Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:347/17.7 BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:02/29/2024
Relator:HÉLIA GAMEIRO SILVA
Descritores:PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CONTRAORDENACIONAL
CONHECIMENTO OFICIOSO
PAGAMENTO ESPECIAL POR CONTA
INTERRUPÇÃO E PRESCRIÇÃO
Sumário:I - O n.º 3 do artigo 412.º do Código de Processo Penal aqui aplicável ex vi do artigo 41.º n.º 1, do RGCO, por remissão do artigo 3.º al. b), do RGIT impõe ao impugnante da decisão proferida sobre a matéria de facto o dever de, nas conclusões sobre o objeto do recurso, tomar posição clara especificando concretamente os factos que, em seu entender poderia conduzir a decisão contraria, dever este que tem sido entendido na doutrina e jurisprudência como um tríplice ónus que, nesta sede, impende sobre o recorrente.
II - Quanto às causas interruptivas da prescrição do procedimento contraordenacional diz-nos o artigo 28.º n.º 3 do RGCO, que a prescrição deste (procedimento) tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.
III - Para efeitos de contagem de prazo de suspensão ressalta das alíneas b) e c) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 27.ºA do RGCO que, nestes casos a suspensão não pode ultrapassar seis meses.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de execução fiscal e de recursos contra-ordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção da Execução Fiscal e de Recursos de Contraordenação do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

Y........, S.A., melhor identificada nos autos, veio interpor recurso judicial da decisão administrativa de fixação da coima, proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças de Portimão, no processo de contraordenação nº …….68, no montante de € 8.312,77, acrescida do montante de € 76,50 a título de custas processuais, pela prática de contraordenação, referente à falta de entrega do Pagamento Especial por Conta do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), referente a outubro de 2015.

O Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Loulé, por sentença de 29 de março de 2021, julgou o recurso procedente e, em consequência, declarou a nulidade de decisão de aplicação da coima.

Inconformada, a FAZENDA PUBLICA (FP), veio recorrer, para este Tribunal, contra a referida decisão, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:

«1 - A decisão do Tribunal a quo sobre a matéria de facto não está elaborada em harmonia com os factos cuja prova resulta da lei.

2 - Com efeito, deu como não provada a recepção da notificação da decisão de aplicação de coima pela arguida, quando existem elementos, o documento n° ........54 a fls 25 dos autos e mencionado na al. H) do probatório, que permitem fazer funcionar a presunção prevista no n° 1 do artigo 39 do CPPT, e, ao contrário, considerá-la provada e eficaz: note-se que a notificada/arguida nenhuma prova fez, como era seu ónus, que habilitasse o julgador a decidir que tal presunção estava ilidida.
3 - Por outro lado, ao atender a arguição de nulidade por falta de notificação da decisão de aplicação de coima ao mandatário constituído, julgou mal, fez errada aplicação e interpretação do artigo 63 n° 1 al. d) RGIT.

4 - Pois não se ajusta ao seu texto, que em coerência sistemática e harmonizado com o do artigo 118 n° 1 do CPP que consagra o princípio da tipicidade das nulidades, só permite concluir que a situação da falta de comunicação integrada na sua previsão é unicamente a da notificação a efectuar ao próprio arguido.

Assim, de harmonia com o exposto e max. ex. supl. deve ser dado provimento ao presente recurso e revogada a, aliás, douta sentença recorrida para se fazer JUSTIÇA.”


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Devidamente notificados da admissão do recurso, a Arguida e o Ministério Publico, vem a primeira responder tendo formulado as seguintes conclusões:

“A. Veio a Fazenda Pública recorrer da Sentença proferida pelo Tribunal a quo, a qual julgou procedente o recurso interposto pela Recorrente e, em consequência, declarou a nulidade da decisão de aplicação de coima, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea d), do n.° 1, do artigo 63.° do RGIT, por ausência de notificação ao mandatário constituído da decisão de aplicação da coima;

B. A Fazenda Pública interpôs recurso da mesma, defendendo que o Tribunal a quo laborou:

i. em erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, por inobservância da regra da presunção legal prevista no n.° 1 do artigo 39.° do CPPT, ao considerar como relevante para a decisão da causa o facto, que deu como não provado, de que a Recorrida recebeu a notificação da decisão da coima, ignorando o facto provado H) relativo à remessa da decisão de aplicação da coima por correio postal registado;
ii. em erro na interpretação e aplicação do direito, ao decidir que a ausência de notificação da decisão de aplicação da coima ao mandatário, configura uma nulidade insuprível, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea d) do n.° 1 do artigo 63.° do RGIT;

C. pedindo, a final, pelo provimento do recurso e a consequente revogação da sentença recorrida;

D. não apresentando, porém, qual a solução que, em seu entender, devia o Tribunal a quo ter dado ao caso sub judice - ou seja, não explicitou qual a cominação legal que entende ser a aplicável ao incumprimento por parte da AT da notificação da decisão de aplicação da coima, como obriga o n.° 2 do artigo 47.° do RGCO, aplicável ex vi alínea b) do artigo 3.° do RGIT;

E. Entende a Recorrida que a sentença proferida pelo Tribunal a quo deve ser mantida in totum, por não merecer qualquer reparo, na medida em que:

F. Inexiste prova de que a Arguida tenha sido notificada, na sua sede, da decisão de aplicação da coima, não podendo operar a presunção legal prevista no n.° 1 do artigo 39.° do CPPT, porque a AT não prova o envio da notificação através do recibo de entrega da carta registada pelos serviços postais, previsto no n.°4 do artigo 28.° do Regulamento do Serviço Público de Correios,G. pelo que o facto não provado 1 encontra-se corretamente fixado, não se verificando qualquer erro na apreciação da prova e, por conseguinte, não se verifica também qualquer erro na fixação dos factos;

H. Inexiste prova de que a Arguida, na pessoa da sua mandatária constituída no procedimento de contraordenação, tenha sido notificada da decisão de aplicação da coima, factualidade que não é contrariada pela AT e

I. configura a nulidade insuprível prevista na alínea d) do n.° 1 do artigo 63.° do RGIT porque, nos termos do disposto no n.° 2 do artigo 47.° do RGCO aplicável ex vi alínea b) do artigo 3.° do RGIT, é a forma de notificação do Arguido quando constitui mandatário no procedimento, pelo que não se verifica qualquer erro de interpretação e aplicação do Direito;

J. A ausência de notificação da decisão de aplicação da coima à mandatária constituída, contrariou o disposto no n.° 3 do artigo 268.° da Constituição da República Portuguesa, nos termos do qual "os atos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei (...)" e

K. impossibilitou o efetivo exercício do direito de defesa contra a mesma, circunstância que é inultrapassável, enquanto não for validamente notificado o ato omitido, caso ainda não tenha ocorrido a prescrição do procedimento de contraordenação;

L. Em face do exposto, não merecendo qualquer censura a sentença proferida, deve o recurso ser julgado inteiramente improcedente, com todas consequências legais.

Nestes termos e nos mais de Direito, deverá o recurso interposto pela Fazenda Pública ser negado e manter-se a sentença recorrida, por legal, com todas as demais consequências legais.”

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Neste TCA Sul, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.

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Também neste TCA Sul, foi, oficiosamente, verificada a possibilidade de se encontrar prescrito o procedimento contraordenacional e foi determinada a notificação às partes para, querendo, se pronunciarem sobre tal questão.

Respondendo, vem a Arguida dizer que é sua convicção que, “tendo a prática da alegada infração omissiva ocorrido em 31.10.2015, o procedimento de contraordenação está prescrito”.

Assim e após dissertar sobre o regime da prescrição do procedimento contraordenacional em matéria tributária e sua aplicação ao caso concreto, com alusão à jurisprudência unanime de TCA, vem dizer que “deve a prescrição do procedimento ser declarada e extinto o procedimento de contraordenação, com as demais consequências legais, o que desde já se requer, como resulta do disposto nos artigos 33-°, 61.° e 77.° do RGIT”.

Por seu lado a recorrente (FP) veio também concluir no sentido de que, citamos:

1. Assim sendo, o presente procedimento contraordenacional encontrar-se-ia prescrito desde 01.07.2022.

2. E mesmo que se contassem as suspensões estabelecidas pela legislação motivada pela doença Covid [86 dias, de 9/3/2020 a 2/6/2020 inclusive (artigos 7°, n.° 3 e 10.° da Lei 1-A/2020, 5.° da Lei 4-A/2020, 37.° do DL 10- A/2020, e 8.° e 10.° da Lei 16/2020); e 74 dias, de 22/1/2021 a 5/4/2021 inclusive (artigos 6.°-C/3 da Lei 1-A/2020, 4.° da Lei 4-B/2021, e artigos 5.°, 6.° e 7.° da Lei 13-B/2021)], a que corresponde um total de 160 dias a acrescentar à data referida, no dia de hoje, a prescrição, parece-nos, já se teria igualmente verificado.
3. É o que nos parece nesta altura.”


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Pronunciando-se, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, quanto à questão ora suscitada, vem, também, dizer que não lhe parece “haver dúvida de que o procedimento contraordenacional se encontra prescrito, cf. art. 28° n.°3 do RGCO”.

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Com dispensa de vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Subsecção para decisão.

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Objeto do recurso

Como é sabido, são as conclusões das alegações do recurso que definem o respetivo objeto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem” (artigo 411.º do CPP ex vi artigo 41.º n.º 1 do RGCO, por remissão da alínea b) do artigo 3.º do RGIT), com a ressalva para as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr. artigo 412.º n.º 1 do CPP, artigo 3.º al. b), do RGIT e artigo 74.º n.º 4, do RGCO).

No caso sub judice, cumpre em primeiro lugar apreciar a questão suscitadas nos autos, nomeadamente, a verificação ou não da prescrição do procedimento contraordenacional. Em caso de improcedência cumpre então aferir, se a sentença recorrida, padece dos erros que lhe vem invocados, nomeadamente, se padece de erro na apreciação da prova e na fixação dos factos materiais da causa e se se mostra violado o disposto no artigo 39.º n.º 1 do CPPT.

II - FUNDAMENTAÇÃO

De Facto

A sentença recorrida considerou assente a seguinte factualidade:

«A) Em 25-01-2017, foi autuado pelo Serviço de Finanças de Portimão, em nome de Y........, S.A., ora Recorrente, o processo de contraordenação n.° ……..68, por infracção ao artigo 106.°, n.° 1, do CIRC - "Falta de entrega de Pagamento Especial por Conta", infracção punida pelos artigos 114.°, n.° 2 e 5, f) e 26.°, n.° 4 do RGIT - "Falta de entrega de prestação tributária" (cfr. fls. 2 do Documento n.° ........54 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);

B) O processo de contra-ordenação referido no ponto anterior teve por base o Auto de Notícia n.° C0001171244/2017, de 24 de Janeiro de 2017, no qual consta, designadamente:


(...)" (cfr. fls. 3 do Documento n.° ........54 dos autos, idem);

C) Em 08-02-2017, após notificação para o efeito, a mandatária da Arguida remeteu, por escrito, defesa no âmbito do processo de contra-ordenação n.° …….68 (cfr. fls. 4 a 10 do Documento n.° ........54 dos autos, ibidem);

D) Em 13-04-2017, foi proferida informação pelo Serviço de Finanças de Portimão, na defesa identificada em C) supra, com o seguinte teor:

"(…)

(...)" (cfr. fls. 19 do Documento n.° ........54 dos autos, ibidem);
E) Em 28-04-2017, na informação identificada em D) supra, foi proferido despacho pela Chefe do Serviço de Finanças de Portimão, a indeferir a defesa apresentada pela Arguida/Recorrente (cfr. fls. 19 a 20 do Documento n.° ........54 dos autos, ibidem);

F) Por ofício n.° 3738, de 28-04-2017, do Serviço de Finanças de Portimão, enviado através de correio registado sob o n.° RF296450256PT, a Recorrente foi notificada do despacho identificado em E) supra (cfr. fls. 21 do Documento n.° ........54 dos autos, ibidem);

G) Em 28-04-2017, foi proferido pela Chefe do Serviço de Finanças de Portimão, decisão de fixação da coima no âmbito do processo de Contra-ordenação referido em A) supra, no montante de €8.312,77, acrescida de €76,50 de custas processuais, e na qual consta, designadamente, o seguinte:


“(texto integral no original; imagem)”

(cfr. fls. 23 a 24 do Documento n.° ........54 dos autos, ibidem);

H) Com data de 28-04-2017, foi remetido pelo Serviço de Finanças de Portimão, à Recorrente, através de correio registado sob o n.° RF296455372PT, notificação para pagamento da coima identificada em G) supra (cfr. fls. 25 do Documento n.° ........54 dos autos, ibidem);

I) Por ofício n.° 4224, de 24-05-2017, do Serviço de Finanças de Portimão, enviado através de correio registado com aviso de recepção sob o n.° RF275189067PT, recebido em 26-05-2017, a Mandatária da Recorrente foi notificada do despacho identificado em E) supra (cfr. fls. 26 a 27 do Documento n.° ........54 dos autos, ibidem);

J) Em 23-06-2017, foi interposto o presente recurso da decisão de aplicação de coima (cfr. registo CTT aposto a fls. 54 do Documento n.° ........54 dos autos, ibidem);


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Matéria de facto não provada

1. Não se provou que tenha sido enviada notificação da decisão de aplicação da coima identificada na alínea G) supra, à mandatária da Arguida;

2. Não se provou que a Arguida tenha recebido a notificação da decisão de aplicação da coima, identificada na alínea H) do probatório.Motivação da decisão de facto

A convicção do Tribunal fundou-se no teor dos documentos constantes dos autos e não impugnados, conforme indicado em cada alínea do probatório, assim como nos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados também são corroborados pelos documentos juntos, por lei admissíveis (cfr. artigo 125.° do Código de Processo Penal ex vi artigo 41.° do RGCO e artigo 3.°, alínea b) do RGIT).

Os factos dados como não provados resultam, quer da ausência de qualquer elemento, nomeadamente documental, que permita comprovar o recebimento pela arguida da notificação da decisão de aplicação da coima, quer o envio à sua mandatária, da notificação da decisão de aplicação de coima, não tendo sido junto pela Fazenda Pública, qualquer documento que comprove o contrário do alegado pela ora Recorrente.


***


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Do direito

Questão Prévia

Conforme deixamos autonomizado na delimitação do objeto do recurso, encetamos a nossa análise pela apreciação dos pressupostos da prescrição do procedimento contraordenacional, porque jurídico-conceptualmente, esta questão, constitui uma exceção perentória (pressuposto processual negativo) de conhecimento oficioso em qualquer altura do processo, até à decisão final como se disse no acórdão do STA, proferido em 20/05/2020 no processo n.º 01901/15.7BELRA.
Porque assim é, precede o conhecimento do mérito da causa, e a lograr provimento, torna inútil a apreciação de qualquer outra questão, uma vez que constitui uma causa extintiva do procedimento conforme se prevê na alínea b) do artigo 61.º do RGIT.

Na análise nos autos, seguiremos, com as necessárias adaptações, o entendimento que tem vindo a ser seguido por este Tribunal, de que destacamos a Acórdão proferido em 14/10/2021 no processo n.º 220/14.0BELRS, que, por concordância e pela sua clareza aqui, de perto, sufragamos sem qualquer reserva.

Para tal impõe-se antes de mais convocar o pertinente regime jurídico.

Decorre do probatório que a decisão da Autoridade Administrativa se alicerça na infração ao artigo 106.º, nº1 do CIRC e punida pelo disposto nos artigos 114.º, n.º 2, 5, alínea f), e 26º, nº4, ambos do RGIT, consubstanciando-se a infração na falta de entrega do Pagamento Especial por conta do IRC devido a final, do ano de 2015.

O artigo 114.º, n.ºs 1, e 2 do RGIT, estipulava na sua redação coeva, que:

“1 - A não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período superior, desde que os factos não constituam crime, ao credor tributário, da prestação tributária deduzida nos termos da lei é punível com coima variável entre o valor da prestação em falta e o seu dobro, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstratamente estabelecido.
2 - Se a conduta prevista no número anterior for imputável a título de negligência, e ainda que o período da não entrega ultrapasse os 90 dias, será aplicável coima variável entre 15 % e metade do imposto em falta, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstratamente estabelecido .”

Relativamente ao prazo de prescrição do procedimento contraordenacional dispõe o artigo 33.º, n.º 1, do RGIT que:

1 - O procedimento por contraordenação extingue-se, por efeito da prescrição, logo que sobre a prática do facto sejam decorridos cinco anos.
2 - O prazo de prescrição do procedimento por contraordenação é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infração depender daquela liquidação.
3 - O prazo de prescrição interrompe-se e suspende-se nos termos estabelecidos na lei geral, mas a suspensão da prescrição verifica-se também por efeito da suspensão do processo, nos termos previstos no nº 2 do artigo 42º, no artigo 47º e no artigo 74º, e ainda no caso de pedido de pagamento da coima antes de instaurado o processo de contraordenação desde a apresentação do pedido até à notificação para o pagamento.”

A norma citada estabelece como regra geral de prescrição do procedimento contraordenacional um prazo de cinco anos (n.º 1) e um prazo especial, mais curto, para os casos em que a infração depende da liquidação da prestação tributária, idêntico ao prazo de caducidade do direito à liquidação (n.º 2).


Sendo que, nos termos do disposto no artigo 119.º do CP, aplicável por força do artigo 32.º do RGCO, o prazo de prescrição corre desde o dia em que o facto se tiver consumado.


Significa, então, conforme também se diz no acórdão, que vimos seguindo, que regra geral o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional é de cinco anos, podendo ser encurtado para o prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infração dependa daquela liquidação.

Nas palavras de Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, a “… infracção depende da liquidação da prestação tributária sempre que a determinação do tipo de infracção ou da sanção aplicável depende do valor daquela prestação, pois é a liquidação o meio de determinar o seu valor.
Neste sentido, casos em que a existência da contra-ordenação depende da liquidação da prestação tributária são os previstos nos art.s 108.º, n.º 1, 109.º, n.º- 1, 114.º, 118.º e 119.º, n.11, ("') do RGIT. ("')”(1)In “Regime Geral das Infrações Tributárias - Anotado”, 4.ª edição, Áreas Editora, Lisboa, 2010, pág. 323. – o destacado é nosso.

Quanto a esta matéria, tem entendido a Jurisprudência, na esteira dos ensinamentos dos autores citados (Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos)(2) Vide obra citada pag. 323 a 325 , que para efeitos de aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 33.º do RGIT, deve considerar-se que “… a infracção depende da liquidação da prestação tributária sempre que a determinação do tipo de infracção ou da sanção aplicável deriva do valor daquela prestação, pois é a liquidação o meio de determinar este valor.(3) Vide, por todos o Acórdão do STA proferido em 02/02/2022 no processo n.º 03/16.3BESNT e que, sendo aplicável o prazo especial previsto no n.º 2 do artigo 33.º do RGIT, “… o prazo de prescrição reduzido implica que se determine qual é o prazo de caducidade do direito à liquidação, para tanto devendo levar-se em consideração o regime previsto no artº.45, da L.G.Tributária, reiterando-se que é aplicável também ao prazo previsto no artº.33, nº.2, do R.G.I.T., a regra consagrada no artº.28, nº.3, do R.G.C.O.C. (“ex vi” do artº.3, al. b), do R.G.I.T.), na qual se estabelece que a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido a totalidade do mesmo prazo acrescido de metade (cfr.artº.121, nº.3, do C.Penal).”(4) ) Vide ainda o acórdão citado. – o destacado é nosso


Na situação em análise a infração que subjaz à aplicação de coima vem punida pelo artigo 114.º, nº 2, do RGIT, consubstanciada na falta de entrega do pagamento por conta dentro do prazo, por infração ao disposto no artigo 106.º n.º 1 do CIRC.


Estabelecia, à data, a norma citada(5) Ora revogada pela Lei n.º 12/2022 de 27/06, a revogação é aplicável a partir, inclusive, dos períodos de tributação que se iniciem em ou após 1 de janeiro de 2022, - n.º 2 do artigo 329.º desta Lei de revogação., que: “(1) Sem prejuízo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 104.º, os sujeitos passivos aí mencionados ficam sujeitos a um pagamento especial por conta, a efectuar durante o mês de Março ou em duas prestações, durante os meses de Março e Outubro do ano a que respeita ou, no caso de adoptarem um período de tributação não coincidente com o ano civil, nos 3.º e 10.º meses do período de tributação respectivo.”


Esses pagamentos, de acordo com os números 2 e 3 da mesma norma legal (artigo 106.º do CIRC) deveriam, à data, ser (2) igual a 1 % do volume de negócios relativo ao período de tributação anterior, com o limite mínimo de (euro) 1000, e, quando superior, é igual a este limite acrescido de 20 % da parte excedente, com o limite máximo de (euro) 70 000. (3) Ao montante assim apurado nos deduziam-se os pagamentos por conta calculados nos termos do artigo 105.º, efetuados no período de tributação anterior.

Em suma, era ao sujeito passivo que incumbia a responsabilidade de determinar o montante das entregas pecuniárias que, por lei, se encontra obrigado a efetuar, por conta do imposto que devido a final, o que se consubstancia numa situação de autoliquidação, tendo em conta a noção ampla de liquidação que compreende todas as declarações através das quais os contribuintes, além de comunicarem à Administração os dados necessários para a liquidação do tributo e outros de conteúdo informativo, fazem por si mesmos as operações de qualificação e quantificação necessárias para determinar e pagar a importância de uma prestação tributária devida, situação que catapulta o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional para um período igual ao estipulado para a caducidade do direito à liquidação desse imposto, o qual, de harmonia com o artigo 45.º, nº 1, da LGT, é de quatro anos a contar do termo do ano em que se verificou o facto tributário aludido.

Dito isto volvemos ao caso dos autos.

Tendo presente que, in casu, a infração respeita ao período 201510, e a exigibilidade do imposto ocorreu a 31/10/2015, temos que o dies a quo, é o dia 01 de janeiro de 2016, em conformidade com o consignado no artigo 45.º, nº4 da LGT.

Quer isto dizer que, aplicando o referido prazo de prescrição (4 anos) e na hipótese de não ter ocorrido qualquer causa de interrupção ou suspensão, o procedimento contraordenacional prescreveria em 01 de janeiro de 2020.

Ressalvando, na contagem do referido prazo de prescrição o tempo de interrupção e suspensão, já que, como sabemos, existindo causa de interrupção do prazo de prescrição o tempo decorrido antes da causa de interrupção fica sem efeito, uma vez que depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição (cfr. n.º 2 do artigo 121.º do CP ex vi artigo 32.º do RCGO, ex vi artigo 33.º, n.º 3 do RGIT).

Por seu lado, a suspensão do prazo impede que o prazo da prescrição decorra enquanto se mantiver a causa que a determinou, ou seja o prazo só volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão (cfr. n .° 6 do artigo 120.° do CP, ex vi artigo 32.º do RCGO, ex vi artigo 33.º, n.º 3 do RGIT).

Quanto às causas interruptivas da prescrição do procedimento contraordenacional diz-nos o artigo 28.º n.º 3 do RGCO, que a prescrição deste (procedimento) tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.
As causas de suspensão da prescrição do procedimento por contraordenação, contidas no artigo 27º-A do RGCO, são aqui aplicáveis ex vi artigo 33.º nº 3 do RGIT.

A lei manda ressalvar da prescrição o tempo de suspensão, porém, enuncia no artigo 27.º-A n.º 2 do RGCO, que:” [N)nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses”(6) Vide Acórdão do STA proferido em 02/02/2022 no processo n.º 03/16.3BESNT..

Concretizando, então, por reporte ao acervo fático dos autos.

Assim, aplicando-se o prazo máximo supletivo de prescrição, acrescido de metade, ou seja, na presente situação de seis anos (4+2), acrescidos dos 6 meses de suspensão, o prazo prescricional consumou-se a 1 de julho de 2022.

Conclui-se, pois, à luz dos citados preceitos legais, que o procedimento contraordenacional se encontra integralmente prescrito, verificando-se assim a exceção perentória que determina a extinção do procedimento contraordenacional e obsta à apreciação da matéria de fundo, ao que se provirá na parte do dispositivo do presente aresto.

III - DECISÃO

Face ao que, acordam em conferência os juízes da Subsecção da execução fiscal e de recursos de contraordenação do Contencioso Tributário deste TCA Sul em declarar extinto o procedimento contraordenacional por prescrição com o consequente arquivamento dos autos, deixando prejudicado o conhecimento de mérito do objeto do recurso.

Sem custas (artigo 94.º n.º 4 do RGCO).

Registe e notifique.

Lisboa, 29 de fevereiro de 2024


Hélia Gameiro Silva – Relatora
Isabel Vaz Fernandes – 1.ª Adjunta
Catarina Almeida e Sousa – 2.ª Adjunta
(assinado digitalmente)