Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1274/10.4 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:03/02/2023
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:REINVESTIMENTO MAIS VALIAS
RATIO LEGIS
FORMALIDADE LEGAL
SUBSTÂNCIA SOBRE A FORMA
PRINCÍPIO DA JUSTIÇA
PRINCÍPIO DA TRIBUTAÇÃO DO LUCRO REAL
Sumário:I-Dimana do artigo 45.º, nº5 do CIRC, que os contribuintes devem mencionar a intenção de efetuar o reinvestimento na Declaração Anual (artigo 109.º, nº 1, alínea c), do CIRC) do exercício da realização, comprovando nas Declarações Anuais dos exercícios seguintes os reinvestimentos efetuados.
II-Não sendo sindicada e controvertida a realização efetiva dos reinvestimentos dos valores de realização, no fundo a substância económica atinente à própria materialização dos reinvestimentos, a preterição de formalidade atinente à comprovação nas declarações anuais dos exercícios seguintes não pode, sem mais, fundar a realização de correção, subvertendo, por um lado, o espírito do legislador atinente à implementação de tal formalismo legal, e traduzindo, por outro lado, uma inequívoca violação de princípios constitucionais basilares, concretamente, da tributação pelo lucro real e da justiça tributária.
III-A formalidade legal plasmada no citado normativo deve ser sopesada com o princípio da justiça, sendo que numa situação em que não é controvertida e sindicada a corporização dos reinvestimentos, a única forma de repor a verdade e eliminar uma tributação sem rendimento efetivo associado, é prevalecer a substância sobre a forma.
IV- A justiça material não é, por força do princípio da legalidade fiscal, a justiça no exclusivo interesse de qualquer das partes mas a justiça distributiva, que é a visada pelo direito fiscal, daí que a justiça tributária se atinja pela tributação de cada um, em ordem à sua capacidade contributiva, sendo que a mesma se revela, por opção legal e constitucional, fundamentalmente, pelo seu lucro real.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (doravante Recorrente ou DRFP) veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por “I.-I. T. A., SA”, contra o despacho de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), do exercício de 2003, com o nº 2009 8500016937, no montante de 65.009,44€ a reembolsar, através da qual foram corrigidos os prejuízos fiscais declarados, fazendo acrescer ao resultado líquido do exercício o valor de 612.530,96€.


***

A Recorrente veio apresentar as suas alegações, formulando as conclusões que infra se reproduzem:

“Posto tudo o que já foi dito, extrairemos as seguintes conclusões:

I - A questão controvertida prende-se com o facto do Tribunal “a quo” ter decidido pela procedência, relativamente à liquidação n.° 2009 8500016937 do IRC do exercício de 2003, impugnada nos autos, e com a qual não concordamos.

II - Nos autos está em causa a questão do regime legal consagrado no art.° 45°, n.° 5 do CIRC (actual art.° 48°, n.° 5 do CIRC), no que toca ao dever de o sujeito passivo manifestar a pretensão de reinvestir o valor de realização nas declarações anuais dos exercícios de 2001, 2002 e 2003.

III - Foi a sociedade recorrida objecto de acções inspectivas, no âmbito das quais se apurou a violação do estatuído no n.° 5 do art.° 45 do CIRC (actual art.° 48° do CIRC).

IV - Assim, resultaram correcções de natureza meramente aritmética pela falta de manifestação da intenção de reinvestir o valor de realização do exercício de 2001.

V - Tendo os Serviços da Inspecção Tributária constatado que a sociedade indicou no Quadro 10, Anexo A, para o exercício de 2001, a pretensão de reinvestir € 613.187,47, ou seja um reinvestimento parcial, dado que o valor de realização foi de € 1.746.409,90.

VI - Ora, para puder usufruir do regime legal pelo qual optou (regime transitório da Lei 109-B/2001, de 27/12), até ao fim do exercício de 2003, teria que ter sido reinvestido o remanescente, o que não aconteceu, daí, o reinvestimento parcial.

VII - Os Serviços de Inspecção procederam ao cálculo da mais-valia fiscal correspondente ao valor de realização não reinvestido, o qual teria de ser acrescido ao resultado líquido apurado no exercício de 2003, como proveito ou ganho e ainda não incluída no lucro tributável, majorada em 15%, nos termos previstos dos n.°s 2 e 6 do art.° 45° do CIRC (actual art.° 48° do CIRC). 

VIII - Na sequência da notificação do Projecto de Relatório da Inspecção, a Recorrida, exerceu o direito de audição, no âmbito do qual apresentou documentos a atestar o reinvestimento para os exercícios de 2002 e 2003, com a aquisição de bens do activo imobilizado corpóreo afectos à exploração, justificando, como mero lapso, a falta de declaração do reinvestimento do valor de realização.

IX - A razão de ter efectuado reinvestimentos, quer em 2002, quer em 2003, não permitem, de per si, assumir, o reinvestimento total do valor de realização que ocorreu no exercício de 2001, pois essa intenção não foi manifestada pela empresa, na declaração anual de cada um dos respectivos exercícios, em conformidade com o n.° 5 do art.° 45° do CIRC.

X - E tal obrigatoriedade não foi cumprida pela Recorrida.

XI - De facto, só se o sujeito passivo tiver invocado a intenção de reinvestir, nos termos do n.° 5 do art.° 48° do CIRC, poderá a AT considerar a aplicação do regime aí contemplado.

XII - Se a falta de cumprimento deste dever (cumprir com a declaração de pretensão de reinvestir) não contém, em si qualquer penalização, então poder-se- á dizer que o n.° 5 do art.° 45° (actual art.° 48° do CIRC) não carece de permanecer no nosso ordenamento jurídico-fiscal, perante a nítida "tábua rasa” que lhe é infligida.

XIII - E caso seja esse o entendimento perfilhado pela jurisprudência, estamos perante uma violação clara e objectiva de determinados princípios constitucionais e legais, designadamente, os princípios da legalidade e da igualdade.

XIV - Diz Diogo Leite Campos, in Direito Tributário, sobre a questão sub judice, “Existem, portanto, três condições necessárias para que se verifique a inclusão das mais-valias no lucro tributável sujeito a tributação: tratarem-se de bens do activo imobilizado corpóreo; haver reinvestimento do valor de realização; o reinvestimento verificar-se até ao fim do terceiro exercício seguinte ao da realização. (...) Uma outra condição, prevista no número seguinte, é a de que os sujeitos passivos deverão mencionar a intenção de efectuar o reinvestimento na declaração de rendimentos a que se refere a alínea c) do n.° 1 do art.° 109° do exercício da realização, comprovando na mesma e nas declarações dos dois exercícios seguintes os reinvestimentos efectuados

XV - Um dos princípios ínsitos na douta sentença respeita ao princípio da prevalência da substância sobre a forma, o qual se encontra legalmente consagrado no art.° 11°, n.° 3 da LGT e respeita à interpretação das normas tributárias.

XVI - No que concerne ao predito principio, António Lima Guerreiro, in Lei Geral Tributária Anotada, defende, “apenas em caso de dúvida sobre o conteúdo dos conceitos jurídicos ou usuais a aplicar; é legítimo, pois, o recurso à substância económica, que se reveste assim, de carácter meramente residual na interpretação e aplicação das normas do Direito Tributário. Ou seja, apenas após o esgotamento dos critérios gerais de interpretação e aplicação das leis, ou se se pretender, da hermenêutica jurídica, se poder recorrer ao critério da substância económica, que não consagra qualquer liberdade de criação de normas jurídicas por parte do intérprete-aplicador do Direito Tributário, mas apenas é um argumento de último recurso na averiguação da vontade efectiva do legislador fiscal

XVII - Nesta senda vai ainda Diogo Leite Campos, ao entender: “Uma vez aplicadas todas as regras da hermenêutica jurídica, poderá manter-se a dúvida sobre o sentido das normas a aplicar. Esta dúvida será extremamente rara (...) no caso de as normas tributárias terem sido tecnicamente bem construídas. (...) Esta interpretação - que é, nos termos do n.° 3, só residual - tem vindo a ser afastada, não só na doutrina e na jurisprudência, como também das feis tributárias, gerais ou não, dos países europeus. O ponto de vista consagrado no n.° 3, tem sido, e continua a ser, criticado pela doutrina. Enquadra-se, numa ideia geral, não presente, sublinhe-se, na lei geral tributária, de que o Direito Fiscal visa as realidades económicas e não factos jurídicos

XVIII - O mesmo entendimento é preconizado por Casalta Nabais, in Direito Fiscal, ao dizer sobre o art.° 11°, n.° 3 da LGT, “a disposição legal do n.°3,"contém em si o perigo de anular o princípio de que a interpretação das normas jurídicas fiscais devem ser observadas as regras gerais da interpretação”.

XIX - E acrescenta ainda "Para além de que não se percebe muito bem como é que as normas de incidência fiscal, após a utilização das regras gerais da interpretação, ainda sejam objecto de dúvidas acerca do sentido, uma vez que tais regras visam justamente dissipar todas as dúvidas que se levantem. Daí que, a nosso ver, o n.° 3 do art.° 11° da LGT esteja a mais, já que ou não diz nada, ou contradiz o que se prescreve no n.° 1”.

XX - Assim, a douta sentença ora recorrida, a manter-se na ordem jurídica, é convencimento da Fazenda Pública que incorreu em erro de julgamento.

Nestes termos, em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se, em consequência a douta sentença ora recorrida, com as legais consequências, assim se fazendo por Vossas Excelências a costumada JUSTIÇA.


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O Recorrido, devidamente notificado para o efeito, apresentou contra-alegações, tendo concluído como segue:

A. Do documento com as alegações da Recorrente resulta, desde logo, evidente que nem as respectivas conclusões que delimitam o seu âmbito e objecto nem o articuIado que as precede, contêm a mínima adoração de qualquer questão de facto, ou sequer relativa à matéria de FACTO.

B. Em conformidade com o disposto no artigo 280.° do CPPT, deve, desde já, este douto a quo remeter o processo de imediato ao Supremo Tribunal de Justiça, maxime à respectiva Secção do Contencioso Tributário, por ser o tribunal competente, OU caso assim não ocorra, e os presentes Autos sejam remetidos ao venerando Tribunal Central Administrativo Sul, requer-se a este douto Tribunal Central decidir não conhecer do presente recurso, por ser competente para apreciá-lo a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

C. A sentença recorrida procedeu à anulação do acto tributário em crise nos presentes Autos com base no vício de VIOLAÇÃO DE LEI por negação de diversos princípios fundamentais da tributação, como sejam o ‘Princípio da Tributação das Sociedades pelo Lucro Real previsto no artigo 104.°, n.° 2, da Constituição e, entre outros princípios previstos no artigo 5.°, n.° 2, da LGT, o ‘Princípio da Justiça Material’ - cfr. a fls. 353 dos Autos.

As alegações e conclusões da Recorrente versam apenas sobre o referido vício de direito, não se referindo aos demais vícios, de VIOLAÇÃO DE LEI E DE FORMA, invocados pela Recorrida em primeira instância e apreciados pela decisão recorrida.

As alegações e conclusões da Recorrente não impugnam a fundamentação de FACTO dada por provada na decisão a quo que anulou o acto tributário em crise.

Nos presentes Autos de recurso discute-se a liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 2003 e o indeferimento da reclamação graciosa que a ora Recorrida apresentou contra a citada liquidação adicional de IRC - cjr. doc. n.° 2 em anexo à p.i., a fls. 37 dos Autos e doc. n.° 11 em anexo à p.i., a fls. 139 e ss. dos Autos e, bem assim, doc. n.° 1 em anexo à p.i., a fls. 29 a 36 dos Autos.

A sentença a quo, deu como provado essencialmente que:

(i) A Recorrida apresentou a sua Declaração Mod. 22 do IRC do exercício de 2003 declarando um prejuízo fiscal de 2.804.819,75 € - vide p. 7 da sentença a jls. 297 dos Autos;

A ora Recorrida teria que reinvestir a totalidade do valor de realização apurado em 2001 até ao fim do exercício de 2003, ao abrigo do então artigo 45.° do Código do IRC (reinvestimento de mais-valías);

Depois, que a ora Recorrida, em 27 de Abril de 2007, apresentou uma dedução dos prejuízos fiscais apurados nos exercícios de 2001 a 2006 - vide p. 7 da sentença a jls. 297 dos Autos;

(iii) Que a ora Recorrida não utilizou os referidos prejuízos por ter apresentado prejuízos nos exercícios que decorreram até 2007;

(iv) Que os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa levaram a cabo acção de inspecção à ora Recorrida aos exercícios de 2001 a 2006 - vide p. 7 da sentença a jls. 297 dos Autos;

(v) Que, em 13 de Agosto de 2009, a ora Recorrida apresentou declaração Mod. 22 de Substituição para o exercício de 2003 alterando o prejuízo fiscal apurado na Declaração Mod. 22 do IRC do exercício de 2003 de 2.804.819,75 para 2.766.631,79 € - vide p. 7 da sentença a jls. 297 dos Autos;

(vi) Que também os prejuízos apurados em 2003 não foram utilizados, desta feita em virtude de a ora Recorrida se encontrar a aguardar decisão relativamente ao citado pedido de autorização;

(vii) Que a ora Recorrida, no exercício de 2001, acresceu ao resultado líquido declarado na Mod. 22 do IRC, no campo 216, o montante de €820.845,16, valor correspondente a 50% da mais-valia fiscal apurada em 2001;

(viii) Que a posição dos Serviços de Inspecção Tributária foi a seguinte - vide p. 8 a 13 da sentença a jls. 298 a 303 dos Autos:

· A declaração anual (e a Mod. 22 do IRC) da ora Recorrida respeitante ao ano de 2001 era expressa quanto à intenção de reinvestimento - vide p. 10 in fine e p. 12, ambas da sentença, a fis. 300 e 302 dos Autos, respectivamente;

· Na declaração anual dos exercício de 2002 e 2003 não se encontrava assinalado que se procedia ao reinvestimento do restante valor de realização apurado em 2001;

· Face ao referido, ter-se-ia de considerar como proveito ou ganho a parte de mais-valia fiscal correspondente ao valor de realização alegadamente não reinvestido [não assinalado nas declarações anuais de 2002 e 2003] e não incluída no lucro tributável, majorada ainda em 15%, nos termos previstos dos n.0s 2 e 6 do então artigo 45.° do Código do IRC - vide p. 8 a 13 da sentença a fis, 298 a 303 dos Autos.

(ix) Que, em 21 de Setembro de 2009 foi emitida pela AT a liquidação adicional de IRC do exercício de 2003 referente à ora Recorrida, nela se apurando um montante de prejuízos fiscais do Regime Geral de 2.154.100,83 € - vide p. 13 da sentença a fis. 303 dos Autos;

(x) Que, em 2010, foi a Impugnante notificada do Despacho sancionando o entendimento de se estar perante uma situação de interesse económico, pelo que a ora Recorrida podia utilizar (i.e., deduzir) os seus prejuízos - ride p. 19 da sentença a fis. 309 dos Autos;

H. Foi ainda dado como provado pela sentença recorrida, por não se encontrar controvertido pelas partes, o seguinte FACTO:

(xi) Por não se encontrar controvertido pelas partes foi ainda dado como provado pela sentença recorrida (noutra secção da decisão que não na secção 1 do capítulo III da decisão a quo) o seguinte FACTO: Que não se encontra verdadeiramente colocado em causa pela AT que a Recorrida tenha, efectivamente, procedido ao reinvestimento em 2002 e 2003 do valor de realização que deu origem à mais-valia de 2001, posto que está assente que o fez - cfr. p. 42 ab initio da sentença a fls. 332 dos Autos.

I. A sentença recorrida anulou o acto de liquidação de IRC e o indeferimento da reclamação em crise concluindo que a negação da aplicabilidade do disposto no então artigo 45.° do Código do IRC (actual 48.°), tal como sustentada pela AT perante o quadro factual dos presentes Autos, consubstanciaria a negação de princípios fundamentais como o ‘Princípio da Tributação das Empresas pelo Lucro Real’ e, bem assim, do ‘Princípio da Justiça Material’» uma vez que este princípio proíbe - juntamente com os ‘Princípios da Generalidade’, da ‘Igualdade’ e da ‘Legalidade’ - a tributação que se efectue de forma materialmente injusta — cfr. a pp. 41 e ss. da sentença a jls. 331 e ss. dos Autos;

J. É indiscutível que as correcções perpetradas pela AT, concretizadas na liquidação em crise, provocam uma tributação manifestamente injusta pela simples circunstância da ora Recorrida não ter indicado (apenas isso) na declaração anual de 2002 e 2003 (mas depois de ter declarado a intenção de reinvestir na declaração anual e na Mod. 22 de 2001, e este facto estar assente por ser reconhecido pela própria AT) o reinvestimento do valor de realização que originou uma mais-valia em 2001...

K. Tanto mais injusta tal tributação quando esse reinvestimento foi, efectivamente, realizado, como, aliás, testemunharam, de forma clara, as testemunhas arroladas pela ora Recorrida, e resulta dos documentos juntos aos Autos (maxime docs. n.°s 6, 7 e 8 em anexo à p.i.)...

L. De acordo com a douta decisão a quo, a referida posição da AT consubstancia «uma clara violação dos citados princípios» — cfr. a p. 42 da sentença a fls. 332 e ss. dos Autos (cit., itálico nosso).

M. Ainda de acordo com a decisão a quo, e referindo-se a jurisprudência do TCA Sul por si citada e do STA - vide acórdãos de 24 de Maio de 2011 no processo n.° 03514/09, e de 2 de Fevereiro de 2006 no processo n.° 0746/05, respectivamente — entendimento diverso (ou seja, a tese da AT) significaria «uma situação de dupla tributação, a qual, naturalmente é de afastar de modo peremptório» - cfr. a p. 42 da sentença a fls» 332 e ss. dos Autos (cit.).

N. A fundamentação da decisão é reforçada pelo facto da correcção efectuada pela AT ter como exclusivo fundamento o facto da Recorrida não ter indicado em 2002 e 2003 que tinha efectuado nesses exercícios (como efectuou) o reinvestimento do valor de realização obtido com a alienação de bens do activo imobilizado corpóreo em 2001 (i.e., não declarou lapso nas respectivas declarações anuais), ou seja, nenhum motivo existe para tal correcção a não ser a referida formalidade...

O. Nessa medida, em face dos FACTOS dados como provados no processo, e da JUSTEZA e ADEQUAÇÃO da decisão recorrida face à Lei Constitucional e Ordinária, procedeu o Tribunal a quo - e bem - à condenação da AT na anulação da liquidação adicional em crise pela mesma incorrer em VÍCIO DE VIOLAÇÃO LEI.

P. Ao invés, vem a Recorrente nas suas alegações insistir na tese contraditória para com os factos assentes, de que o reinvestimento em 2002 e 2003 não ocorreu, ou seja, negando o reinvestimento, o que é, desde logo, inusitado, posto que, das duas uma: ou a Fazenda Pública quer negar os FACTOS assentes por provados - o que não se compreende pois não os impugna, e muito menos apresenta outra factualidade que pudesse pressupor a ausência de reinvestimento - o que toma as suas alegações incompreensíveis à luz do efectivo reinvestimento; ou defende a tese hiperformalista dos Serviços de Inspecção Tributária de que os reinvestimentos, apesar de terem ocorrido, não podem ter efeitos fiscais pois a empresa não os indicou nas declarações anuais de 2002 e 2003, apesar de ter declarado a intenção de reinvestimento, e o próprio reinvestimento, nas declarações, quer na anual quer na Mod. 22, respeitantes a 2001 (ano da realização).

Q. A Fazenda Pública equivoca-se ao confundir a obrigatoriedade de declaração de intenção de reinvestimento no «período de tributação em que a realização ocorre» (2001) da alegada — mas não prevista no n.° 5 do então artigo 45.° - obrigação de intenção de reinvestimento nos «dois períodos de tributação seguintes» (2002 e 2003), posto que aquele normativo legal dispõe tão somente que se deve mencionar a intenção de efectuar o reinvestimento na declaração anual «do período em que a realização ocorre» (cit.), ou seja em 2001 no caso dos presentes Aut0s, o que, como vimos, foi feito pela ora Recorrida, como reconhece mesmo a AT.

R. No que respeita ao reinvestimento e de acordo com o n.° 5 do então artigo 45.° do Código do IRC (actual 48.°), para os «dois períodos de tributação seguintes» ao da realização — que no caso dos presentes Autos são 2002 e 2003 -, apenas é necessário que se comprove o reinvestimento efectuado, e não que se proceda a uma declaração sobre intenção de reinvestir.

S. Nem outra coisa aliás poderia fazer sentido: a intenção de reinvestir é apenas e somente relacionada com um exercício - o da realização, naturalmente-, posto que os outros dois são apenas de concretização.

T. A tese sustentada pela Fazenda Pública nas suas alegações de recurso assenta, pois, numa interpretação completamente contrária à letra do n.° 5 do então artigo 45.° do Código do IRC e é totalmente contrária à lógica fiscal do reinvestimento.

U. Contrariamente, a ora Recorrida cumpriu com o disposto no n.° 5 do então artigo 45.° do Código do IRC, posto que - como a AT corrobora ao longo dos Autos e consta da sentença na parte FACTUAL, inclusivamente aquando da citação do relatório de inspecção - declarou a intensão em 2001, ou seja no exercício da realização — cfr. sentença p. 10 último parágrafo, a Jls. 300 dos Autos.

V. Quanto aos dois exercícios posteriores ao da realizarão - i.e., 2002 e 2003-, comprovou-se o reinvestimento ao longo dos presentes Autos por documentos e por depoimentos, sendo que o Tribunal a quo, confrontado com a clareza da prova documental, nem necessitou de relevar a prova testemunhal para efeitos de dar como provado esse reinvestimento.

W. A Fazenda Pública pretende pois, como já tinham feito os Serviços de Inspecção Tributária, fazer a declaração anual dos exercícios posteriores ao da realização (2002 e 2003) prevalecer sobre a intenção de reinvestir já declarada na declaração anual e de rendimentos (Mod. 22 IRC) do exercício da realização (2001) e — mais importante ainda - sobre a prova de que esse reinvestimento ocorreu em 2002 e 2003 produzida ao longo dos presentes Autos.

X. Bem andou, novamente, a decisão a quo ao invocar os princípios fundamentais da “Justiça Material” e da “Prevalência da Substância sobre a Forma”, posto que não podia a AT, com base em razões meramente formais, desconsiderar reinvestimentos que efectivamente se realizaram e que se encontram provados!

Y. Tal como refere a sentença - citando jurisprudência do STA — não podia a AT ter ignorado a existência no direito fiscal português de um princípio de prevalência da substância sobre a forma, consagrado, nomeadamente, como cânone de interpretação e aplicação das normas tributárias — cfr. artigo 11.° n.° 3 da LGT.

Z. Princípio esse bem patente na jurisprudência do STA, sendo disso bons exemplos os seguintes acórdãos do STA: o proferido no processo n.° 021/02, de 26 de junho de 2006: o proferido no processo n.° 06238/02, de 27 de Setembro de 2005: e, entre outros, o proferido no processo n.° 0383/02, de 26 de junho de 2002.

AA. A sentença a quo revelou também na sua decisão o “Princípio da Tributação das Sociedades pelo seu Lucro Real”, previsto no n.° 2 do artigo 104.° da Constituição, fazendo parte da fundamentação da decisão a negação pela AT desse princípio fundamental da tributação das empresas no âmbito da liquidação adicional em crise.

BB. E grosseiramente violadora do ‘Princípio da Tributação pelo Lucro Real’ a interpretação segundo a qual seria legítimo que a Recorrida fosse tributada prejudicialmente relativamente a uma mais-valia da qual não beneficiou, posto que procedeu, nos termos legais, ao seu total reinvestimento.

CC. Também o princípio constitucional da proporcionalidade está em causa pois um mero lapso declarativo-mais a mais relativo a uma obrigação acessória-não pode ser sancionado e punido com tributação desproporcionada, como já se pronunciou a jurisprudência, designadamente o já citado acórdão do STA de 26 de Junho de 2002, proferido no âmbito do processo n.° 383/02.

DD. Mostra-se desproporcionada uma visão ultra maximalista de que os supostos lapsos formais em 2002 e 2003, possam determinar, sem mais, a desconsideração in totum do reinvestimento realizados pela Recorrida e determinar a inclusão no seu lucro tributável da totalidade da mais-valia apurada em 2001...

EE. Em face do exposto, parece evidente que a interpretação das normas do n.° 1, 5 e 6 do então artigo 45.º do Código do IRC (actual artigo 48.° do mesmo código), no sentido de sujeitar a tributação, mais a mais majorada, uma mais-valia efectivamente reinvestida e declarada no exercício de realização, é violadora do principio constitucional da “Tributação das Empresa pelo Lucro Real” consagrado no n.° 2 do artigo 104.° da Constituição» pois desatente que a Recorrida não beneficiou da mais-valia posto que a reinvestiu. e. bem assim, violadora dos princípios da “Proporcionalidade”, “Justiça Material” e “Igualdade” consagrado no artigo 266.° da Constituição, porque um mero lapso declarativo não pode ser punido com tributação desadequada e discriminatória, inconstitucionalidades sempre invocadas nos presentes Autos.

FF. Nessa medida, perante o que se acabou de expor, bem andou o Tribunal a quo ao anular a liquidação de IRC em crise, pela mesma incorrer em VÍCIO DE VIOLAÇÃO DE LEI CONSTITUCIONAL, maxime “Princípio da Tributação das Sociedades pelo Lucro Real”, E ORDINÁRIA, maxime artigo 5.°, n.° 2, da LGT que consagra o “Princípio da Justiça Material”, razão pela qual se pugna pela manutenção da sentença recorrida a esse respeito.

GG. Caso se entenda - por mera hipótese e sem conceder - que a decisão a quo merece censura e/ou que os actos em crise nos Autos não padecem do vício de violação de lei supra referido, importa, subsidiariamente e à cautela, nos termos do artigo 684.°-A (actual 636.°), n.° 2, do CPC, aplicável ex vi o disposto nos artigos 2.° alínea e) e 281.° do CPPT, ampliar o âmbito do recurso interposto, como ora se requer.

HH. Apesar da AT ter procurado sustentar a manutenção da correcção subjacente ao presente processo de forma aparentemente expressa e articulada, nunca foi possível à ora Recorrida apreender verdadeiramente qual o sentido lógico e o nexo argumentativo que presidem à tais correcções e, muito em especial, ao indeferimento da reclamação graciosa também em crise nos presentes Autos.

II. Da suposta análise feita pela AT relativamente à verificação do vício de caducidade invocado pela ora Recorrida na reclamação graciosa que apresentou, surgiu o enunciar de uma tese emaranhada, contrária à realidade factual e o direito vigente, sobre um prazo especial de caducidade de 6 anos previsto para os casos de efectivo exercício do direito de reporte de prejuízos...

JJ. De forma conclusiva e obtusa, a AT sustenta que o pedido de autorização de reporte de prejuízos feito pela ora Recorrida consubstanciaria um efectivo exercício do direito de reporte de prejuízos (!), o qual determinaria, então, a extensão do prazo de caducidade de 4 para 6 anos... mas não se compreende como, nem porquê?

KK. A AT parece, pois, desconhecer que o disposto no artigo 47.°, n.° 1 do Código do IRC determina que o exercício do direito de reporte deve ser entendido como a efectiva dedução dos prejuízos fiscais, apurados em determinado exercício, aos lucros tributáveis apurados nos 6 exercícios posteriores?

LL. Não se compreende, ao certo, se a AT pretende, ou não, e erigir uma tese administrativa a propósito de um prazo especialmente alargado que a Recorrida desconhece e não consta na lei... E não se percebe sobretudo à luz dos FACTOS em questão: à data da liquidação ou do despacho de indeferimento da reclamação também em crise, a Recorrida não tinha procedido à dedução do prejuízo apurado em 2003 aos anos seguintes.

desde logo porque não tinha apurado lucro tributável até 2007, e depois porque, para os anos subsequentes, aguardava autorização para o efeito...

MM. A incompreensão e, assim, a falta fundamentação congruente surge evidente: a AT procura fundamentar a posteriori (na análise à reclamação) as suas correcções iniciais invocando um normativo legal - alegadamente o disposto no n.° 3 do artigo 45.° da LGT — que é totalmente inaplicável aos FACTOS assentes nos Autos!

NN. O normativo legal contido no n.° 3 do artigo 45.° da LGT é expresso no sentido de que se refere - taxativamente - a casos de «reporte de prejuízos» e de «exercício desse direito» ao reporte... ora, in casu, NÃO HOUVE QUALQUER REPORTE, como atrás já, repetidamente, se explanou. Ou seja, e de forma coloquial, a alhos, a AT respondeu e decidiu com bugalhos.

OO. Em suma, constata-se inexistir uma base justificativa mínima e exigível para seguir e comprovar a correcção à matéria tributável determinada; tanto mais que à insuficiência se junta a falta de clareza e a incongruência da informação prestada, seja no confuso Relatório de Inspecção Tributária, seja no contraditório e contrafactual indeferimento da reclamação apresentada.

PP. Assim, não existindo uma fundamentação clara, suficiente e completa, de facto e de direito, o acto impugnado carece de anulação por estar ferido do VICIO DE FORMA por fundamentação insuficiente e incongruente, devendo a este respeito ser alterada a decisão a qno por ERRO DE JULGAMENTO.

QQ. Acresce ao referido, que a liquidação em crise foi extemporânea uma vez já terem decorrido, na data da sua emissão, mais de quatro anos sobre o termo do ano em que se verificou o facto tributário — 2003 —, pelo que é impedida por preceito legal expresso - fir. n.° 1 do artigo 45.° da LGT.

RR. A AT defende a aplicação do prazo especial de caducidade previsto para as situações em que tenha sido efectuado reporte de prejuízos, o que não se verificou in casu pelo que afronta os FACTOS assentes nos Autos.

SS. A decisão a quo tem uma posição que, não sendo igual à da AT, é semelhante, mas contrária ao expressamente disposto em lei. Sustenta a sentença ser aplicável o n.° 3 do artigo 45.° da LGT, interpretando a operação de ‘reporte de prejuízos’ não apenas como dedução de prejuízos mas distendendo — indevidamente, diga-se, uma vez que procede a mais do que uma mera interpretação extensiva — à «mera possibilidade de dedução efectiva desses prejuízos» — cfr. a p. 34 da sentença a jh. 324 dos Autos.

TT. A decisão a quo equivoca-se na interpretação do n.° 3 do artigo 45.° da LGT ao não compreender o alcance rigoroso da expressão «exercício desse direito» constante in fine nesse dispositivo legaL E isto porque «exercício desse direito» refere-se à dedução efectiva (i.e., direito a deduzir os prejuízos...), não podendo, pois, significar em caso algum a «mera possibilidade de dedução efectiva desses prejuízos» como pretende inovar a sentença a quo, extravasando a letra da lei e o seu sentido lógico.

UU. A extensão do prazo de caducidade prevista no n.° 3 do artigo 45.° do Código do IRC acontece somente caso o direito de reporte de prejuízos seja «efectivamente exercido — e não a mera faculdade não utilizada do referido direito» - cfr. António Lima Guerreiro (Lisboa, 2000) Lei Geral Tributária Anotada, p. 215 (cit. sublinhado nosso) — constituindo, assim, tal exercício requisito essencial para a aplicação deste prazo.

W. No caso de o sujeito passivo não ter exercido de facto o reporte de prejuízos (i.e, deduzido ao lucro tributável os prejuízos fiscais apurados) carece de qualquer fundamento a extensão do prazo de caducidade, numa lógica de simetria perfeita da norma fiscal

WW. Conforme resulta dos Autos - tal como resulta provado no quesito B) da factualidade assente na sentença, segundo o qual a ora Recorrida apresentou um pedido de autorização para a dedução de prejuízos que só seria deferido posteriormente a 2009 - a ora Recorrida não tinha procedido à dedução ao lucro tributável de qualquer exercício dos prejuízos fiscais apurados no exercício de 2003 e, por isso, não exerceu efectivamente o reporte dos prejuízos fiscais.

XX. Não tendo então a Recorrida efectuado qualquer reporte dos prejuízos fiscais apurados no exercício de 2003 - tal como resulta provado nos Autos no quesito B) segundo o qual a ora Recorrida apresentou um pedido de autorização para a dedução de prejuízos que só seria deferido posteriormente a 2009 —, é forçoso que seja aplicável o prazo geral de caducidade de 4 anos.

YY. Prazo esse, que como será fácil verificar, encontra-se esgotado e expirado em 2009, data da liquidação notificada à Impugnante e correspondente a 2003, tanto mais que não se verificou qualquer das causas de suspensão ou interrupção do prazo de caducidade tal como previstas no artigo 46.° da LGT.

ZZ. Em suma, no momento da emissão da liquidação já havia caducado o direito da AT em proceder a tal emissão, devendo a este respeito ser alterada a decisão a quo por erro de julgamento com base em vicio de VIOLAÇÃO DE LEI nos termos do n.° 1 do artigo 45.° da LGT.

VII. DO PEDIDO Termos em que se requer a V. Exas.:

(i) o não provimento do presente recurso jurisdicional interposto pela Fazenda Pública, mantendo-se a sentença recorrida, e tudo com as devidas consequências legais; ou,

(ii) caso assim não se entenda, seja admitida, nos termos do artigo 684.°-A (actual 636.°) do CPC, aplicável ex vi o disposto nos artigos 2° alínea e) e 281.°, ambos do CPPT, a requerida ampliação do âmbito do recurso, julgando-se assim verificados os restantes vícios imputados pela Recorrida ao acto originariamente impugnado, com todas as consequências legais.”


***

A 30 de abril de 2014, foi prolatada decisão sumária por este TCAS, declarando-se incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer do presente recurso, com a consequente remessa para o STA.

***

Nessa conformidade, foram os autos remetidos para o Colendo STA, tendo sido proferida decisão sumária que declarou “a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer do presente recurso, indicando, nos termos do art. 18.º, n.° 3, do CPPT, como Tribunal competente o Tribunal Central Administrativo Sul (Secção do Contencioso Tributário), para onde o processo será remetido, após trânsito, visto ser o Tribunal perante o qual foi instaurado o presente recurso.”

***

Após remessa dos autos, o Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

***

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

***

II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

Compulsados os autos e analisada a prova produzida, dão-se como provados, com interesse para a decisão, os factos infra indicados:

A) Em 31.05.2004 a Impugnante apresentou a sua Declaração Modelo 22 de IRC do exercício de 2003 declarando um prejuízo fiscal no montante de 2.804.819,75€ (cfr. fls. 126 da reclamação graciosa apensa aos autos).

B) Em 27.04.2007 a Impugnante apresentou nos serviços da A.T. requerimento nos termos do disposto nos nºs 8 e 9 do artigo 47º do Código do IRC, dirigido ao Ministro de Estado e das Finanças e Administração Pública, com vista à obtenção de autorização para a dedução dos prejuízos fiscais apurados nos exercícios de 2001 a 2006 (cfr. acordo e fls. 110 e 145 dos autos);

C) Em cumprimento das Ordens de Serviço nºs OI200905356/7, OI200903428/9/30/31 os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa levaram a cabo acção de inspecção à Impugnante aos exercícios de 2001 a 2006 (cfr. fls. 145 dos autos).

D) Em 13.08.2009 a Impugnante apresentou declaração Modelo 22 de Substituição para o exercício de 2003 alterando o prejuízo fiscal apurado na declaração referida em A) para 2.766.631,79€ (cfr. fls. 123 da reclamação graciosa apensa).

E) Em 31.08.2009 foi elaborado o Relatório Final da Acção de Inspecção onde consta, designadamente, o seguinte

“(…)

II. 2 - Motivo, âmbito e incidência temporal

Em 2007/04/27 a “I. I. T. A., SA”, solicitou ao Sr. Ministro das Finanças, nos termos e para os fins previstos nos números 8 e 9 do art.º 47° do CIRC, autorização para a utilização dos prejuízos fiscais apurados nos exercícios de 2001 a 2006, nos termos do n.º 1 do art.º 47° do mesmo diploma legal.

Em 2008/01/10 (documento de entrada 2785), foi recepcionado nesta Direcção de Finanças, o oficio nº 283 de 2008/01/08, enviado pela Divisão de Concepção da Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, anexado do requerimento apresentado pela "I. I. T. A. SA”, ao Sr. Ministro das Finanças.

Nesse requerimento, a empresa, ao abrigo do n.º 9 do art.º 47° do CIRC, solicitava autorização para utilizar os prejuízos fiscais apurados nos exercícios de 2001 a 2006, pois nos termos do n.º 8 do já citado artigo, cessa a possibilidade de dedução aos lucros tributáveis, havendo-os, dos prejuízos fiscais gerados em determinado exercício “... quando se verificar, à data do termo do período de tributação em que é efectuada a dedução, que, em relação àquele a que respeitam os prejuízos, foi modificado o objecto social da entidade a que respeita ou alterada, de forma substancial, a natureza da actividade anteriormente exercida ou que se verificou a alteração da titularidade de, pelo menos, 50% do capital social ou da maioria dos direitos de voto”.

Em 1992, a sociedade de Direito Italiano B. L. e F., S.p.A, subsidiária da sociedade de Direito Italiano P. S.A, adquiriu a "I. I. T. A., SA". a fim de estabelecer a sua presença em Portugal, e como tal passou a deter 96,67% do capital social da empresa, pertencendo o remanescente (3,33%), à empresa Italiana E., S.P.R.L.

Em 2007/03/09, a empresa em análise assinou um contrato de compra e venda de acções, com a empresa "HIT – H. I. T., S.A", NIPC: 500…, com vista à futura aquisição, por parte da HIT, dos 96,67% do capital social da I. detido pela B.

Ao verificarem-se as circunstâncias previstas no n.º 8 do art.º 47º do CIRC, a transferência da titularidade do capital social para a HIT foi concretizada em 10/05/2007, a empresa requereu a não aplicação da limitação na utilização dos prejuízos fiscais, nos termos do n.º 9 do mesmo artigo.

Refere o supra citado oficio que, de acordo com o determinado no Despacho n° 1312/2006-XVIL de 2006/11/15, do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, se solicita a confirmação prévia da realidade e justificação dos prejuízos fiscais objecto do pedido de reporte nos termos dos números 8 e 9 do art.º 47º do CIRC.

No sentido de se obter os elementos necessários ao cumprimento do solicitado no ofício nº 283 da Divisão de Concepção da DSIRC, a Equipa de Acompanhamento Permanente afecta aos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa, emitiu Despachos Inspectivos de âmbito externo, para os exercícios de 2001 a 2006. Contudo, dada a complexidade da análise dos prejuízos e sua extensão, bem como a falta de envio dos documentos, por parte da Direcção de Serviços do IRC, mencionados no pedido formulado pelo contribuinte, foram abertas Ordens de Serviço externas, para os exercícios de 2001 a 2006.

As acções de inspecção são de âmbito geral, no que concerne aos exercícios de 2001 e 2002, e parciais relativamente aos exercícios de 2003 a 2006, todas com classificação PNAIT 12221061.

(…)

Exercício de 2003

(…)

B) No exercício de 2001, a empresa acresceu no Quadro 07, no campo 216 (Mais-valias fiscais – art.º 43° do CIRC), o valor de € 820.845,16, e deduziu, no campo 229 –Mais-valias contabilísticas, do mesmo quadro, o montante de € 1.633.833,76.

Analisado o Mapa das Mais-valias e Menos -Valias Fiscais, verificou-se o apuramento de uma Mais-valia Fiscal de € 1.641.690,29, e uma Mais-valia contabilística de € 1.633.833.76. originadas pela venda de imobilizado corpóreo, que totalizou, no exercício de 2001 o valor de realização de € 1.746.409,89, conforme contabilizado na conta 794 - Alienação de imobilizado corpóreo.

Com a Lei 30-G/2000, de 29.12, alterou-se o regime de reinvestimento aplicável às mais valias decorrentes de alienações onerosas de elementos do activo imobilizado corpóreo, ocorridas a partir de 1 de Janeiro de 2001 (art.º 45° do CIRC). Segundo o novo regime, a tributação é efectuada de forma diferida e consubstancia-se no acréscimo ao lucro tributável de 1/5 do saldo positivo das mais e menos valias, no exercício da realização e nos quatro seguintes. O diferimento na tributação verifica-se sempre que, no exercício anterior ao da realização, no próprio exercício ou até ao fim do segundo exercício seguinte, o valor de realização correspondente à totalidade dos activos alienados, seja reinvestido na aquisição, fabricação ou construção de elementos do activo imobilizado corpóreo afectos à exploração.

Nos termos do art.º 45°, n.º 1 do CIRC, (redacção actual), para efeitos de determinação do lucro tributável, a diferença positiva entre as mais e menos-valias, calculadas nos termos dos art.º 43° e 44° do mesmo diploma legal, realizadas mediante a transmissão onerosa de elementos do activo imobilizado corpóreo, detidos por período não inferior a um ano, é considerada em metade do seu valor, sempre que no exercício anterior ao da realização, no próprio exercício ou até ao fim do segundo exercício seguinte, o valor de realização referente à totalidade dos mencionados elementos seja reinvestido na aquisição, fabricação ou construção de elementos do activo imobilizado corpóreo afectos à actividade/exploração.

A diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no exercício de 2001, nos termos do disposto no art. 45° do CIRC, na redacção da Lei 30-G/2000, de 29.12, e o DL 198/2001, de 3.7, pode, por opção do sujeito passivo, ser incluída na base tributável do exercício de 2001, por metade do seu valor, nos termos e condições previstas no art. o 45º do CIRC, na redacção da presente lei - n.ºs 8 e 9, do art.º 32º da Lei 109-8/2001, de 27.12.

Assim, o sujeito passivo podia optar, no exercício de 2001, entre o regime da Lei 30G/2000, ou a aplicação do regime de 2002, inclusão na base tributável de 50% do saldo das mais e menos valias.

A empresa, no exercício de 2001, acresceu ao resultado líquido declarado na Mod. 22 de IRC, no campo 216, o montante de € 820.845,16, valor correspondente a 50% da mais-valia fiscal apurada em 2001 (€ 1.641.690,29/2 = € 820.845,16). Optando pelo regime transitório da Lei 198/2001, a empresa até ao fim do exercício de 2003, teria que reinvestir a totalidade do valor de realização apurado em 2001. No quadro 10, do Anexo A, da declaração anual, referente ao exercício de 2001, a empresa declarou que reinvestiu nesse ano € 613.187,47, pelo que, até fins de 2003 teria que ter sido reinvestido o remanescente, o que não aconteceu, logo, verificou-se um reinvestimento parcial. Deste modo, no exercício de 2003 considera-se como proveito ou ganho a parte da mais valia fiscal correspondente ao valor de realização não reinvestido, ainda não incluída no lucro tributável, majorada em 15%, nos termos previstos dos n.ºs 2 e 6 do art.º 45º do CIRC.

Deverá ser acrescido, no Quadro 07, da Mod. 22 de IRC, no exercício de 2003, o valor de € 612.530,96. o qual foi apurado da seguinte forma:

Valor de Realização (2001) = € 1.746.409,90

Reinvestimento efectuado/declarado = € 613.187,47

Mais valia fiscal apurada = € 1.641.690,29

Parte proporcional mais-valia com reinvestimento=1.641.690,29 x 613.187,47/1.746.409,90 = € 576.419,04

Mais valia tributável = 1.641.690,29 - 50% x 576.419,04 = € 1.353.480,77

Valor a tributar = (1.353.480,77 - 820.845,15) x 1,15 = € 612.530,96

Dada a situação descrita, constatou-se infracção aos art.ºs 20° e 45° do CIRC, cuja penalidade se encontra tipificada nos art.ºs 119° e 26°, n.º 4 do RGIT

No exercício de 2003, foram efectuadas correcções no montante global de € 650.718,92, valor a acrescer ao resultado liquido declarado na Mod. 22 de IRC, Q07.

(…)

IX – Direito de Audição

(…)

Em 12 de Agosto de 2009, veio a empresa exercer o direito de audição, nossa entrada n.º 088624, o qual vai ser apreciado.

No direito de audição a empresa alega que, no que concerne ao reinvestimento das mais-valias realizadas em 2001, nesse ano acresceu o equivalente a 50% da mais-valia apurada, sendo que o remanescente seria objecto de reinvestimento nesse mesmo exercício e nos dois exercícios subsequentes. Em 2002 procedeu ao reinvestimento do valor de realização com a aquisição de bens do activo imobilizado corpóreo afectos à exploração no valor de € 426.025,00, e adicionalmente, no exercício de 2003 procedeu também ao reinvestimento daquela mais-valia, uma vez que adquiriu novos bens do activo imobilizado corpóreo, no valor total de € 2.438.301,39, conforme anexos que junta.

O facto de não ter declarado no quadro 10 (mais-valias: Reinvestimento dos valores de realização) o reinvestimento ocorrido em 2002 e 2003 foi um mero lapso, o qual não pode ser tido como decisivo para efeitos de desconsideração do reinvestimento que efectivamente ocorreu.

(…)

Apreciando o direito de audição constata-se que:

No que concerne às mais-valias realizadas no exercício de 2001, conforme mencionado no ponto III do presente relatório, na declaração Mod. 22 de IRC, Quadro 07, foi acrescido ao resultado líquido o valor de € 820.845,16, o qual corresponde a 50% da mais-valia fiscal apurado no exercício, tal facto indica que a empresa optou por aplicar o regime transitório, a Lei 109-B/2001.

No quadro 10, do Anexo A, da declaração anual a empresa declarou que pretendia reinvestir apenas a quantia de €613.187,47, ou seja, um reinvestimento parcial, dado que o valor de realização foi de €1.746.409,90.

Como tal procedeu-se ao cálculo da parte da mais-valia fiscal correspondente ao valor de realização não reinvestido, o qual teria que ser acrescido ao resultado líquido apurado no exercício de 2003, majorada em 15%, considerando que nesse ano se esgotou o prazo para o reinvestimento.

De acordo com o disposto na supra mencionada lei do regime transitório o reinvestimento podia ser feito no exercício anterior ao da realização, no próprio exercício ou até ao fim do segundo exercício seguinte.

Todo este processo, tem subjacente a obrigatoriedade do sujeito passivo manifestar, a pretensão de reinvestir, na declaração de rendimentos do exercício em que se verificou a alienação dos bens.

No caso em apreço, reitera-se que, a empresa, no exercício de 2001 declarou que apenas pretendia reinvestir €613.187,47, um reinvestimento parcial, nos anos subsequentes, 2002 e 2003, também foram realizadas mais-valias com a venda de imobilizado corpóreo, tendo a empresa declarado na declaração anual, Anexo A, de cada um dos exercícios a sua intenção de proceder ao reinvestimento da totalidade dos valores de realização apurados nos respectivos anos, em nenhum deles fez menção ao valor residual procedente do ano 2001.

O facto de ter efectuado reinvestimentos, quer em 2002, quer em 2003, não permite assumir, o reinvestimento total do valor de realização que ocorreu no exercício de 2001, pois essa intenção não foi manifestada pela empresa, na declaração anual de cada um dos respectivos exercícios, nos termos do n.º 5 do art.º 45º do CIRC.

(…)

Pelo exposto, e atendendo a que não foram apresentados novos factos susceptíveis de provocar alterações no que concerne ao exercício de 2003, mantêm-se as correcções para esse ano, contudo, pelos motivos supra invocados, no que respeita ao exercício de 2006 dá-se razão ao sujeito passivo, não existindo qualquer correcção a efectuar nesse ano.

Após a entrega das declarações de substituição, referentes aos exercícios de 2001 e 2002, bem como a entrega da declaração de substituição, relativa ao exercício de 2003, onde a empresa procedeu a uma regularização parcial, os prejuízos fiscais declarados atingiram o valor global de €11.306.293,31 e os prejuízos fiscais apurados no âmbito dos presentes procedimentos inspectivos totalizam o valor de € 10.693.762,35, de acordo com quadro que segue:

(cfr. fls. 209 a 289 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

F) Em 21.09.2009 foi emitida em nome da Impugnante a liquidação de IRC do exercício de 2003, com o nº 2009 8500016937 na qual foi apurado um montante de prejuízos fiscais do Regime Geral de 2.154.100,83€ (cfr. fls. 37 dos autos).

G) Em 27.01.2010 a Impugnante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação identificada na alínea antecedente, a qual foi instaurada no Serviço de Finanças de Vila Franca de Xira 1 sob o nº 1597201004000439 (cfr. fls. 38 a 47 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e Processo de Reclamação Graciosa apenso).

H) Por despacho proferido em 26.04.2010 do Chefe da Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa, foi indeferida a reclamação graciosa mencionada na alínea antecedente com a fundamentação constante da informação da Divisão de Justiça Administrativa, cujo teor se passa a transcrever:

“CAUSA DE PEDIR

1. Em 27-01-2010, veio o contribuinte supra identificado, nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 68° e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e 128°, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, deduzir reclamação graciosa contra a liquidação adicional de IRC nº 2009 8500016937, na qual pede anulação da liquidação em crise, por vícios de violação de lei, com as consequências legais alegando:

2. a) A caducidade do direito à liquidação;

b) A não consideração do reinvestimento total da mais—valia apurada no exercício de 2001.

QUESTÕES PRÉVIAS

3. O processo é o meio próprio de acordo com o nº 1 do artigo 70º do CPPT, a reclamante tem legitimidade para o acto, de acordo com os artigos 9º e 68º do CPPT e a reclamação é tempestiva, nos termos dos artigos 70º nº 1 e 102 nº 1, ambos do CPPT, por ter sido apresentada dentro dos 120 dias contados da data limite de pagamento.

DESCRIÇÃO DE FACTOS E PARECER

4. Foi efectuada uma acção inspectiva à reclamante, com incidência nos exercícios de 2001 a 2006, motivada pela petição apresentada em 27-04-2007 ao Sr. Ministro das Finanças, nos termos e para os fins previstos nos números 8 e 9 do artº 47º do CIRC, solicitando autorização para a utilização dos prejuízos fiscais apurados nos exercícios de 2001 a 2006, nos termos do nº 1 do referido artº 47º.

INFORMAÇÃO

5. No exercício em análise, a Inspecção Tributária procedeu a duas Correcções, a saber:

• Amortizações, contabilizadas na conta 663, de despesas referentes à aquisição do estabelecimento F.I.T., no valor total de € 38.187,95;

• Apuramento da mais valia fiscal no montante de € 612.530,96;

Tais Correcções originaram um acréscimo ao resultado líquido declarado na Modelo 22 de IRC, Q07, pelos motivos e factos que se encontram no Capitulo III do Relatório da Inspecção — cf. fls. 36 a 38 dos autos.

6. A reclamante não concorda com uma dessas Correcções, pelo que solicita revisão da liquidação adicional que resultou da análise efectuada pela inspecção.

De referir que a reclamante apresentou a declaração de rendimentos de substituição, Modelo 22, onde procedeu a uma regularização parcial, no montante de € 38.187,95.

7. Assim, a reclamante foi objecto de Correcções à matéria tributável do exercício de 2003, no montante de € 612.530,96.

8. Como consequência da correcção efectuada, O resultado (negativo) fiscal declarado pela reclamante, no valor de € 2.766.631,79, foi corrigido para € 2.154.100,83, dando-se assim origem à liquidação ora reclamada.

9. A reclamante requer a anulação do acto tributário de liquidação com fundamento em ilegalidade, nomeadamente da caducidade do direito à liquidação do imposto. Dos próprios termos da reclamação conclui-se que a reclamante não tem razão.

Ora vejamos,

10. Analisados os elementos integrados no processo - alegações da reclamante e elementos do processo inspectivo - e consultado o sistema informático da DGCI – verifica-se que:

Da caducidade

• A acção inspectiva foi motivada pela petição apresentada pela reclamante, em 27-04-2007, que tem como objecto o pedido de reporte de prejuízos relativos aos exercícios de 2001 a 2006, nos termos dos nºs 8 e 9 do artº 47º do CIRC - cf. Capítulo II.2 do Relatório da Inspecção a fls. 20 a 22 dos autos.

• Com este pedido, a reclamante estabeleceu uma relação jurídica tributária, permitindo, deste modo, a consideração para efeitos tributários dos factos ocorridos entre 2001 e 2006. E a prova da existência do facto tributário está no relatório da Inspecção, quer seja em matéria de facto quer seja em matéria de direito bem como da respectiva fundamentação.

Ora, "facto tributário” é o específico pressuposto da relação jurídica fiscal consistente na situação ou situações previstas nas normas de incidência, compreendendo elementos materiais, temporais e quantitativos.

De referir que nenhum elemento de relação tributária pode ser alterado por vontade das partes. E uma vez preenchidos os pressupostos de facto, nasce a obrigação estreitamente vinculada - cf. Artº 36º da LGT.

• Dispõe o nº 3 do artº 45º da LGT: "Em caso de ter sido efectuado reporte de prejuízos, bem como de qualquer outra dedução ou crédito de imposto, o prazo de caducidade é o do exercício desse direito".

• No caso em apreço, trata-se de reporte de prejuízos efectivamente exercido (mediante petição da reclamante, em 27-04-2007) situação analisada pelos Serviços de Inspecção Tributária e descrita no Relatório da Inspecção a fls. 19 a 44 dos autos. Assim, o prazo de caducidade do direito à liquidação coincide com o do reporte (seis anos), conforme prevê o nº 3 do citado artº 45º.

• O reporte de prejuízos é efectuado para a frente em um ou mais dos seis exercícios seguintes ao da sua determinação.

INFORMAÇÃO

Nos termos que antecedem, conclui-se que não se verifica a caducidade do direito à liquidação, ao contrário do que alega a reclamante, a mesma foi efectuada e validamente notificada dentro do prazo de caducidade. Pelo que o pedido é improcedente.

Do reinvestimento da mais-valia apurada no exercício de 2001:

11. No que respeita às mais-valias realizadas no exercício de 2001, a Administração Tributária procedeu uma correcção no montante de € 612.530,96, nos termos do nº 5 do artº 45º do CIRC, uma vez que a reclamante apenas manifestou a intenção de um reinvestimento parcial — cf.Relatório da Inspecção a fls. 43 e 44 dos autos.

12. Ao contrário do que alega a reclamante, a Administração Tributária não se socorreu do argumento formal, mas sim, da imposição legal.

Dispõe o citado nº 5 do artº 45º (Reinvestimento dos valores de realização): ”Para efeitos do disposto nos nºs 1, 2 e 4, os contribuintes devem mencionar a intenção de efectuar o reinvestimento na declaração a que se refere a alínea C) do nº 1 do artigo 109º do exercício da realização (…)

13. Verifica-se que a reclamante não cumpriu o nº 5 do citado artigo, que estabelece algumas regras para se beneficiar do regime do reinvestimento. Assim, determina-se que os contribuintes mencionarão na declaração de rendimentos do exercício em que ocorreu a alienação dos bens a intenção de reinvestir, comprovando nessa e nas declarações dos dois anos seguintes, os reinvestimentos efectuados, e no caso de não ser cumprida a intenção manifestada, o correspondente IRC deverá ser pago findo o prazo acima referido, acrescido dos juros compensatórios.

Refere a Inspecção, e muito bem, que "todo este processo tem subjacente a obrigatoriedade do sujeito passivo manifestar a pretensão de reinvestimento na declaração de rendimentos do exercício em que se verificou a alienação dos bens".

14. A reclamante não declarou a intenção de reinvestir totalmente o valor de realização que ocorreu no exercício de 2001 — cf. a fls. 43 dos autos.

Também neste segmento o pedido é improcedente.

15. À luz de todo o exposto, somos de parecer que a argumentação deduzida pela reclamante não merece acolhimento e que o pedido constante da reclamação deve ser indeferido, propondo-se a manutenção do acto tributário.

DIREITO DE AUDIÇÃO

16. Realizada a instrução do processo, foi elaborado o projecto de decisão a fls. 145 a 150 dos autos no sentido do indeferimento, tendo sido dado conhecimento à reclamante através do ofício nº 025765, de 201003.26, a fls. 151, acompanhado de fotocópia do citado projecto.

A notificação foi efectuada mediante carta registada em 2010.03.26, a fls. 152, para efeito do exercício do direito de audição prévia previsto no art.º 60º da Lei Geral Tributária, sendo concedido à reclamante o prazo de 15 dias para o exercício desse direito que se encontra previsto no nº 5 do mesmo artigo.

No decurso do prazo, vem à ora reclamante exercer a audiência prévia, enviando a esta Divisão uma informação a fls. 153 a 177 dos autos.

Analisada a informação, entendemos que face aos argumentos invocados em sede de audição não há factos novos susceptíveis de alterar o sentido da decisão.

A argumentação aduzida já foi apreciada e pronunciada no projecto de decisão, nos pontos 10 a 14 da informação.

A Administração Fiscal mantém a decisão tomada no seu projecto, considerando que o acto de liquidação que constitui o objecto da presente reclamação não padece de vício nem nenhuma ilegalidade invocada pela reclamante.

A fundamentação (de facto e de direito) da liquidação ora reclamada é a mesma das Correcções constantes no Relatório da Inspecção e notificada à reclamante.

Assim, tendo em conta que não foram apresentados argumentos nem elementos novos, mantém-se a proposta de indeferimento da reclamação.

CONCLUSÃO E PROPOSTA DE DECISÃO

17.Em face do exposto, conclui-se pela legalidade da liquidação de IRC ora reclamada, devendo ser indeferida a pretensão da reclamante, de acordo com os fundamentos da presente informação.”. (cfr. fls. 152 a 163 e 175 a 178 do processo de reclamação graciosa apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

I) Em 03.05.2010 o Director de Finanças de Lisboa proferiu o seguinte despacho:

“Visto.

Ratifico para todos os efeitos legais o presente despacho de indeferimento do Sr. C.D. Dr. José de Castro Marques de 26.04.2010”. (cfr. fls. 178 do processo de reclamação graciosa apenso).

J) A Impugnante foi notificada da decisão mencionada na alínea antecedente em 04.05.2010, através do ofício nº 035611 de 30.04.2010 (cfr. fls. 185 e 186 do processo de reclamação graciosa apenso).

K) Através do ofício nº 14356 de 22.07.2010, e no âmbito do pedido mencionado em B), foi a Impugnante notificada de que por Despacho de 12.07.2010 do Subdirector-Geral dos Impostos em substituição do Director-Geral, exarado na informação nº 1298/10 da Direcção de Serviços de IRC, foi sancionado o entendimento de se estar perante uma situação de interesse económico, pelo que, não se deve aplicar a limitação prevista no nº 8 do art. 52º (ex-artº 47º) do CIRC (cfr. fls. 270 dos autos).

L) A presente impugnação foi apresentada em 19.05.2010 (cfr. fls. 2 dos autos).


***

A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:

“Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.”


***

A decisão da matéria de facto fundou-se no seguinte:

“Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na posição factual expressa pelas partes na p.i. e contestação, na prova documental junta aos autos e no processo administrativo em apenso. Por se considerar que as questões a dirimir nos presentes autos se subsumem, no seu essencial, a questões de direito, e, por outro lado, as eventuais questões necessitadas de prova dependem de prova documental, a prova testemunhal produzida não relevou para o apuramento dos factos relevantes dados como provados.”


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III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de IRC, do exercício de 2003.

Ab initio, importa ter presente que, em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento na medida em que interpretou, erroneamente, o âmbito e extensão da obrigação legal e formal de intenção expressa de reinvestimento constante no artigo 45.º, nº5 do CIRC, a qual não pode ser postergada em ordem ao princípio da substância sobre a forma e de princípios constitucionais, mormente, da tributação do lucro real e da justiça material.

Concluindo-se pelo desacerto da decisão recorrida, e atenta a ampliação do objeto do recurso, há que apreciar dos demais vícios julgados improcedentes pelo Tribunal a quo, concretamente: falta de fundamentação; incompetência do autor do ato de indeferimento da reclamação graciosa e caducidade do direito à liquidação impugnada.

Ainda em termos de delimitação da lide recursiva, importa relevar que a questão atinente à competência deste Tribunal se encontra firmada na ordem jurídica, atenta a prolação de decisão sumária pelo STA, no qual se declarou hierarquicamente incompetente. E por assim ser, não compete, ora, tecer quaisquer valorações quanto às conclusões vertidas em A) a C).

Aqui chegados, não tendo a Recorrente impugnado a matéria de facto, não requerendo qualquer aditamento ou alteração ao probatório ao abrigo do consignado no artigo 640.º do CPC, encontra-se, nessa medida, a matéria de facto devidamente estabilizada, cumprindo, assim, aquilatar do erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito.

Vejamos, então.

A Recorrente alega que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento quanto ao âmbito e extensão do artigo 45.º do CIRC, mormente, quanto à cominação respeitante à falta de manifestação da intenção de reinvestir o valor de realização do exercício de 2001.

Propugna, para o efeito, que apenas se o sujeito passivo tiver invocado a intenção de reinvestir, nos termos do artigo 45.°, nº5, do CIRC, poderá a AT considerar a aplicação do regime aí contemplado, tendo, naturalmente, que ser conferida uma penalização quanto a esse falta declarativa.

Mais advogando que, posição contrária viola, clara e objetivamente, princípios constitucionais basilares, designadamente, os princípios da legalidade e da igualdade, não podendo, assim, estribar-se no princípio da prevalência da substância sobre a forma.

Dissente, por seu turno, a Recorrida, propugnando pela manutenção da decisão recorrida, na medida em que a Recorrente equivoca-se ao confundir a obrigatoriedade de declaração de intenção de reinvestimento no “período de tributação em que a realização ocorre” (2001), da obrigação de intenção de reinvestimento nos “dois períodos de tributação seguintes” (2002 e 2003), porquanto aquele normativo apenas dispõe que se deve mencionar a intenção de efetuar o reinvestimento na declaração anual “do período em que a realização ocorre” ou seja em 2001 o que, como vimos, foi feito pela ora Recorrida, como, de resto, reconhece a AT.

Advoga, assim, que no que respeita ao reinvestimento e de acordo o citado normativo para os “dois períodos de tributação seguintes” ao da realização-in casu 2002 e 2003-apenas é necessário que se comprove o reinvestimento efetuado, e não que se proceda a uma declaração sobre intenção de reinvestir.

De todo o modo, e no sentido propugnado pela decisão recorrida, fundando-se as correções sub judice, numa mera falta declarativa, ou seja, na mera circunstância de a ora Recorrida não ter indicado na declaração anual de 2002 e 2003 o reinvestimento do valor de realização que originou uma mais-valia em 2001, quando, em rigor, declarou tal intenção de reinvestimento na declaração anual e na Modelo 22 de 2001, tal traduziria uma tributação manifestamente injusta.

Adensa, para o efeito, que não sendo controvertida a ocorrência do reinvestimento -ainda que, ora, pretenda sindicar essa realidade, mas sem alcance útil e atendível -a negação da aplicabilidade do disposto, no então artigo 45.° do Código do IRC (atual artigo 48.°), consubstanciaria a negação de princípios constitucionais, particularmente, o princípio da Tributação das Empresas pelo Lucro Real e, bem assim, do Princípio da Justiça Material.

Enfatizando, a final, que a sufragar-se a prevalência declarativa e formal de menção expressa na declaração anual dos exercícios posteriores ao da realização, concretamente, 2002 e 2003, sobre a intenção de reinvestir já patenteada na declaração anual e de rendimentos (Modelo 22 IRC) do exercício da realização, ou seja, 2001, estar-se-ia a dar prevalência a uma formalidade em detrimento da substância económica da operação, a qual, in casu, é inequívoca que ocorreu em 2002 e 2003.

Concluindo, assim, que bem andou o Tribunal a quo ao anular a liquidação de IRC em crise, porquanto padece de vício de violação de lei constitucional, maxime princípio da Tributação do Lucro Real, e ordinária, maxime artigo 5.°, n.° 2, da LGT que consagra o princípio da justiça material, razão pela qual se pugna pela manutenção da sentença recorrida a esse respeito.

Apreciando.

O Tribunal a quo, esteou o juízo de procedência relevando, desde logo, que “[n]ão obstante no projecto de Relatório a A.T. ter afirmado que a Impugnante não procedeu ao reinvestimento total do valor de realização, após o exercício do direito de audição abandonou tal fundamentação, acabando a admitir expressamente (como acima se referiu) a existência de reinvestimentos em bens do imobilizado corpóreo nos exercícios de 2002 e 2003, passando a fundamentar a correcção efectuada exclusivamente na falta de declaração da intenção de reinvestimento total do valor de realização, o que no seu entender é obrigatório e condiciona a operacionalidade dos efeitos fiscais decorrentes do reinvestimento efectuado, não se tendo suportado em nenhuma outra razão de facto ou de direito relacionada com a própria existência desse reinvestimento por parte da Impugnante.”

Explicitando, de seguida, que “resulta do disposto no artigo 45º, nº 5 do CIRC, para efeitos da exclusão de tributação por reinvestimento das mais-valias líquidas (diferença entre as mais-valias e as menos-valias) obtidas pela alienação de bens do activo imobilizado corpóreo, os contribuintes devem mencionar a intenção de efectuar o reinvestimento na declaração a que se refere a alínea c) do nº 1 do artigo 109º do CIRC do exercício da realização, comprovando na mesma e nas declarações dos dois exercícios seguintes os reinvestimentos efectuados.”

Densificando, depois, que “a Impugnante não declarou na Declaração Anual do exercício de 2001 a intenção de proceder ao reinvestimento da totalidade do valor de realização obtido com a alienação de bens do activo imobilizado corpóreo. Mas não se encontra verdadeiramente colocado em causa pela A.T. que a Impugnante tenha, efectivamente, procedido a esse reinvestimento. Ora, a negação da aplicabilidade do disposto no artigo 45º, nº 1 do CIRC, perante um quadro factual como o dos presentes autos consubstanciaria a negação dos princípios fundamentais inerentes à tributação das empresas, como sejam os princípios da tributação do rendimento real, da prevalência da substância sobre a forma e mais importante ainda, da justiça material, este último vertido no artigo 5º, nº 2, da LGT.”

Enfatizando, adicionalmente, que “[p]rovocar uma tributação pela simples circunstância do contribuinte não ter declarado uma intenção de reinvestimento, ainda que a Lei lhe impusesse tal dever declarativo, não pode deixar de consubstanciar uma violação daqueles princípios, devendo, por isso, ser afastada tal tributação, reconhecendo-se o direito legal à exclusão da tributação das mais-valias cujo valor de realização foi reinvestido na totalidade. A não ser assim, tal como decidido no acórdão do TCA Sul parcialmente supra transcrito, estaríamos perante uma situação de dupla tributação, a qual, naturalmente é de afastar de modo peremptório.”

E, de facto, não se vislumbra qualquer erro de julgamento tendo o Tribunal a quo interpretado adequada e acertadamente o regime jurídico vigente com a devida transposição para o caso vertente.

Mas, expliquemos porque assim o entendemos, começando por convocar o respetivo quadro normativo.

O tratamento, em sede de IRC, das mais-valias realizadas com a alienação dos bens do ativo imobilizado, sempre que se verifique o reinvestimento dos respetivos valores de realização, tem vindo a sofrer sucessivas alterações desde a entrada em vigor do respetivo Código.

Dir-se-á, neste particular, que à originária exclusão da tributação da diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias realizadas de bens do ativo imobilizado sucedeu um regime de diferimento da tributação das mais-valias por cinco exercícios, instituído pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro, o qual foi ulteriormente alterado pela Lei nº 109-B/2001, de 27 de dezembro, que passou a consubstanciar uma exclusão parcial (50%) da tributação da diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias realizadas.

Com efeito, dispunha o artigo 45.º, nº1 do CIRC, com a redação da Lei n.º 30-G/2000, 29 de dezembro, e sob a epígrafe de “Reinvestimento dos valores de realização”, o seguinte:

“1 - Para efeitos de determinação do lucro tributável, a diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias, calculadas nos termos dos artigos anteriores, realizadas mediante transmissão onerosa de elementos do ativo imobilizado corpóreo, ou em consequência de indemnizações por sinistros ocorridos nestes elementos, é considerada por um quinto do seu valor no exercício da respetiva realização e por igual montante em cada um dos quatro exercícios subsequentes, sempre que, no exercício anterior ao da realização, no próprio exercício, ou até ao fim do segundo exercício seguinte, o valor de realização correspondente à totalidade dos referidos elementos seja reinvestido na aquisição, fabricação ou construção de elementos do ativo imobilizado corpóreo afetos à exploração.”

Por seu turno, o aludido normativo sofreu alterações com a Lei nº 109-B/2001, de 27 de dezembro, passando a consignar o seguinte:

“1 - Para efeitos de determinação do lucro tributável, a diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias, calculadas nos termos dos artigos anteriores, realizadas mediante a transmissão onerosa de elementos do ativo imobilizado corpóreo, detidos por um período não inferior a um ano, ou em consequência de indemnizações por sinistros ocorridos nestes elementos, é considerada em metade do seu valor, sempre que, no exercício anterior ao da realização, no próprio exercício ou até ao fim do segundo exercício seguinte, o valor de realização correspondente à totalidade dos referidos elementos seja reinvestido na aquisição, fabricação ou construção de elementos do ativo imobilizado corpóreo afetos à exploração, com exceção dos bens adquiridos em estado de uso a sujeito passivo de IRS ou IRC com o qual existam relações especiais nos termos definidos no n.º 4 do artigo 58 º.

2 - No caso de se verificar apenas o reinvestimento parcial do valor de realização, o disposto no número anterior é aplicado à parte proporcional da diferença entre as mais-valias e as menos-valias a que o mesmo se refere.(…)

5 - Para efeitos do disposto nos nºs 1, 2 e 4, os contribuintes devem mencionar a intenção de efetuar o reinvestimento na declaração a que se refere a alínea c) do n.º 1 do artigo 109º do exercício da realização, comprovando na mesma e nas declarações dos dois exercícios seguintes os reinvestimentos efetuados.

6 - Não sendo concretizado, total ou parcialmente, o reinvestimento até ao fim do segundo exercício seguinte ao da realização, considera-se como proveito ou ganho desse exercício, respetivamente, a diferença ou a parte proporcional da diferença prevista nos nºs 1 e 4 não incluída no lucro tributável, majorada em 15%.”

Sendo, ainda de notar que, a diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no exercício de 2001 nos termos do preceituado no citado normativo 45.º do Código do IRC, na redação da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro, e do Decreto-Lei n.º198/2001, de 3 de junho, pode, por opção do sujeito passivo, ser incluída na base tributável do exercício de 2001, por metade do seu valor, nos termos e condições previstos no evidenciado preceito legal, na redação prevista na presente lei.

In casu, é não controvertido, resultando, desde logo, expresso no Relatório de Inspeção Tributária que a Recorrida optou quanto às mais-valias obtidas com a alienação de bens do ativo imobilizado corpóreo realizada no exercício de 2001, pela aplicação do regime contido no artigo 45.º do CIRC, na redação conferida pela Lei nº 109-B/2001, de 27 de dezembro.

Dimana, assim, do aludido regime normativo e enquanto pressupostos legais, o seguinte:

· Bens detidos por um período não inferior a um ano;

· Tributada em 50% no ano da realização;

· Se o valor de Realização reinvestido até ao 2º exercício seguinte ou no exercício anterior;

· Os contribuintes devem mencionar a intenção de efetuar o reinvestimento na Declaração Anual (artigo 109.º, nº 1, alínea c), do CIRC) do exercício da realização, comprovando nas Declarações Anuais dos exercícios seguintes os reinvestimentos efetuados.

Promanando, igualmente, que não sendo concretizado, total ou parcialmente, o reinvestimento até ao fim do segundo exercício seguinte ao da realização, considera-se como proveito ou ganho desse exercício, respetivamente, a diferença ou a parte proporcional da diferença prevista nos nºs 1 e 4 não incluída no lucro tributável, majorada em 15%.

Aqui chegados, delimitado o regime normativo e estabelecidos os considerandos que relevam para o caso dos autos, importa, desde logo, secundar a interpretação propugnada na decisão recorrida no sentido de que a única realidade sindicada e que fundou as correções aritméticas em contenda foi, tão-só, a concatenada com o cumprimento do requisito formal plasmado no citado normativo, ou seja, a falta de menção/expressão dos reinvestimentos nas declarações anuais dos exercícios seguintes, ou seja, em 2002 e 2003, carecendo, por isso, de qualquer relevo o expendido pela Recorrente quanto à sindicância dos próprios reinvestimentos, na medida em que consubstancia fundamentação a posteriori não computável e admissível.

Com efeito, atentando na fundamentação contemporânea do ato, constante do Relatório de Inspeção Tributária, resulta que após o exercício de audição prévia no âmbito do qual a Recorrida alegou e demonstrou que “[e]m 2002 procedeu ao reinvestimento do valor de realização com a aquisição de bens do activo imobilizado corpóreo afectos à exploração no valor de € 426.025,00, e adicionalmente, no exercício de 2003 procedeu também ao reinvestimento daquela mais-valia, uma vez que adquiriu novos bens do activo imobilizado corpóreo, no valor total de € 2.438.301,39, conforme anexos que junta”, logo, a correção fundou-se , tão-somente, num incumprimento declarativo.

Aduza-se, em abono da verdade, que a fundamentação da AT já não assenta na inexistência desses reinvestimentos -os quais não foram controvertidos, antes aquiescidos- mas sim pela circunstância formal de nas declarações anuais dos exercícios de 2002 e 2003 não se encontrar assinalado que se procedia ao reinvestimento do restante valor de realização apurado em 2001, o que acarretaria considerar como proveito ou ganho a parte de mais-valia fiscal correspondente ao valor de realização, alegadamente, não reinvestido –entenda-se não assinalado nas declarações anuais de 2002 e 2003- e não incluída no lucro tributável, majorada ainda em 15%, nos termos previstos do citado normativo que vimos analisando.

Com efeito, é aduzido de forma expressa que “[t]odo este processo, tem subjacente a obrigatoriedade do sujeito passivo manifestar, a pretensão de reinvestir, na declaração de rendimentos do exercício em que se verificou a alienação dos bens.”, densificando depois queo facto de ter efetuado reinvestimentos, quer em 2002, quer em 2003, não permite assumir, o reinvestimento total do valor de realização que ocorreu no exercício de 2001, pois essa intenção não foi manifestada pela empresa, na declaração anual de cada um dos respetivos exercícios, nos termos do n.º 5 do art.º 45º do CIRC.” (destaques e sublinhados nossos).

Se é certo que, uma leitura literal dos termos do apontado preceito legal nos levaria a propugnar, a priori, a tese sufragada pela Recorrente, também não é menos verdade que essa não será a melhor leitura, atentas as circunstâncias fácticas que se extraem do elenco probatório dos autos, não impugnado, e em ordem, outrossim, à interpretação conforme com princípios constitucionais basilares.

Com efeito, não sendo sindicada e controvertida a realização efetiva dos reinvestimentos dos valores de realização, no fundo a substância económica atinente à própria materialização dos reinvestimentos, a preterição de formalidade atinente à comprovação nas declarações anuais de 2002 e 2003 não pode, sem mais, fundar a correção realizada.

E isto porquanto, por um lado, subverte não só o espírito do legislador atinente à implementação de tal formalismo legal, como por outro lado, traduz uma inequívoca violação de princípios constitucionais basilares, concretamente, da tributação pelo lucro real e da justiça tributária.

Com efeito, há que ter presente que a ratio legis atinente à aludida comprovação nas Declarações Anuais subsequentes tem como desiderato a plena perceção da realidade de facto, permitindo com base nos elementos declarados pelo contribuinte atestar as suas intenções e fiscalizar a sua concreta corporização, para que, sendo caso disso, se realizem as competentes correções aritméticas.
Dir-se-á, portanto, que a opção do legislador não foi a de desconsiderar um reinvestimento, efetivamente, realizado, pela circunstância, meramente formal, de não se ter atestado nas Declarações competentes essa expressa materialização de reinvestimento. Noutra formulação, ter-se-á de propugnar que não se pretendeu invalidar a opção pelo regime de reinvestimento aos sujeitos passivos pela falta de cumprimento de um formalismo legal quanto a AT está na posse de todos os elementos que permitem asseverar esse concreto e efetivo reinvestimento, o qual, não foi, de todo, sindicado.(1)

Aliás, se atentarmos no teor da informação instrutora da reclamação graciosa, mormente, ponto 13, retira-se que essa é inferência realizada pela AT, na medida em que aduz, para o efeito, que apenas “no caso de não ser cumprida a intenção manifestada, o correspondente IRC deverá ser pago findo o prazo acima referido (…)”. Note-se e enfatize-se que, no caso vertente, a intenção de reinvestimento foi, inequivocamente, manifestada no exercício de 2001, e subsequentemente corporizada nos dois exercícios posteriores, cuja realidade substantiva não foi controvertida apenas a formalidade a ela atinente.

Acresce, outrossim, e secundando-se o doutrinado, neste particular, pelo Tribunal a quo, que a manter-se a correção sub judice a mesma traduziria uma clara violação do princípio da tributação do lucro real e da justiça tributária.

A formalidade legal plasmada no normativo que vimos analisando deve ser sopesada com o princípio da justiça, sendo que numa situação em que não é controvertida e sindicada a corporização dos reinvestimentos, a única forma de repor a verdade e eliminar uma tributação sem rendimento efetivo associado, é prevalecer a substância sobre a forma, tendo-se, portanto, de validar a procedência decretada pelo Tribunal a quo, a qual em nada subverte a doutrina consignada em XIV a XIX.
Há, portanto, que prevalecer a substância sobre a forma, visto que o que importa para efeitos de tributação, é o apuramento da efetiva realidade, relevante para efeitos de tributação, não podendo o incumprimento de uma formalidade desvirtuar toda a substância económica subjacente, quando, ademais, se atesta que inexiste qualquer facto a tributar, e bem assim, intuito de fraude à lei. (2)

Com efeito, não se verifica qualquer interesse público na procedência da pretensão da AT, porquanto, in casu, não está em causa a obtenção de um imposto devido, inexistindo, como visto, qualquer propósito de defraudar o Estado, sendo certo que a manutenção do acréscimo ao lucro tributável da quantia de €612.530,96, traduz, tão-só, um prejuízo para a esfera jurídica da Recorrida.

Neste particular, vide o Aresto do STA, prolatado no âmbito do processo nº 0746/05, datado de 02 de fevereiro de 2016, cujo sumário se extrata na parte que para os autos releva:
“[o] que efectivamente importa ao direito fiscal são as realidades económicas, as situações reais que expressam a percepção do rendimento ou a capacidade contributiva, e não as meras roupagens com que, por vezes, se apresentam exteriormente.
V – O nº 4 do predito artº 44º não pode deixar de ser interpretado restritivamente, tendo em atenção a razão de ser da exigência que o mesmo comporta, que mais não é do que evitar que o contribuinte venha a ser tributado pelas mais-valias realizadas, mediante a transmissão onerosa de elementos do activo imobilizado corpóreo, antes de as reinvestir.
VI – Sendo assim, a exigência da menção da intenção de efectuar o reinvestimento na declaração de rendimentos do exercício da realização só se justifica quando no ano desse exercício, a que se reporta essa declaração, esse reinvestimento ainda não foi efectuado, pois não faz sentido declarar a intenção de efectuar um reinvestimento que, comprovadamente, se realizou no ano do próprio exercício, na medida em que, tendo ele sido feito, fica definitivamente afastada a possibilidade da tributação dos ganhos obtidos.” (destaques e sublinhados nossos).

Expressando, depois, na fundamentação jurídica, a qual se perfilha e adere, que:

“[c]omo é sabido, ao direito fiscal não é indiferente a tributação dos efeitos económicos pretendidos pelas partes, que, na realidade, se tenham produzido: é o que se tem denominado por “realismo” do mesmo direito: a consideração económica dos factos ou actos com relevância jurídica tributária” (Acórdão desta Secção do STA de 4/4/01, in rec. nº 25.469).
Sendo assim, deu a recorrida cumprimento ao disposto no citado artº 44º, nº 1, reinvestindo a quantia de 6.500.000$00, resultante da venda dos bens que lhe foram doados, na compra dos bens que passaram a figurar no lugar daqueles no seu activo imobilizado corpóreo.
Aliás e com esta interpretação, se evita que a actividade administrativa se traduza na criação de uma situação injusta, ao ter em conta, apenas, para a não exclusão da tributação, a ordem cronológica dos factos, o que constituiria, assim, uma flagrante violação do princípio da justiça, consagrado no artº 55º da LGT.
E, se assim é, aquela importância, nos termos daquele preceito legal, pode ser excluída da tributação.
Pelo que, nesta parte, a sentença recorrida também não merece qualquer censura.
5 – Quanto ao segundo dos apontados fundamentos, também carece de razão o recorrente.
Com efeito, dispõe o nº 4 do citado artº 44º que “para o efeito do disposto nos n.ºs 1 e 2, os contribuintes mencionarão a intenção de efectuar o reinvestimento na declaração de rendimentos do exercício da realização, comprovando na mesma e nas declarações dos dois exercícios seguintes os reinvestimentos efectuados”.
Todavia, este dispositivo legal há-de ser interpretado restritivamente, tendo em atenção a razão de ser de tal exigência, que mais não é do que evitar que o contribuinte venha a ser tributado pelas mais-valias realizadas, mediante a transmissão onerosa de elementos do activo imobilizado corpóreo, antes de as reinvestir.
Sendo assim, a exigência da menção da intenção de efectuar o reinvestimento na declaração de rendimentos do exercício da realização só se justifica quando no ano desse exercício, a que se reporta essa declaração, esse reinvestimento ainda não foi efectuado.
Na verdade, não faz sentido declarar a intenção de efectuar um reinvestimento que, comprovadamente, se realizou no ano do próprio exercício, já que, tendo ele sido feito, fica definitivamente afastada a possibilidade de tributação dos ganhos obtidos.
Aliás e de igual modo, se passa com a exigência da comprovação nos dois exercícios seguintes.” (destaques e sublinhados nossos).

Note-se, neste concreto particular, que a justiça material não é, por força do princípio da legalidade fiscal, a justiça no exclusivo interesse de qualquer das partes mas a justiça distributiva, que é a visada pelo direito fiscal, daí que a justiça tributária se atinja pela tributação de cada um, em ordem à sua capacidade contributiva, sendo que a mesma se revela, por opção legal e constitucional, fundamentalmente, pelo seu lucro real.

Tributar o rendimento real significa, em ordem ao comando constitucional plasmado no artigo 104.º da CRP, atingir a matéria coletável realmente auferida pelo sujeito passivo.

É certo que, a Recorrente chama à colação o princípio da legalidade e bem assim da igualdade tributária, advogando que a manutenção da decisão recorrida pretere os mesmos.

No entanto, assim o não entendemos.

Com efeito, o princípio da legalidade tributária, vertido no artigo 103.º n.º 2 da CRP, estabelece que as garantias dos contribuintes são criadas por lei, não podendo a liquidação e cobrança serem realizadas que não através das formas previstas na lei.
É certo que, em regra e por princípio, o interesse público coincide com o fim legal, mas é, igualmente, certo que “não há interesse público sem legalidade, e não há legalidade sem interesse público", (3) e aqui, como visto, e face a todo o expendido anteriormente, inexiste qualquer interesse público que subjaza à manutenção da tributação.

Note-se, ademais, que ter-se-á de ter presente e como norteador basilar que o princípio da legalidade visa limitar e reduzir a arbitrariedade, através de uma maior certeza e segurança jurídica.

In fine, importa, outrossim, relevar que não procede a alegação da Recorrente no sentido de que a manutenção da decisão recorrida implica uma clara violação do princípio da igualdade, desde logo, porque a Recorrente não substancia, com rigor e como era seu ónus, de que forma existe a violação de tal princípio constitucional basilar.

Ademais, como é consabido, para ocorrer uma inequívoca violação do princípio da igualdade é imperioso que estejamos a falar de situações exatamente com os mesmos contornos, exigindo-se, assim, a apelidada igualdade vertical e horizontal.

Sendo que, in casu, situações idênticas à da Recorrida, ou seja, em que não seja sindicada a substância económica da operação serão tratadas da mesma forma. Aliás, a diferenciação por si propugnada é que, em bom rigor, seria atentatória do princípio da igualdade.
O Tribunal Constitucional tem-se pronunciado, por diversas vezes, sobre o princípio da igualdade tributária, convocando-se, neste particular, o Acórdão n.º 590/2015(4) que se transcreve na parte que para os autos releva:

“O princípio constitucional da igualdade tributária, como expressão específica do princípio geral estruturante da igualdade (artigo 13.º da Constituição), encontra concretização “na generalidade e na uniformidade dos impostos. Generalidade quer dizer que todos os cidadãos estão adstritos ao pagamento de impostos (…); por seu turno, uniformidade quer dizer que a repartição dos impostos pelos cidadãos obedece ao mesmo critério idêntico para todos” (TEIXEIRA RIBEIRO, Lições de Finanças Públicas, 5.ª edi­ção, pág. 261).

E tal critério, como sublinha CASALTA NABAIS, encontra-se no princípio da capacidade contributiva: “Este implica assim igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical)” (Direito Fiscal, 7.ª edição, 2012, pág. 155).”

Assim, face a todo o expendido anteriormente, não se vislumbram os aduzidos erros de julgamento, não padecendo a decisão recorrida da censura que lhe é gizada.

E porque assim é, padece de ilegalidade, por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito a correção sindicada, a qual deve ser cominada de anulabilidade, pelo que a sentença que assim o decidiu não padece dos erros de julgamento que lhe são assacados, tendo, por isso, de ser confirmada.

Face ao supra expendido, resulta prejudicado a apreciação do demais.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, e confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Registe. Notifique.


Lisboa, 02 de março de 2023

(Patrícia Manuel Pires)

(Jorge Cortês)

(Luísa Soares)












1) Vide, neste âmbito, o Aresto do TCAN, prolatado no processo nº 00432/08, datado de 25.03.2021.
2) Vide, neste âmbito, Acórdão deste TCAS, proferido no processo nº 637/09, de 23.02.2017.
3) António Francisco de Sousa, Código de Procedimento Administrativo Anotado e Comentado, Lisboa, Quid Juris, 2009, pág. 38
4) Processo nº 590/2015, processo nº 542/2014, de 11 de novembro de 2015.