Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:12198/15
Secção:CA-2º JUÍZO
Data do Acordão:12/16/2015
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores:PENSÃO UNIFICADA, SISTEMA PRIVATIVO DE PREVIDÊNCIA
Sumário:
I - A pensão unificada tem como base a pensão do último regime ao abrigo do qual se rege a titularidade do direito, quer quanto às condições de atribuição quer quanto à avaliação das situações de incapacidade, relevando todos os períodos de pagamento de contribuições e de quotizações quer para o regime geral de Segurança Social quer para a Caixa Geral de Aposentações (art. 4º nºs 1, 4 e 5 do DL nº 361/98).
II - O regime da pensão unificada constante do DL nº 361/98 insere-se numa perspetiva de articulação entre o regime geral da segurança social e o da função pública, baseando-se na totalização dos períodos de contribuição e quotização cumpridos ao abrigo dos dois regimes de proteção social; não se referia também a sistemas privativos de previdência, ademais sem comunicabilidade financeira com o sistema público (da Segurança Social ou da Caixa Geral de Aposentações)
III - Uma coisa é o nº 4 do art. 63º da CRP (o princípio do aproveitamento integral dos períodos contributivos do trabalhador), outra coisa bem distinta é a pensão unificada como configurada pela lei ordinária (no DL 361/98 - regime legal da pensão unificada para os trabalhadores que descontaram para a Caixa Geral de Aposentações e para a Segurança Social).
IV - No quadro legislativo de 2008, o ora autor não tinha direito a uma pensão unificada e a Caixa Geral de Aposentações não tinha o dever legal de pagar o montante de pensão decorrente dos descontos feitos para o sistema previdencial privativo do setor bancário, embora tenha o dever constitucional de contar todo o tempo de descontos conforme o nº 4 do art. 63º CRP, i.e., para o autor passar à situação de aposentado ou reformado.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO
· FERNANDO ……………………………………., devidamente identificado nos autos, intentou em 2009 no T.A.C. de Lisboa
Ação administrativa especial contra
· CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES.
Pediu o seguinte:
- Anulação da deliberação do 3 de fevereiro de 2009, que lhe indeferiu o seu pedido de aposentação.
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Por acórdão de 11-11-2014, o referido tribunal decidiu anular o ato impugnado e condenar a ré a deferir o pedido de aposentação de 7-8-2008.
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Inconformada, a r. CGA recorre para este Tribunal Central Administrativo Sul, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:
1. O despacho de 3 de fevereiro de 2009 não padece de qualquer ilegalidade: não podem ser considerados para efeitos do cálculo da sua pensão de aposentação os períodos de tempo que o recorrido pretende ver contados para esse efeito.
2. Relativamente ao período de tempo durante o qual o efetuou descontos para o regime geral da segurança social, verifica-se que não pode ser aplicado o regime da pensão unificada, previsto no Decreto-Lei nº 361/98, de 18 de novembro.
3. Relativamente ao período de tempo em que efetuou descontos para o regime previdencial dos bancários, verifica-se que não assiste razão tribunal a quo quando invoca que o ato impugnado, ao não considerar para efeitos de aposentação, o referido período de tempo, violou o artigo 63º, nº 4 da Constituição da República Portuguesa.
4. Só podem ser atribuídas de forma unificada, nos termos do Decreto-Lei nº 361/98, de 18 de novembro, as pensões de aposentação, reforma ou de sobrevivência da Caixa Geral de Aposentações com as pensões de invalidez, velhice e sobrevivência do regime geral de segurança social e não com as de qualquer outro subsistema.
5. Não é possível atribuir unificadamente a pensão de aposentação com as pensões resultantes dos descontos efetuados para outros sistemas de segurança social, como, por exemplo, para o sistema previdencial próprio dos bancários.
6. Ao decidir em sentido contrário, o tribunal a quo violou o artigo 1º do Decreto-Lei nº 361/98, de 18 de novembro.(1)

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O recorrido contra-alegou, concluindo:

1ª)- Nas alegações de recurso devem ser enunciados os vícios imputados à sentença ou acórdão impugnados, com indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou revogação da decisão e, versando matéria de direito, com observância do disposto no nº 2 do artº 639º CPC, aplicável por força do disposto no artº 140º CPTA;
2ª)- Não possui essas características a alegação em que a Recorrente se limita a reproduzir quer as alegações oferecidas anteriormente à prolação do douto acórdão (ipsis verbis ou com ligeiríssimas alterações, para adaptação de redação), sem indicar o fundamento por que sustenta ter o acórdão impugnado feito uma não correta interpretação e aplicação das normas que entende violadas;
3ª)- a preterição dessa formalidade deve implicar a rejeição do recurso; Acresce que, a admitir que deste modo se não decida,
4ª)- da leitura do douto acórdão impugnado retira-se que este procedeu a uma correta interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis, nomeadamente dos citados artº 63º CRP e Decreto-Lei nº 361/98 em termos que não consentem qualquer dúvida ou ambiguidade, já que
5ª)- justificou cabalmente o afastamento da interpretação puramente literal dos arts. 1º, 2º nº 1(2) e 4º nº 1(3) do Decreto-Lei nº 361/98 que está na base da distinção feita pela Recorrente (segundo a qual apenas teriam direito à pensão unificada os beneficiários do regime geral da segurança social e da Caixa Geral de Aposentações e já não os abrangidos por outros sistemas, designadamente, pelo regime previdencial dos bancários), para tanto se fundamentando:
a)- nas disposições contidas nos arts 54º, 55º e 56º alínea f) do Decreto-Lei nº 187/2007, de 10 de maio, em vigor à data da prática do ato impugnado;
b)- na jurisprudência já conhecida sobre idêntica questão;
c)- na consideração de que a interpretação feita pela entidade demandada, exclusivamente com base puramente literal dos citados normativos, com a consequente negação da uma pensão, “ofenderia de forma grosseira, o princípio da igualdade entre os contribuintes dos diferentes sistemas de previdência social, além de violar frontalmente o artº 63º nº 4 da Constituição”;
d)- em que “a distinção conceptual que as referidas normas habilitam, não afetam o regime jurídico da pensão unificada, como decorre do nº 2 do artº 2º do Dec.-Lei nº 361/98, havendo, no entanto, que considerar que os regimes obrigatórios previstos no artº 56º do Decreto-Lei nº 187/2007, de 10 de maio, são equivalentes ao regime geral de segurança social, para efeitos da aplicação do regime de pensão unificada” e ainda
e)- na invocação do facto de o Decreto-Lei nº 1-A/2011, de 3 de janeiro, ter procedido à integração no regime geral da segurança social dos trabalhadores bancários no ativo abrangido por regime de segurança social substitutivo constante de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho vigente no setor bancário;
6ª)- Não tendo a Recorrente logrado demonstrar o desacerto da interpretação definida – ou seja, em que consiste o invocado erro de interpretação e aplicação das normas legais em que se apoiou - caem por terra todas as conclusões por ela formuladas,
7ª)- pelo que, com o douto e indispensável suprimento de V. Exs., deve ser julgado improcedente o recurso apresentado e confirmado o douto acórdão impugnado, com todas as suas legais consequências.

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O Ministério Público foi notificado para se pronunciar como previsto na lei de processo.
Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência.

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Este tribunal tem presente o seguinte:
(1º) o primado do Estado democrático e social de Direito material, num contexto de uma vida socioeconómica submetida ao bem comum e à suprema dignidade de cada ser humano (conforme a nossa Lei Fundamental); (2º) os valores ético-jurídicos do ponto de vista da nossa Lei Fundamental; (3º) os princípios constitucionais estruturantes do Estado de Direito (ex.: a juridicidade, a segurança jurídica para todas as pessoas e a igualdade jurídica de todos os seres humanos); (4º) os comandos definitivos ou normas jurídicas que exijam algo de modo definitivo, dispositivo ou quase-conclusivo (i.e., as normas-regra), sob a égide dos importantíssimos artigos 9º a 11º do nosso Código Civil (cf. K. LARENZ, Metodologia da Ciência do Direito, trad., 3ª ed., FCG, Lisboa, 1997; M. TEIXEIRA DE SOUSA, Introdução ao Direito, Almedina, Coimbra, 2012, pp. 301-411); (5º) os eventuais comandos de otimização que exijam do aplicador a otimização das possibilidades de facto e de direito existentes no caso concreto, através do sopesamento/ponderação racional e justificado das normas colidentes que tenham significados não específicos ou valorativos, sopesamento pelo qual se escolhe a norma a concretizar depois no caso concreto (i.e., normas-princípio, normas não conclusivas, com textura aberta ou com significado não específico e valorativo) (cf. R. GUASTINI, Il giudice e la legge. Lezioni di diritto costituzionale, Giappichelli, Torino, 1995; Lezioni di teoria costituzionale, Giappichelli, Torino, 2001; Lezioni di teoria del diritto e dello stato, Giappichelli, Torino, 2006; “Sobre el concepto de constitución”, in Miguel Carbonell (ed.), Teoría del neoconstitucionalismo. Ensayos escogidos, Trotta-UNAM, Madrid, 2007, pp. 15-27; “A propósito del neoconstitucionalismo”, trad., in Gaceta Constitucional, Tomo 67, Julio-2013, Lima, pp. 231-240; diferentemente R. ALEXY, “Direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade”, in O Direito, Ano 146º, 2014, IV, Lisboa, pp. 817-834); e (6º) a máxima da unidade e coerência do sistema jurídico, bem como, quando estritamente necessário, as máximas metódicas da igualdade e da proporcionalidade (cf. arts. 2º, 13º e 18º da CRP).
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Os recursos, seja para o TCA, seja para o STA, devem ser dirigidos contra a decisão do tribunal a quo e seus fundamentos. Têm o seu âmbito objetivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso, alegação que apenas pode incidir sobre as questões que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido (TAC, TCA ou STA(4)), ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas.

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II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. FACTOS PROVADOS

Com interesse para a decisão a proferir, está provado o seguinte quadro factual:





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Continuemos.
II.2. APRECIAÇÃO DO RECURSO
Aqui chegados, há melhores condições para se compreender o recurso e apreciarmos o seu mérito de modo sindicável, com base em argumentos jurídicos explícitos e racionais, que respeitem (i) a Constituição e o Direito, (ii) a complexidade do fenómeno jurídico e (iii) a verdade dos factos julgados como provados no processo (cf. M. TEIXEIRA DE SOUSA, Introdução ao Direito, 2012, pp. 447-455, e “Prova, poderes da Relação e convicção: a lição da epistemologia”, in Cad. de Direito Privado, nº 44, 2013, pp. 29 ss; A. VARELA et al., Manual de Processo Civil, 2ª ed., 1985, pp. 406-410, 445-495 e 651 ss; J. LEBRE DE FREITAS, A Ação Declarativa Comum, 3ª ed., 2013, pp. 41 ss, 193 ss, 201 ss e 315 ss).

Vejamos, pois.

1.
Cabe resolver a questão de saber se o DL 361/98 (regime legal da pensão unificada para os trabalhadores que descontaram para a C.G.Ap. e para a Seg. Social), sob a égide do art. 63º/4 CRP, deve ser estendido também, em 2008, a quem descontou, em termos de previdência social, para um sistema privativo de previdência social, como o dos trabalhadores bancários (antes da legislação de 2011 e subsequente, que se preocupou com a parte dos financiamentos a parir dos vários subsistemas).
O TAC entendeu que sim, por razões de igualdade e por causa do art. 63º/4 CRP; e contra a letra da lei ordinária (arts. 1º, 2º e 4º do DL 361/98 - (regime legal da pensão unificada para os trabalhadores que descontaram para a C.G.Ap. e para a Seg. Social).
A CGA discorda, com base na lei ordinária existente em 2008 e sobretudo preocupada com um aspeto nuclear financeiro e ausente da CRP e das leis de então: «Importa, aliás, notar o seguinte: o legislador, ao contrário do que sucede em relação ao sistema público de segurança social (Decreto-Lei nº 361/98, de 18 de Novembro), no qual expressamente prevê a repartição dos encargos entre a Caixa Geral de Aposentações e a Segurança Social, não prevê, em nenhum diploma, a comparticipação dos fundos de pensões do sistema previdencial dos bancários na pensão da Caixa Geral de Aposentações. Como se faz essa repartição? Ora, a totalização do tempo de serviço prestado no sector bancário na pensão de aposentação acarretaria, por isso, para a Caixa Geral de Aposentações a onerosa obrigação de suportar os encargos relativamente a períodos de tempo em que os seus subscritores efetuaram descontos para terceiros. Em última instância, não se encontrando prevista a repartição de encargos entre a Caixa Geral de Aposentações e os fundos de pensões do sistema previdencial dos bancários, a solução sustentada pelo tribunal a quo, redundaria numa situação de insustentável injustiça».
Vejamos.

2.
A pensão unificada tem como base a pensão do último regime ao abrigo do qual se rege a titularidade do direito, quer quanto às condições de atribuição quer quanto à avaliação das situações de incapacidade, relevando todos os períodos de pagamento de contribuições e de quotizações quer para o regime geral de Segurança Social quer para a Caixa Geral de Aposentações (art. 4º nºs 1(5), 4(6) e 5(7) do DL 361/98).
O regime da pensão unificada insere-se numa perspetiva de articulação entre o regime geral da segurança social (Seg.Soc.) e o da função pública (C.G.Ap.), baseando-se na totalização dos períodos de contribuição e quotização cumpridos ao abrigo dos dois regimes de proteção social.
A sua regra básica estruturante, contida no n. 1 do mesmo preceito, é a da totalização dos períodos contributivos, devendo considerar-se, para esse efeito, o tempo global de serviço relevantemente prestado para cada um dos regimes.
Nesse contexto, não está prevista (até 2008, pelo menos) a responsabilização e comparticipação financeiras, a favor da Seg.Soc. ou da C.G.Ap., dos outros sistemas ou subsistemas privativos de previdência que tenham arrecadado as receitas dos descontos do trabalhador privado, como o empregado bancário.
Portanto, o DL 361/98 e o sistema jurídico infraconstitucional não se debruçam de todo sobre situações como a do caso presente, pelo menos até à data aqui relevante, 2008. Aliás, exclui-o claramente, a nosso ver.

3.
O TC tem entendido, em síntese e em geral, o seguinte sobre o art. 63º/4 CRP:
-Dispõe o n° 4 do artigo 63° da CRP que todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e de invalidez independentemente do sector de atividade em que tiver sido prestado. Essa norma foi introduzida pela Lei Constitucional n.º 1/89 e pretendeu-se através dela salientar o princípio do aproveitamento total do tempo de trabalho para efeitos de pensões de velhice e invalidez, acumulando-se os tempos de trabalho prestados em várias atividades e respetivos descontos para diversos organismos da segurança social. E como referem Jorge Miranda e Rui Medeiros, é ainda hoje essa a intenção que se encontra claramente manifestada no atual n° 4 do artigo 63° que resulta da Revisão Constitucional de 1997 (Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra, 2005, pág. 638). Foi também esse o propósito dos promotores da alteração do texto constitucional, como se depreende de diversas intervenções que tiveram lugar durante a discussão parlamentar, em que se torna patente ter havido um interesse em assegurar, para efeitos de aposentação, a articulação e intercomunicação entre os tempos de serviços e os períodos contributivos que respeitem a diferentes sistemas de segurança social (Diário da Assembleia da República, II Série, número 23-RC, de 7 de Julho de 1988, pág. 654, e número 81-RC, de 9 de Março de 1989, pág. 2388). Porém - como se anotou no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 437/2006 -, apesar desta motivação imediata do legislador constituinte, que corresponderá à situação que então se apresentava como de verificação mais frequente ou de efeitos práticos mais visíveis, a norma constitucional tem um alcance mais geral, estabelecendo o imperativo de que todo o tempo de trabalho releve, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente de o problema de contagem emergir de o trabalhador ter estado integrado em diversos sistemas ou subsistemas de segurança social ou de outra causa, isto é, coloque-se ou não um problema de intercomunicabilidade de sistemas ou regimes de segurança social pública. E é essa também a conclusão a que chegou o acórdão n.º 411/99 do TC, quando considerou que a introdução do novo preceito constitucional foi ditada pela ideia de promover um aproveitamento total do tempo de serviço prestado pelo trabalhador, independentemente do sistema de segurança social a que ele tenha aderido, e desde que tenha efetuado os descontos legalmente previstos. Por outro lado, como explicita este mesmo aresto, «quando o texto constitucional remete para os termos da lei, fá-lo para efeitos de concretização do direito, não a título de cláusula habilitativa de restrições. A utilização da expressão todo o tempo de trabalho, em conjugação com o segmento independentemente do sector de atividade em que tiver sido prestado, impõe, nesta matéria, a obrigação para o legislador ordinário, de prever a contagem integral do tempo de serviço prestado pelo trabalhador sem restrições que afetem o núcleo essencial do direito. Ou seja, não é de entender que exista, por efeito da remissão para «os termos da lei», uma total liberdade de conformação do legislador quanto ao cômputo do tempo de serviço prestado pelo trabalhador para efeitos de aposentação. Na verdade, o direito à contagem do tempo de serviço para efeitos de aposentação, como prevê o artigo 63º, n.º 4, da CRP, surge como uma concretização do direito à segurança social, que, por sua vez, se inscreve na constituição social como um direito social de natureza positiva cuja realização exige o fornecimento de prestações por parte do Estado, impondo-lhe verdadeiras obrigações de fazer e de prestar (n.º 2). Acresce que a contagem dos tempos de serviço (como um direito social inserido na garantia institucional de um sistema de segurança social) se reveste de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, aplicando-se-lhes o regime destes — constante do artigo 18° da Constituição da República Portuguesa - por força da extensão operada pelo artigo 17º da Constituição. Foram estes aspetos que, por sua vez, foram sublinhados pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 554/03, que analisou o parâmetro constitucional do direito à segurança social em face de uma outra problemática (o estabelecimento de um limite temporal, por via do Decreto-Lei n.º 210/90, de 27 de junho, para ser requerida a pensão de aposentação prevista no Decreto-Lei n.º 362/78), mas em termos que mantêm plena validade no presente caso. Aí se escreveu: Não obstante se estar em presença de um direito fundamental social, em sentido estrito, isto é direito[s] cujo conteúdo principal típico consiste em prestações estaduais sujeitas a conformação político-legislativa (cfr. Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição de 1976, 2.ª edição, 2001, págs. 371), o certo é que, como adverte este autor, apesar de estarem sujeitos a um regime constitucional diferente, mormente quanto à determinação do seu conteúdo (cfr. ob. cit., págs. 377 e segs.), eles não constituem uma categoria de natureza naturalmente distinta dos direitos, liberdades e garantias. Sem necessidade de se ter de tomar posição quanto à questão de saber se a esse direito à segurança social não deverá ser reconhecido um conteúdo mínimo à face da Constituição, pela sua referência imediata à ideia da dignidade da pessoa humana, não pode deixar de olhar-se para o direito à pensão de aposentação, seja nos termos previstos na lei geral (Estatuto da Aposentação), seja nos termos excecionais, como são os que estão definidos no referido Decreto-Lei n.º 362/78, como correspondendo a uma realização das imposições constitucionais estabelecidas no âmbito de tal direito social, até em termos de concretização da própria estrutura fornecedora das prestações que o Estado deve criar apontada pela Lei Fundamental. Nesta perspetiva, estamos perante direitos subjetivos [tornados] certos por via do poder de conformação conferido ao legislador democrático para estabelecer autonomamente a forma, a medida e o grau em que entendeu concretizar as imposições constitucionais respetivas (aqui com inclusão de uma certa estrutura da prestação já definida pela Lei Fundamental) e não perante direitos cujo conteúdo esteja determinado no seu essencial pela Constituição, como acontece com o regime típico dos direitos, liberdades e garantias. Mas, não obstante essa sua natureza, não se segue daí que o regime do direito à segurança social esteja à mercê do legislador infraconstitucional, visto não ser total» a sua liberdade de conformação, sendo que, no caso do direito à aposentação, essa liberdade se acha mais constrangida, dada a injunção decorrente do artigo 63º, n.ºs 4 e 5, da CRP quanto à estrutura das prestações (a necessária para acudir às referidas situações de carência) e até quanto ao procedimento da sua determinação (cômputo do tempo de trabalho). Por isso, como escreve Vieira de Andrade (ob. cit., págs. 386), os preceitos constitucionais relativos aos direitos sociais também servem de padrão positivo de controle da constitucionalidade das leis», sendo uma das hipóteses [de violação] de mais fácil verificação a da inconstitucionalidade resultante da violação do princípio da igualdade enquanto proibição do arbítrio, a qual poderá acontecer quando uma lei organize ou regule prestações em cumprimento das imposições constitucionais ligadas ou decorrentes da consagração de direitos sociais e, ao fazê-lo, restrinja injustificadamente o âmbito dos beneficiários, em manifesta contradição com os objetivos da norma constitucional, por força do hábito ou de uma intenção discriminatória. Sendo assim, em rigor, a remissão para a lei, como consta do n.º 4 do artigo 63º da CRP, não pode pôr em causa o princípio do aproveitamento integral dos períodos contributivos do trabalhador, e apenas poderá significar que a Constituição deixa em aberto a concretização das soluções que permitem – por exemplo em relação a um funcionário público, que em momento ulterior, ingressa numa empresa privada – fazer um cálculo conjunto dos vários tempos prestados pelo beneficiário ao serviço de diferentes entidades, em diferentes períodos ao longo da sua vida (Jorge Miranda/Rui Medeiros, ob. cit., págs. 638-639). É essa ordem de preocupações que está presente no regime jurídico da pensão unificada, que começou por ser instituído pelo Decreto-Lei n.º 143/88, de 22 de Abril, e cujo âmbito de aplicação tem sido sucessivamente ampliado pelos diplomas que se seguiram (Decreto-Lei n.º 159/92, de 31 de Julho, e Decreto-Lei n.º 361/98, de 18 de Novembro), e cujo objetivo, no plano material, foi o de permitir justamente, em relação a trabalhadores que se encontrem abrangidos por mais de um sistema de proteção social, a totalização dos períodos contributivos existentes no regime de segurança social e no regime da função pública, para efeito da atribuição de uma única pensão. Bem se compreende, neste contexto, que a exclusão, para efeito do cálculo da pensão de aposentação, de uma parte do tempo de trabalho prestado – tal como prevê a falada norma do artigo 80º, n.º 2, do Estatuto da Aposentação – não se mostre conforme com o disposto no artigo 63º, n.º 4, da Lei Fundamental, que, precisamente, impõe a obrigatoriedade de contagem de todo o tempo de serviço juridicamente relevante, e, portanto, de todo o tempo de serviço sobre que tenham recaído os descontos para a aposentação. Certo é que a lei ordinária não está impedida de estabelecer determinados requisitos de que dependa o reconhecimento do direito à pensão – como, também, o Decreto-Lei n.º 362/78, ao estabelecer um regime especial de aposentação para os funcionários e agentes da antiga administração ultramarina, não deixou de exigir um tempo mínimo de serviço (cinco anos) e a realização dos correspondentes descontos como condição necessária para requerem a atribuição da pensão. Outros requisitos poderão ser fixados pelo legislador no que concerne aos termos em que deverá operar, para efeitos de aposentação, a contagem das diversas parcelas de tempo de serviço que respeitem a diferentes regimes de segurança social ou a diferentes atividades profissionais.

4.
Mas, uma coisa é o cit. nº 4 do art. 63º/4 CRP (o princípio do aproveitamento integral dos períodos contributivos do trabalhador), outra coisa bem distinta é a pensão unificada como configurada pela lei ordinária (no DL 361/98 - regime legal da pensão unificada para os trabalhadores que descontaram para a C.G.Ap. e para a Seg. Social).
Parece-nos que o ac. recorrido, tal como o a., confundiu as duas questões.
Com efeito, a interpretação, a nosso ver correta, de que o DL 361/98 não é aplicável ao caso presente, relativamente ao tempo de trabalho num banco privado e respetivos descontos para o sistema previdencial privativo bancário,
-Não impede aquilo que é imposto na cit. norma constitucional,
-A qual, aliás, não impõe a pensão unificada.
É que, fora de uma pensão unificada para este caso concreto, que não está prevista na lei ou na CRP para este tipo de situações (em 2008), o cit. trabalhador continua a ter três direitos (em 2008), a conformar pelo legislador ordinário e pela administração pública:
1º) o direito resultante do art. 63º/4 CRP, cuja regra imperativa é clara, como vimos: todo o tempo de trabalho contribui para o cálculo das pensões de velhice e de invalidez independentemente do setor de atividade em que tiver sido prestado;
2º) o direito à sua pensão pelo sistema previdencial privativo bancário, pensão essa não unificada à pensão pela CGA ou pela SS;
3º) o direito à sua pensão pelo sistema previdencial público, para o qual também descontou.
Em síntese, no quadro legislativo de 2008, (1º) o ora autor não tinha direito a uma pensão unificada e (2º) a C.G.Ap. não tinha o dever legal de pagar o montante de pensão decorrente dos descontos feitos para o sistema previdencial privativo do setor bancário, embora tenha o dever constitucional de contar todo o tempo de descontos conforme o nº 4 do art. 63º CRP, i.e., para o autor passar à situação de aposentado ou reformado.

5.
Finalmente, assim vistas as coisas, não se descortina discriminação em relação aos casos regulados no DL 361/98 (regime legal da pensão unificada para os trabalhadores que descontaram para a C.G.Ap. e para a Seg. Social). Nem o TAC a fundamentou.
Com efeito, a situação do ora autor não é igual à dos trabalhadores referidos no DL 361/98, a pensão unificada não é imposta pela CRP e o ato administrativo aqui sindicado não nega ao autor algo que, aliás, não poderia negar: o (sub)montante de pensão devido pelo sistema privativo bancário de previdência, o qual arrecadou os descontos feitos pelo ora autor.
Porventura, haverá, haveria em 2008, uma inconstitucionalidade por omissão, por referência aos arts. 13º e 63º/4 CRP, no caso de se constatar uma impossibilidade infraconstitucional assente na não intercomunicabilidade financeira dos dois sistemas previdenciais do trabalhador contribuinte, o sistema público e o sistema privativo. Mas trata-se de outra questão, alheia a este processo e aos poderes de pronúncia do TAC.


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III. DECISÃO
Por tudo quanto vem de ser exposto e de harmonia com os poderes conferidos no artigo 202º da Constituição, acordam os Juizes da 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento parcial ao recurso, revogar o ac. recorrido e julgar a ação administrativa parcialmente procedente nos seguintes termos:

a) Anular o ato administrativo impugnado na parte em que nega ao autor a contagem do tempo de descontos enquanto trabalhador bancário, para efeitos de contagem do tempo para a reforma/aposentação;

b) Determinar à C.G.Ap. que aplique a regra citada decorrente do art. 63º/4 da CRP;

c) No caso de o autor ter o tempo (acumulado nos diferentes setores) para se poder aposentar, a C.G.Ap. calculará o montante da pensão pública em termos proporcionais ao tempo de descontos efetivamente realizados para a C.G.Ap.
Custas a cargo de ambas as partes, em partes iguais, em ambos os tribunais.

D.N. (notif.; reg.; public. nos termos do art. 30º/2 do CPTA/2015)
Lisboa, 16-12-2015



(Paulo H. Pereira Gouveia - relator)


(Nuno Coutinho)


(Carlos Araújo)


(1) As pensões de invalidez, velhice e sobrevivência do regime geral de segurança social e as pensões de aposentação, reforma ou sobrevivência da Caixa Geral de Aposentações, a receber ou legar por quem tenha sido abrangido pelos dois regimes de proteção social, podem ser atribuídas de forma unificada, nos termos previstos no presente diploma.
(2) 1 — O regime da pensão unificada, estabelecido por este diploma, abrange os beneficiários do regime geral de segurança social e os subscritores da Caixa Geral de Aposentações.
(3) 1 — O regime da pensão unificada baseia-se na totalização dos períodos de pagamento de contribuições e de quotizações para o regime geral de segurança social e para a Caixa Geral de Aposentações, sendo os períodos de sobreposição contributiva contados uma só vez.
(4) Quanto aos recursos para o nosso Tribunal Constitucional: no caso do recurso de constitucionalidade, reportado a determinada interpretação normativa, ele tem por objeto apenas uma regra abstratamente enunciada e vocacionada para uma aplicação potencialmente genérica, não podendo destinar-se a pretender sindicar o puro ato de julgamento, enquanto ponderação casuística da singularidade própria do caso concreto, não existindo no nosso ordenamento jurídico-constitucional a figura do recurso de amparo para defesa de direitos fundamentais. Daí que não podem as particularidades do caso concreto ou as circunstâncias que rodearam a sua aplicação ao caso, se não integrarem o conteúdo normativo sindicado, delimitando-o, serem fatores determinantes de um juízo de inconstitucionalidade que vai afetar uma norma que, apesar de fundamentar a decisão tomada no processo, tem uma eficácia que extravasa o caso, por força das suas características de generalidade e abstração.
(5) 0 regime da pensão unificada baseia-se na totalização dos períodos de pagamento de contribuições e de quotizações para o regime geral de segurança social e para a Caixa Geral de Aposentações, sendo os períodos de sobreposição contributiva contados uma só vez.
(6) A titularidade do direito, as condições de atribuição e a avaliação das situações de incapacidade permanente são as do ultimo regime.
(7) A pensão unificada e considerada, para todos os efeitos legais, como pensão do ultimo regime, sem prejuízo do que neste diploma se disponha em contrario.