Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:12145/15
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:06/25/2015
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores:PROFESSORES, CONTRATO DE TRABALHO A TERMO RESOLUTIVO, NULIDADE DE ATO E DE CONTRATO, EFEITOS PUTATIVOS
Sumário:I - Nunca é admissível a aplicação da regra excecional contida no nº 3 do art. 134º do CPA de 1991, no caso coberto pelo art. 83º, nº 1, da Lei nº 59/2008 e pelo art. 53º, nº 1, da Lei nº 35/2014; a não ser que se entendesse que aquela válvula de escape à assumida rigidez do sistema infraconstitucional de invalidade dos atos administrativos nada acrescenta ao que já resulta da CRP.

II - Os efeitos jurídicos (a atribuir) que a norma excecional hoje prevista no art. 162º, nº 3, do CPA/2015 refere são coisa distinta da própria validade, o que implica a proibição de relevar aquilo que, legalmente e logicamente, dependa estritamente da própria validade e não de uma eficácia continuada.
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

ANA ………………, AMÍLCAR ……………………., GILBERTO …………………., PATRÍCIA ……………….., PAULA ………………………, ROSA ……………………, professores, intentaram no T.A.C. de Sintra

Processo cautelar, com posterior aplicação do art. 121º CPTA, contra

· MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CIÊNCIA.

Pediram o seguinte:

« (Imagem)»

*

Por decisão de 22-1-15, já ao abrigo do art. 121º CPTA, o referido tribunal decidiu condenar o ministério a

- Reconhecer que todos os requerentes, em 31.8.2014, reuniam os pressupostos da renovação contratual definidos no art 42º, nº 3, do DL nº 132/2012, de 27.6, na redação dada pelo DL nº 83-A/2014, de 23.5; (1)

- Incluir os requerentes na lista de docentes admitidos para a renovação dos respetivos contratos no ano letivo 2014/2015;

- Seguindo depois o procedimento os ulteriores termos e com eficácia reportada a 1.9.2014.

*

Inconformada, o r. MINISTÉRIO recorre para este Tribunal Central Administrativo Sul, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:

«(Imagem)»

*

Os recorridos/autores contra-alegou, concluindo:

«(Imagem)»

*

O Ministério Público foi notificado para se pronunciar como previsto na lei de processo.

Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência.

*

Este tribunal tem sempre presente o seguinte: (1º) o primado do Estado democrático e social de Direito material, num contexto de uma vida socioeconómica submetida ao bem comum e à suprema dignidade de cada pessoa; (2º) os valores ético-jurídicos do ponto de vista da nossa lei fundamental; (3º) os princípios estruturantes do Estado de Direito (ex.: a juridicidade, a segurança jurídica para todas as pessoas e a igualdade jurídica de todos os seres humanos); (4º) as normas que exijam algo de modo definitivo; (5º) as normas que exijam uma otimização das possibilidades de facto e de direito existentes no caso concreto, através de uma ponderação racional e justificada; e (6º) a máxima da unidade e coerência do nosso sistema jurídico, bem como, sempre que possível e necessário, as máximas metódicas da igualdade e da proporcionalidade. (2)

*

Os recursos, que devem ser dirigidos contra a decisão do tribunal a quo e seus fundamentos, têm o seu âmbito objetivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso, alegação que apenas pode incidir sobre as questões que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido (ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas).

*

II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1. FACTOS PROVADOS segundo o tribunal recorrido

«(Imagem)»

*

Continuemos.

II.2. APRECIAÇÃO DO RECURSO

Aqui chegados, há melhores condições para se compreender o recurso e para, de modo facilmente sindicável, apreciarmos o seu mérito.

Vejamos, pois.

1º)

DO EFEITO DO RECURSO

Como é pacífico e resulta do disposto no art. 143º/2 do CPTA e da lógica, o presente recurso tem efeito meramente devolutivo, porque o processo não deixou de ser o que era: um processo urgente e cautelar.

Portanto, concluímos que o recorrente não tem razão.

2º)

DA CORRETA APLICAÇÃO PELA SENTENÇA RECORRIDA DO PREVISTO NO ART. 134º/3 DO C.P.A. quanto aos procedimentos e contratos (a termo resolutivo, renováveis) consequentes ao contrato a termo resolutivo (renovável) do ano letivo de 2012/2013, cujo procedimento concursal foi invalidado pelo réu em 12-10-2012 por ilegalidade

O tribunal a quo decidiu condenar o Ministério a

- Reconhecer que todos os requerentes, em 31.Ag.2014, reuniam os pressupostos da renovação contratual definidos no art 42º, nº 3, do DL nº 132/2012, de 27.6, na redação dada pelo DL nº 83-A/2014, de 23.5; (3)

- Incluir os requerentes na lista de docentes admitidos para a renovação dos respetivos contratos no ano letivo 2014/2015;

- Seguindo depois o procedimento os ulteriores termos e com eficácia reportada a 1.9.2014.

Sintetizemos os factos provados:

-o despacho do Sr. SEEAE de 12-10-2012 anulou (revogação anulatória), por ilegalidade, os procedimentos administrativos relativos ao ano letivo de 2012/2013, de que resultaram os contratos de trabalho docente a termo resolutivo dos ora autores;

-os ora AA desistiram do pedido de anulação judicial formulado contra tal despacho;

-relativamente ao ano letivo de 2013/2014, os ora AA integraram as listas prévias previstas na lei e celebraram com o R. os respetivos contratos a termo resolutivo, em renovação do anterior contrato de trabalho docente a termo resolutivo;

-relativamente ao ano letivo de 2014/2015, os AA constaram do procedimento durante Agosto de 2014, mas não constaram da lista dos docentes admitidos à renovação do contrato anterior, publicada em 9-9-2014.

No essencial, portanto, cabe saber se os AA podiam ser admitidos ao concurso relativo a 2014/2015 ao abrigo do cit. e já transcrito art. 42º, com base no art. 134º/3 do CPA/91 (4) e no art. 83º/1 da Lei 59/2008-Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (5) (revogada pela Lei 35/2014 de 20-junho; hoje é o art. 53º/1 da Lei 35/2014 (6)).

Ora, a primeira nota a salientar é que a sentença não afirmou e não concluiu nada expressamente a partir do facto de o contrato antecedente, de 2012/2013, foi licitamente invalidado em 12-10-2012, o que aliás os AA aceitaram expressamente no processo de AAE que intentaram e de cujo pedido desistiram. Ignorou, assim, a questão de saber se havia ou não algo de jurídico (um contrato) a ser renovado nos termos do cit. art. 42º.

Implicitamente, a sentença entendeu que o contrato a termo resolutivo de 2013/2014 era nulo, pois a sentença socorreu-se do art. 134º do CPA/91 para o “estender” a 2014/2015. Portanto, a sentença considerou que o contrato de 2012/2013 foi ilegal e que os contratos de renovação subsequentes eram mesmo nulos, como resulta claro do art. 133º/2-i) do CPA/91.

Mas, paradoxal e incorretamente, concluiu que o direito dos requerentes à renovação do contrato, para o ano letivo de 2014/2015, nasceu durante o tempo em que os mesmos estiveram a dar aulas a coberto do contrato (ilegal) celebrado para o ano letivo de 2013/2014.

Ora, o direito dos AA à renovação do contrato de trabalho docente (a termo resolutivo) não depende apenas dos requisitos previstos no cit. art. 42º. Depende também, logicamente, da validade do contrato anterior, do contrato que vai ser renovado. Aqui, este contrato (de 2013/2014) era e é ilegal, nulo, em consequência da consensual anulação administrativa do contrato antecedente (o de 2012/2013).

Por outro lado, do cit. art. 83º/1 da Lei 59/2008 só se pode retirar aquilo que se diz na lei atual: o contrato a termo resolutivo de 2012/2013 produziu efeitos como válido apenas em relação ao tempo em que foi executado (ano letivo de 2012/2013); os seus efeitos não se projetaram para o futuro, como não poderia deixar de ser. Portanto, a Lei 59/2008 não permitia vantagem jurídica para além de 2012/2013; o contrato de renovação de 2013/2014 foi celebrado sem contrato válido para renovar.

Dali concluímos que nunca é admissível a aplicação da regra excecional contida no nº 3 do art. 134º cit. O teor do art. 83º/1 da Lei nº 59/2008 e o teor do art. 53º/1 da Lei nº 35/2014 não admitem nunca, de modo expresso, a aplicação do nº 3 do art. 134º do CPA/91 no caso presente (a não ser que se entendesse que o art. 134º/3 do CPA/91 nada acrescenta ao que já resulta da CRP e que o próprio princípio da legalidade administrativa vale pouco – cf. PAULO OTERO, Legalidade e Administração Pública, 2003, pp. 137 ss e 957 ss; Manual…, I, 2013, pp. 347 ss, 367, 432 ss, 555 ss e 573 ss).

Pelo que aqui a sentença errou.

3º)

Mas, e se assim não fosse? Haveria que aferir da boa aplicação do nº 3 do art. 134º do CPA/91, feita pela sentença recorrida.

Ora, poderá haver atribuição de efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de atos nulos, de harmonia com os princípios da boa-fé, da proteção da confiança e da proporcionalidade (7) ou outros princípios jurídicos constitucionais, designadamente associados ao decurso do tempo.

Embora a sentença proceda a um discurso breve e pouco claro, que mistura ou confunde este ponto com a errada conclusão retirada do cit. art. 83º/1, deve referir-se que os efeitos jurídicos a que esta norma excecional se refere são coisa distinta da própria validade do próprio contrato. A renovação do contrato de trabalho docente a termo resolutivo não é um efeito desse contrato. Por outro lado, já em sede de boa-fé e de confiança legítima, não se vê como podem as mesmas existir quando os AA conheciam bem e até aceitaram a invalidade do contrato antecedente de 2012/2013. E neste contexto também não poderia ser tutelada uma situação de facto com a duração de 1 ano letivo.

Finalmente, sublinha-se que, ao contrário do referido nas contra-alegações, não tem relevância que o contrato de 2013/2014 não tenha sido invalidado, pois é contrato de renovação de um contrato ilegal.

Por outro lado, em sede do art. 134º/3 cit., não se vê qualquer dolo ou má-fé do Ministério, o que sempre seria irrelevante, porque a boa-fé que ali é tutelada é a dos ora AA.

*

III. DECISÃO

Por tudo quanto vem de ser exposto e de harmonia com o disposto nos artigos 202º e 205º da Constituição, acordam os Juizes do Tribunal Central Administrativo Sul em, mantendo o efeito meramente devolutivo deste recurso, conceder provimento ao mesmo, revogar a sentença e absolver o réu dos pedidos formulados na p.i.

Custas a cargo dos autores em ambas as instâncias.

Lisboa, 25-6-15

(Paulo H. Pereira Gouveia - relator)

(Nuno Coutinho)

(Carlos Araújo)


(1) Novo regime de recrutamento e mobilidade do pessoal docente dos ensinos básico e secundário e de formadores e técnicos especializados.
Artigo 42.º Contrato a termo resolutivo
1 — Os contratos a termo resolutivo têm como duração mínima 30 dias e máxima, um ano escolar.
2 — Os contratos a termo resolutivo sucessivos celebrados com o Ministério da Educação e Ciência em horário anual e completo, no mesmo grupo de recrutamento, não podem exceder o limite de 5 anos ou 4 renovações.
3 — A renovação do contrato a termo resolutivo em horário anual e completo depende do preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos:
a) Inexistência de docentes de carreira no grupo de recrutamento a concurso e que tenham manifestado preferência por esse agrupamento de escolas ou escola não agrupada;
b) Manutenção do horário letivo anual e completo, apurado à data em que a necessidade é declarada;
c) Avaliação de desempenho com a classificação mínima de Bom;
d) Concordância expressa das partes.
4 — A renovação do contrato é sujeita à forma escrita.
5 — A verificação dos requisitos das alíneas do n.º 3 é efetuada num único momento, através da plataforma eletrónica da Direção -Geral da Administração Escolar.
6 — A renovação dos contratos é sempre subsidiária à satisfação das necessidades por docentes da carreira.
7 — O contrato destinado à lecionação das disciplinas ou módulos de uma disciplina de natureza profissional, tecnológica, vocacional ou artística dos ensinos básico e secundário vigora apenas pelo período de duração do serviço letivo distribuído e dos respetivos procedimentos de avaliação.
8 — Ao contrato referido no número anterior aplica –se o disposto no artigo 76.º do ECD, incluindo as atividades administrativas inerentes à avaliação, a prestação de serviço especializado em estruturas de apoio educativo no âmbito do respetivo agrupamento de escolas ou escola não agrupada, integrada na componente não letiva.
9 — O contrato destinado à substituição temporária de docente vigora pelo tempo necessário à sua substituição ou até ao 3.º dia útil a contar do dia imediato ao da apresentação do docente substituído, sem prejuízo do disposto no número seguinte. ….
(2) Paulo Pereira Gouveia, “O método e o juiz da intimação…”, in O Direito, Ano 145º, 2013, I/II, pp. 51-91; Robert Alexy, “A construção dos direitos fundamentais”, in Direito & Política, nº 6, 2014, pp. 38-48; Robert Alexy, “Direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade”, in O Direito, Ano 146º, 2014, IV, pp. 817-834.
(3) Novo regime de recrutamento e mobilidade do pessoal docente dos ensinos básico e secundário e de formadores e técnicos especializados.
Artigo 42.º Contrato a termo resolutivo
1 — Os contratos a termo resolutivo têm como duração mínima 30 dias e máxima, um ano escolar.
2 — Os contratos a termo resolutivo sucessivos celebrados com o Ministério da Educação e Ciência em horário anual e completo, no mesmo grupo de recrutamento, não podem exceder o limite de 5 anos ou 4 renovações.
3 — A renovação do contrato a termo resolutivo em horário anual e completo depende do preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos:
a) Inexistência de docentes de carreira no grupo de recrutamento a concurso e que tenham manifestado preferência por esse agrupamento de escolas ou escola não agrupada;
b) Manutenção do horário letivo anual e completo, apurado à data em que a necessidade é declarada;
c) Avaliação de desempenho com a classificação mínima de Bom;
d) Concordância expressa das partes.
4 — A renovação do contrato é sujeita à forma escrita.
5 — A verificação dos requisitos das alíneas do n.º 3 é efetuada num único momento, através da plataforma eletrónica da Direção -Geral da Administração Escolar.
6 — A renovação dos contratos é sempre subsidiária à satisfação das necessidades por docentes da carreira.
7 — O contrato destinado à lecionação das disciplinas ou módulos de uma disciplina de natureza profissional, tecnológica, vocacional ou artística dos ensinos básico e secundário vigora apenas pelo período de duração do serviço letivo distribuído e dos respetivos procedimentos de avaliação.
8 — Ao contrato referido no número anterior aplica-se o disposto no artigo 76.º do ECD, incluindo as atividades administrativas inerentes à avaliação, a prestação de serviço especializado em estruturas de apoio educativo no âmbito do respetivo agrupamento de escolas ou escola não agrupada, integrada na componente não letiva.
9 — O contrato destinado à substituição temporária de docente vigora pelo tempo necessário à sua substituição ou até ao 3.º dia útil a contar do dia imediato ao da apresentação do docente substituído, sem prejuízo do disposto no número seguinte. ….
(4) Artigo 134º - Regime da nulidade
1 - O acto nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade.
2 - A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada, também a todo o tempo, por qualquer órgão administrativo ou por qualquer tribunal.
3 - O disposto nos números anteriores não prejudica a possibilidade de atribuição de certos efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de actos nulos, por força do simples decurso do tempo, de harmonia com os princípios gerais de direito.
(5) 1 - O contrato declarado nulo ou anulado produz efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução.
(6) 1 - O vínculo de emprego público declarado nulo ou anulado produz efeitos como válido em relação ao tempo em que seja executado.
(7) Sobre esta, cf. ROBERT ALEXY, Direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade, in O Direito, Ano 146º, 2014, IV, pp. 817 ss.