Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:70/18.5BCLSB
Secção:2º JUÍZO – SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO
Data do Acordão:11/08/2018
Relator:HELENA CANELAS
Descritores:TRIBUNAL ARBITRAL DO DESPORTO
ARBITRAGEM NECESSÁRIA
SANÇÃO DISCIPLINAR DE MULTA
VALOR DA CAUSA
NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário:I – Em conformidade com o disposto no artigo 61º da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto, são de aplicação subsidiária nos processos de jurisdição arbitral necessária as regras previstas no Código de Processo nos Tribunais Administrativos, com as necessárias adaptações.
II – De acordo com o artigo 76º nº 2 da Lei do TAD a taxa de arbitragem é devida em função do valor da causa, mas nada se referindo quanto ao critério ou critérios a que se deve obedecer na fixação do valor da causa a resposta à questão de saber quais os critérios a que deve obedecer a fixação do valor da causa pelo Tribunal Arbitral do Desporto, nos processos que decide em sede de jurisdição arbitral necessária, haverá de ser encontrada nos normativos contidos no CPTA a respeito do valor das causas, em conformidade com o disposto no artigo 61º da Lei do TAD.
III – Os elementos interpretativos (cfr. artigo 9º do Código Civil) apontam todos no sentido de que por aplicação do disposto no artigo 33º alínea b) do CPTA, de acordo com o qual “…quando esteja em causa a aplicação de sanções de conteúdo pecuniário, o valor da causa é determinado pelo montante da sanção aplicada”, estando em causa a impugnação de uma decisão disciplinar aplicativa de uma pena disciplinar de multa, o valor da causa deve corresponder ao montante da sanção aplicada, significando simultaneamente que em tais casos não há que fazer apelo ao critério do valor indeterminável a que alude o artigo 34º do CPTA.
IV – Em conformidade com o artigo 95º do CPTA a sentença “…deve decidir todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras” (nº 1), devendo, nos processos impugnatórios “…pronunciar-se sobre todas as causas de invalidade que tenham sido invocadas contra o ato impugnado, exceto quando não possa dispor dos elementos indispensáveis para o efeito, assim como deve identificar a existência de causas de invalidade diversas das que tenham sido alegadas, ouvidas as partes para alegações complementares pelo prazo comum de 10 dias, quando o exija o respeito pelo princípio do contraditório” (nº 3).
V – Se o colégio de árbitros do TAD não aprecia, sem justificação, no âmbito da jurisdição arbitral necessária, em sede de processo impugnatório, causa de invalidade que tenha sido expressa e claramente invocada como fundamento do recurso arbitral, ocorre nulidade do acórdão arbitral, por omissão de pronúncia, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 61º da Lei do TAD, 1º e 91º nº 1 do CPTA e 615º 1 alínea d) do CPC.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Proc. n.º 70/18.5BCLSB

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

O FUTEBOL C……., SAD (devidamente identificada nos autos) interpõe o presente recurso do acórdão proferido em 26/06/2018 pelo Tribunal Arbitral do Desporto (Proc. nº 35/2017) que, com um voto de vencido, julgou improcedente a impugnação por ele ali dirigida contra a FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL do acórdão de 06/06/2017 do Pleno do Conselho de Disciplina da FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL que negando provimento ao recurso hierárquico impróprio manteve a decisão da Secção Profissional do Conselho de Disciplina que aplicou ao recorrente as seguintes sanções disciplinares: a) multa de 5.738,00€ pela prática da infração prevista e punida pelo artigo 186º nº 1 do RDLPFP2016; multa de 1.148,00€ pela prática da infração prevista e punida pelo artigo 187º nº 1, alínea a) do RDLPFP2016; e multa de 5.967,00€ pela prática da infração prevista e punida pelo artigo 187º nº 1, alínea b), do mesmo Regulamento.
Formula as seguintes conclusões de recurso, nos seguintes termos:
i. O presente recurso tem por objecto o acórdão de 26-06-2018 do TAD que confirmou a condenação da recorrente pela prática de três infracções disciplinares ( 186.º- 1, 187.º- 1 a) e b) do RD), alegadamente cometidas no jogo realizado a 29-04-2017 no Estádio Municipal E……..., punindo-a em multas no valor total de € 12.853,00, e fixando as custas no total de € 6.125,40.

ii. No seu pedido de arbitragem necessária a Demandante, ora recorrente. invocara como um dos fundamentos para a revogação da condenação a nulidade da decisão condenatória face à alteração substancial dos factos que não lhe fora comunicada nem pela mesma consentida.

iii. Porém, o Tribunal a quo na decisão recorrida não contém qualquer referência, mínima que seja, a esta matéria, não tomando posição sobre a questão submetida à sua apreciação.

iv. Sendo tal alteração dos factos inquestionavelmente relevante para a boa decisão da causa, tinha o Tribunal a quo de expressamente pronunciar-se sobre a arguição desta invalidade pela Demandante, ora recorrente.

v. Ao deixar de pronunciar-se sobre questão suscitada pela parte que se impunha fosse apreciada e decidida em sentença, o acórdão recorrido padece de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos e para os efeitos da aplicação conjugada dos arts. 61.º da LTAD, 1º e 91º nº 1 do CPTA e 615º 1 d) CPC.

vi. Em sede de recurso hierárquico impróprio a ora recorrente invocou, em sua defesa, a falta de preenchimento dos arts. 186.º e 187.º do RD, desde logo porque, até então, dos autos não resultava qualquer prova - ou sequer argumentação - que depusesse em favor da tese da FPF, mais precisamente, da alegada assunção pela aí Demandante de uma posição “omissiva”, permitindo e compactuando com a prática das referidas infracções.

vii. O acórdão do Conselho de Disciplina da FPF de 06-06-2017, julgou como provado o preenchimento dos pressupostos das infracções disciplinares, tanto na vertente objectiva, como na vertente subjectiva.

viii. No entanto, parte dos factos julgados como provados que, em sede de recurso, sustentaram a condenação da aí demandante são factos novos, isto é, factos que não constavam da primeira decisão condenatória (de 03-05-2017), os quais mostravam-se absolutamente imprescindíveis para que a ora recorrente pudesse responder disciplinarmente pelas infracções que lhe eram imputadas, principalmente no plano subjectivo da infracção (dolo).

ix. Tal aditamento que, além de ter consubstanciado uma autêntica decisão-surpresa e de ter atentado contra a máxima geral do direito sancionatório público da proibição da reformatio in pejus, consubstanciou ainda uma verdadeira alteração substancial dos factos.

x. Ao proceder à mencionada alteração substancial dos factos, o acórdão do Conselho de Disciplina atentou substancial e significativamente contra o direito de defesa da demandante, e assim, do mesmo passo, contra o n.º 10 do art. 32.º da CRP.

xi. Impõe-se. pois, reconhecer e declarar a nulidade da decisão do Conselho de Disciplina de 06-06-2017 e, consequentemente, decidir pela revogação da decisão de condenação da recorrente com os devidos e legais efeitos.

xii. O ónus da prova em processo disciplinar cabe ao titular do poder disciplinar, pelo que, sempre seria ao Conselho de Disciplina que se impunha carrear aos autos prova suficiente de que os comportamentos indevidos foram perpetrados por sócio ou simpatizante da Futebol C...... - Futebol SAD, e ainda, que tais condutas resultaram de um comportamento culposo da Futebol C…… - Futebol SAD.

xiii. Aliado ao ónus da prova que recai sobre o titular da acção disciplinar, vigora ainda o princípio da presunção de inocência, o qual tem como um dos seus principais corolários a proibição de inversão do ónus da prova, não impendendo sobre o arguido - in casu a recorrente - o ónus de provar a sua inocência.

xiv. Nem mesmo a presunção de veracidade dos relatórios prevista no art. 13.º f) do RD, pode contrariar este quadro normativo, dado que, mesmo beneficiando de uma presunção de verdade, não se trata de prova subtraída à livre apreciação do julgador, não se permitindo daí inferir um início de prova ou sequer uma inversão do ónus da prova.

xv. Além do mais, não podia o Tribunal a quo deixar de considerar que o arguido é um verdadeiro titular de direitos e deveres, sendo titular do direito ao silêncio.

xvi. O Tribunal a quo assentou em juízos de presunção a conclusão de que foram adeptos da demandante a realizar as condutas sub judice, sem haver prova concreta dessa autoria com a probabilidade próxima da certeza ou, pelo menos, para além da dúvida razoável.

xvii. Só podia Tribunal a quo levar à matéria assente que os autores das condutas sub judice eram do FC….. se tivesse apurado, através da prova carreada aos autos - o que não se mostrou suficiente para ultrapassar a dúvida razoável - que tal bancada era ocupada exclusivamente por sócios ou simpatizantes do FC…. - (vd. acórdão 19.01.2018 do Tribunal Central Administrativo do Sul, no Proc. n.º 144/17.0BCLSB, que confirmou na íntegra o Acórdão do TAD 1/2017 a 08-09-2017), vendo-se prejudicada a decisão condenatória.

Além do mais,

xviii. Compulsada a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, nela não se encontra qualquer traço factual - ou sequer probatório - de uma hipotética violação de deveres, por parte da demandante, tal como nada nela se divisa no sentido de que a demandante actuou culposamente, seja a título doloso ou negligente.

xix. Também nesta matéria o Tribunal a quo recorreu a uma presunção, impondo - em violação do princípio de presunção de inocência - a imposição à recorrente de um ónus de prova.

Aliás,

xx. À míngua de meios de prova demonstrativos da violação de deveres de cuidado, o Tribunal a quo recorre ao chamado critério da primeira aparência, o que não pode colher.

xxi. Este critério decisório viola o princípio da presunção de inocência, direito fundamental de que a demandante é titular e, do mesmo passo, implica que para a prova dos factos fundamentadores de responsabilidade disciplinar não será necessária uma racional e objectiva convicção da sua verificação, para além de qualquer dúvida razoável, sendo suficiente uma sua simples indiciação.

xxii. Sucede que o arguido em processo disciplinar presume-se inocente, correspondendo o princípio da presunção de inocência em processo disciplinar a um direito, liberdade e garantia fundamental, ancorado no direito de defesa do arguido (art. 32.º, n.ºs 2 e 10 da CRP), no princípio do Estado de Direito (art. 2.º da CRP) e no direito a um processo equitativo (art. 20.º-4 da CRP) (cf. Ac. do Pleno da Secção do CA do STA de 18-04-2002, Proc. 033881 e Ac. do STA de 20-10-20 15, Proc. 01546/14,…)

xxiii. Trata-se, aliás, de figura própria do direito civil - e não do direito sancionatório disciplinar -, inserindo-se no quadro das presunções judiciais (art. 349.º do Código Civil) e pode, embora com cautelas e cum grano salis, funcionar nos pleitos cíveis, mas é um corpo completamente estranho no direito e processo sancionatórios, desde logo porque contraria os seus princípios estruturantes da culpa e da presunção de inocência.

xxiv. Pelo exposto, cumpre repor a legalidade, revogando-se o Acórdão recorrido e impondo-se ao Tribunal a quo que adapte um critério decisório em matéria de valoração da prova consentâneo com o princípio da presunção de inocência, sob pena de incorrer-se em inconstitucionalidade por violação do princípio da presunção de inocência de que beneficia o arguido em processo disciplinar, inerente no seu direito de defesa (art. 32.º, n.ºs 2 e 10 da CRP), ao direito a um processo equitativo (art. 20.º -4 da CRP) e ao princípio do Estado de direito (art. 2.º da CRP) - a interpretação dos artigos 222.º-2 e 250.º- I do RDLPFP de 2016 segundo a qual a comprovação de um elemento constitutivo de uma infracção disciplinar está sujeita a um ónus da prova imposto ao arguido, podendo ser dado como provado se, resultando simplesmente indiciado através de uma prova de primeira aparência, o arguido não demonstrar a sua não verificação.

xxv. A modificação do valor da causa promovida pelo Tribunal a quo para 30.000,00 - ao invés do valor total das multas por que foi condenada - foi feita, porém, em violação do previsto no art. 33.º, b), do CPTA, pelo que se impõe repor a legalidade, fixando-se o valor da acção no montante de € 12.853,00, e daí extraindo-se as devidas consequências.

Acresce que,

xxvi. No presente caso, a demandante recorreu de uma condenação pecuniária no valor total de € 12.853,00 e, não tendo esse recurso obtido provimento, confronta-se com uma fixação de custas no total de € 6.125,40, o que se revela totalmente desproporcional e compromete de forma séria e evidente, o princípio da tutela jurisdicional efectiva (art. 20.º-1 e 268.º-4 da CRP).

xxvii. Considerando o critério da nossa jurisprudência constitucional, não são compatíveis com o direito fundamental de acesso à justiça (artigos 20.º e 268.º-4 da Constituição) soluções normativas de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efectivo exercício de um tal direito, como é o caso do TAD.

xxviii. Uma vez que as normas conjugadamente aplicadas pelo Tribunal a quo para fixar o valor das custas finais (art. 2.º n.º s 1 e 5, conjugado com a tabela constante do Anexo 1 (2.ª linha), da Portaria nº 301/20 15, articulado ainda com o previsto nos artigos 76.º/1 /2/3 e 77.º/4/5/6 da Lei do TAD) são inconstitucionais, por violação do princípio da proporcionalidade (art. 2.º da CRP) e do princípio da tutela jurisdicional efectiva (art. 20.º-1 e 268.º-4 da CRP), devem essas normas ser desaplicadas (art. 204.º da CRP).


Contra-alegou a recorrida FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL pugnando pela improcedência do recurso, com manutenção do acórdão arbitral recorrido.

Remetidos os autos em recurso a este Tribunal, neste notificada nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146.º e 147.º do CPTA, a Digna Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu Parecer no sentido de dever merecer provimento o recurso, nos seguintes termos:
«(…)
De acordo com os termos conclusivos das Alegações de recurso, invoca o Recorrente, para além do mais, padecer a decisão arbitral do vicio de omissão de pronúncia pelo facto de não se ter pronunciado sobre questão que invocara no seu pedido de arbitragem necessária: nulidade da condenação face à alteração substancial dos factos que não lhe fora comunicada nem foi pela mesma consentida.

Tal questão não se poderá considerar ter sido objecto de pronúncia pela decisão recorrida nem o seu conhecimento ficou prejudicado pela pronúncia sobre as restantes questões suscitadas e analisadas pelo tribunal recorrido.

Tal situação reconduzir-se-á a omissão de pronúncia, uma vez que está directamente relacionada com o incumprimento de um dos deveres do Juiz - o de conhecer e resolver de todas as questões que as partes hajam submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (artigos 615.º n.º 1 al. d) e 608.º n.º 2 do Código de Processo Civil.
Com se escreveu no douto Ac. deste TCA Sul de 19-02-2015, 007894/14: “ … A omissão de pronúncia como causa de nulidade da sentença com previsão no nº 1 do art. 125º do CPPT e al. d) do nº 1 do art. 615 do CPC está directamente relacionada com o comando fixado no nº 2 do art. 608 do CPC, segundo o qual “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.
Em consequência, em nossa opinião, salvo o devido respeito por opinião contrária, assiste razão ao Recorrente quanto à arguição de nulidade invocada pelo que fica prejudicada a apreciação das restantes questões invocadas.

Nos termos expostos, emitimos parecer no sentido da procedência do Recurso.»

Sendo que dele notificadas nenhuma das partes se apresentou a responder.

*
Sem vistos, em face do disposto no artigo 36º nº 1 alínea e) e nº 2 do CPTA, ex vi do artigo 8º nº 2 da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto, aprovada pela Lei n.º 74/2013, de 06 de Setembro, na redação dada pela Lei nº 33/2014, de 16 de Junho.
*
II. DO OBJETO DO RECURSO/DAS QUESTÕES A CONHECER
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho) ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA e artigo 8º nº 2 da Lei do TAD (Lei n.º 74/2013, de 6 de Setembro).
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas pelo recorrente as conclusões de recurso, são as seguintes as questões essenciais a resolver:
- saber se o acórdão arbitral recorrido padece da invocada nulidade de omissão de pronúncia, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 61º da LTAD, 1º e 91º nº 1 do CPTA e 615º 1 d) CPC – (conclusões ii), iii), iv) e v) das alegações de recurso);
- saber se o acórdão arbitral recorrido incorreu em erro de julgamento quanto à decisão da causa, seja por errada aplicação do direito seja por errada subsunção factual, devendo ser revogado, e substituído por decisão que declare nula ou anule a decisão disciplinar punitiva – (conclusões vi) a xxiv) das alegações de recurso);
- saber se o acórdão arbitral recorrido incorreu em erro de julgamento quanto ao valor que fixou à causa, em termos que em vez dos 30.000,01 € fixados deva o mesmo ser de 12.853,00€, corresponde ao valor das multas disciplinares impugnadas – (conclusão xxv) das alegações de recurso);
- saber se o segmento decisório do acórdão arbitral na parte em que fixou o montante das custas devidas, deve, atenta a sua desproprocionalidade ser revogado, por inconstitucionalidade das normas em que se suporta, por violação dos artigos 18.º nº 2 e 20º da CRP - (conclusões xxvi) a xxviii) das alegações de recurso).

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III. FUNDAMENTAÇÃO

A – DE FACTO
O acórdão arbitral recorrido considerou, enquanto factualidade provada, o seguinte, nos seguintes termos expressis verbis:

("texto integral no original; imagem")

Tendo consignado nada mais ter sido «provado ou não provado relativamente a matéria relevante para a boa decisão nos presentes autos».
*
B – DE DIREITO
1. Do enquadramento legal do recurso
1.1 A Lei n.º 74/2013, de 6 de Setembro criou o Tribunal Arbitral do Desporto, atribuindo-lhe competência específica para “administrar a justiça relativamente a litígios que relevam do ordenamento jurídico desportivo ou relacionados com a prática do desporto” (cfr. artigo 1º nº 1), aprovando a respetiva lei (Lei do Tribunal Arbitral do Desporto), nos termos da qual o Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) é uma “entidade jurisdicional independente, nomeadamente dos órgãos da administração pública do desporto e dos organismos que integram o sistema desportivo, dispondo de autonomia administrativa e financeira” (artigo 1º nº 1), o qual tendo a sua sede no Comité Olímpico de Portugal exerce a sua jurisdição em todo o território nacional (cfr. artigo 2º) e gozando no julgamento dos recursos e impugnações de jurisdição plena, em matéria de facto e de direito (cfr. artigo 3º).
1.2 Na sua redação original a Lei do Tribunal Arbitral do Desporto (Lei n.º 74/2013), dispunha o seguinte nos seus artigos 4º, 5º e 8º:
“Artigo 4º
Arbitragem necessária
1 - Compete ao TAD conhecer dos litígios emergentes dos atos e omissões das federações e outras entidades desportivas e ligas profissionais, no âmbito do exercício dos correspondentes poderes de regulamentação, organização, direção e disciplina.
2 - Salvo disposição em contrário e sem prejuízo do disposto no número seguinte, a competência definida no número anterior abrange as modalidades de garantia contenciosa previstas no Código de Processo nos Tribunais Administrativos que forem aplicáveis.
3 - O acesso ao TAD só é admissível em via de recurso das decisões dos órgãos jurisdicionais das federações desportivas ou das decisões finais de outras entidades desportivas referidas no n.º 1, não dispensando a necessidade de fazer uso dos meios internos de impugnação, recurso ou sancionamento dos atos ou omissões referidos no n.º 1 e previstos nos termos da lei ou de norma estatutária ou regulamentar.
4 - Cessa o disposto no número anterior sempre que a decisão do órgão jurisdicional federativo ou a decisão final de outra entidade desportiva referida no n.º 1 não haja sido proferida no prazo de 30 dias úteis, sobre a autuação do correspondente processo, caso em que o prazo para a apresentação do requerimento inicial junto do TAD é de 10 dias, contados a partir do final daquele prazo.
5 - É excluída da jurisdição do TAD, não sendo assim suscetível designadamente do recurso referido no n.º 3, a resolução de questões emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva.”
“Artigo 5º
Arbitragem necessária
Compete ao TAD conhecer dos recursos das deliberações tomadas por órgãos disciplinares das federações desportivas ou pela Autoridade Antidopagem de Portugal em matéria de violação das normas antidopagem, nos termos da Lei n.º 38/2012, de 28 de agosto, que aprova a lei antidopagem no desporto.”
Artigo 8º
Recurso das decisões arbitrais
São passíveis de recurso, para a câmara de recurso, as decisões dos colégios arbitrais que:
a) Sancionem infrações disciplinares previstas pela lei ou pelos regulamentos disciplinares aplicáveis;
b) Estejam em contradição com outra, já transitada em julgado, proferida por um colégio arbitral ou pela câmara de recurso, no domínio da mesma legislação ou regulamentação, sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se conformes com decisão subsequente entretanto já tomada sobre tal questão pela câmara de recurso.
2 - Das decisões proferidas pela câmara de recurso, pode haver recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no Código de Processo nos Tribunais Administrativos quanto ao recurso de revista.
3 - No caso de arbitragem voluntária, a submissão do litígio ao TAD implica a renúncia aos recursos referidos nos números anteriores.
4 - Fica salvaguardada, em todos os casos, a possibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional e de impugnação da decisão com os fundamentos e nos termos previstos na LAV.
5 - São competentes para conhecer da impugnação referida no número anterior o Tribunal Central Administrativo do lugar do domicílio da pessoa contra quem se pretende fazer valer a sentença, no tocante a decisões proferidas no exercício da jurisdição arbitral necessária, ou o Tribunal da Relação do lugar do domicílio da pessoa contra quem se pretende fazer valer a sentença, no tocante a decisões proferidas no exercício da jurisdição arbitral voluntária, previstas nesta lei.
6 - O recurso para o Tribunal Constitucional, o recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo, bem como a ação de impugnação da decisão arbitral, não afetam os efeitos desportivos validamente produzidos pela mesma decisão.”

1.3 Esta Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro, que criou o Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) e aprovou a Lei do Tribunal Arbitral do Desporto, foi aprovada na sequência da reapreciação pela Assembleia da República do Decreto n.º 128/XII, o qual lhe fora devolvido pelo Presidente da República depois de o ter vetado, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 279.º da CRP, por o Tribunal Constitucional se ter pronunciado, no Acórdão n.º 230/2013, pela inconstitucionalidade da norma constante da 2.ª parte do n.º 1 do artigo 8.º, conjugada com as normas dos artigos 4.º e 5.º, todos do Anexo ao Decreto n.º 128/XII, na medida em que delas resulte a irrecorribilidade para os tribunais do Estado das decisões do Tribunal Arbitral do Desporto proferidas no âmbito da sua jurisdição arbitral necessária.
Mas em sede de apreciação sucessiva da constitucionalidade, requerida pelo Presidente da República ao abrigo da alínea a) do n.º 2 do artigo 281.º da Constituição da República Portuguesa, o Tribunal Constitucional, pelo seu Acórdão nº 781/2013, de 16 de Dezembro (Proc. nº 916/13), constatou, na comparação da redação dos artigos do Anexo do Decreto n.º 128/XII, submetido à apreciação preventiva do Tribunal Constitucional, com os da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto, aprovada em anexo à Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro, que não haviam sido alteradas as normas dos artigos 4.º e 5.º, cuja conjugação com a norma constante da 2.ª parte do n.º 1 do artigo 8.º que havia sido tida em conta na decisão de inconstitucionalidade desta, tendo então declarado a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes do n.º 1 e do n.º 2 deste artigo 8º, conjugadas com as normas dos seus artigos 4º e 5º, da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto (aprovada pela Lei n.º 74/2013), nos seguintes termos: «o Tribunal Constitucional declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no n.º 1 do artigo 20.º, em articulação com o princípio da proporcionalidade, e por violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, previsto no n.º 4 do artigo 268.º da Constituição, das normas constantes do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 8.º, conjugadas com as normas dos artigos 4.º e 5.º, todas da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto, aprovada em anexo à Lei n.º 74/2013, de 6 de Setembro» - (Acórdão n.º 781/2013, publicado no DR, 1ª Série, nº 243, de 16-12-2013).
1.4 Nessa sequência foi, então, aprovada a Lei nº 33/2014, de 16 de junho, que procedeu à primeira alteração à Lei do Tribunal Arbitral do Desporto (Lei n.º 74/2013), passando os seus artigos 4.º e 8.º a ter a seguinte redação:
“Artigo 4º
Arbitragem necessária
1 - Compete ao TAD conhecer dos litígios emergentes dos atos e omissões das federações desportivas, ligas profissionais e outras entidades desportivas, no âmbito do exercício dos correspondentes poderes de regulamentação, organização, direção e disciplina.
2 - Salvo disposição em contrário e sem prejuízo do disposto no número seguinte, a competência definida no número anterior abrange as modalidades de garantia contenciosa previstas no Código de Processo nos Tribunais Administrativos que forem aplicáveis.
3 - O acesso ao TAD só é admissível em via de recurso de:
a) Deliberações do órgão de disciplina ou decisões do órgão de justiça das federações desportivas, neste último caso quando proferidas em recurso de deliberações de outro órgão federativo que não o órgão de disciplina;
b) Decisões finais de órgãos de ligas profissionais e de outras entidades desportivas.
4 - Com exceção dos processos disciplinares a que se refere o artigo 59.º da Lei n.º 38/2012, de 28 de agosto, compete ainda ao TAD conhecer dos litígios referidos no n.º 1 sempre que a decisão do órgão de disciplina ou de justiça das federações desportivas ou a decisão final de liga profissional ou de outra entidade desportiva não seja proferida no prazo de 45 dias ou, com fundamento na complexidade da causa, no prazo de 75 dias, contados a partir da autuação do respetivo processo.
5 - Nos casos previstos no número anterior, o prazo para a apresentação pela parte interessada do requerimento de avocação de competência junto do TAD é de 10 dias, contados a partir do final do prazo referido no número anterior, devendo este requerimento obedecer à forma prevista para o requerimento inicial.
6 - É excluída da jurisdição do TAD, não sendo assim suscetível designadamente do recurso referido no n.º 3, a resolução de questões emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva.”
“Artigo 8º
Recurso das decisões arbitrais
1 - As decisões dos colégios arbitrais são passíveis de recurso para o Tribunal Central Administrativo, salvo se as partes acordarem recorrer para a câmara de recurso, renunciando expressamente ao recurso da decisão que vier a ser proferida.
2 - Ao recurso para o Tribunal Central Administrativo mencionado no número anterior é aplicável o disposto no Código de Processo nos Tribunais Administrativos quanto aos processos urgentes, tendo o mesmo efeito meramente devolutivo e devendo ser decidido no prazo de 45 dias.
3 - No caso de arbitragem voluntária, a submissão do litígio ao TAD implica a renúncia aos recursos referidos nos números anteriores.
4 - Fica salvaguardada, em todos os casos, a possibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional e de impugnação da decisão com os fundamentos e nos termos previstos na LAV.
5 - São competentes para conhecer do recurso e impugnação referidos nos n.ºs 1 e 4 o Tribunal Central Administrativo Sul, no tocante a decisões proferidas no exercício da jurisdição arbitral necessária, ou o Tribunal da Relação do lugar do domicílio da pessoa contra quem se pretende fazer valer a sentença, no tocante a decisões proferidas no exercício da jurisdição arbitral voluntária, previstas nesta lei.
6 - A impugnação da decisão arbitral por força de qualquer dos meios previstos nos n.ºs 1 e 4 não afeta os efeitos desportivos determinados por tal decisão e executados pelos órgãos competentes das federações desportivas, ligas profissionais e quaisquer outras entidades desportivas.
7 - A decisão da câmara de recurso referida no n.º 1 é suscetível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em contradição, quanto à mesma questão fundamental de direito, no domínio da mesma legislação ou regulamentação, com acórdão proferido por Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.
8 - Ao recurso previsto no número anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o respetivo prazo a partir da notificação da decisão arbitral e devendo o mesmo ser acompanhado de cópia do processo arbitral.”

1.5 Da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto (Lei n.º 74/2013) resulta que o Tribunal Arbitral pode ser convocado em sede de arbitragem necessária, para as situações previstas nos seus artigos 4º e 5º, ou em sede de arbitragem voluntária, fora daquelas situações, por força do disposto no seu artigo 6º, nos termos do qual podem ser submetidos à arbitragem do TAD “…todos os litígios, não abrangidos pelos artigos 4.º e 5.º, relacionados direta ou indiretamente com a prática do desporto, que, segundo a lei da arbitragem voluntária (LAV), sejam suscetíveis de decisão arbitral” (nº 1), submissão que pode operar-se “…mediante convenção de arbitragem ou, relativamente a litígios decorrentes da correspondente relação associativa, mediante cláusula estatutária de uma federação ou outro organismo desportivo” (nº 2).
Sendo que, em conformidade com o disposto no artigo 61º da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto (Lei n.º 74/2013), são de aplicação subsidiária nos processos do TAD, com as necessárias adaptações, as regras previstas no Código de Processo nos Tribunais Administrativos nos processos de jurisdição arbitral necessária, e a Lei da Arbitragem Voluntária (atualmente, a Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro) nos processos de jurisdição arbitral voluntária.
1.1.6 Na presente situação a intervenção do TAD ocorreu no âmbito de jurisdição arbitral necessária, tendo aquele Tribunal Arbitral sido chamado a apreciar e decidir o recurso interposto pelo aqui recorrente FUTEBOL C….., SAD, do acórdão de 03/05/2017 do Pleno do Conselho de Disciplina da FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL que negando provimento ao recurso hierárquico impróprio manteve a decisão de Conselho de Disciplina que aplicou ao recorrente as seguintes sanções disciplinares: a) multa de 5.738,00€ pela prática da infração prevista e punida pelo artigo 186º nº 1do RDLPFP2016; multa de 1.148,00€ pela prática da infração prevista e punida pelo artigo 187º nº 1, alínea a) do RDLPFP2016; e multa de 5.967,00€ pela prática da infração prevista e punida pelo artigo 187º nº 1, alínea b), do mesmo Regulamento.
Por acórdão arbitral proferido em 26/06/2018 o colégio de árbitros do Tribunal Arbitral do Desporto decidiu, por maioria, julgar improcedente aquele recurso (Proc. nº 35/2017), mantendo a decisão recorrida.
E é inconformado com a decisão proferida por aquele acórdão do Tribunal Arbitral do Desporto que dele o recorrente FUTEBOL C…., SAD, interpõe o presente recurso para este Tribunal Central Administrativo Sul, o que faz ao abrigo do artigo 8º nºs 1, 2 e 5 da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto, como, aliás, expressamente desde logo refere no cabeçalho do seu requerimento de recurso.
1.7 Estamos, assim, perante um verdadeiro recurso de decisão do tribunal arbitral perante o tribunal estadual – vide, a este respeito, António Menezes Cordeiro, in “Tratado da Arbitragem – Comentário à Lei nº 63/2011, de 14 de Dezembro”, Almedina, 2015, págs. 378 ss. e 434 ss., em anotação aos artigos 39º nº 4 e 46º nº 1 da LAV e “Lei da Arbitragem Voluntária – Comentada”, Coordenação de Mário Esteves de Oliveira, Almedina, 2014, págs. 473 ss. e págs. 546 ss. em anotação aos mesmos dispositivos.
Note-se que, como é referido nesta última obra, no caso de «recurso» de sentença arbitral “é o próprio mérito da sentença arbitral, o seu sentido ou efeito, que é posto em causa, por os árbitros terem cometido um «error in iudicando», um erro de julgamento (de facto ou de direito), independentemente de ele respeitar ao fundo da causa, às leis substantivas aí (des)aplicadas ou, antes, aos respetivos pressupostos processuais (leis adjetivas)”, enquanto no caso da impugnação da sentença arbitral, por ser visada a sua anulação, o que é discutido são unicamente os vícios da decisão conducentes à sua eliminação da ordem jurídica (cfr. artigo 46º nº 3 da LAV), de modo que “não se procederá à substituição da sentença arbitral por outra diferente, mas apenas à sua anulação” (vide, Lei da Arbitragem Voluntária – Comentada”, Coordenação de Mário Esteves de Oliveira, Almedina, 2014, págs. 546-547), caso em que ao tribunal estadual está vedado conhecer do mérito da questão ou questões decididas pela sentença arbitral (cfr. artigo 46º nº 9 da LAV).
1.8 Havendo, concomitantemente, o presente recurso de seguir as normas do recurso de apelação previstas no CPTA, e supletivamente no CPC, com as especificidades constantes da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto, como decorre das disposições conjugadas do artigo 8º nº 2 da Lei do TAD e dos artigos 140º nº 1 e 3 do CPTA.
1.9 Isto mesmo já se entendeu, designadamente, nos acórdãos deste TCA Sul de 05/07/2017, Proc. nº 56/17.7BCLSB, de 04/10/2017, Proc. 94/17.0BCLSB, e de 12/07/2018, Proc. n.º 149/17.0BCLSB, de que fomos relatores, disponíveis in, www.dgsi.pt/jtca, e no acórdão do STA de 08/02/2018, Proc. nº 01120/17, in, www.dgsi.pt/jsta.
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2. Do invocado erro de julgamento quanto ao valor fixado à causa
2.1 Invoca o recorrente que o acórdão arbitral recorrido incorreu em erro de julgamento ao fixar em 30.000,00 € o valor da causa, sustentando, em suma, que o mesmo deve ser fixado em 12.853,00€, correspondente ao valor das multas disciplinares aplicadas e impugnadas – (conclusão xxv) das alegações de recurso).
2.2 Na situação presente o recorrente FUTEBOL C…….., SAD impugnou perante o Tribunal Arbitral do Desporto a decisão do Pleno do Conselho de Disciplina da FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL de 06/06/2017 que negando provimento ao recurso hierárquico impróprio manteve a decisão da Secção Profissional do Conselho de Disciplina de 03/05/2017 que lhe aplicou as sanções disciplinares de multa de 5.738,00€ pela prática da infração prevista e punida pelo artigo 186º nº 1do RDLPFP2016; de multa de 1.148,00€ pela prática da infração prevista e punida pelo artigo 187º nº 1, alínea a) do RDLPFP2016 e de multa de 5.967,00€ pela prática da infração prevista e punida pelo artigo 187º nº 1, alínea b), do mesmo Regulamento.
2.3 A Lei do TAD dedica os seus 76º a 80º às custas processuais na arbitragem necessária, estatuindo, entre o demais, que “…as custas do processo arbitral compreendem a taxa de arbitragem e os encargos do processo arbitral” (artigo 76º nº 1), que “…a taxa de arbitragem corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor da causa, por portaria dos membros do Governo responsáveis pela área da justiça e do desporto” (artigo 76º nº 2) sendo “…integralmente suportada pelas partes e por cada um dos contrainteressados, devendo ser paga por transferência bancária para a conta bancária do TAD, juntamente com a apresentação do requerimento inicial, da contestação e com a pronúncia dos contrainteressados” (artigo 77º nº 3).
E o artigo 80º da Lei do TAD determina, no âmbito dos normativos referentes às custas processuais na arbitragem necessária, serem “…de aplicação subsidiária:
a) As normas relativas a custas processuais constantes do Código de Processo Civil;
b) O Regulamento das Custas Processuais.”
4.4 De acordo com o artigo 76º nº 2 da Lei do TAD a taxa de arbitragem é devida em função do valor da causa.
Mas nada refere quanto ao critério ou critérios a que se deve obedecer na fixação do valor da causa.
Pelo que a resposta à questão de saber quais os critérios a que deve obedecer a fixação do valor da causa pelo Tribunal Arbitral do Desporto nos processos que decide em sede de jurisdição arbitral necessária haverá de ser encontrada no normativo contido no CPTA a respeito do valor das causas, em conformidade com o disposto no artigo 61º da Lei do TAD.
2.5 Foi, aliás, o que foi feito no acórdão arbitral recorrido, que socorrendo-se do disposto no artigo 34º do CPTA, que invocou, fixou como valor da causa o de 30.000,01 €, não obstante o valor conjunto das sanções aplicadas, e impugnadas no recurso arbitral, ser de 12.853,00€.
Afirmando que assim deve ser por, nas suas palavras, «…o interesse imaterial que subjaz à pretensão da demandante, e que é realmente no seu interesse revogar é muito mais do que uma mera revogação de uma decisão disciplinar, não se esgotando na eliminação da sanção e vai muito além do valor económico que as sanções pecuniárias que estão em análise demonstram» (vide pág. 6 do acórdão arbitral). E suportando-se na declaração de voto de vencido emitida no acórdão deste TCA Sul de 06/12/2017, Proc. nº 155/17.5BCLSB, que citou, concluiu que «…o que se dirime não é, não pode ser, delimitado pelo valor de uma coima, ou de uma sanção pecuniária, já que os interesses invocados, princípio da culpa, ou da dupla penalização, são de ordem constitucional e excedem claramente meros limites quantitativos».
2.6 A respeito do valor a atribuir às causas o CPTA dispõe o seguinte:
“Artigo 31.º
Atribuição de valor e suas consequências
1 — A toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido.
2 — Atende -se ao valor da causa para determinar se cabe recurso da sentença proferida em primeira instância e que tipo de recurso.
3 — Para o efeito das custas e demais encargos legais, o valor da causa é fixado segundo as regras estabelecidas na legislação respetiva.
4 — É aplicável o disposto na lei processual civil quanto aos poderes das partes e à intervenção do juiz na fixação do valor da causa.”
“Artigo 32.º
Critérios gerais para a fixação do valor
1 — Quando pela ação se pretenda obter o pagamento de quantia certa, é esse o valor da causa.
2 — Quando pela ação se pretenda obter um benefício diverso do pagamento de uma quantia, o valor da causa é a quantia equivalente a esse benefício.
3 — Quando a ação tenha por objeto a apreciação da existência, validade, cumprimento, modificação ou resolução de um contrato, atende-se ao valor do mesmo, determinado pelo preço ou estipulado pelas partes.
4 — Quando a ação diga respeito a uma coisa, o valor desta determina o valor da causa.
5 — Quando esteja em causa a cessação de situações causadoras de dano, ainda que fundadas em ato administrativo ilegal, o valor da causa é determinado pela importância do dano causado.
6 — O valor dos processos cautelares é determinado pelo valor do prejuízo que se quer evitar, dos bens que se querem conservar ou da prestação pretendida a título provisório.
7 — Quando sejam cumulados, na mesma ação, vários pedidos, o valor é a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles, mas cada um deles é considerado em separado para o efeito de determinar se a sentença pode ser objeto de recurso, e de que tipo.
8 — Quando seja deduzido pedido acessório de condenação ao pagamento de juros, rendas e rendimentos já vencidos e a vencer durante a pendência da causa, na fixação do valor atende -se somente aos interesses já vencidos.
9 — No caso de pedidos alternativos, atende -se unicamente ao pedido de valor mais elevado e, no caso de pedidos subsidiários, ao pedido formulado em primeiro lugar.”
“Artigo 33.º
Critérios especiais
Nos processos relativos a atos administrativos, atende-se ao conteúdo económico do ato, designadamente por apelo aos seguintes critérios, para além daqueles que resultam do disposto no artigo anterior:
a) Quando esteja em causa a autorização ou licenciamento de obras e, em geral, a apreciação de decisões respeitantes à realização de empreendimentos públicos ou privados, o valor da causa afere -se pelo custo previsto da obra projetada;
b) Quando esteja em causa a aplicação de sanções de conteúdo pecuniário, o valor da causa é determinado pelo montante da sanção aplicada;
c) Quando esteja em causa a aplicação de sanções sem conteúdo pecuniário, o valor da causa é determinado pelo montante dos danos patrimoniais sofridos;
d) Quando estejam em causa atos ablativos da propriedade ou de outros direitos reais, o valor da causa é determinado pelo valor do direito sacrificado.”
“Artigo 34.º
Critério supletivo
1 — Consideram-se de valor indeterminável os processos respeitantes a bens imateriais e a normas emitidas ou omitidas no exercício da função administrativa, incluindo planos urbanísticos e de ordenamento do território.
2 — Quando o valor da causa seja indeterminável, considera-se superior ao da alçada do Tribunal Central Administrativo.
3 — Das decisões de mérito proferidas em processo de valor indeterminável cabe sempre recurso de apelação e, quando proferidas por tribunal administrativo de círculo, recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos e condições previstos no artigo 151.º deste Código.
4 — Quando com pretensões suscetíveis de avaliação económica sejam cumuladas outras insuscetíveis de tal avaliação, atende-se separadamente a cada uma delas para o efeito de determinar se a sentença pode ser objeto de recurso, e de que tipo.”

2.7 Se, nos termos do disposto no artigo 31º nº 1 do CPTA, o valor da causa representa a utilidade económica imediata do pedido, tal significa que o mesmo haverá de corresponder à utilidade económica imediata decorrente da procedência do pedido formulado no processo, impondo-se assim atentar no que nele seja formulado.
O que aliás é refletido quer no artigo 32º quer no artigo 33º do CPTA, a respeitos dos critérios gerais e especiais para a fixação do valor da causa. A este respeito, vide, entre outros, os acórdãos deste TCA Sul de 11-04-2013, Proc. 9667/13; de 11-09-2014, Proc. 11423/14; de 01-10-2015, Proc. 11125/14; de 24-02-16, Proc. 11657/14; de 20-04-2017, Proc. 78/17.8BELRA; de 22-06-2017, Proc. 708/16,9BEBJA-A e de 31/01/2018, Proc. nº 09722/13, in, www.dgsi.pt/jtcas.
Os artigos 32º e 33º do CPTA especificam, pois, em concretização deste princípio, diversos critérios pelos quais haverá de ser determinado o valor da causa, em função, precisamente, da utilidade económica do pedido.
2.8 Simultaneamente o valor da causa apenas haverá de corresponder a 30.000,01 €, de modo a ser superior ao da alçada do Tribunal Central Administrativo, por efeito do critério supletivo previsto no artigo 34º do CPTA, a aplicar tão-só quando não seja possível utilizar os critérios gerais e especiais previstos nos artigo 32º e 33º, e por conseguinte, quando o processo respeite a bens imateriais ou a normas emitidas ou omitidas no exercício da função administrativa.
2.9 Nos termos previstos no artigo 33º do CPTA, nos processos relativos a atos administrativos, é ao conteúdo económico do ato que haverá de atender-se para a fixação do valor da causa. Seja por apelo aos critérios exemplificativos elencados nas suas alíneas a) a d), seja por recurso aos que resultam no artigo 32º do CPTA, consoante os casos.
Razão pela qual, como referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in, “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, 4ª Edição, 2017, pág. 216, este artigo 33º “(…) não tem, portanto, a pretensão de esgotar a regulamentação do valor da causa no que respeita aos processos que tenham por objeto a prática ou a omissão de um ato administrativo, mas antes procura definir certos critérios para as situações específicas nele mencionadas, deixando que os restantes casos sejam regulados pelas regras gerais do artigo 32.º.”.
E é só para os processos respeitantes a bens imateriais ou a normas, emitidas ou omitidas no exercício da função administrativa, que o Código reserva o critério previsto no seu artigo 34º, considerando-os de valor indeterminável, situação em que, então, o valor da causa haverá de ser superior ao da alçada do Tribunal Central Administrativo.
2.10 O normativo do artigo 34º nº 1 estabelece, assim, um critério específico de fixação do valor da causa, que é especialmente aplicável em dois tipos de situações: (i) processos respeitantes a bens imateriais e (ii) processos relativos a normas administrativas.
A epígrafe do artigo 34º do CPTA pode surgir, assim, enganadora, já que a norma nele contida não constitui uma norma subsidiária, destinada a funcionar em casos não especialmente regulados, mas antes de uma norma que completa o regime legal de verificação do valor das causas.
Neste sentido veja-se Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in, “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, 4ª Edição, 2017, pág. 216 ss., e bem assim, entre outros, os acórdãos deste TCA Sul de 18-11-2010, Proc. 06614/10; de 23-05-2013, Proc. 09923/13; de 01-10-2015, Proc. 11125/14, in, www.dgsi.pt/jtcas.
2.11 Neste contexto atente-se novamente que o artigo 33º alínea b) do CPTA dispõe expressamente que “nos processos relativos a atos administrativos, atende-se ao conteúdo económico do ato”, em termos que “…quando esteja em causa a aplicação de sanções de conteúdo pecuniário, o valor da causa é determinado pelo montante da sanção aplicada”.
2.12 Ora, como é sabido, é a letra da lei o ponto de partida e limite da interpretação jurídica a efetuar pelo intérprete e aplicador da lei nos termos do disposto nos artigos 9.º e 10° n.º 2 do Código Civil, que, entre o demais, determina na tarefa de interpretação da lei se elimine aquele ou aqueles sentidos que nela não tenham a menor correspondência, e que, no caso de a lei comportar apenas um sentido seja esse o sentido da norma.
Noutra formulação, e à luz do disposto no artigo 9º do Código Civil o intérprete deve, na fixação do sentido e alcance da lei, presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, e reconstituir, a partir da letra da lei, o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico e as circunstâncias em que a lei foi elaborada.
E na determinação do verdadeiro sentido e alcance das normas legais, o intérprete tem que utilizar sempre conjuntamente o elemento gramatical e o elemento lógico, neste se incluindo o elemento racional ou teleológico, o elemento sistemático e o elemento histórico (cfr. Batista Machado in, “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, Almedina, Coimbra, 1985, pág. 181).”
2.13 Nesta esteira, deve entender-se que os elementos interpretativos (cfr. artigo 9º do Código Civil) apontam todos no sentido de que por aplicação do disposto no artigo 33º alínea b) do CPTA, estando em causa a impugnação de uma decisão disciplinar aplicativa de uma pena disciplinar de multa, o valor da causa deve corresponder ao montante da sanção aplicada. Significando que em tais casos não há que fazer apelo ao critério do valor indeterminável a que alude o artigo 34º do CPTA, precisamente por não se estar aí no campo de aplicação de tal norma.
2.14 Importando simultaneamente relembrar, o que não é de somenos, que o interprete e aplicador da lei não pode sobrepor à ponderação legislativa os seus próprios juízos sobre o que pensa que deveria ser regime legal, mesmo que os considere mais adequados e equilibrados que os emanados dos órgãos de soberania com competência legislativa (vide, Acórdão do Pleno do STA de 13/11/2007, Procº nº 01140/06, in, www.dgsi.pt/jsta).
2.15 Não colhe, por isso, a argumentação usada no acórdão arbitral recorrido, quando, ademais, mostrando-se garantido através do disposto no artigo 142º nº 3 do CPTA, independentemente do valor da causa (e da sucumbência), as decisões proferidas em matéria sancionatória.
A este respeito vide Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 2010, 3ª Edição Revista, pág. 930, onde se lê o seguinte: A alínea b) abrange decisões (de procedência ou improcedência) relativas a processos que envolvam a aplicação de penas disciplinares, de sanções estatutárias ou de sanções referentes à prática de ilícitos administrativos e pretende garantir a existência de um segundo grau de jurisdição em relação a matérias que, independentemente da utilidade económica imediata que poderá estar em causa, têm um significativo reflexo, quer na perspetiva do interesse público que à Administração cabe prosseguir, quer dos interesses dos funcionários ou agente envolvidos (preservação da idoneidade moral e profissional, eventuais efeitos negativos no desenvolvimento da carreira).
E se assim é, mostra-se também desprovida de utilidade a finalidade que se afigura pretender ter sido querida salvaguardar na tese do acórdão arbitral.
2.16 Assiste, pois, razão ao recorrente, devendo ser revogado o acórdão arbitral recorrido na parte em que fixou como valor da causa o de 30.000,01 €, e em sua substituição fixar-se o valor da causa em 12.853,00€, correspondente ao quantitativo das multas disciplinares aplicadas e impugnadas, indicado pelo recorrente no requerimento inicial do recurso arbitral.
O que se decide.
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3. Da invocada nulidade do acórdão arbitral recorrido
3.1 Começa o recorrente por invocar que o acórdão arbitral incorre em nulidade por omissão de pronúncia, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 61º da LTAD, 1º e 91º nº 1 do CPTA e 615º 1 d) CPC – (vide conclusões ii), iii), iv) e v) das alegações de recurso).
Sustenta a tal respeito, em suma, que no seu pedido de arbitragem necessária invocara como um dos fundamentos para a revogação da condenação disciplinar a nulidade da decisão condenatória face à alteração substancial dos factos que não lhe fora comunicada nem pela mesma consentida; que todavia o acórdão do TAD não contém qualquer referência, mínima que seja, a esta matéria, não tomando posição sobre a questão submetida à sua apreciação; que a alteração dos factos é inquestionavelmente relevante para a boa decisão da causa, em termos que o TAD tinha o dever de expressamente se pronunciar sobre a esta invalidade, que foi invocada pela demandante, ora recorrente; e que ao deixar de pronunciar-se sobre tal questão, suscitada pela parte, que se impunha que fosse apreciada e decidida, o acórdão recorrido padece de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos e para os efeitos da aplicação conjugada dos artigo 61º da LTAD, 1º e 91º nº 1 do CPTA e 615º 1 d) CPC.
3.2 Antecipe-se desde já que lhe assiste razão.
3.3 Com efeito, perscrutado o requerimento inicial apresentado junto do Tribunal Arbitral do Desporto pelo recorrente FUTEBOL C….., SAD que deu origem ao recurso arbitral necessário, constata-se que nele foi peticionada a revogação da «condenação pelas infrações previstas e punidas pelos arts. 186º 1 e 187º nº 1, a) e b) do RD, com fundamento em nulidade decorrente da violação da proibição da alteração substancial dos factos, da violação do princípio da proibição da reformatio in pejus e da violação do dever de fundamentação».
Sendo que percorrida a alegação nele vertida se constata que ali o recorrente começou desde logo por invocar a nulidade do acórdão do Pleno do Conselho de Disciplina da FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL que negando provimento ao recurso hierárquico impróprio manteve a decisão da Secção Profissional do Conselho de Disciplina, aplicando ao recorrente as sanções disciplinares impugnadas, por alteração substancial dos factos, o que fez sob o ponto I. do requerimento inicial do processo de Arbitragem Necessária (págs. 3 ss.).
3.4 O acórdão arbitral recorrido não deixou, aliás, de considerar ser esse um dos fundamentos do recurso arbitral ao fazer a resenha da posição das partes sobre o litígio, vertendo a tal respeito, designadamente o seguinte (vide pág. 7 ss. do acórdão arbitral):
«(…)
("texto integral no original; imagem")

(…)»
3.5 Todavia, em sede de apreciação do mérito, a que o acórdão arbitral se dedica no seu ponto 9. sob a epígrafe «matéria de direito» (vide pág. 20 ss. do acórdão arbitral), tal questão não foi analisada nem decidida.
Tal consubstancia nulidade do acórdão arbitral por omissão de pronúncia, na exata medida em que o colégio de árbitros deixou de pronunciar-se sobre questão de que devia apreciar e decidir.
3.6 Recorde-se que nos termos do disposto no artigo 61º da Lei do TAD, são de aplicação subsidiária nos processos de jurisdição arbitral necessária, as regras previstas no Código de Processo nos Tribunais Administrativos, com as necessárias adaptações.
O artigo 95º do CPTA dispõe, sob a epígrafe “objeto e limites da decisão” que “…a sentença deve decidir todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e não pode ocupar -se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras” (nº 1), estatuindo que “…nos processos impugnatórios, o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as causas de invalidade que tenham sido invocadas contra o ato impugnado, exceto quando não possa dispor dos elementos indispensáveis para o efeito, assim como deve identificar a existência de causas de invalidade diversas das que tenham sido alegadas, ouvidas as partes para alegações complementares pelo prazo comum de 10 dias, quando o exija o respeito pelo princípio do contraditório” (nº 3).
3.7 Na situação dos autos temos que perante a decisão disciplinar proferida em processo sumário em 03/05/2017 pela Secção Profissional do Conselho de Disciplina da FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL, o recorrente FUTEBOL C….., SAD dela deduziu recurso hierárquico impróprio, de caráter necessário, para o Pleno do Conselho de Disciplina, ao qual foi negado provimento, com manutenção da decisão disciplinar, por acórdão de 06/06/2017.
Nessa sequência foi o Tribunal Arbitral do Desporto chamado a apreciar e decidir, em sede de jurisdição arbitral necessária, o recurso que o recorrente FUTEBOL C….., SAD do acórdão de 03/05/2017 do Pleno do Conselho de Disciplina da FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL que negando provimento ao recurso hierárquico impróprio manteve a decisão da secção profissional do Conselho de Disciplina que aplicou ao recorrente as sanções disciplinares de multa de 5.738,00€ pela prática da infração prevista e punida pelo artigo 186º nº 1do RDLPFP2016; de multa de 1.148,00€ pela prática da infração prevista e punida pelo artigo 187º nº 1, alínea a) do RDLPFP2016; e de multa de 5.967,00€ pela prática da infração prevista e punida pelo artigo 187º nº 1, alínea b), do mesmo Regulamento.
Sendo que nele o recorrente FUTEBOL C……, SAD peticionou a revogação da «condenação pelas infrações previstas e punidas pelos arts. 186º 1 e 187º nº 1, a) e b) do RD, com fundamento em nulidade decorrente da violação da proibição da alteração substancial dos factos, da violação do princípio da proibição da reformatio in pejus e da violação do dever de fundamentação».
3.8 Ao colégio de árbitros do TAD incumbia, assim, enfrentar o pedido impugnatório que lhe foi formulado debruçando-se sobre cada um dos respetivos fundamentos de invalidade/ilegalidade, os quais consubstanciavam a causa de pedir tal como a mesma foi configurada pelo recorrente no requerimento inicial.
Não foi o que fez, já que, apesar de ter adequadamente delimitado o objeto do litígio, percorrendo os fundamentos alegados pelo recorrente FUTEBOL C…., SAD veio apenas a debruçar-se sobre parte deles, provavelmente por ter aderido à posição que quanto a eles foi defendida pela recorrida FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL, já que na sua contestação não se pronunciou sobre a invocada alteração substancial dos factos, como aliás é constatável na narração das posições das partes feita no acórdão arbitral recorrido (vide págs. 12-16 do acórdão arbitral).
3.9 Se o colégio de árbitros do TAD não aprecia, sem justificação, no âmbito da jurisdição arbitral necessária em sede de processo impugnatório, causa de invalidade que tenha sido expressa e claramente invocada como fundamento do recurso arbitral, incorre em omissão de pronúncia.
3.10 Essa omissão verifica-se, no presente caso, o que constitui, como bem sustentou o recorrente, nulidade do acórdão arbitral recorrido, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 61º da LTAD, 1º e 91º nº 1 do CPTA e 615º 1 d) CPC.
O que se reconhece-se e declara.
Razão pela qual deve ser anulado o acórdão arbitral recorrido.
Procedendo, pois, nesta medida, as conclusões ii), iii), iv) e v) das alegações de recurso.
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4. Do invocado erro de julgamento quanto à decisão da causa
4.1 O recorrente aponta também em erro de julgamento quanto à decisão da causa, seja por errada aplicação do direito seja por errado enquadramento e subsunção factual – (vide conclusões vi) a xxiv) das alegações de recurso).
4.2 Tais questões mostram-se todavia, prejudicadas, face à reconhecida nulidade do acórdão arbitral recorrido, por omissão de pronúncia.
4.3 Sendo certo que não cabe a este Tribunal de recurso o conhecimento em substituição daquele que incumbia ao Tribunal Arbitral do Desporto em sede de jurisdição arbitral necessária.
Tanto mais que sempre se imporá, para conhecimento do fundamento de invalidade omitido (a alteração substancial dos factos) a ampliação da factualidade que foi dada como provada no acórdão arbitral, a qual sempre deve espelhar, pelo menos, os factos que foram considerados na decisão da secção profissional do Conselho de Disciplina de 03/05/2017 e os que foram vertidos na decisão do Pleno daquele mesmo Conselho de Disciplina de 06/06/2017, atentando simultaneamente nos atos de instrução que foram levados a cabo.
4.4 Pelo sobredito fica, pois, prejudicado o conhecimento dos apontados erros de julgamento, de que assim nos abstemos de conhecer.
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5. Do recurso dirigido ao segmento da decisão arbitral que fixou o montante das custas do processo arbitral
5.1 Pugna ainda o recorrente pela revogação do acórdão arbitral na parte em que fixou o montante das custas devidas, atenta a sua desproporcionalidade, por inconstitucionalidade das normas em que se suporta, por violação dos artigos 18.º nº 2 e 20º da CRP - (vide conclusões xxvi) a xxviii) das alegações de recurso).
5.2 Esta questão mostra-se, todavia, também prejudica em face da anulação do acórdão arbitral recorrido supra decidida, uma vez que se impõe, nos termos e pelos fundamentos vertidos supra, que o colégio de árbitros do TAD emita novo acórdão (e que pode até vir a ser de procedência da pretensão impugnatória do recorrente) no qual as respetivas custas do processo arbitral devem ser fixadas.
5.3 Fica, pois, prejudicado o conhecimento desta questão, de que, assim, nos abstemos de conhecer.
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IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em, concedendo-se provimento ao recurso jurisdicional:
- revogar-se o acórdão arbitral recorrido, na parte em que fixou como valor da causa o de 30.000,01 €, e em sua substituição fixar-se o valor da causa em 12.853,00€;
- anular-se o acórdão arbitral recorrido no que tange à apreciação do mérito do litígio, com fundamento em nulidade por omissão de pronúncia, devendo os autos ser remetidos ao Tribunal Arbitral do Desporto para prolação de novo acórdão, nos termos sobreditos, se a tanto nada mais entretanto obstar.
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Custas nesta instância, pelo recorrido, que contra-alegou - artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013) e artigo 4º nº 1 alínea a) do RCP.
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Notifique.
D.N.
Lisboa, 8 de novembro de 2018
Maria Helena Barbosa Ferreira Canelas (relatora)
Carlos Evêncio Figueiredo Rodrigues Almada Araújo
Paulo Heliodoro Pereira Gouveia