Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:9477/16.1BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:04/11/2019
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:FACTO NÃO PROVADO;
FACTO NEGATIVO;
ÓNUS DA PROVA DE UM FACTO NEGATIVO;
FUNDADA DÚVIDA SOBRE A EXISTÊNCIA DO FACTO TRIBUTÁRIO.
Sumário:I. Um facto não provado não se confunde com um facto negativo, não se podendo extrair da factualidade não provada que esteja assente o facto negativo que lhe seja simétrico.
II. Fundando a Administração Tributária a correção no teor de contrato assinado entre o sujeito passivo e uma sociedade e na declaração de retenções (não pagas) dessa mesma sociedade, cabe ao sujeito o ónus da prova de que o rendimento não lhe foi pago ou colocado à disposição.
III. A apreciação da prova de um facto negativo, devido às maiores dificuldades que lhe estão inerentes, deve ser feita considerando o princípio da proporcionalidade, implicando uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito.
IV. Demonstrado que o valor declarado como tendo sido pago em 1990 respeita a cheque emitido em 1991 que nunca foi movimentado nas contas bancárias do sujeito passivo, está provado facto suscetível de gerar fundada dúvida sobre a existência do facto tributário, com a consequente anulação do ato impugnado.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio apresentar recurso da sentença proferida a 06.11.2015, no Tribunal Tributário de Lisboa (TTL), na qual foi julgada procedente a impugnação apresentada por J… e M… (doravante Recorridos ou impugnantes), que teve por objeto a liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS), relativa ao ano de 1990, no valor de 82.817,69 Eur.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

4.1. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou totalmente procedente a Impugnação judicial, intentada pelos ora recorridos contra a liquidação adicional de IRS n°534304…, no montante de 82.817,69 € (16.603.457$00), do ano de 1990.

4.2. Na fundamentação da decisão ora em crise, entendeu o Ilustre Tribunal a quo que "concluiu o Ilustre Tribunal a quo, na douta decisão ora em crise, que "..., como decorre do provatório não se encontra provado que o cheque n°56…, do Banco C…, sacado por D… - Produtos Alimentares, Lda., a favor do impugnante, na importância de 24.000.000$00 com data de 08.01.91, foi efectivamente pago ou posto à disposição dos impugnantes no ano de 1990.",

4.3. mais concluindo que "não obstante, não se encontrando provado que tenha ocorrido o pagamento ou sido colocado à disposição, o montante em causa no valor de 24.000.000$00, correspondente ao Cheque n.º 56…, do Banco C…, tal liquidação assentou em erro nos pressupostos de facto.".

Ora,

4.4. é com esta conclusão do Ilustre Tribunal recorrido que a Fazenda Pública não concorda, não tendo o Tribunal a quo, com o devido respeito e salvo sempre melhor entendimento, a correcta aplicação do direito in casu.

Isto porque,

4.5. se é verdade que nos autos "...não se encontra provado que o cheque n.º 56…, do Banco C…, sacado por D…- Produtos Alimentares, Lda., a favor do impugnante, na importância de 24.000.000$00 com data de 08.01.91, foi efectivamente pago ou posto à disposição dos impugnantes no ano de 1990.", não menos verdade é a circunstância de não se encontrar, também, demonstrado nos autos que o referido cheque bancário não foi colocado à disposição (entregue) dos impugnantes ainda durante o ano de 1990.

4.6. Ou seja, nada nos autos consta que nos leve a afirmar que o montante de 24.000.000$00 (correspondente à 2.ª prestação acordada no contrato de cessão da mencionada marca) não foi colocado à disposição dos impugnantes no ano de 1990.

4.7. Sendo certo que só com a prova, firmada nos autos, que o referido montante não foi colocado à disposição dos impugnantes no ano de 1990, seria possível retirar a conclusão colhida pelo Ilustre Tribunal a quo que a liquidação impugnada teria assentado em erro nos pressuposto de facto.

No entanto,

4.8. são os próprios impugnantes que alegam não lhes ter sido pago, nem lhes ter sido colocado à disposição, o montante correspondente ao pagamento da 2.ª prestação do preço devido pela cessão da marca "M…" - vd. o artigo 60.º do petitório inicial.

4.9. Alegação esta (a respeitante à não colocação à sua disposição o referido montante por parte da cessionária) que os impugnantes não lograram provar nos autos, sendo certo que sobre eles impendia o ónus da prova da referida circunstância, conforme a regra geral da repartição do ónus da prova constante dos artigos 74.º, n.º 1, da LGT e 342.º do Código Civil.

4.10. Facto é a Administração Tributária se encontrar munida de elementos que infirmam o circunstância de ter o referido montante sido colocado à disposição dos impugnantes durante o ano de 1990 - o relatório da inspecção efectuada aos impugnantes (vd. a sentença ora impugnada, no ponto H) da factos provados), relatório este que, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 76.º, faz fé quanto aos factos nele constantes.

4.11. Assim sendo, deveriam os impugnantes ter provado a sua alegação de não lhes ter sido colocado à disposição o citado montante de 24.000.000$00 ainda no ano de 1990, ónus de prova esta que sobre eles impendia. No entanto, os impugnantes não satisfizeram esse ónus.

4.12. Tanto mais que a matéria de facto que resultou da produção adicional de prova, realizada posteriormente à prolação da sentença revogada, nada de novo veio aditar aos autos, relativamente à questão de se aferir acerca do momento em que o referido montante pecuniário foi colocado à disposição dos impugnantes, ora recorridos.

Ou seja,

4.13. após a realização da instrução complementar, nada de novo foi trazido aos autos no que diz respeito à questão do momento em que as referidas quantias pecuniárias foram colocadas à disposição dos impugnantes.

Assim sendo,

4.14. e pelo exposto, não poderia o Ilustre Tribunal a quo, no modesto entendimento da Representação da Fazenda Pública, com o devido respeito e salvo sempre melhor entendimento, ter concluído pela ilegalidade da liquidação impugnada, por erro nos pressupostos de factos, tendo por base a não prova da ocorrência do pagamento ou colocação à disposição dos impugnantes do citado montante.

4.15. Aliás, com base nesta factualidade - ou seja, a circunstância de não se considerar provado o facto de ter o referido montante sido pago ou colocado à disposição dos impugnantes até ao final do ano de 1990 - ter-se-ia de, forçosamente, retirar uma conclusão inversa da colhida pelo Ilustre Tribunal a quo na decisão ora em crise.

Pelo exposto,

4.16. é entendimento da Representação da Fazenda Pública que o Tribunal ora recorrido, ao considerar verificar-se a ilegalidade da liquidação impugnada, assente em erro nos pressupostos de facto, anulando a mesma, incorreu em erro de julgamento na aplicação do direito aos factos tidos por provados e não provados, fazendo uma errónea interpretação e aplicação das normas jurídicas relativas ao ónus de prova, constantes dos artigos 74.º, n.º 1 , da LGT e 342.º do Código Civil.

Assim sendo,

4.17. com o devido respeito e salvo sempre melhor entendimento, deve ser revogada a decisão ora recorrida, com as legais consequências daí decorrentes”.

Os Recorridos, nas suas contra-alegações suscitaram a questão prévia da deserção do recurso, por falta atempada da apresentação da alegação, e, ademais, formularam as seguintes conclusões:

“a) Conforme prova produzida nos autos, documental e testemunhalmente, os recorridos não receberam no exercício de 1990, nenhuma prestação pela cessão dos direitos da marca m…, à semelhança do que acontecera em 1989 e aconteceria em 1991, 1992 e 1993.

b) Em 1994, com a mudança da titularidade do capital da sociedade D…, em França, e por reflexo de 50% do capital da D… M…, em Portugal os recorridos lograram renegociar o contrato e receber o justo valor por aquilo que haviam construído ao longo de três dezenas de anos.

c) Se quem fiscalizou tivesse agido com isenção e diligência teria verificado que os recorridos não receberam um centavo do que estava contratado receberem, em 1990.

d) Manda o princípio da periodização do exercício que os rendimentos sejam declarados no exercício em que forem efetivamente recebidos.

e) A entrega de um cheque, sem uma assinatura obrigatória, sacado sobre uma conta bancária sem fundos, não é um meio de pagamento efetivo nem um instrumento idóneo para pôr os rendimentos à disposição de quem deles beneficia.”

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 289.º, n.º 2, do CPPT) vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) O recurso está deserto?

b) Há erro de julgamento em virtude de, da decisão da matéria de facto, não resultar a existência de erro sobre os pressupostos da liquidação?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“ A)

Os impugnantes vêm impugnar a liquidação de IRS nº534304…, referente ao ano de 1990, no montante global de 16.603.457$00;

(Cf. Fls. 17 dos autos)


B)

Os impugnantes, por contrato particular de Venda de Marca, datado de 15 de Dezembro de 1989, cederam a "D… Distribuição, Lda.", a marca comercial M… para especiarias moídas, preparações feitas de cereais, mostarda e molhos, registada no IPI (e não Horizontal como, certamente por lapso, se diz no contrato) sob o nº 15…, conforme documento/ contrato de fls. 143 a 145 -v e doc., de fls.18 e 19, que se dão por reproduzidos;

C)

A venda atrás referida incluiu todos os direitos que implica, incluindo o da exclusividade de utilização, conforme termo 2. do referido contrato;

D)

A contrapartida pela venda foi de 240.000.000$00, a pagar em prestações anuais de 24.000.000$00, vencendo-se a primeira até 31 de Dezembro de 1989 e as restantes 9 (no até ao último dia de cada um dos anos imediatamente subsequentes), conforme termo 3.1 do referido contrato;

E)

O valor base das prestações de cada um dos anos de 1989 a 1998 é actualizado, ano a ano, com uma compensação progressiva, acumulada na base da taxa bruta dos depósitos a prazo 181 referenciada pelo Banco de Portugal, ou alternadamente (à escolha dos primeiros contratantes) a média de retribuição líquida da Banca Comercial para depósitos com o mesmo prazo, conforme termo 23.2 do referido contrato;

F)

A compensação indicada na alínea anterior é paga com as prestações referidas na al. D) e na mesma data, conforme termo 3.3. do referido contrato;

G)

Os impugnantes apresentaram em 16.5.91, declaração de rendimentos mod.2 do IRS relativamente ao ano de 1990, na qual declararam rendimentos- quanto ao sujeito passivo A, das categorias A, C e F; - do sujeito B, rendimentos da categoria F, tudo conforme discriminação na informação de fls, 68 a 69,v e declaração mod. 2 de fls. 61 a 64, que se dão por integralmente reproduzidas;

H)

No âmbito de uma acção de fiscalização, foi detectado pela Fiscalização que o contribuinte não declarou, como rendimentos da categoria B, o valor recebido pela 2ª prestação da venda da marca "M…", no montante de 24.000.000$00, tal como não declarou como rendimentos da categoria E, o valor dos juros recebidos pela venda da mesma marca (2º pagamento) no montante de 31.320.000$00, conforme informação oficial referida e Auto de Notícia de fls. 42 a 44-v, que se dá por reproduzido;

l)

A empresa pagadora desses rendimentos declarou na declaração mod. 114 de IRS que os pagou no ano de 1990, pelo que a Fiscalização considerou que os rendimentos estavam sujeitos a tributação no ano de 1990, conforme Auto de notícia referido na alínea, anterior;

J)

A Administração Fiscal fixou então aos impugnantes, com base no disposto no art.º 66°, n.º2 do CIRS, o rendimento no montante de 65.104.139300, incluindo-se na categoria C os rendimentos de 24.000.000$00 e, na categoria F, as quantias de 15.660.000$00 para cada um dos impugnantes, conforme discriminação na informação de fls. 68 a 69-v e Mapa de Apuramento DC2/90 e anexos B e E de fls. 21 a 25, o que foi notificado aos mesmos pelo ofício de fls. 20, dando-se todos por reproduzidos;

K)

Os impugnantes apresentaram reclamação nos termos do disposto no art.º84 do CPT tendo a Comissão reunido e deliberado, por maioria, manter os valores fixados, conforme informação referida e documentos de fls. 180 a 192, que se dão por reproduzidos, enquadrando os rendimentos na categoria "B" pela al. b) do n.º1 do art.º 3 do CIRS e tributados nos termos no n.º7 do mesmo artigo.

L)

O indeferimento da reclamação foi notificado ao impugnante em 27 de Outubro de 1995, conforme documentos de fls. 178 a 179 -v, que se dão por reproduzidos;

M)

Na sequência do indeferimento foi efetuada uma liquidação adicional de IRS e Juros Compensatórios, no montante global de 16.603.457$00, referido em A) supra, cuja data limite de pagamento voluntário terminou no dia 31.01.1996;

(cf. fls. 77 dos autos )


N)

O documento de fls. 237 e 223, que se dá por integralmente reproduzido, é constituído por uma fotocópia do cheque n.º 564879…, do Banco C…, sacado por "D… M… - Produtos Alimentares, Lda.", a favor do impugnante, na importância de 24.000.000$00, com data de 08.01.91.

O)

O cheque identificado na alínea anterior tem as seguintes inscrições:

Tem inscrito no verso, no lugar do endosso, uma assinatura semelhante à que foi aposta no lugar das assinaturas da empresa emitente do cheque com um carimbo do Banco C…, idêntico ao carimbo que que encontra aposto na face do cheque.

(cf. fls. 223 e 237 dos autos )


P)

O documento de fls. 215, que se dá por integralmente reproduzido, é constituído por uma fotocópia do cheque nº 564879…, do Banco C…, sacado por "D… M… - Produtos Alimentares, Lda.", a favor do impugnante, na importância de 25.056.000$00 e tem a data de 08.01.91.

Tem inscrito no verso, no lugar do endosso, uma assinatura semelhante à que foi aposta no lugar das assinaturas da empresa emitente do cheque com um carimbo do Banco C…, idêntico ao carimbo que que encontra aposto na face do cheque, e onde consta a data de 15.Fev.1991.


Q)

Pelo Banco C… e pelos impugnantes foram juntas, aos autos, segundas vias dos extratos de conta dos impugnantes, referente aos anos 1990, 1991 e início de 1992;

(cf. fls. 319 a 335 e 241 a 365 dos autos )


R)

Dos extratos de conta dos impugnantes referidos em Q), não consta qualquer movimento do cheque identificado em N);

(cf. fls. 319 a 335 e 241 a 365 dos autos )


S)

Em 27.05.1995 os impugnantes procederam à entrega da declaração Mod. 2 de IRS, referente ao ano de 1994, com anexos A, B1, E, F e G, onde consta inscrito no quadro 8 do anexo G, correspondente à Alienação Onerosa de Partes Sociais e outros valores mobiliários, o montante de 850.000.000$00;

(cf. fls. 369 a 374 -v dos autos )”.

II.B. Relativamente aos factos não provados, refere-se na sentença recorrida:

“1. Não se provou que o cheque nº 564879… na importância de 24.000.000$00 com data de 08.01.91, referente ao termo 3.1 do Contrato de Venda de Marca, correspondente à segunda anuidade, foi movimentado na conta dos impugnantes até 31.12.1990;”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A matéria de facto, dada como assente nos presentes autos, foi a considerada relevante para a decisão da causa controvertida, segundo as várias soluções plausíveis das questões de direito e, a formação da convicção do tribunal, para efeitos da fundamentação dos factos, atrás dados como provados, está referida no probatório com remissão para as folhas do processo onde se encontram.

Releva para a presente decisão o depoimento da testemunha inquirida F…, na parte em que afirmou ao tribunal que o impugnante e a sociedade, a quem cedeu a marca "M…", detinham 50% das participações cada e tiveram litígios que duraram anos.

Quanto ao restante depoimento que se encontra reduzido a escrito de fls.141 e 141-v, o tribunal não leva em consideração uma vez que o facto de ter visto fotocópia do cheque com data de 1991 não se pode concluir que foi paga ou não”.

II.D. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, acorda-se em alterar a redação de parte da factualidade mencionada em II.A., em virtude de resultarem dos autos elementos documentais que exigem tal alteração, por forma a complementar a factualidade dada por assente pelo Tribunal a quo(1).

Nesse seguimento, é a seguinte a redação dos factos que se identificam, por referência à sua enumeração por letras efetuada em 1.ª instância:

N) Foi emitido cheque n.º 56…, do Banco C…, respeitante a conta bancária da sociedade D… M… - Produtos Alimentares, Lda., no valor de 24.000.000$00, em nome de J…, datado de 08.01.1991, no qual foi aposta assinatura e carimbo indicando referir­-se à gerência da mencionada sociedade (cfr. fls. 223, 237 e 368 dos autos – numeração em suporte de papel, a que correspondem futuras referências sem menção de origem).

O) Foram apostos, na frente e no verso do cheque referido em N), carimbos, do Banco C…, com a data 15 de fevereiro de 1991, e, no verso desse mesmo cheque, no local destinado a endossar ou visar, assinatura idêntica à referida em N) (cfr. fls. 223, 237 e 368 dos autos).

P) Foi emitido cheque n.º 564879…, do Banco C…, respeitante a conta bancária da sociedade D… M… - Produtos Alimentares, Lda., no valor de 25.056.000$00, em nome de J…, datado de 08.01.1991, no qual foram apostos, na frente, assinatura e carimbo indicando referir-se à gerência da mencionada sociedade, no verso, no local destinado a endossar ou visar, assinatura idêntica à constante da frente e, na frente e no verso, dois carimbos, do Banco C…, com a data 15 de fevereiro de 1991 (cfr. fls. 225 dos autos).

II.E. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, acorda-se em aditar a seguinte matéria de facto provada:

T) A sociedade que apresentou a declaração mencionada em I) não procedeu, com tal apresentação, ao pagamento das retenções na fonte de IRS relativas aos rendimentos aí declarados como tendo sido pagos (cfr. fls. 22).

U) Foi proferida, no TTL, a 06.11.2015, sentença nos presentes autos (cfr. fls. 385 a 397 dos autos).

V) Na sequência de requerimento apresentado pela FP, manifestando a intenção de recorrer da sentença referida em U), foi proferido, a 07.01.2016, despacho de admissão de recurso (cfr. fls. 403, 405 e 409 dos autos).

W) Foi remetido, pelo TTL, à FP, ofício, via correio postal registado, a 12.01.2016, para efeitos de comunicação do despacho referido em V) (cfr. fls. 411 dos autos).

X) Foram remetidas, ao TTL, pela FP, alegações de recurso, via fax, a 01.02.2016 (cfr. fls. 413 a 426 dos autos).

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Da falta de alegações e consequente deserção do recurso

A título de questão prévia, os Recorridos invocam falta de alegações da FP, com a consequente deserção do recurso.

Vejamos.

Desde já se adiante que tal não se verifica.

Com efeito, como decorre da factualidade ora aditada, foi a Recorrente notificada do despacho de admissão de recurso, via correio postal registado, a 12.01.2016 [cfr. facto W)], presumindo-se a notificação no terceiro dia seguinte, ou seja, 15.01.2016. Como tal, o prazo de 15 dias previsto no art.º 282.º, n.º 3, do CPPT, terminaria a 30.01.2016; não obstante, e uma vez que este dia foi um sábado, o termo do prazo transita para o 1.º dia útil seguinte, ou seja, in casu. 01.02.2016. Considerando que as alegações da Recorrente deram entrada, via fax, a 01.02.2016 [cfr. facto X)], as mesmas são tempestivas, motivo pelo qual não tem sustentação a questão prévia invocada pelos Recorridos.

Como tal, não ocorre falta de apresentação tempestiva das alegações de recurso.

III.B. Do erro de julgamento

Centrando-nos agora na apreciação do mérito do presente recurso, considera a Recorrente que o Tribunal a quo errou no seu julgamento, na medida em que, atenta a factualidade não provada, não se podia concluir pelo erro sobre os pressupostos de facto, dado que caberia aos ora Recorridos demonstrar que o cheque bancário mencionado em N) do probatório não lhes foi colocado à disposição ainda durante o ano de 1990, o que não ocorreu.

Os Recorridos, em sede de contra-alegações, discordam da posição da Recorrente, pugnando que ficou provado nada terem recebido em 1990.

Vejamos então.

Nos termos do art.º 3.º, n.º 7, do CIRS (redação à época), relativo à Categoria B (na qual a administração tributária (AT) enquadrou a situação em causa), “[o]s rendimentos referidos neste artigo ficam sujeitos a tributação desde que pagos ou colocados à disposição dos respetivos titulares”.

In casu, a questão de facto controvertida prende-se com a ocorrência ou não ocorrência de pagamento aos Recorrentes pela sociedade D… Distribuição, Lda (doravante D…), de valor relativo à prestação anual de 24.000.000$000 a que se refere o contrato mencionado em B) do probatório (v. a cláusula mencionada em D) do probatório), e que aquela sociedade declarou como tendo pago em 1990 [cfr. facto I)].

Atento que os presentes autos foram instaurados em 1997, é, desde logo, de considerar o regime constante do Código de Processo Tributário (CPT)(2), que não continha norma equivalente ao atual art.º 74.º, n.º 1, da LGT.

Como tal, somos remetidos para o regime geral constante do Código Civil, mais concretamente do seu art.º 342.º, n.º 1, nos termos do qual “[à]quele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”.

Esta regra geral tem de ser interpretada em consonância com regras especiais em matéria tributária, designadamente a constante do art.º 121.º do CPT, cujo n.º 1 prescrevia que, “[s]empre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência (…) do facto tributário, deverá o ato impugnado ser anulado”.

In casu, a AT, alicerçada no contrato referido em B) do probatório e na declaração modelo 114 apresentada pela sociedade D…, mencionada em I) do probatório, na qual esta declarou que, em 1990, teria pago [apesar de não ter efetuado a correspondente retenção na fonte – cfr. facto T)], 24.000.000$00 aos impugnantes, emitiu a liquidação objeto dos presentes autos. Sustentou a AT o seu entendimento exclusivamente nestes elementos, que, não demonstrando inequivocamente que os Recorridos auferiram tal rendimento, apontavam nesse sentido.

Antes de mais, refira-se que o disposto no art.º 76.º, n.º 1, da LGT (cfr. conclusão 4.10. das alegações da Recorrente) não é aqui de considerar, pelo facto de, à data da propositura da presente ação, estar em vigor o CPT e não a LGT.

Assim, é de atender, a este respeito, ao disposto no art.º 134.º, n.º 2, do CPT (nos termos do qual “[a]s informações oficiais só têm força probatória quando devidamente fundamentadas”). Ao contrário do que resultava da disciplina sua antecedente, o art.º 134.º, n.º 2, do CPT deixou de fazer menção ao facto de as informações fazerem fé, em virtude de, com este diploma, ter passado a ser suficiente gerar-se a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, consignada no art.º 121.º, n.º 1, do CPT(3) (ao contrário do regime pretérito, em que se exigia a contraprova). Por outro lado, refira-se que mesmo o regime da LGT, não obstante ter recuperado a expressão “fazem fé”, não tem o alcance que parece resultar da interpretação da Recorrente, uma vez tal regime abrange apenas os factos apurados pela AT (in casu, os resultantes da análise do contrato e da declaração modelo 114, em termos do respetivo conteúdo), e não a conclusão extraída da AT desses factos, consubstanciada em os Recorridos terem auferido o rendimento. “A presunção aqui estabelecida refere-se, apenas, aos factos relatados pela inspecção, não aproveitando às ilações retiradas pelo inspector”(4).

Assim, tendo a AT reunido elementos que apontavam para a ocorrência do facto tributário, caberia aos impugnantes ora Recorridos o ónus da prova da não ocorrência.

É neste ponto que a FP considera que o Tribunal a quo não poderia ter decidido como decidiu, em virtude de os Recorridos não terem logrado provar o que afirmavam e em virtude de, do facto não provado, não se poder alcançar a conclusão extraída.

Antes de mais, sublinhe-se que, no caso dos autos, considerando a decisão da matéria de facto, não impugnada, há que atentar nela globalmente, e não apenas no facto não provado referido pela Recorrente.

Com efeito, o Tribunal a quo considerou que “[n]ão se provou que o cheque nº 564879… na importância de 24.000.000$00 com data de 08.01.91, referente ao termo 3.1 do Contrato de Venda de Marca, correspondente à segunda anuidade, foi movimentado na conta dos impugnantes até 31.12.1990”.

Trata-se, como refere a Recorrente, de um facto não provado, o que não é o mesmo do que um facto negativo. Ou seja, a consideração de um facto como não provado não implica que o facto negativo simétrico ao facto não provado esteja assente.

Tal circunstância não significa, porém, que, in casu, não tenha sido carreada matéria de facto suficiente para se concluir pelo erro sobre os pressupostos de facto.

Assim, ao contrário do referido pela Recorrente, no sentido de que “nada nos autos consta que nos leve a afirmar que o montante de 24.000.000$00 (correspondente à 2.ª prestação acordada no contrato de cessão da mencionada marca) não foi colocado à disposição dos impugnantes no ano de 1990”, tal conclusão extrai-se da factualidade assente, designadamente:

a) O cheque em causa datar de 08.01.1991 [facto N)] e todas as menções no mesmo constantes, designadamente carimbos bancários, respeitarem a esse mesmo ano [facto O)];

b) Não constar dos extratos de conta dos impugnantes referentes aos anos de 1990, 1991 e 1992 qualquer movimento do cheque referido [factos Q) e R)].

Não obstante a prova produzida em primeira instância ter ficado aquém do ordenado por este TCAS, em Acórdão de 17.10.2006, a mesma ainda assim é de molde a, no mínimo, criar a dúvida a que se refere o n.º 1 do art.º 121.º do CPT, dúvida essa que se resolve a favor dos Recorridos.

Com efeito, a questão que se colocou no Acórdão proferido nos presentes autos a 17.10.2006 prendia-se com a possibilidade de o cheque em causa, apesar de emitido com data de 1991, ter sido apresentado a pagamento ainda em 1990.

Ora, atendendo a que resultou provado que não houve qualquer movimento do cheque em causa em 1990 na conta bancária dos Recorridos, extrai-se a conclusão de que o valor não lhes foi pago nem posto à disposição nesse ano.

Sublinhe-se que neste caso, estando-se perante a prova de um facto negativo (em certos casos designada de diabolica probatio) – a prova do não pagamento ou de não ter sido posto à disposição o valor em causa em 1990 –, a prova a produzir apresenta sempre dificuldades maiores.

No nosso ordenamento, sendo certo que a circunstância de o facto ser negativo não desonera a parte de o provar(5), o julgador deverá, nestes casos, seguir a máxima segundo a qual iis quae difficilioris sunt probationis leviores probationes admittuntur.

A este respeito, chama-se à colação o Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 17.12.2008 (Processo: 0327/08), onde se refere que “… a acrescida dificuldade da prova de factos negativos deverá ter como corolário, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse”(6).

Assim, atendendo a que a AT fundou a correção efetuada única e exclusivamente nas cláusulas contratuais e na declaração apresentada pela sociedade Ducros e atendendo à prova efetuada a que já foi feita referência, considera-se que esta foi suficiente para criar fundada dúvida sobre a existência do facto tributário, o que conduz, nos termos consignados no n.º 1 do art.º 121.º do CPT, à anulação do ato.

Face ao exposto, confirma-se a decisão recorrida, embora com a presente fundamentação.

Vencida a Recorrente seria a mesma responsável pelas custas do recurso. No entanto, há que ter em conta que, nos processos instaurados até 01.01.2004 (como é o caso), a FP se encontrava isenta do pagamento de custas, atento o disposto no art.º 3.º, n.º 1, al. a), do Regulamento das Custas dos Processos Tributários, aprovado pelo DL n.º 29/98, de 11 de fevereiro (cfr. os art.ºs 14.º, n.º 1, e 15.º, n.º 2, ambos do DL n.º 324/2003, de 27 de dezembro, bem como o art.º 18.º do DL n.º 324/2003, de 29 de dezembro).

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida;

b) Sem custas;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 11 de abril de 2019

(Tânia Meireles da Cunha)

(Anabela Russo)

(Patrícia Manuel Pires)


(1) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 286.

(2) Cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 14.04.1999 (Processo: 023351).

(3) Cfr. Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão, Código de Processo Tributário – Comentado e Anotado, 3.ª Ed., Almedina, Coimbra, 1997, p. 307.

(4) José Maria Fernandes Pires, Gonçalo Bulcão, José Ramos Vida e Maria João Menezes, Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, Almedina, Coimbra, 2015, p. 826.

(5) Cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1985, p. 467, nota 1.

(6) V. igualmente o Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 17.10.2012 (Processo: 0414/12), e o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 19.12.2012 (Processo: 01320/12).