendimento pacífico na Jurisprudência e na Doutrina que o prazo de prescrição previsto no nº 3 do artigo 498° do CC não depende da efectiva apresentação de queixa-crime.
26.- Pelo que deve a douta sentença recorrida ser revogada, ordenando-se o prosseguimento do processo com observância das legais formalidades.”

A G…. – S…., S.A., apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões: “I. A Douta Sentença proferida nos presentes autos, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, não enferma de qualquer vício;
II. Bem andou o Tribunal a quo quando julgou procedente a exceção perentória extintiva de prescrição, e consequentemente, absolveu os Recorridos do pedido formulado pelo Autor;
III. Nos termos do disposto no Artigo 483.º, do CC, “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”, sendo que, “só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei”;
IV. Ora, estando nós perante uma responsabilidade civil extracontratual do Estado, e tendo em conta a relação jurídica que esteve na base do pedido formulado pelo Recorrente, esta é regida pela Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro;
V. A qual estabelece que n.º 5, do seu Artigo 1.º, que “as disposições que, na presente lei, regulam a responsabilidade das pessoas coletivas de direito público, bem como dos titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes, por danos decorrentes do exercício da função administrativa, são também aplicáveis à responsabilidade civil de pessoas coletivas de direito privado e respectivo trabalhadores, titulares de órgãos sociais, representantes legais ou auxiliares, por ações ou omissões que adotem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo”;
VI. Estabelecendo por sua vez, o Artigo 5.º, do diploma legal supra citado que “o direito à indemnização por responsabilidade civil extracontratual do Estado, das demais pessoas coletivas de direito público e dos titulares dos respetivos órgãos, funcionários e agentes bem como o direito de regresso prescrevem nos termos do artigo 498.º do Código Civil, sendo-lhes aplicável o disposto no mesmo Código em matéria de suspensão e interrupção da prescrição”;
VII. O qual determina com rigor o momento a partir do qual começa a contra o prazo no qual, qualquer pessoa que se sinta lesada, venha invocar o direito à indemnização, sob pena de o mesmo prescrever;
VIII. Assim, e para que o direito a indemnização legalmente consagrado não prescreva, o lesado dispõe de um prazo de três anos a contar da data em teve conhecimento dos factos suscetíveis de serem indemnizados, para exercer o mesmo;
IX. Como resulta não só do disposto no n.º 1, do Artigo 498.º, do CC, como também do disposto na parte inicial do n.º 1, do Artigo 306.º, do CC, que determina que “o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido”, pelo que, bem ando o Tribunal a quo quando considerou que o direito à indemnização invocado pelo Recorrente se encontra prescrito;
X. De acordo com o alegado pelo mesmo, na sua petição inicial, o Centro de Medicina Física e de Reabilitação do Sul ministrou-lhe a medicação que lhe havia sido prescrita no Hospital de S. José, a qual tinha sido mantida pelo Hospital de Faro, com exceção feita para o protetor gástrico;
XI. Na sequência da toma da medicação supra referida, sem lhe ser dado o protetor gástrico, o Recorrido sofreu uma hemorragia digestiva ativa, tendo-lhe sido posteriormente diagnosticada uma úlcera no duodeno, a 11 de dezembro de 2010, no serviço de urgências do Hospital de Faro;
XII. Tendo o Tribunal a quo, e bem, entendido que “o Autor mostra-se, assim, conhecedor “do direito que lhe compete” e que aciona com a instauração da presente ação, que funda na medicação sem protetor gástrico que lhe causou uma hemorragia gástrica e úlcera, e que, subsequentemente, culminou noutras patologias”;
XIII. Assim entendeu o Tribunal a quo que desde 11 de dezembro de 2010, que o ora Recorrente “…adquiriu consciência dos pressupostos geradores da responsabilidade dos Réus, porquanto, desde essa data, ficou em condições de formular um juízo sobre a qualificação dos factos sub judice como geradores de responsabilidade civil…”, entendimento este que “…não tem de ser um entendimento jurídico, bastando que conheça os factos constitutivos desse direito, isto é, que foi praticado um ato que lhe causou prejuízos”.
XIV. Não sendo por isso sequer necessário que o aqui Recorrente tivesse desde logo conhecimento da extensão integral dos danos causados, bastando-lhe apenas ter consciência de que o ato praticado lhe causou e/ou iria causar prejuízos, conforme resulta claramente da nossa Doutrina e Jurisprudência;
XV. Nos presentes autos, o prazo de prescrição de três anos previsto no n.º 1, do Artigo 498.º, do CC, começou a correr no dia 11 de dezembro de 2010, data a partir da qual o aqui Recorrente soube ter direito à indemnização pelos danos que sofreu e não a partir da data em que o mesmo tomou consciência da possibilidade legal do seu ressarcimento;
XVI. Pelo que, a verificação da prescrição nos presentes autos, ficou a dever-se somente ao facto de ter sido ultrapassado o prazo de 3 anos, estabelecido na Lei Civil, que associado ao facto de o Recorrente ter tido conhecimento dos atos que lhe causaram a referida hemorragia e úlcera, a 11 de dezembro de 2010 e ao facto de a presente ação ter sido instaurada somente a 04 de janeiro de 2014, data na qual o referido prazo de prescrição já se encontrava precludido;
XVII. O que viria a originar a confirmação pelo Tribunal a quo da exceção perentória de prescrição invocada pelos Réus, ora Recorridos, com a consequente absolvição dos mesmos do pedido;
XVIII. Nos termos do n.º 3, do Artigo 576.º, do CPC, “as exceções perentórias importam a absolvição total ou parcial do pedido e consistem na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor”;
XIX. Exceção esta que é de conhecimento oficioso e que foi invocada pela aqui Recorrida, nos termos do disposto no Artigo 579.º, do CPC e do Artigo 303.º, do CC;
XX. Pelo que bem andou o Tribunal a quo quando optou pela não realização da audiência prévia e decidiu proferir a decisão final nos presentes autos, evitando assim a prática de atos desnecessários que apenas trariam mais custos quer ao Recorrente, quer aos Recorridos, para somente no final do processo ou após a realização da audiência prévia apreciar a invocada exceção, e consequentemente, absolver os Réus do pedido;
XXI. O aqui Recorrente vem nas suas alegações de recurso invocar o disposto no n.º 3, do Artigo 498.º, do CC, que determina que “se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável”;
XXII. Entendendo o mesmo que os atos dos quais resultaram as lesões que sofreu, são atos médicos, intervenções e tratamentos, realizados em violação da legis artis, subsumíveis ao ilícito típico previsto e punido pelo Artigo 150.º, n.º 2, do Código Penal, com pena de prisão até 2 anos ou pena de multa até 240 dias, crime este que prescreve no prazo de 5 anos, nos termos do disposto no Artigo 118.º, n.º 1, alínea c), do mesmo diploma.
XXIII. As nossas Doutrina e Jurisprudência defendem que o lesado pode exercer esse direito após o decurso do prazo normal dos 3 anos, desde que alegue e prove, na ação cível, que a conduta do lesante constitui, naquele caso em concreto, determinado crime, cujo prazo de prescrição seja superior;
XXIV. O que no caso em concreto não foi de forma alguma alegado e provado pelo aqui Recorrente, na sua Petição Inicial;
XXV. Ou seja, a aplicação do alargamento do prazo prescricional, prevista no n.º 3, do Artigo 498.º, do CC, não está dependente da “ocorrência” ou não do processo-crime ou da existência de condenação penal, no entanto, para que tal “extensão” do prazo prescricional possa ocorrer, o lesado tem obrigatoriamente de alegar e provar, na ação cível, que a conduta do lesante constituiu, naquele caso em concreto, um determinado crime, cujo prazo de prescrição é superior;
XXVI. Termos que se impõe que este Venerando Tribunal negue provimento ao recurso ora interposto, confirmando a sentença recorrida”

Foram os autos ao Digno Magistrado do Ministério Público, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do art.º 146.º do CPTA, que não se pronunciou.
Cumpridos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.

II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – OS FACTOS
A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto, que não vem impugnada, pelo que se mantém:
A) O Autor sofreu acidente de viação em Setembro de 2010 (por confissão – cfr artº 1º da petição inicial);
B) Em 2010.11.08, o Autor foi transferido do Hospital de Faro para o Centro de Medicina Física e de Reabilitação do Sul (por confissão – cfr artºs 3º e 4º da petição inicial);
C) O Autor no período referido em B), estava medicado por prescrição do Hospital de S. José que o Hospital de Faro manteve (por confissão – cfr artº 5º da petição inicial);
D) O Centro de Medicina Física e de Reabilitação do Sul continuou a dar-lhe a medicação referida em C) excepto a respeitante ao protector gástrico (por confissão – cfr artº 7º da petição inicial);
E) Em 2010.12.11, o Autor foi transferido para a urgência do Hospital de Faro com hemorragia digestiva activa e foi-lhe diagnosticada úlcera no duodeno (por confissão – cfr artº 22º da petição inicial);
F) A hemorragia e a úlcera referidas em E), ocorreram da medicação sem protector gástrico (por confissão – cfr artºs 23º da petição inicial);
G) O Autor intentou a presente acção em 2014.01.04 (por confissão – cfr artºs 19º da contestação da Administração Regional de Saúde do Algarve, IP e do artº 32º da contestação da G… – S…., SA);
H) Em 2014.01.07, os autos foram autuados na 1ª Secção Cível do Tribunal Judicial de Faro (cfr fls iniciais, físicas).

II.2 - O DIREITO
As questões a decidir neste processo, tal como vêm delimitadas pelas alegações e contra-alegações de recurso e respectivas conclusões, são:
- aferir do erro decisório e da violação dos art.ºs 592.º e 593.º do Código de Processo Civil (CPC) porque o A. e Recorrente não pôde responder às excepções de prescrição arguidas nas contestações apresentadas, pois não ocorreu a audiência prévia, acto que teria que ocorrer antes da prolação da decisão recorrida;
- aferir do erro decisório e da violação dos art.ºs 5.º, n.º 1, in fine, 6.º, 7.º do CPC, 342.º, n.º 2 e 498.º do Código Civil (CC), porque dos factos provados não se pode concluir que o lesado, ora Recorrente, teve conhecimento dos pressupostos do seu direito em 11-12-2010, porque nas contestações não vem alegada a data em que tal conhecimento ocorreu, data que também não vem provada e porque do alegado na PI decorre que só com o acesso ao processo clinico, nomeadamente do Centro de Medicina Física e de Reabilitação do Sul (CMFRS) o Recorrente teve conhecimento daqueles pressupostos, para além de que as condições de saúde do A. – que após o acidente ficou paraplégico, entrou em depressão e sofreu de doença pulmonar – não lhe permitiriam tomar consciência do seu direito a ser indemnizado;
- aferir do erro decisório e da violação dos art.ºs art.º 150.º, n.º 2, do Código Penal (CP) e 498.º, n.º 3, do CC, porque estando em causa um facto que constituía crime, previsto e punido pelo art.º 150.º, n.º 2, do CP, o prazo da prescrição seria de 5 anos, como determina o art.º 118.º, n.º 1, al. c), do CP.

Vem o Recorrente arguir um erro decisório e a violação dos art.ºs 592.º e 593.º do CPC, porque não pôde responder às excepções de prescrição arguidas nas contestações, porquanto não ocorreu a necessária audiência prévia antes da prolação da decisão recorrida.
O A. apresentou a PI da presente acção no Tribunal Judicial de Faro.
Foram, depois, apresentadas as contestações pelo Centro Hospitalar do Algarve, EPE, (CHA), pela Administração Regional de Saúde do Algarve, IP (ARSA), e pela G… – S …., SA (G….). Todos os RR. apresentaram uma defesa por excepção e por impugnação, sendo que todos os RR. invocaram a excepção de incompetência absoluta e a ARSA e a G…, nas suas contestações, invocaram a excepção de prescrição do direito do A.
Notificado para o efeito, o A. apresentou resposta à excepção de incompetência absoluta.
Foi prolatada decisão pelo Tribunal Judicial de Faro, que julgou este Tribunal materialmente incompetente para conhecer da acção.
O A. requereu a remessa dos autos para o TAF de Loulé, que foram distribuídos como acção administrativa comum.
Foi, então, prolatada a decisão ora em crise, datada 12-05-2015, que entendeu que a excepção de prescrição “é de conhecimento oficioso, não sendo necessário notificar o Autor da matéria de excepção” e em “observância ao previsto no art.º 579.º do CPC”, passou a apreciar a referida excepção, decidindo pela sua verificação.
Como já se referiu, a PI que deu origem à presente acção foi apresentada no Tribunal Judicial de Faro em 04-01-2014.
Remetidos os autos para o TAF de Loulé, passou a acção a tramitar como acção administrativa comum, regendo-se pelos termos do processo de declaração do CPC, na forma ordinária – cf. art.ºs 35.º, 37.º e 41.º a 43.º do CPTA, na versão anterior à Lei n.º 100/2015, de 19-08, então aplicável.
Consequentemente, tal como clama o Recorrente, a presente acção deveria ter seguido o rito processual que vem previsto no art.º 591.º do CPC e após a fase dos articulados deveria ter sido marcada uma audiência prévia, que viesse a permitir às partes a discussão de facto e de direito, nomeadamente da invocada excepção de prescrição. Visando o juiz apreciar aquela excepção, esta intenção também havia de constar do ofício de notificação para a realização da referida audiência prévia – cf. igualmente o art.º 592.º, n.º 1, al. b), do CPC.
Conforme resulta do CPC – na versão actual, aqui já aplicável – após a fase dos articulados a réplica só é admissível se visar a defesa em caso de reconvenção. No que se refere à defesa das excepções, o CPC remete-a para a audiência prévia. Ou seja, o contraditório das partes à matéria de excepção só fica garantido nos termos do actual CPC através da realização de uma audiência prévia. Inexistindo esta e não podendo o A. responder à matéria da excepção, ocorrerá uma violação do seu direito do contraditório – cf. art.º 3.º, n.º 3, do CPC.
Portanto, neste caso, deveria ter-se realizado uma audiência prévia, no âmbito da qual se facultasse ao A. a possibilidade de responder à excepção de prescrição do seu direito. Como essa audiência não ocorreu, não teve o A. a possibilidade de responder à excepção de prescrição que vinha deduzida e, por isso, ficou violado o seu direito do contraditório.
Refira-se, ainda, que antes da prolação da decisão recorrida, para além de não ter sido proferido nenhum despacho a garantir o contraditório do A. quanto à excepção de prescrição que foi suscitada, também não foi proferido nenhum despacho a determinar a dispensa da audiência prévia, nos termos dos art.ºs 591.º, n.º 1, al. d), 592.º, n.º 1, al. b) e 593.º do CPC.
Assim, no caso em análise, a preterição do rito processual adequado – isto é, a preterição da audiência prévia – implica a ocorrência de uma nulidade processual, por se estar a omitir um acto processual que a lei impunha e se estar a vedar a possibilidade da parte interessada se pronunciar sobre uma excepção que foi invocada nos autos pelas contrapartes. Igualmente, a preterição daquela audiência terá influído no exame da causa, pois impediu o A. de discutir a questão da excepção, nos seus contornos fácticos e de direito - cf. art.º 195.º, n.º 1, do CPC (cf. neste sentido, entre outros, os Acs. do TRL n.º 18852/16.0T8LSB.L1-2, de 18-01-2018 ou do TRE n.º 2239/15.5T8ENT-A.E1, de 10-05-2018).
Mais se note, que contrariamente ao aduzido na decisão recorrida, a excepção de prescrição não é de conhecimento oficioso. No entanto, como tal excepção foi expressamente suscitada pelas partes, cumpria ao Tribunal sobre ela pronunciar-se, conhecendo-a, ou no saneador, ou a final.
Em suma, procede o recurso quando se invoca a violação do rito processual adequado e do contraditório do A., por não ter podido pronunciar-se acerca da invocada excepção de prescrição.
A procedência do recurso nesta parte prejudica o conhecimento das restantes alegações de recurso.
Sem embargo, refira-se, que para a aferição do que seja o conhecimento pelo lesado do seu direito de indemnização importa apurar, casuisticamente, das circunstâncias que objectivamente justificam que aquele lesado deva ter tal conhecimento. Haverá que avaliar se aquelas circunstâncias concretas permitiriam a um qualquer hipotético lesado, usando de uma diligência média, percepcionar ou consciencializar da existência de um direito a ser indemnizado.
Portanto, nos casos em que seja apresentada uma defesa por excepção, por envolver a alegação da prescrição do direito de indemnização do A., por este estar apto a exercer o seu direito partir de certa altura, sendo contraditada a invocada factualidade, por se entender que na referida data o A. não estava em condições para tal exercício – v.g. por estar internado ou por estar privado de discernimento para esse efeito – cumprirá ao Tribunal apreciar da referida excepção só depois de apurar a factualidade relevante e controvertida.
O prazo da prescrição só começa a correr quando o direito puder ser exercido. Por conseguinte, para a apreciação daquela excepção há que apurar das condições que objectivamente permitiriam ao titular exercer o seu direito, por passar a ter conhecimento dos factos relevantes para o correspondente exercício.
Logo, se o lesado alegar na acção e vier a provar que durante um certo tempo não esteve capaz para o exercício do seu direito a requerer uma indemnização, a correspondente inacção deixa de lhe ser censurada, só começando a correr o prazo prescricional a partir da data em tal lesado passou a ter condições para agir e exercer o seu direito.
Nesta linha, o STA no Ac. n.º 044345, de 31-10-2000, decidiu que “Não pode decidir-se no saneador a excepção de prescrição se a prova constante dos autos não permite com toda a certeza e segurança possíveis fixar o início de contagem do prazo prescricional.” – cf., no mesmo sentido, o STA no Ac. n.º 0453/08, de 02-10-2008 ou o Acs. TRL n.º 16289/16.0T8LSB.L1-2, de 12-10-2017.
Nesta consonância, é também jurisprudência pacífica que se os factos essenciais ao conhecimento da excepção de prescrição se mostrarem controvertidos no momento da prolação do despacho saneador, o apuramento dos mesmos deve fazer-se através da audiência que se vier a realizar, devendo relegar-se para final o conhecimento dessa excepção – cf., entre outros, os Acs. TRL n.º 16289/16.0T8LSB.L1-2, de 12-10-2017, TRL n.º 2569/05.4TBCLD.L1-1, de 07-07-2009, TRL n.º 9545/2007-8, de 24-01-2008, TRL n.º 9662/2006-6, de 14-12-2006, TRE n.º 278/07.9 TBORQ.E1, de 08-03-2012 ou TRG n.º 2190/16.1T8BRG.G1, de 19-01-2017.
Há, portanto, que revogar a decisão recorrida e determinar a baixa dos autos para que se proceda à tramitação adequada, que garanta o contraditório do A. quanto à invocada excepção de prescrição, seguindo-se, depois, os ulteriores termos do processo.

III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam:
- em conceder provimento ao recurso interposto, revogando a decisão recorrida e determinar a baixa dos autos para que se proceda à tramitação adequada, que garanta o contraditório do A. quanto à invocada excepção de prescrição;
- em considerar prejudicado o conhecimento das restantes questões objecto do recurso;
- custas pelos Recorridos, em partes iguais (cf. art.ºs. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2, do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).

Lisboa, 6 de Junho de 2019.

(Sofia David)
(Helena Telo Afonso)
(Pedro Nuno Figueiredo)